Coonlagh e a fada

Há muito tempo, quando Cahoun das Cem Batalhas era o Grande Rei de toda a Irlanda, chegou a época das festas de Beltaine, e na tarde que antecedeu o primeiro de Maio, Cahoun e seu filho Coonlagh foram ao monte Usnach acender as fogueiras e dar início às comemorações da chegada do verão.

Enquanto subiam o morro, Cahoun e seu filho Coonlagh atraíam todos os olhares, porque nenhum guerreiro era maior do que eles. Todas as mulheres eram terrivelmente apaixonadas por Coonlagh Ruadh – o Coonlagh do Cabelo Vermelho – e todas suspiravam ao vê-lo passar, porque seu cabelo tinha a cor do sol poente e sua pele era branca como leite. Seus Olhos eram da cor do azul profundo do amanhecer, e sua face vermelha como o sangue de um novilho recém abatido.
E lá iam eles, o rei e seu amado herdeiro. Conversavam sobre tudo, de música a pássaros e à beleza das mulheres, e enquanto caminhavam chegou uma brisa das terras úmidas e chuvosas situadas a oeste, um pouco distantes dali. Junto com a brisa veio uma voz que chamava:
— Coonlagh, Coonlagh Ruadh, venha e seja gentil comigo, porque pertenço a você e você pertence a mim. Venha e seja o meu amado.
Os dois pararam, admirados ao ouvirem aquela voz, no vento. Então o próprio Coonlagh Ruadh olhou numa determinada direção e empalideceu.
— O que foi ? — perguntou o Grande Rei Cahoun das Cem Batalhas. — O que você está vendo ? Eu não estou vendo nada.
Coonlagh Ruadh disse:
— Vejo uma linda moça, a mais linda que já vi na minha vida. Seu cabelo brilha tanto quanto o sol da manhã, e seus olhos são verdes como as colinas irlandesas. Sua pele é branca e macia como as espumas do mar. Sua face é corada como a rosa, e seus lábios da cor do coral me dizem que ela me ama e a mais ninguém.
Novamente ouviram a voz daquela moça encantada, dizendo bem alto ao vento:
— Coonlagh Ruadh, venha e seja meu amado. Entrelacemos nossos corpos como as árvores e seus ramos, e formemos um só corpo com os nossos, porque fui feita para você e você para mim. Eu o levarei para Tir Na n´Og, terra da Juventude eterna, além das brumas e da chuva, e lá você será meu esposo.
Cahoun das Cem Batalhas, grande guerreiro que era, naquele dia tremeu. Tinha medo que seu filho partisse com aquela moça. Chamou todos os guerreiros, sábios e sábias, e ordenou que acendessem suas fogueiras e cantassem seus cantos sagrados para exorcizar a magia que a fada lançara contra seu querido filho e herdeiro. Então, aqueles magos, os druidas da Irlanda, armaram fogueiras maiores do que as árvores mais altas, e com feitiços mudaram a direção do vento, e a fada foi levada como uma nuvem. Mas antes de desaparecer tirou dos seios uma maça incrivelmente dourada e atirou-a aos pés de Coonlagh Ruadh. Ele pegou a maçã e guardou-a junto ao peito.
Por um ano e uma dia ficou cabisbaixo e mudo, não ria e nem ao menos sorria. Não tocou em nenhum alimento e em nenhum líquido para saciar a sua sede.
Por um ano e uma dia manteve a maçã junto ao peito. Toda vez que sentia necessidade de se alimentar, bastava levar a maçã aos lábios e dar uma única mordida para ficar completamente satisfeito. Assim que colocava a maçã de volta ao peito ela se refazia e ficava de novo inteira.
Foi isso que aconteceu durante um ano e uma dia, até que chegou novamente o primeiro de maio. Para as comemorações de Beltaine começaram a erguer as fogueiras em homenagem ao verão. Cahoun das Cem Batalhas, Grande Rei de todas a Irlanda, subiu de novo o monte Usnach com seu filho e herdeiro, seu amado e querido Coonlagh Ruadh. O rapaz, porém, continuou de cabeça baixa, e pela primeira vez não conversaram como reis. Não falaram sobre mulheres e música, ou sobre mitos e sábias decisões. Ao chegarem no alto do morro começou a ventar e junto com a brisa veio aquela voz de muito além das terras cobertas pela neblina e pelas chuvas. Era uma voz tão doce como o canto dos pássaros, e exclamava:
— Coonlagh! Coonlagh Ruadh! Venha e seja amoroso comigo.
Cahoun das Cem Batalhas sabia que era a mesma voz que ouvira um ano e uma dia antes. Reuniu os magos e ordenou-lhes que exorcizassem. Mas as palavras mágicas não surtiram efeito e a fada não pode ser silenciada.
— Coonlagh Ruadh, venha comigo e me ame. O maior guerreiro, o mais bonito de todos! Venha comigo no meu barco de cristal para além da névoa e da chuva, para Tir Na n´Og, Terra da Eterna Juventude, e lá lhe darei a maior das alegrias. Todos os prazeres serão seus. Nós nos entrelaçaremos como as vinhas e as árvores nas matas, e o levarei para a ilha das fadas e das mulheres. Lá, todos os prazeres lhe serão mostrados e concedidos, e você será meu marido.
Tamanho era o amor de Coonlagh Ruadh pela fada que ele esqueceu seu povo, o soberano que também era seu pai, os sacerdotes e os magos do monte Usnach e as comemorações da chegada do verão nos festejos de Beltaine. Em três tempos desceu o morro e foi do umbigo da Irlanda até a praia mais ocidental. Pulou no mar e com sete braçadas atravessou sete ondas e alcançou a canoa de cristal onde já estava a linda fada, esperando-o. Abraçaram-se e beijaram-se, felizes e exultantes. Cahoun das Cem batalhas e todos os guerreiros, sacerdotes e todo o povo correram para ver seu amado filho e herdeiro navegar para longe, além das brumas e das chuvas.
Nunca mais Coonlagh Ruadh foi visto naquelas terras. Cahoun das Cem Batalhas teve de fazer outro herdeiro para substituí-lo. Muitos anos se passaram e muitas histórias de fadas foram contadas desde então. Um dia, veio dar na parte ocidental da Irlanda um grupo de crianças que tinham cabelos tão vermelhos como o sol quando se põe, e tão brilhantes quanto o sol da manhã. Diziam ser filhos de Coonlagh Ruadh e da fada, e que tinham vindo da Terra de Tir Na n´Og, escondidos no nevoeiro e na chuva para contar às crianças da Terra Mediana as doces histórias que haviam aprendido em sua terra, e para cantar canções mais doces que as da cotia ao despertar.
Foi assim que chegaram até nós os contos de fadas de Tir Na n´Og.

Author: Beatrix