Entre todos os
grandes discos já lançados pela música popular
brasileira, Os Afro-sambas ocupam um lugar de destaque. A parceria
entre o violonista Baden Powell e o poeta Vinícius de Moraes
marcou de forma inesquecível a música, indo atrás
da raízes africanas e do camdonblé. Um trabalho
inesquecível feito por dois homens impressionantes.
Pouco
antes de morrer, em 2000, Baden confessava que não tocava
mais o repertório de Os Afro-sambas. O
violonista havia virado evangélico e dizia que alguns dos
temas falavam do demônio, de coisas ruins e que por isso
haviam sido esquecidos. Uma mudança e tanto em um músico
absolutamente talentoso e que havia recebido esse nome em homenagem
ao fundador do escotismo.
Desde menino, Baden havia
se revelado um instrumentista de técnica apurada e capaz
de passar por vários estilos e compositores com assombrosa
naturalidade. E foi essa técnica que chamou a atenção
de Vinícius quando conheceu o violonista.
O
primeiro encontro entre os dois é marcado de lendas e com
várias versões. Mas o importante é saber
que Vinícius ficou absolutamente seduzido pelo som de Baden
e o convidou para formarem uma parceria. Mesmo assustado com o
convite, Baden topou e praticamente morou três meses na
casa do "Poetinha", onde escreveram várias canções,
em 1962.
A primeira leva tinha mais
de 25 canções, e reza a lenda também, que
além da parceria, Vinícius foi o "professor"
de Baden em outra arte: a bebida. Regados à uísque,
os dois continuaram compondo.
Vinícius estava
encantando com o LP Sambas de Roda e Candomblés
da Bahia, que havia recebido de presente de Carlos Coqueijo
Costa. Baden também ficou impressionado com o disco e,
por influência do capoeirista Canjiquinha, começara
a freqüentar rodas de capoeiras e ia à terreiros e
aprendia mais sobre o candomblé. A idéia de fazer
um disco sobre o tema fascinou os dois.
Os dois começaram
a escrever canções inspirados no tema: "Bocoché",
"Canto de Xangô", "Canto de Iemanjá",
"Canto do caboclo Pedra Preta" e o clássico "Canto
de Ossanha", que faria sucesso anos depois na voz de Elis
Regina.
Baden, por sua voz, estava
estudando cantos gregorianos com o maestro Moacyr Santos e percebeu
que os cânticos afros tinham semelhanças e resolve
produzir melodias que em cima das duas vertentes.
O
projeto ficou engavetado e só viu a luz do dia, quatro
anos depois, em 1966.
Foi quando Vinícius
ofereceu o projeto à Roberto Quartin, dono do selo Forma,
que produzia discos extremamente sofisticados. Quartin topou de
imediato a idéia de lançar Os Afro-sambas.
Gravado entre os dias 3
e 6 de janeiro, Quartin convidou o maestro Guerra Peixe, o grupo
vocal Quarteto em Cy e um coral de "músicos amadores"
formado por Nelita e Teresa Drummond, Eliana Sabino (filha do
escritor Fernando Sabino), Otto Gonçalves Filho e César
Proença e uma jovem aspirante a atriz chamada Betty Faria.
E
é Betty faria que divide os vocais com Vinícius
na imortal "Canto de Ossanha" que abre o disco.
Guerra Peixe optou por
dar o disco uma sonoridade mais rústica, como se estivesse
sendo, de fato, gravado, em um terreiro, o que acabou sendo um
dos grandes charmes do disco, embora Baden criticasse justamente
isso, anos depois, considerando o disco "mal gravado".
Enquanto Vinícius murmura as letras quase em tom de súplica,
Betty Faria reforça as sílabas finais de cada frase,
além do acompanhamento do Quarteto em Cy em quase todas
as faixas.
Baden era o responsável
por climas todas as melodias e até cuidava da percussão.
Seu toque inconfundível norteia a bela "Lamento de
Exu", que encerra o disco, enquanto Vinícius voa quase
solo em "Canto do Caboclo Pedra Preta". Aliás,
Vinícius tentou cantar de maneira mais grave, como 'um
preto velho", em faixas como "Canto de Xangô".
Vale ressalatar "Bocoché", com um clima quase
etéreo.
O disco rendeu excelentes
críticas e vendagem e solidificou de forma definitiva a
carreira de Baden Powell. Após a parceria com Vinícius,
Bande deixou de ser um tímido músicos que vivia
de pequenas participações na noite carioca para
ser um músico mundialmente famoso e indo embora do Brasil
definitivamente vivendo por mais de 20 anos na França e
cinco na Alemanha.
Na
década de 90, Baden regravou o disco com outros músicos
- Paulo Guimarães (flauta) e Ernesto Gonçalves (baixo)
- e com 11 faixas.
Infelizmente essa nova
edição é a mais fácil de achar, já
que a antiga só existe praticamente em edição
japonesa em CD.
Deixo aqui a ficha técnica
do disco. Um abraço e até a próxima coluna.
Ficha técnica
rodução e direção
artística:
Roberto Quartin e Wadi Gebara
Técnico de gravação: Ademar Rocha
Contracapa: Vinicius de Moraes
Fotos: Pedro de Moraes
Capa: Goebel Weyne
Arranjos e regência: Maestro Guerra Peixe
Vocais: Vinicius de Moraes, Quarteto em Cy e Coro Misto
Sax tenor: Pedro Luiz de Assis
Sax barítono: Aurino Ferreira
Flauta: Nicolino Cópia
Violão: Baden Powell
Contrabaixo: Jorge Marinho
Bateria: Reisinho
Atabaque: Alfredo Bessa
Atabaque pequeno: Nelson Luiz
Bongô: Alexandre Silva Martins
Pandeiro: Gilson de Freitas
Agogô: Mineirinho
Afoxé: Adyr Jose Raimundo
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