Em 1985 o mundo
foi varrido por uma música linda, singela e com três
jovens vestindo roupas do século XIX e de olhares angelicais.
O mundo era apresentado ao The Dream Academy e ao hino "Life
in a Northern Town," que praticamente varreu o planeta. Apadrinhados
por David Gilmour, do Pink Floyd, o Academy fazia um som essencialmente
sessentista. A banda não durou muito tempo, com apenas
três discos, mas não sem antes arrebanhar uma legião
de fãs que andava carente de grandes melodias. Ouvir o
Dream Academy é até hoje para mim uma lembrança
daqueles dias e "Life in a Nothern Town", uma das canções
clássicas de minha época...
O
Dream Academy foi uma das bandas mais sofisticadas surgidas nos
anos 80. Jogados no caldeirão do neo-psicodelismo, fizeram
até uma apresentação na TV norte-americana
com o The Cult realçando essa aura.
E também deram
muitos motivos: seu primeiro e clássico disco foi co-produzido
por ninguém menos que David Gilmour e conta com uma série
de convidados especiais como o guitarrista do R.E.M., Peter Buck,
em uma das faixas.
Mas a história deles
começa muito antes, mais precisamente em 1977. É
nessa época que Nick Laird-Clowes resolve adotar o mesmo
procedimento de 10 entre 10 adolescentes que sonhavam com a música
naqueles dias: monta uma banda punk. O Alfapha nasce dessa maneira,
embora sua música tenha também muitos elementos
dos anos 60 e chegam até a gravar um disco.
Depois de lançado
o disco, Nick conhece uma pessoa que marcaria sua vida. Durante
umas férias na Grécia em 1978 começa a conversar
com ninguém menos do que David Gilmour, com quem começa
uma amizade. Um ano depois começa outra banda chamada The
Act com o irmão mais novo de David, Mark Gilmour. Gravam
o disco Too Late At 20.
Em 1982 recebe então
um convite inesperado. Durante uma festa após a premiação
Grammy, Paul Simon o convida para ir até Nova York para
dar aulas a Nick sobre teoria musical. “Peguei emprestado
dinheiro e durantes dois meses, Paul me dava aula três vezes
por semana, que duravam cinco horas, em média. Ele me ensinou
muito sobre teoria e que não devemos fazer descobertas
por acidente, e sim estudar e pesquisar muito, porque só
assim se poderia evoluir. Paul me ajudou demais.”
Depois de tamanho empurrão,
Nick colocou um anúncio na Melody Maker procurando
pessoas para montar uma banda. Assim, ele chegou até Gilbert
Gabriel, multi-instrumentista e que desejava como Nick, reviver
os anos 60. “O período entre 1965 e 1968 foi extremamente
rico para a música. Bandas como Beatles, Beach Boys, Love,
Buffalo Springfield mudaram radicalmente o período. E era
isso que eu buscava”, conta Nick.
Mas ainda faltava mais
alguém para montar a banda. E assim chegaram a uma bela
garota, que tocava instrumentos exóticos como oboé:
Kate St. John.
Kate tinha uma grande bagagem
musical e havia estudado em conservatórios, além
de ter participado de um grupo chamado Ravishing Beauties, com
quem não chegou a lançar nenhum disco, mas que havia
funcionado como banda suporte para os shows do Teardrop Explodes,
de Julian Cope.
Através de amigos
em comum, Nick e Kate foram convidados para uma festa e lá
foi feito o convite. “Quando Nick e Gilbert me convidaram,
fiquei muito feliz pois temia não conseguir emprego tocando
oboé”, conta Kate.
Assim,
nascia o Dream Academy no ano de 1983, nome dado por Gilbert que
buscava com a banda um idealismo que envolvesse a arte em geral,
e não apenas a música. Gilbert confessa que estava
fascinado por um livro do escritor Herman Hesse, O Jogo
das Contas de Vidro.
Tendo a ajuda mais que
providencial de Gilmour, o grupo logo conseguiu um contrato com
a Warner Brothers para lançar seu primeiro disco. A Warner
gostou muito do som e do visual da banda, um trio formado por
um jovem negro, um jovem branco e uma moça – todos
bonitos - e tocando instrumentos exóticos como oboé,
corn anglais, acordeão (todos com Kate) fortemente carregados
por imagens dos anos 60, seria algo bem interessante para os anos
80.
E os três tinham
papéis bem específicos: as composições
eram assinadas pela dupla Laird-Clowes (letras) e Gabriel (melodia),
com Kate colaborando nos arranjos.
Gravando
na Inglaterra pelo minúsculo selo Blanco Y Negro (o mesmo
que lançou o primeiro disco do The Jesus and Mary Chain)
e representados pela Warner na América, sai o primeiro
single da banda, a mais do que clássica canção,
Life In a Nothern Town.
E cumprindo um estranho
caminho que só as bandas inglesas possuem em sua história,
foi necessário primeiro explodir nos Estados Unidos para
conseguirem sucesso no Reino Unido.
"O single teve algum
sucesso na Inglaterra, mas ele estourou mesmo primeiro nos Estados
Unidos. Na verdade, ficamos meio assustados quando a crítica
não falou bem de nós", conta Nick.
"Life In a Nothern
Town" é uma canção que fala dos anos
60, mas que também faz uma homenagem ao falecido compositor
e cantor Nick Drake. Uma canção melancólica,
saudosista e com alguns pecados nos arranjos, coisas típicas
dos anos 80, como o excesso de sintetizadores.
A produção
do disco foi assinada por David Gilmour e Nick Laird-Clowes e
vários músicos convidados participaram, destacando-se
o guitarrista Peter Buck na faixa "The Party", além
de dois percussionistas brasileiros - Luís Jardim e Bosco
de Oliveira.
Boa parte das guitarras
foi regravada por Gilmour por um motivo simples: "David gostada
das minhas letras, mas odiava meu estilo de tocar guitarra. Ele
ficava me gozando como eu podia ser tão inábil e
resolveu que ele arrumaria algumas canções. O que
eu poderia fazer? Ele era um músico consagrado e gostava
de ficar me provocando com isso", lembra Nick, com certo
saudosismo.
Assim, é editado
em 1985 o disco The Dream Academy com 10 canções.
O visual da banda levava os ouvintes aos anos 60, e as roupas
provocaram alguma revolta de Kate: "eu não queria
ficar vestindo aqueles paletós, aquelas blusas, não
tinha muito a ver comigo. Odiei quando Nick me obrigou a usar
aquelas camisas meio Sgt. Pepper's."
O disco atingiu o Top 20
na América e "Life In a Nothern Town" ficou em
sétimo lugar na parada de sucesso.
E, de repente, a vida
do grupo virou do avesso. "Eu me lembro que no dia do aniversário
da Kate, a canção chegou em sétimo na parada
e estávamos em Denver. Viajamos e almoçamos em Portland,
jantamos em San Francisco e acordamos no dia seguinte em Los Angeles.
Foi uma loucura", conta Gilbert Gabriel.
Faixas do disco
Lado A
01. "Life in a Northern Town" – 4:19
02. "The Edge of Forever" – 4:23
03. "(Johnny) New Light" – 4:22
04. "In Places on the Run" – 4:27
05. "This World" – 5:07
Lado B
01. "Bound to Be" – 3:08
02. "Moving On" – 5:14
03. "The Love Parade" – 3:47
04. "The Party" – 5:07
05. "One Dream" – 2:32
O álbum estabeleceu o grupo
como um dos mais importantes da cena neo-psicodélica inglesa
e o auge disso foi uma apresentação no programa
humorístico americano Saturday Night Live, tocando
ao lado do The Cult, no dia 21 de dezembro de 1985.
Kate tem vagas
lembranças do dia: "foi bem legal tocarmos lá,
mas o que me lembro mesmo foi da ressaca do dia seguinte."
O
grupo ainda lança um segundo compacto do disco com a canção
"The Love Parade", que não consegue muito sucesso,
assim como a versão de "Please Please Please Let Me
Get What I Want", dos Smiths.
A canção ficou famosa no filme Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller's Day Off), dirigindo por John Hughes, que a utiliza na cena do museu.
Depois do sucesso inesperado,
veio a pausa para compor um novo disco. "Não esperávamos
tanto sucesso com nosso LP de estréia e isso gerou uma
grande expectativa em todos", conta Nick.
E
a expectativa da gravadora minguou quando lançaram Remembrance
Days, em 1987.
Apesar do disco estar longe
de ser ruim (Kate o considera seu favorito), a falta de um grande
compacto fez com que as vendagens fossem baixas.
"Tínhamos
grandes canções nele como 'Indian Summer', 'The
Lesson Of Love', mas ele não vendeu tanto quanto a gravadora
esperava. Nós já esperávamos isso, mas eles
não", resume Kate.
O grande público
da banda começava a ser formado no Japão, onde os
fãs-clubes lançavam edições luxuosas.
Na América, depois do sucesso inicial, ficaram esquecidos:
"o que atrapalhou nossa carreira foi o fato de realizarmos
poucas apresentações. Nossas excursões eram
meio malucas, tocávamos em lugares estranhos", conta
a instrumentista.
Faixas do disco, todas assinadas por Nick Laird-Clowes e Gilbert Gabriel, exceto as indicadas:
Lado A
01. Indian Summer – 4:56
02. The Lesson Of Love – 4:40 (Nick Laird-Clowes and Patrick Leonard)
03. Humdrum – 4:18 (Nick Laird-Clowes)
04. Power To Believe – 5:15
05. Hampstead Girl – 3:42
06. Here – 4:24
Lado B
01. In The Hands Of Love – 4:49
02. Ballad In 4/4 – 3:59 (Nick Laird-Clowes)
03. Doubleminded – 3:53 (Nick Laird-Clowes)
04. Everybody's Got to Learn Sometime – 3:43 (James Warren)
05. In Exile (For Rodrigo Rojas) – 6:42
E
a prova do amor dos japoneses pelo grupo foi o convite que receberam
para fazer uma música para um comercial de cerveja de nome
Heartland, em 1988.
Por causa disso escreveram In The Heart,
lançado como single apenas naquele país, para desespero dos fãs mais ardorosos, que logo buscaram as importadoras.
A faixa acabou sendo
regravada com o nome "Lowlands" para o próximo
disco.
"Foi um prazer escrever a canção e fico muito feliz de sermos tão apreciados no Japão", conta Gilbert, que considerou a experiência muito enriquecedora e especial.
Após o segundo disco,
o grupo resolveu se separar e cuidar de alguns projeto. Era necessário darem um tempo da banda e um dos outros, antes que implodissem.
E quem
mais trabalhou foi Kate, que desde o início do Dream Academy
participava como música contratada por outras bandas, além de desenvolver projetos próprios.
Dessa
forma, ela já havia gravado com o Julian Cope, ex-líder
do Teardrop Explodes os discos Fried (1984) e
World Shut Your Mouth (1985).
Sua lista foi aumentada tocando com Tears for Fears
(The Seeds Of Love, de 1989); The Connells (One
Simple World, de 1990), além de três discos
com irlandês Van Morrison, de quem fez parte da banda por quase cinco anos
tocando saxofone (Hymns To The Silence, Too Long In Exile,
A Night In San Francisco e Days Like
This), lançados em 1991, 1993, 1994 e 1995, respectivamente.
Para ficar cinco anos fixos com Van - conhecido pelo seu temperamento explosivo e perfeccionismo - só mostra sua competência musical.
Kate disse que essa carreira paralela nunca
atrapalhou seus projetos com o Dream Academy: "eram coisas
absolutamente distintas e não havia conflito com ninguém dentro do grupo. Simplesmente tínhamos liberdade para procurar outras linguagens e abordagens musicais. O Dream Academy cobre apenas uma parte de minha vida. Tenho interesse diversos e acho necessário expressá-los."
Em
1991, o grupo lança o último disco de carreira,
A Different Kind Of Weather. O disco chegou a
ter um sucesso radiofônico - uma versão para "Love" de John Lennon - que emplacou
até em novela por aqui, apesar de Kate não gostar
nem um pouco da cover da música - "é a nossa faixa
mais fraca."
Curiosamente, o disco rendeu a primeira e única turnê da banda pelo Reino Unido, elogiado por críticas, mas longe do sucesso comercial pretendido.
O disco marca o retorno de David Gilmour como produtor. Além de Gilmour, assinaram a produção Gilbert Gabriel, Nick Laird-Clowes, Steve Lambert e Anthony Moore.
Faixas do disco:
Lado A
01. "Love" (John Lennon) 3:43
02. "Mercy Killing" 4:44
03. "Lucy September" 3:06
04. "Gaby Says" 5:04
05. "Waterloo" 5:04
Lado B
01. "Twelve-eight Angel" (David Gilmour, Nick Laird-Clowes) 4:19
02. "St. Valentine's Day" 2:45
03. "It'll Never Happen Again" (Tim Hardin) 3:33
04. "Forest Fire" 4:15
05. "Lowlands" 3:47
06. "Not For Second Prize" (Nick Laird-Clowes) 2:53
E após o lançamento
do disco, o trio se separou sem traumas, após especulações
de que um relacionamento entre Nick e Kate havia afastado Gilbert
dos demais e das composições.
Verdade ou não,
eles continuaram amigos e vez por outras se encontravam até
em discos - Kate até chegou a gravar com Gilbert, quando
este partiu em carreira-solo. Uma volta foi sempre cogitada, mas
nunca confirmada.
E,
em 1999, foi lançada a única coletânea do
grupo, ainda que apenas no Japão: Somewhere In
The Sun: The Best of The Dream Academy. O disco vale a pena ser adquirido até por conter a versão de "Please Please Please Let Me Get What I Want".
Gilbert se enveredou em
música eletrônica e experimental; Nick fez um projeto
chamado Trashmonk onde tocava guitarra, samplers, teclados e escreveu
algumas canções para o Pink Floyd, do velho amigo
Gilmour.
E Kate, além de
tocar por vários anos com Van Morrison, casou-se com Sid
Griffin, do Long Ryders e lançou discos com Roger Eno,
irmão de Brian, e tem uma respeitável vida de música
e arranjadora.
Deixo vocês com a
letra do grande hit "Life In a Nothern Town" e a discografia
do grupo. Um abraço e até a próxima coluna.
Life in a Northern
Town
A Salvation Army band played
And the children drank lemonade
And the morning lasted all day,
All day
And through an open window came
Like Sinatra in a younger day,
Pushing the town away
Ah -
(Chant)
Ah hey ma ma ma
Life in a northern town.
They sat on the stoney ground
And he took a cigarette out
And everyone else came down
To listen.
He said "In winter 1963
It felt like the world would freeze
With John F. Kennedy
And the Beatles."
(Chant)
Ah hey ma ma ma
Life in a northern town.
Ah hey ma ma ma
All the work shut down.
The evening had turned to rain
Watch the water roll down the drain,
As we followed him down
To the station
And though he never would wave goodbye,
You could see it written in his eyes
As the train rolled out of sight
Bye-bye.
(Chant)
Ah hey ma ma ma
Life in a northern town.
Ah hey ma ma ma
Life in a northern town.
Discografia
The Dream Academy (1985)
Remembrance Days (1987)
A Different Kind Of Weather (1991)
Somewhere In The Sun: The Best of The Dream Academy (1999)
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