Esse não
é um disco comum. Trata-se de território minado.
Estamos falando do primeiro disco de Aretha Franklin pela Atlantic
Records, que mudou radicalmente sua carreira e, por extensão,
a história de toda música. I Never Loved a Man (The
Way I Love You) é considerado um dos mais importantes discos
da soul music, pau-a-pau com What's Going On, de Marvin Gaye,
a quem tanto admirava. Com esse LP e compactos do nível
de "Respect" e faixa-título, Aretha dava um pulo
considerável em sua carreira. Deixava de ser uma promessa
mal aproveitada na Columbia Records e começava a construir
o mito que faria dele Lady of Soul.
Poucas
vozes podem ser comparadas com a de Aretha Franklin.
Anos atrás, a mídia
quis vender a branquela Joss Stone como sua herdeira, fato que
só me fez rir.
Compará-la a Aretha
é tão ou mais heresia do que comparar Elis Regina
e Marisa Monte. Precisa ser doido ou surdo para sugerir tamanho
disparate.
Aretha é a Lady
of Soul, provavelmente a maior voz feminina de todos os tempos,
posto disputado com Dinah Washington, Ella Fitzgerald, Billie
Holiday.
Mas Aretha não era
nada mais do que uma jovem promessa antes de entrar para a Atlantic.
Na verdade, ela estava pouco esperançosa que sua carreira
fosse decolar.
Preso a uma gravadora que
não sabia como explorar seu tamanho talento e gravando
músicas que nem de longe arranhavam seu potencial, Aretha
vivia um dilema: enquanto lotava shows e mais shows, seus discos
padeciam de baixas vendagens, arranjos horrorosos e composições
pouco inspiradas.
Mas a sorte começou
a mudar quando seu contrato expirou em Novembro de 1966 e ela
se viu livre para ir para uma outra casa. Rapidamente, Jerry Wexler,
da Atlantic Records, correu até o marido e empresário
Ted White com uma proposta. Wexler ficou sabendo por intermédio
do DJ Louise Bishop que Aretha estava sem contrato e logo assinou
um compromisso com ela.
Mal o contrato foi assinado
e Jerry correu até Jim Stewart, chefão da Stax Records,
para pedir algum produtor da casa e músicos para a empreitada,
mas ouviu um "não".
Wexler
foi então até o Alabama e a levou até o Fame
Studio, do Muscle Shoals, que havia gravado os clássicos
de Wilson Pickett, "Land of 1,000 Dances" e "Mustang
Sally", ambos de Wilson Pickett.
Dessa maneira, Aretha separou
11 canções para as gravações. Três
delas de dois gênios e velhos conhecidos: Sam Cooke e Otis
Redding.
Sam era íntimo de
Aretha, pois ele era grande amigo do pai dela, o Reverendo C.
L. Franklin, desde o início da década de 50, quando
ela era ainda uma menininha. Dele, Aretha escolheu "Good
Times" e clássica "A Change Is Gonna Come",
último grande sucesso antes da morte de Sam.
Otis
já era mais um parceiro musical e gravaram alguns discos
juntos.
Grande compositor e cantor,
Otis Redding havia causado furor no Festival de Monterey, cantando
"Shake" do próprio Sam Cooke. Tragicamente, Otis
morreria ainda em 1967. Mas antes de morrer, viu Aretha pegar
"Respect" e transformá-la num clássico
eterno.
"Essa moça
roubou minha canção!", diria Otis, ao ver "Respect"
alançar o topo da parada de R&B e Pop, da
Bilboard. Pura Verdade
Para
a gravação, Aretha se cercou de músicos de
enorme qualidade. Coube a ela tocar paino em todas as faixas do
disco, exceto "Save", a número 10, porque não
havia piano.
Além dela, havia
o organista Spooner Oldham, os guitarristas Jimmy Johnson e Chips
Moman, suas irmãs Carolyn e Emma Franklin e até
a mãe de Whitney Houston, Cissy, como vocais de apoio.
Sem falar no grande saxonifista King Curtis.
Wexler lembra o tom de
comoção das gravações: "nunca
tinha visto algo parecido. Mal acabávamos uma sessão
e todos os músicos corriam para a sala de controle, loucos
para ouvir o que havia sido feito. Todos nós entrávamos
em transe com a voz de Aretha, era algo inexplicável."
Apenas
duas canções - a faixa-titulo e "Do Right Woman
- Do Right Man" - foram gravadas no Alabama; as demais foram
realizadas nos estúdios da própria Atlantic, em
Nova York, tendo Wexler como produtor e Tom Dowd como arranjador
e diretor.
Aretha dava o tom com voz
e piano, estilo que Wexler considerava semelhante ao de Ray Charles.
Ela estava preocupada com a violência racial e a Guerra
do Vietnã e fez de "Do Right Woman - Do Right Man"
e "Respect" libelos feministas e pacifistas.
"Do Right Woman",
aliás, causou um imenso problema a Wexler por ter sido
gravada no racista e purista estado do Alabama. O produtor confessa
que temeu pela vida não apenas da cantora, mas de todos
os envolvidos.
Outro destaque era a faixa
que dá nome ao disco e composta por Rony Shannon, especialmente
para Aretha. O compacto explodiu nas paradas atingindo o primeiro
lugar na parada de R&B e nono no geral. Mas seria
com "Respect" que Aretha daria o pulo do gato na carreira.
E como curiosidade, vale ressaltar que Aretha gravou até
uma música em ritmo de bossa-nova: "Don't Let Me Lose
This Dream".
Quando
I Never Loved a Man (The Way I Love You) foi
lançado, o sucesso era inevitável. Jamais uma cantora
jovem tinha mostrado tamanho talento. Jamais uma voz tinha voado
em planos tão excepcionais.
O resultado seria arrasador:
milhões de cópias vendidas pelo mundo, shows por
toda a América e depois Europa e sua vida revirada: "eu
vivo com uma mala de um lado pro outro", exclamou a cantora
em uma entrevista, em 1968.
Aretha começaria
uma série de álbuns impressionantes - dez - pela
Atlantic nos próximos cincos anos. Seriam clássicos
em cima de clássicos e o apelido que a marcaria eternamente:
Lady Soul. Se Billie Holiday era Lady Day, Aretha
era a dama da Soul Music.
Além desse disco,
há outros vários recomendados dessa era, especialmente
Aretha Now; Lady Soul; Soul' 69 (um
disco de jazz criminosamente batizado assim, por pressão
do selo); Spirit in the Dark (o meu favorito
por razões sentimentais); Young, Gifted and Black
e Amazing Grace.
Não importa por
qual você comece a ouvir Aretha, o importante é que
ouça. Mas se você ouvir e ficar indiferente... bem,
é o caso de se perguntar se ainda está vivo.
Deixo vocês com a
imensa discografia dela. Um abraço e até a próxima
coluna.
Discos
1956 The Gospel Soul of
Aretha Franklin
1961 Aretha
1962 The Electrifying Aretha Franklin
1962 The Tender, The Moving, The Swinging Aretha Franklin
1963 Laughing on the Outside
1964 Unforgettable: A Tribute to Dinah Washington
1964 Runnin' Out Of Fools
1965 Yeah!: Aretha Franklin in Person
1966 Soul Sister
1967 Take It Like You Give It
1967 I Never Loved a Man (The Way I Love You)
1967 Aretha Franklin's Greatest Hits
1967 Aretha Arrives
1967 Take A Look
1968 Lady Soul
1968 Aretha Now
1968 Aretha in Paris
1969 Aretha Franklin: Soul '69
1969 Aretha's Gold
1970 This Girl's In Love With You
1970 Spirit In The Dark
1971 Aretha Live At Fillmore West
1971 Aretha's Greatest Hits
1971 Young, Gifted and Black
1972 Amazing Grace
1972 In The Beginning / The World Of Aretha Franklin 1960-1967
1973 Hey Now Hey (The Other Side of the Sky)
1974 Let Me in Your Life
1975 You
1976 Sparkle
1976 Ten Years Of Gold
1977 Sweet Passion
1978 Almighty Fire
1979 La Diva
1980 Aretha
1980 Aretha Sings The Blues
1981 Love All The Hurt Away
1982 Jump to It
1983 Get It Right
1985 30 Greatest Hits
1985 Who's Zoomin' Who?
1986 Aretha
1987 One Lord One Faith One Baptism
1989 Through The Storm
1991 What You See Is What You Sweat
1992 Queen of Soul: The Atlantic Recordings
1994 Greatest Hits (1980-1994)
1994 The Very Best Of Aretha Franklin: The 60's
1994 The Very Best Of Aretha Franklin: The 70's
1996 Aretha Sings Standards
1997 Love Songs
1998 The Delta Meets Detroit: Aretha's Blues
1998 A Rose Is Still A Rose
1999 Greatest Hits
2001 Aretha's Best
2002 Queen In Waiting: Columbia Years 1960-1965
2003 So Damn Happy
2007 A Woman Falling Out of Love
Singles
Columbia Records
(1960-1967)
1960 "Today I Sing
the Blues" (original issue)
1961 "Won't Be Long"
1961 "Operation Heartbreak"
1961 "Rock a Bye Your Baby With a Dixie Melody"
1962 "I Surrender, Dear" (A-Side)
1962 "Rough Lover" (B-Side)
1962 "Don't Cry, Baby"
1962 "Try a Little Tenderness" (A-Side)
1962 "Just For A Thrill" (B-Side)
1963 "Say It Isn't So" (A-Side)
1963 "Here's Where I Came In (Here's Where I Walk Out)"
(B-Side)
1963 "Trouble In Mind"
1963 "Skylark"
1964 "Soulville" (original issue)
1964 "Runnin' Out of Fools"
1965 "Can't You Just See Me"
1965 "One Step Ahead"
1965 "(No, No) I'm Losing You"
1965 "You Made Me Love You"
1965 "Cry Like a Baby"
1966 "Mockingbird"
Singles relançados
pela Columbia após o sucesso de Aretha na Atlantic
1967 "Lee Cross"
1967 "Take a Look"
1968 "Soulville" (re-issue of 1964 single)
1969 "Today I Sing the Blues" (re-issue of 1960 single)
Atlantic Records
(1967-1979)
1967 "I Never Loved
A Man (The Way I Love You)" (A-Side)
1967 "Do Right Woman - Do Right Man" (B-Side)
1967 "Respect"
1967 "Baby I Love You"
1967 "(You Make Me Feel Like) A Natural Woman"
1967 "Chain Of Fools"
1968 "Satisfaction" (UK release only)
1968 "(Sweet Sweet Baby) Since You've Been Gone" (A-Side)
1968 "Ain't No Way" (B-Side)
1968 "Think" (A-Side)
1968 "You Send Me" (B-Side)
1968 "The House That Jack Built" (A-Side)
1968 "I Say a Little Prayer" (B-Side)
1968 "See Saw" (A-Side)
1968 "My Song" (B-Side)
1969 "The Weight" (A-Side)
1969 "Tracks Of My Tears" (B-Side)
1969 "I Can't See Myself Leaving You" (A-Side)
1969 "Gentle On My Mind" (B-Side)
1969 "Share Your Love With Me"
1969 "Eleanor Rigby"
1970 "Call Me"
1970 "Spirit In The Dark"
1970 "Don't Play That Song (You Lied)
1970 "Border Song (Holy Moses)" / "You And Me"
1971 "You're All I Need to Get By"
1971 "Bridge Over Troubled Water" / "Brand New
Me"
1971 "Spanish Harlem"
1971 "Rock Steady" (A-Side)
1971 "Oh Me Oh My (I'm A Fool For You Baby)" (B-Side)
1972 "Day Dreaming"
1972 "All The King's Horses" / "April Fools"
1972 "Wholly Holy"
1973 "Master Of Eyes (The Deepness Of Your Eyes)"
1973 "Angel" 20 1 37
1973 "Until You Come Back to Me (That's What I'm Gonna Do)"
1974 "I'm in Love"
1974 "Ain't Nothing Like the Real Thing"
1974 "Without Love"
1975 "With Everything I Feel In Me"
1975 "Mr DJ (5 For The DJ)"
1976 "You"
1976 "Something He Can Feel"
1976 "Jump" / "Hooked On Your Love"
1977 "Look Into Your Heart"
1977 "Break It To Me Gently"
1977 "When I Think About You"
1978 "Almighty Fire (Woman Of The Future)"
1978 "More Than Just A Joy"
1979 "Ladies Only"
1979 "Half A Love"
Arista Records
(desde 1980)
1980 "United Together"
1980 "What a Fool Believes"
1981 "Come To Me"
1981 "Love All The Hurt Away" (with George Benson)
1982 "It's My Turn"
1982 "Jump To It"
1982 "Love Me Right"
1983 "This Is For Real"
1983 "Get It Right" 61
1983 "Every Girl (Wants My Guy)"
1985 "Freeway of Love"
1985 "Who's Zoomin Who?"
1985 "Sisters Are Doin' It For Themselves" (with Eurythmics)
1986 "Another Night"
1986 "Freeway Of Love" (UK reissue)
1986 "Ain't Nobody Ever Loved You"
1986 "Jumpin' Jack Flash"
1987 "Jimmy Lee"
1987 "I Knew You Were Waiting (For Me)" (with George
Michael)
1987 "Rock-A-Lott"
1987 "If You Need My Love Tonight" (with Larry Graham)
1988 "If Ever A Love There Was" (with Four Tops)
1989 "Through The Storm" (with Elton John)
1989 "It Isn't, It Wasn't, It Ain't Never Gonna Be (with
Whitney Houston)" 1989 "Gimme Your Love" (with
James Brown)
1990 "Think" (from The Blues Brothers soundtrack) (UK
release only)
1991 "Everyday People"
1991 "Someone Else's Eyes"
1991 "Ever Changing Times" (featuring Michael McDonald)
1992 "Someday We'll All Be Free"
1994 "A Deeper Love" (Ft Lisa Fischer)
1994 "Willing to Forgive"
1994 "Honey"
1996 "It Hurts Like Hell"
1998 "A Rose is Still a Rose"
1998 "Here We Go Again"
1998 "In Case You Forgot"
1999 "In The Morning"
1999 "How Many Times"
2003 "The Only Thing Missin'"
2003 "Wonderful"
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