O
"lixo" que muitos consideram os anos 80, gerou um movimento
que para várias pessoas só existiam gays, os new
romantics. Só que de gays não tinham nada: Phil
Oakey, do Human League, era um dos maiores papadores de meninas
já produzidos no rock. E além disso, algumas bandas
bacanas como Duran Duran, o próprio Human (com seu monumental
disco Dare), Culture Club, Spandau Balllet, Heaven 17 e o ABC.
Essa bandinha liderada por Martin Fry, um dos inúmeros
dandis que sonhavam em ser Bowie, mas só conseguiu um timbre
de voz semelhante, perpetuou um sensacional disco de estréia
chamado Lexicon of Love. Puxada pela irresistível "The
Look of Love (Part 1)" venderam milhões, com seu funk
adocicado e belos refrões, algo que os duranies fizeram
bem. Tiveram mais dois bons discos, algumas deslizadas, e em 1997,
lançaram um excelente cd ao vivo chamado Lexicon of Live.
Se você gosta de ouvir um disco pelo simples prazer de ouvir
sossegado e estalar os dedos, ABC é uma bela pedida.
Ufa!,
depois de Pixies, Leonard Cohen, Gang of Four, Clash e Elvis Costello,
cumpro minha promessa feita no começo do ano de falar de
alguma banda mais obscura. Essa coluna é também
de cunho sentimental para mim, afinal é a primeira feita
em território novo, já que cheguei essa semana em
São Luís para viver com minha namorada. Com essa,
são 77 dentro desse espaço, a mais antiga do site,
e milagrosamente escapou de pancadas até hoje (eu e ela).
Lágrimas derrubadas e agradecimentos feitos, vamos ao assunto
que meus oito leitores ansiosamente esperam...
Martin
Fry era um jovem que queria ser um pop star. Para isso resolveu
tentar a sorte gravando uma canção de sucesso, objeto
de desejo de 11 entre 10 jovens. Os ídolos eram os mais
espetaculares do Reino Unido: Bowie e Roxy Music. "Bowie
era fantástico: a voz, as letras, as personas, o charme.
Bryan Ferry era um dandi do século passado, um personagem
que parecia ter vivido à época de Oscar Wilde. Todo
mundo ouvia Bowie e Roxy, eles eram o máximo."
Para ganhar a vida, Martin
era editor de um fanzine de Sheffield chamado Modern Drugs.
Certo dia resolveu entrevistar um grupo chamado Vice Versa para
a publicação. Enquanto o papo rolava, foi gostando
do que ouvia e perguntou se não estavam precisando de um
vocalista. O guitarrista Mark White e o saxofonista Stephen Singleton
gostaram do visual de Fry e acabaram convidando-o para ingressar
na banda. Martin sugeriu que a banda mudasse o nome para ABC e
sugeriu que investissem maciçamente no visual, tendo Ferry
como modelo máximo. Os três começaram a procurar
outros músicos para completar o line-up e acabaram
conhecendo o baixista Mark Lickley e o baterista David Palmer.
Com a formação fechada iniciaram os primeiros ensaios
até conseguirem um show em Sheffield. Foram esmagados pelo
público que acabou atirando latas de cervejas em cima dos
músicos. Apesar do fiasco, o ABC não perdeu a classe
e continuou ensaiando e montando seu repertório.
Mandaram várias
demos até chamarem a atenção da Phonogram,
em 1981. Animados, trancaram-se no estúdios fa gravadora
em Marble Arch, região londrina, com Trevor Horn. Dentro
do estúdio acabou brotando um dos maiores sucessos da rádios
do ano seguinte: "The Look of Love".
A intenção
de Martin era fazer um som alegre, dançante, bem funk.
Com sua voz grave, meio-Bowie, meio-Ferry, nasceu The
Lexicon of Love, um dos marcos da era new romantic. (Trevor
Horn ficaria famosos alguns anos depois ao montar um selo chamado
ZTT, que ganharia muito dinheiro (e polêmica) com o grupo
Frankie Goes Too Hollywood).
The
Lexicon of Love estourou mundo afora, com sua seqüência
de hits - "Poison Arrow", Tears Are Not Enough",
além de "The Look of Love". Martin conseguira
o sucesso que tanto sonhara desde menino em Sheffield em sem muito
esforço. Os dois primeiros singles, "Tears Are Not
Enough" e "Poison Arrow" tiveram boas acolhidas
nas paradas britânicas - o primeiro alcançou o 19º
posto e o segundo ficou em 6º - até o lançamento
de "The Look of Love", que estreou em quarto lugar.
Em junho The Lexicon of Love, conseguiu um feito
em sua semana de estréia sendo o de maior vendagem em toda
a Ilha.
Eis a letra da canção...
The Look of Love
When your world
is full of strange arrangements
And gravity won't pull you through
You know you're missing out on something
Well that something depends on you
All I'm saying, it takes a lot to love you
All I'm doing, you know it's true
All I mean now, there's one thing
Yes one thing that turns this grey sky to blue
That's the look, that's the look
-The look of love
When your girl has left you out on the pavement (Goodbye)
Then your dreams fall apart at the seams
Your reason for living's your reason for leaving
Don't ask me what it means
Who's got the look?
- I don't know the answer to that question
Where's the look?
- If I knew I would tell you
What's the look?
- Look for your information
Yes there's one thing, the one thing that still holds true (What's
that?)
That's the look, that's the look
The look of love
If you judge a book by the cover
Then you'd judge the look by the lover
I hope you'll soon recover
Me I go from one extreme to another
And though my friends just might ask me
They say "Martin maybe one day you'll find true love"
I say "Maybe, there must be a solution
To the one thing, the one thing, we can't find"
That's the look, that's the look
The look of love
That's the look, that's the look
The look of love
That's the look, that's the look
Sisters and brothers
Should help each other
Oh, oh, oh
Heavens above
That's the look, that's the look, hip hip hooray, ay
That's the look, that's the look, yippee ai yippee aiay
That's the look, that's the look
Be lucky in love
Look of love
"Nós fomos
o primeiro grupo de Sheffield a fazer um sucesso tão grande
assim. É fantástico ser o número um! Todos
param para conversar com você, pedir conselhos e desejam
boa sorte. Claro que nem todos estão com as melhores intenções,
mas mesmo quando apertam os dentes quando me dão as costas,
me sentia bem. Eu tinha conseguido um feito que me colocava ao
lado de nomes como Beatles ou Bowie. O nosso álbum era
o mais tocado, vendido. Isso tudo foi melhor do que um orgasmo",
lembra Fry.
Sem
perderem tempo partiram para uma excursão por todo o país
e aproveitaram para lançar "All of My Heart",
como nova canção de trabalho. Outro sucesso, com
o single ficando entre as cinco mais executadas nas rádios.
E até a América abriu os braços (e os bolsos)
para o ABC. A então novata MTV passou em alta rotação
o vídeo da canção "The Look of Love",
que alcançou a posição número 18 nas
paradas. Em fevereiro de 1983, "Poison Arrow", foi a
25ª canção mais executada na América.
Tanto
sucesso fez com que o ABC tentasse novos vôos. O grupo queria
mostrar que era apenas mais do que uma banda "new romantic"
e que poderia mostrar talento com outro material. Foi assim que
nasceu Beauty Stab. Martin não estava
particularmente feliz com a condição de ícone
teen e tentava mostrar essa angústia no próximo
disco.
"Somos um grupo muito
insular e tivemos nossas vidas viradas do avesso com o sucesso.
Tivemos que cumprir mais de cem datas nas turnês, e toda
a atenção que a mídia e público exigem
é massacrante. Quando voltamos para Sheffield me senti
morto".
Para conseguirem paz,
afastaram executivos da gravadora e imprensa das gravações
de Beauty Stab. "Se eles estivessem presente, iriam ficar
enchendo para fazermos um Lexicon, Vol.2."
O grupo sofreu pesadas
baixas no período. Mark Lickey havia saído e Dave
Palmer, surpreendentemente quis ficar em Tóquio para juntar-se
ao Yellow Magic Orchestra, quando o ABC realizou shows no Japão.
Alan Spenner, que tocara com Joe Cocker, assumiu o baixo e Andy
Newmark (ex- Sly and the Family Stone), a bateria. Os dois tinham
impressionados todos do Roxy Music, quando participaram do disco
Avalon.
Em três meses o álbum
estava com todas as letras prontas e a banda apta a entrar em
estúdio. Convidaram novamente Trevor Horn para pilotar
o processo, que aceitou após ouvir as novas demo. Mas Trevor
já tinha agendado outros compromissos e Gary Langan acabou
sendo o produtor.
"A idéia era
mostramos que éramos uma banda de rock, que éramos
real, com canções politizadas e de protesto. Eu
queria falar sobre o norte da Inglaterra, e ter muitas guitarras
altas, soar como um furacão", conta Martin.
E foi nisso que Langan
ajudou, mas ninguém gostou. O single "That Was Then
But This Is Now" teve fraca repercussão. Nela Fry
ataca a imagem anterior da banda, com versos como "Por que
precisa fazer seu passado ser uma vaca sagrada?"
Martin mostrara-se um letrista
extremamente habilidoso em construir frases dúbias parecendo
estar trabalhando em uma peça de teatro. Outras duas canções
merecem destaques, "The Power Of Persuasion" e "King
Money", que falam do governo de Thatcher. A primeira alerta
sobre os anúncios da indústria, e a segunda retrata
a cobiça, sob um enfoque pessoal, já que para Martin
queria mostrar como o poder da televisão e do dinheiro
podem afastar uma pessoa de suas raízes e de sua comunidade.
Os temas pesados e a sonoridade,
com inflluência nítida do punk, fizeram de Beauty
Stab um disco muito cru, pesado e completamente distante
do pop de luxo de The Lexicon of Love. A crítica
desceu o pau no trabalho. O New Musical Express chamou
Martin de "terrivelmente ingênuo" e a Rolling
Stone de "abusarem dos clichês mais surrados do
heavy metal". O single "That Was Then But This Is Now"
alcançou apenas 18ª posição na semana
de lançamento e desapareceu. Beauty Stab
foi número 12 na primeira semana e despencou depois. Desesperada,
a gravadora marcou uma série de entrevistas para publicações
adolescentes em janeiro de 1984 para o lançamento do segundo
single, "S.O.S.", uma canção mais próxima
aos singles do disco anterior. Apesar de tanto esforço,
ficou apenas em 39º lugar.
Se a imprensa e fãs não conseguiam aceitar mudança
radical do grupo, o grupo não se incomodou nenhum pouco.
Pelo contrário, já que Martin disse que conseguiu
atrair fãs mais "rockers" e que eles acabaram
comprando The Lexicon of Love.
Após
o fracasso, nova mudança. Martin estava fascinado pelas
novas tecnologias, especialmente pelo Fairlight, onde conseguia
misturar o rap nova-iorquino com James Brown. Foi nesse contexto
que lançaram um állbum chamado How to Be
a Zillionaire.
O primeiro grande sucesso foi a canção "How
to be a millionaire", uma cínica letra:
I've seen the future
I can't afford it
Tell me the truth sir someone just bought it
Say mr. whispers!
Here come the click of dice
Roulette and blackjacks - gonna build us a paradise
Larger than life and twice as ugly
If we have to live there you'll have to drug me
Maybe these luxuries can only compensate
For all the cards you were dealt at the hands of fate
So tell me Tell me! tell me!
How to be a millionaire
Tell me! tell me!
How to be a millionaire! Millionaire! Billionaire! Trillionaire!
Hardly surprising if you might consider
Loyalties go to the highest of bidders
What's my opinion?
I'd give you ten to one Give me a million, a franchise on fun
But there are millions who often get nowhere
And there's just one secret
I think you should share
Maybe these luxuries can only compensate
For all the cards you were dealt at the hands of fate
So tell me Tell me! tell me!
How to be a millionaire Tell me! tell me!
How to be a millionaire!
Who wants to be millionaire? I do! - I don't! - I do!
Who wants to be millionaire? I do! - I don't!
I've seen the future and I can't afford it.
Martin estava exultante
com o rumo. "É de encher sua alma ou o coração
quando consegue um disco cheio de grandes canções,
seu corpo parece estar todo lotado de eletricidade e o Top Ten
é a coisa mais excitante que existe."
Parecia que o crooner de
The Look of Love, voltara. O grupo passara por
uma mutação e a imagem do ABC agora seria apenas
feita como personagens de quadrinhos. "Desenhos são
bobos e divertidos. Você pode jogar um galão de tinta,
sacudir o cabelo e estar limpo novamente. Eles mostram que há
coisas mais importantes na vida, mas também são
duráveis."
Após How
to be.., a banda não conseguiu mais encontrar
o sucesso. Em 1997, numa recente avalanche saudosita dos anos
80 pelo mundo, o ABC fez shows conjuntos com Culture Club e Human
League. A apresentação do dia 6 de junho, em Londres
gerou o álbum Lexicon of Live. Depois
disso, Martin voltou com a banda após receber um telefonema
de um antigo fã o convidado para abrir seus shows: Robbie
Williams. Martin confessa que adorou. "Ele é o cantor
britânico mais popular do momento e a oportunidade em tocar
nos maiores estádios do país me divertiu muito."
Em
uma entrevista durante a tour, Martin explicou seu conceito de
vida: "Eu não me incomodo de ser chamado de uma banda
dos anos oitenta. Os Beatles e os Stones são considerados
bandas da década de 60, assim como Bowie e Roxy, setentistas.
Para mim a vida não parou com o nosso primeiro disco. Todos
os grandes artistas são produtos da época que vivem,
fazem coisas que refletem o que vivem. Acho que foi Dylan que
disse "Eu não posso reclamar, mas algumas pessoas
imaginam que passo a maior parte do meu tempo sonhando com o passado,
quando nem sabe onde estou". Eu sou um cara normal, que entro
no site do Manchester United para saber notícias sobre
o time, tenho email e até carrego fotos da Jennifer Lopez
comigo. Não há como fugir disso."
ABC é uma dessas
bandas esquecidas e logo associadas ao pop descartável.
Mas dentro do descartável há grandes momentos e
canções que com certeza lembramos uma hora ou outra.
Por isso volto a insistir na idéia de Velhas Companheiras:
se você faz parte de um dos oito leitores cadastrados, ou
entra aqui de vez em quando, se curte o que escrevo, meu amigo
(ou amiga) não há jeito: vc é camp assim
como eu por mais que bata a cabeça com Clash ou Pistols,
adora uma pista de dança e dançar velhos hits "gays".
Ou Papai Noel realmente existe? Até a próxima...
Discografia
The Lexicon of Love (1982)
Beauty Stab (1983)
How To Be A Zillionaire (1985)
Alphabet City (1987)
Up (1989)
Absolutely (1990)
Abracadabra (1991)
Skyscraping (1997)
The Lexicon of Live (1999)
Look of Love: The Very Best of ABC (2001)
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