Mudando mais uma vez…

Mudando mais uma vez…

Depois de algum tempo residindo com a família Henriques em Santarém, eis que mais uma vez Beatrix mudaria de ares.

Enquanto Fitzwilliam e seus irmãos viajavam para negociar a casa que seria a nova residência da família Henriques, Beatrix cuidava dos detalhes da mudança, em Santarém, com Heloysa, a esposa de Samuel, além dos empregados dos Henriques.

A louça deveria ser embalada e encaixotada em meio à palha, os móveis da família deveriam ser cuidadosamente transportados. Ali estavam objetos que pertenciam aos Henriques e dos quais eles tinham uma memória afetiva muito forte. Esse apego ao passado era uma forma de manter viva a memória dos pais, já falecidos há tanto tempo. Era curioso como eles se esforçavam para estar sempre próximos vivendo na mesma casa.

Beatrix se sentia próxima ao irmão, mas essa era uma proximidade que não via problemas quanto a espaços. Ela poderia estar em Alexandria e o irmão na Irlanda, mas se fechasse os olhos era como se ele estivesse ali, sempre perto, sempre ao seu lado. E mesmo que muito tempo se passasse, quando eles pudessem se rever, era como se eles nunca tivessem de fato se separado. Mas cada um tem sua forma de amar, tem sua forma de sentir o outro, e essa proximidade, e esse apego e necessidade de estar sempre por perto era a forma dos Henriques.

O apego ao passado era uma garantia da presença, os pais sempre relembrados ali, conservados em uma janela, em um vaso, uma mesa… Cada pedaço da casa era para eles um pedaço da história que viveram. Por isso, foi com pesar que eles decidiram partir e deixar a morada onde tanto tempo estiveram juntos em Santarém.

Pesaram e discutiram por dias, todas as possibilidades que se apresentavam. Santarém já não era mais a mesma, mas nem era esse o problema, pois já haviam passado ali “invernos mais rigorosos”, tempos mais difíceis, e nem por isso haviam desistido. Nem mesmo o ar estagnado e a mesmice os desestimulava. O gosto do desafio era bom, os atraia, mas o convite que receberam era deveras tentador. Haveria a possibilidade de formarem uma Companhia Comercial, nos moldes que sempre sonharam. E haveria incentivos como até mesmo a isenção completa de impostos e contratos e encomendas firmadas com uma diversidade de clientes muito maior. O local era tranquilo, mas por ser fronteira de condado abria um leque de possibilidades. Sua posição centralizada parecia-lhes estratégica. Desse modo, era com animação que eles se imaginavam mudando para Alcobaça e lá dando início à “Companhia Comercial Alvorada” (o nome ainda não estava na verdade decidido e ainda ocuparia discussões exaustivas).

Nenhum deles fazia ideia dos males que a guerra traria, e muito menos que devido a ela passariam tanto tempo separados, mas todos estavam cheios de entusiasmo e muita esperança. Os preparativos começaram e apesar da guerra, eles continuaram. Era ainda cedo para saber o reflexo que isso teria sobre Portugal.

Desse modo, Beatrix mais uma vez uniu-se a eles, apoiando o desejo de mudança e preparando-se também para partir para uma nova cidade, recomeçar mais uma vez ao lado da família que escolhera além da sua original. Por conta de seu relacionamento com Fitz e a sua grande amizade com Kub e Samuel, sentia-se também já partícipe daquela família tão unida. Fitz a cada dia era mais amoroso e gentil e os irmãos Samuel e Kub eram divertidos e companheiros. Também era muito agradável cuidar da pequena Nahian, que se tornara sobrinha de Beatrix por afinidade e era muito inteligente e alegre.

Depois de terminada a organização na casa dos Henriques, ela foi ao ateliê ver como ia a preparação das fiandeiras. Seria mais simples desfazer-se do ateliê que era apenas alugado, mas o cuidado com móveis e o trabalho da mudança era o mesmo. Ali estava também a vida de uma família da qual Beatrix também se sentia integrante, ainda que não fosse unida por laços de sangue, eram laços igualmente poderosos, até mesmo mais significativos, de afinidade, de cumplicidade, de compreensão e vivência.

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Ateliê Tecelã da Alvorada – Alcobaça

O ateliê prosperara ali também, fizera sua fama e sua história. Agora, no entanto era hora de recolher os teares, guardar as navetes, os baús de tecidos e utensílios de costura. Beatrix estava subindo as escadas quando foi repreendida por Clotilde. Ela não devia fazer aquilo, poderia se machucar. Logo, a ágil menina subiu e retirou a placa. As carroças chegaram e era hora de partir. Elas iriam à frente, Beatrix deveria ir com a mudança da família Henriques que partiria apenas no dia seguinte, assim que os irmãos retornassem. Na cidade de Alcobaça, já estavam alugadas as casas que serviriam como morada das fiandeiras e de ateliê, duas casas geminadas. Algumas reformas seriam necessárias, mas já estavam habitáveis. Beatrix se perguntava como chamaria o ateliê dessa vez. Era um espaço amplo e com muitas janelas pelas quais se divisava o mar, pois o local escolhido ficava próximo ao porto e à praia.

Se os planos fossem bem sucedidos Beatrix tencionava comprar as duas propriedades e fixar seu negócio ali, em definitivo. Todos estavam ansiosos, e cada qual já negociava terrenos e galpões, de acordo com sua especialidade. Fitzwilliam iria se dedicar ao trabalho de ferreiro, o que era interessante, levando em conta que tinha contatos e conhecia bem armamentos por ser um ex-militar. Kub comprara campos e investiria no plantio de milho e em uma criação de porcos. Ele ainda não sabia se teria algum outro negócio além daqueles. Nahian estava bastante animada com o fato do pai ter decidido se tornar padeiro e abrir também uma carpintaria. Os investimentos pareciam todos promissores.

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Residência dos Marques Henriques – Alcobaça

O mais importante, no entanto, era a casa da família Henriques. Em sua primeira visita à cidade com o intuito de mudança, os Henriques haviam localizado algo que os deixou verdadeiramente animados. Havia uma casa muitíssimo parecida com a casa que tinham em Santarém. A semelhança não era ocasional, pois ela havia sido feita pela mesma guilda de pedreiros e alvanéis que construíram a residência de Santarém. Parecia mesmo que o destino conspirava, pois o dono da casa estava interessado em negociá-la. Assim, eles haviam feito uma última viagem para acertar a negociação, que incluiriam além de dinheiro, algumas mercadorias como farinha e milho em uma boa quantidade. A casa de Santarém já havia sido negociada, e boa parte do dinheiro seria investido na nova residência.

No tempo previsto os irmãos Henriques retornaram com o contrato da nova casa devidamente lavrado. Agora todos poderiam partir para a mudança definitiva.

Chegando no dia marcado, os Henriques novamente se reuniram e a família partiu para Alcobaça com a mudança disposta em uma caravana de carroças que levavam a mobília e outros pertences. Beatrix foi com eles, viajando em seu cavalo Desheret. Depois de um dia de viagem estavam finalmente em Alcobaça, a cidade das belas macieiras.

A semelhança com a casa de Santarém deixou os que ainda não tinham visto a nova morada bastante impressionados. Depois de ajudar na organização dos móveis e a desencaixotar loiças e pratarias, Beatrix foi ver como estava a arrumação do novo ateliê e se as fiandeiras estavam bem instaladas.

Quando viram Beatrix, as fiandeiras ficaram bastante animadas. A arrumação estava praticamente pronta. Só faltavam poucos detalhes, entre eles estava a fixação do novo letreiro. Nele estava escrito Ateliê: Tecelã da Alvorada. Beatrix levou o letreiro que ficara pronto na véspera da viagem. Ela entregou-o a Clotilde que habilmente o fixou acima da porta de entrada do novo ateliê que estava assim devidamente inaugurado.

Uma nova etapa se iniciava para a tecelã ruiva e sua guilda. Uma nova etapa se iniciava também para os Henriques.

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