por Marcelo Alvarez Barboza
(Jason
Klauber e Molly Shea, a dupla dos Acrylics)
Se me perguntassem sobre como andam os
rumos do pop rock após a virada do século XX para
o século XXI, eu responderia: "não sei. Estou
tentando ainda compreender toda a riqueza sonora que nos forneceu
o século XX e quase só compro discos novos de
artistas que sejam já consagrados nesta época,
onde tudo começou".
O motivo é simples. Eu ainda compro
discos e, desta forma, comprei o último disco do REM,
Collapse Into Now, de março de 2012,
ou o disco Banga, de Patti Smith, que saiu
em junho de 2012. Compro estes, porque tais artistas parecem
ter um estatuto de lenda muito superior ao que geralmente se
mostra como a estreia de qualquer grupo do século XXI
e que a mídia considere como promissor. É uma
atitude obtusa de minha parte, por isso vou violá-la
ao comentar um dos melhores discos deste início de século,
feito por artistas deste início de século. Se
você procura música pop rock de qualidade, agarre
isto como se fosse um tesouro e viva!
Muitas vezes a internet é um território
árido e sem graça, onde parecemos percorrer os
olhos em busca de algo que mexa com nossas expectativas. Para
os melômanos, como eu, isto significa clicar em milhares
de nomes de músicas e de artistas que nunca conheceríamos
sem este instrumento de compartilhamento de dados. E foi assim
que tive a enorme sorte de conhecer o Acrylics em sua estreia
em CD, no álbum Lives And Treasure;
tudo por causa de uma "dedada" que dei no mouse, linkado
em cima de um vídeo do youtube contendo a capa deste
disco.
Como muitas bandas do passado pop, o
Acrylics é uma dupla, Molly Shea e Jason Klauber, guitarristas
vindos, respectivamente, da Filadélfia e de Manhattan,
Estados Unidos. Se fossem da década de 80, talvez uma
gravadora já tivesse os acolhido para brilhar mundialmente
nas rádios periféricas do mundo; porém
é cada vez mais difícil conseguir divulgação
maciça sem ter uma grande base de fãs. Mas vamos
à história deles.
Tudo começou quando esta dupla
se conheceu no conservatório de música em Oberlin
College, Ohio. Depois dos estudos, eles se mudaram para o bairro
do Brooklyn, em Nova York, participando de uma finada banda
conhecida por Standing Nudes (junto com o baixista Matthew Asti
e o baterista Will Berman, posteriormente membros do MGMT) e
que deixou apenas um registro, Ghost Story,
em 2007.
Tudo
muito mal produzido e com algum nível de fúria
lo-fi, ainda, como atestam as músicas "Another Kind
of Lover", "Honeybee", "Atlanta" e
"Famous Criminals". Mas a evolução é
rápida, tão rápida que surpreende.
O Standing Nudes acaba e, de alguma forma,
começa a trajetória do Acrylics, que nesta época
toca ao vivo com os músicos Travis Rosenberg, Jake Aron
e Sam Ubl.
Seu primeiro registro é um EP
de cinco músicas, All
of The Fire, lançado apenas numa edição
em vinil branco de dez polegadas, em 28 de outubro de 2009.
Foi produzido pelo baixista da
banda Grizzly Bear, Chris Taylor, em seu selo particular, junto
com Ethan Silverman, a Terrible Records.
Destaca-se neste disco a envolvente música
que dá nome ao EP, "All of The Fire", cantada
por Molly Shea. A partir desta estreia, a imprensa começa
a compará-los com Fleetwood Mac e aos 10.000 Maniacs,
denunciando que o som da banda repete o que de melhor o pop
rock do século XX nos deixou. A feminilidade da voz de
Molly Shea e o tom grave da voz de Jason Klauber se casam perfeitamente,
principalmente no que virá agora.
Músicas do EP All of The
Fire:
01. Lil Ivy
02. All of The Fire
03. Avenue I
04. Conselyea
05. Honest Aims
Lives
And Treasure é lançado em vinil e CD
no primeiro dia de março de 2011, não mais pela
Terrible Records, mas pelos selos Friendly Fire / Hot Sand Recordings.
Aqui está o disco deles que tanto
me impediu a continuar minha ideia fixa de comprar artistas
do passado para apostar nesta maravilha. Teve a ajuda dos produtores
Britt Myers, Matt Boynton, Patrick Wimberly, além do
engenheiro de masterização, Chris Gehringer.
Assim como a linda capa em preto e branco,
com a dupla mergulhada numa piscina, de cabelos escorridos e
com a vegetação de trepadeiras formando uma cortina
ao fundo, o disco também possui uma atmosfera de sonho
noturno, mas não depressivo.
O difícil é não
encontrar alguma música impactante quando Molly Shea
canta, mas quem primeiro nos brinda com seu canto é Jason
Klauber, na música "Counting Sheep", uma abertura
de disco que só posso comparar em sua atmosfera de canção
de ninar com "Sunday Morning", do primeiro disco da
lendária banda The Velvet Underground, também
de Nova York. Molly acompanha os vocais de Jason depois de 30
segundos decorridos, parecendo ampará-lo. É onde
você começa a entender a beleza musical deste álbum.
Em bem menos que três minutos, "Counting Sheep"
termina e começa a primeira das duas músicas mais
dançáveis, "Molly’s Vertigo".
Os vocais de Molly Shea adquirem, nesta, reverberações
de fundo, em estúdio, enquanto Jason sussurra parte do
refrão na sequência de uma mudança de tempo
da bateria, o que demonstra a genialidade pop do álbum.
Começa a primeira das músicas
de orientação folk, cantadas pela voz suave de
Jason Klauber, "The Window". Desta vez, é apenas
uma melodia de batida rápida e fraca, que precede bem
uma dupla de canções que não fariam feio
em qualquer rádio de sucesso, "Sparrow Song"
e "Nightwatch" (a tal música clicada no youtube,
que me ensinou a aproveitar o que de melhor o ano de 2011 colocou
em circulação e a esquecer, um pouco, os medalhões
do passado).
Os vocais em "Sparrow Song"
são um brinde de outra voz celestial, Caroline Polachek,
da banda Chairlift (Jason Klauber chegou a dividir um quarto
com o integrante do Chairlift, Patrick Wimberly, antes de começarem
o Acrylics). Mas, se isto não fosse dito, continuaríamos
a crer que é Molly Shea quem canta. O que posso dizer
sobre "Sparrow Song", é que soa como se o Cocteau
Twins tivesse se mudado para a América e simplificado
sua melodia.
"Nightwatch"
termina esta sequência de cinco músicas (são
dez ao todo) sendo, talvez, o registro mais radiofônico
do disco todo. Os efeitos e a voz de Molly Shea entram numa
atmosfera perfeita, que casa com a batida posterior, com seus
efeitos de guitarra, culminando na explosão final, em
que a música adquire uma dinâmica inesperada e
forte. Tudo isso em pouco mais de três minutos. Uma canção
pop perfeita para durar a eternidade nas estações
de rádio, apesar de sua aparente melancolia.
Letra de "Nightwatch":
I followed you down to the water
kept a
Nightwatch from the rocks as you departed
I was watching you slip into the darkness, darling
You never noticed me trail you down the pathway
Into the vast mysterious open body
Do you think you’ll end up like way you started, darling
Five hundred steps to the lookout
on the lighthouse
Eleven seconds in lightning and the thunder
You’re twenty miles away now from me on the water
I believe in you
I believe in infinity
Cause I
Was watching you join the horizon
I was watching you sign the confession
I had followed you down to the water, darling
I believe in truth
I believe in infinity
Oooo…Oooooh
Oooo…Oooooh
Oh, I don’t know if you’re a lover or a friend
But I was hoping I would meet with me again
Maybe in Georgia or the California town
Where we went running kicking stones up off the ground
So there you go
So there you go
So there you go
So there you go
Se o vinil contiver cinco músicas
de cada lado, que creio ser sua sequência natural (tenho
o CD), o lado B começa com outra música de orientação
folk, cantada por Jason Klauber (com agora fracos vocais de
fundo por Molly), "Tortoise Shell Shades", desembocando
em outra 'folk song' mais lenta e sombria, "It’s
Cool Here", talvez a música menos perceptível
do disco, com um final inesperado.
Passamos
agora para "Asian Pear". Se as músicas onde
predomina o vocal feminino são o grande destaque desta
obra, "Asian Pear" está para desmentir tal
idéia.
Cantada por Jason Klauber, esta música
é um dos pontos altos do disco, com seu violão
e teclados celestiais de fundo. Molly
sempre acompanhando, até a pausa só com a guitarra
em efeito, onde se inicia uma batida mais marcial e onde Jason
demonstra toda a sua potência vocal, porém sem
exageros. Tudo vai num crescendo que beira o sublime, em um
disco onde o sublime quase sempre nos surpreende.
"Lives
And Treasure" é a que nomeia o disco e, ao ouvi-la,
logo a colocamos num "casalzinho" dançante
de músicas, junto com "Molly’s Vertigo".
Inicia com uma subida brusca de efeito sonoro e parte para uma
batida mais lenta que a da música citada, com um som
de baixo bem presente e deixando os vocais de Molly num tom
grave, como se sussurrasse em nossos ouvidos, o que logo desemboca
na dobradinha vocal e mais feliz do refrão, com Jason
Klauber.
A décima música desta obra
traz algo que permeia todo o disco. Não só o folk
ou o pop, mas a eletrônica faz-se presente em várias
partes. Porém, é em "The Catacombs"
que podemos sentir com mais presença a alma elétrica
do Kraftwerk. Esta música parece irmanar-se com "Franz
Schubert" / "Endless Endless", não por
acaso uma música que fecha o álbum Trans-Europe
Express, da banda alemã citada.
Como disse, não tenho o costume
de apreciar o som do século XXI, mas como resistir a
um disco tão bem feito (não ultrapassando a duração
de um vinil).
Aqui a sequência de músicas
e músicos convidados, além dos instrumentos que
eles tocam, como está descrito no encarte interno de
Lives And Treasure:
Todas as músicas por Molly Shea
e Jason Klauber:
01. Counting Sheep
02. Molly's Vertigo
03. The Window
04. Sparrow Song
05. Nightwatch
06. Tortoise Shell Shades
07. It's Cool Here
08. Asian Pear
09. Lives And Treasure
10. The Catacombs
Músicos adicionais:
Matt Abeysekera: teclados na música
8.
Jake Aron: baixo na música 2, 5, 8.
Matt Boynton: reverb feedback na música 10.
Ross Fraser: guia espiritual para a música 8.
Jay McElfresh: teclados na música 1, 9, 10.
Caroline Polachek: vocais na música 4.
Gillian Rivers: violino nas músicas 2, 3.
Travis Rosenberg: Pedal Steel nas músicas 1, 8, 10; bateria
na música 3; percussão na música 6.
Sam Ubl: bateria nas músicas 2, 5, 8; percussão
na música 9.
Foto de capa: Bek Andersen.
Direção de arte: Acrylics
e Ryn Maartens.
Discografia
All of The Fire (2009)
Lives And Treasure (2011)