O poder das palavras

“A morte e a vida estão no poder da língua, e aquele que a ama comerá do seu fruto”.

“…no princípio era o verbo…”

O título deste texto faz alusão a chamada Questão dos Universais – que implica na grande questão medieval – qual a relação entre as palavras e as coisas?

Sobre esse assunto gostaria de comentar sobre um filme que aborda não só esse aspecto mais também o contexto histórico da Baixa Idade Média de maneira impecável: “O nome da Rosa” (Jean-Jacques Annaud, Der Name Der Rose, 1986).

Umberto Eco Já tive o prazer de comentar anteriormente sobre um bom filme que aborda o período da Baixa Idade Média chamado “Em nome de Deus”. Seria injustiça não dar a mesma atenção a “O nome da Rosa”, que inspirado no premiado livro de Umberto Eco é um dos raros filmes que consegue competir em pé de igualdade com a qualidade do livro em que se inspirou. Claro que o filme não é tão detalhista como o romance, e não haveria como sê-lo, pois certas idéias que funcionam bem no livro não encontram uma acolhida comparável em um filme de apenas 130 minutos. A obra de Annaud é sem dúvida um triller de suspense que prende a atenção do espectador, merecem destaque o apuro histórico, a ambientação e a excelente atuação de Sean Connery como Guilherme de Baskerville.

Guilherme de Baskerville e Bernardo Gui
A expressão “O nome da Rosa” vem de um antigo poema medieval que faz alusão ao infinito poder das palavras. Da rosa subsiste seu nome, apenas; mesmo que não esteja presente e nem sequer exista mais o objeto. A ” rosa de então” , centro real desse romance, é a antiga biblioteca de um convento beneditino, na qual estavam guardados, em grande número, códigos preciosos: parte importante da sabedoria grega e latina que os monges conservaram através dos séculos.

Poster do filme “Em ‘O nome da Rosa’ estranhas mortes começam a ocorrer num mosteiro beneditino medieval localizado na Itália, onde as vítimas aparecem sempre com os dedos e a língua roxos. O mosteiro guarda uma imensa biblioteca, onde poucos monges tem acesso às publicações sacras e profanas. A chegada de um monge franciscano (Sean Conery), incumbido de investigar os casos, irá mostrar o verdadeiro motivo dos crimes, resultando na instalação do tribunal da santa inquisição.

A Baixa Idade Média (século XI ao XV) é marcada pela desintegração do feudalismo e formação do capitalismo na Europa Ocidental. Ocorrem assim, nesse período, transformações na esfera econômica (crescimento do comércio monetário), social (projeção da burguesia e sua aliança com o rei), política (formação das monarquias nacionais representadas pelos reis absolutistas) e até religiosas, que culminarão com o cisma do ocidente, através do protestantismo iniciado por Martinho Lutero na Alemanha em 1517.

Culturalmente, destaca-se o movimento renascentista que surgiu em Florença no século XIV e se propagou pela Itália e Europa, entre os séculos XV e XVI. O renascimento, enquanto movimento cultural, resgatou da antigüidade greco-romana os valores antropocêntricos e racionais, que adaptados ao período, entraram em choque com o teocentrismo e dogmatismo medievais sustentados pela Igreja.

No filme, o monge franciscano representa o intelectual renascentista, que com uma postura humanista e racional, consegue desvendar a verdade por trás dos crimes cometidos no mosteiro.”
fonte: Anchieta

Muitos consideram a Idade Média como a “Noite dos mil anos”, “Idade das trevas” e outros epitetos não muito elogiosos que afloram em nossos livros de História, e que refletem uma concepção muitas vezes errônea sobre esse controverso período histórico.

É importante destacar que mesmo o termo Idade Média é uma invenção surgida somente no século XVII, e que procurava expressar a idéia de que entre esta época e a Antiguidade Clássica (Grego e Romana) tinha havido uma obscura fase intermediária. Assim os humanistas ressaltaram apenas os aspectos negativos do período, marcado pelo obscurantismo, pela Inquisição em oposição aos valores da antiguidade clássica que teriam lugar novamente apenas no Renascimento.

No entanto, entre 500 e 1500, datas que aproximadamente marcam o início e o fim da Idade Média, ocorreram vários fatos importantes tanto no nível socio-político econômico, quanto nas artes e na literatura. Trata-se portanto de uma visão simplista e homogênea que não corresponde a complexidade do período englobado.

A Idade Média teve escritores como Dante e Petrarca, pintores como Giotto, e pensadores como Santo Anselmo, Pedro Abelardo, Roger Bacon e Guillherme de Occam.
Nesse período o gênero lírico se desenvolveu através do trovadorismo. Na arquitetura, a arte bizantina, românica e gótica mostram um grande desenvolvimento e apuro estético. O mesmo pode-se dizer da pintura e da escultura. Durante a Idade Média muito da arte e da cultura greco-romanas permaneceram vivas durante o Império de Bizâncio e mesmo através da presença da influência árabe na Europa.

Sobre o conceito de renascimento o historiador François Chatelet já afirmou:

“Com efeito, aquilo a que chamamos ‘Renascimento’ é apenas a radicalização brutal de uma série de progressos consumados ao longo dos séculos anteriores. De uma só vez, todos esses progressos, que, por razões e causas múltiplas, se tinham acumulado de maneira bastante secreta e sem entrarem em contacto uns com os outros, começam a interagir subitamente. Isso cria o acontecimento de primeira grandeza a que é costume dar-se o nome de ‘Renascimento’. Talvez fosse mais justo chamar-lhe ‘aparecimento’ ou ‘afloramento’ da modernidade. Porque antes não era o sono. Havia uma vida intensa, de onde resultou, por cristalização brusca, essa forma particularmente original e reveladora.”

Author: Beatrix