Por onde andaria
Arnaldo Baptista na década de 80? O que estaria fazendo
ou como estava vivendo o eterno Mutante que começou uma
carreira-solo em 1974, com Lóki? e nunca mais foi visto?
reapareceu em 1982, com um segundo disco, intitulado Singin' Alone
e editado pela independente Baratos Afins. As vidas e viagens
de Arnaldo haviam sido guardadas por oito longos anos.
Em
1982, Arnaldo saía de um período negro. Após
uma passagem confusa pela Patrulha do Espaço, se viu internado
no Hospital do Servidor Público de São Paulo, após
vários problemas emocionais e profissionais ocasionado
por substâncias pesadas, entre elas o LSD.
Arnaldo acabou caindo do
terceiro andar do local, em um incidente nebuloso. Alguns relatos
dão conta de que o ocorrido fora um acidente, após
uma briga com enfermeiros, que tentavam acalmá-lo em um
momento de fúria.
O fato é que passou
três meses em coma na UTI e aos poucos foi se recuperando.
Arnaldo
ainda estava muito debilitado, com alguns problemas físicos
decorrentes do longo tempo em coma, mas desejava voltar a tocar
e se apresentar.
Nesse período recebia
visitas de Luiz Calanca, que havia acabado de montar o selo Baratos
Afins e queria lançar um novo álbum do ex-Mutante.
Calanca já o havia ajudado meses antes, na produção
do o show Shining Alone.
"Ele pretendia
fazer uma série de apresentações sozinho
e lançar o disco. Fez o show no Tuca e cuidei da divulgação,
vendi bilhete antecipado, recolhi os bilhetes na porta, e gravei
o show, que eram as músicas do disco. Eu não tinha
nenhuma experiência na área, na parte de gravação
o Arnaldo fez tudo sozinho."
Gravá-lo, porém,
não era simples. Desde os tempos dos Mutantes insistia
em algumas idéias de maneira obsessiva, como o uso de amplificadores
valvulados, a paixão pela guitarra Gibson Les Paul e pelo
baixo Gibson SG.
Assim, ele entra nos estúdios
Abertura para gravar e tocar todos os instrumentos do disco, seguindo
o modelo de Paul McCartney em seus dois primeiros discos-solos.
Arnaldo teria apenas a companhia da parceira Suzana Braga nos
backing vocals em "The Cowboy" e "Corta
Jaca".
Segundo
Luiz Calanca, as gravações para o disco aconteceram
antes do "acidente", ou seja foram realizadas nos últimos
meses de 1981: "Eu não tenho detalhes da gravação
e o próprio Arnaldo não se lembra, mas o Helder
Marques (engenheiro de som),
disse que ficaram só os dois no estúdio e rolou
tudo tranquilamente. Inclusive, muitas coisas foram feitas em
um único take."
O dono da Baratos Afins
conta que foi procurado por Suzana enquanto Arnaldo ainda estava
em coma para lançar o disco. "Após o acidente
do Arnaldo, na virada de 1981 para 1982, ela veio me procurar
com o tape das gravações, que estava guardado, já
no fim de janeiro de 1982. Arnaldo nem participou do contrato
entre a Baratos e a Suzana, pois estava em coma no hospital."
Calanca prossegue:
"A Suzana me mandou as letras,
escritas à mão, e mandei fazer a composição.
O digitador deixou com um monte de erros e numa segunda edição
optamos por deixar sem o encarte. Na parte do áudio, levei
o material em fita de 1/4 de polegada e pedia o tempo todo para
o engenheiro de som da RCA-Victor para colocar mais grave; eu
sempre queria mais peso e o disco ficou todo abafado. O CD que
foi feito anos depois (a partir dos másteres originais)
deixou o som mais próximo do real. Além disso, submeti
as musicas ao depto de censura, fiz o corte do acetato, prensei
os discos. Me lembro que levei algumas cópias para ele,
que estava saindo da coma e chegou a me assinar uma cópia,
e escreveu no disco, 'eu tenho vivido muito sozinho ultimamente'".
Para ele, lançar
um disco do de Arnaldo Baptista era um motivo de orgulho: "O
Singin' Alone foi o primeiro disco do selo."
Dessa
maneira, é editado o segundo
LP, onde mostra um Arnaldo totalmente diferente daquele apresentado
oito anos antes, em Lóki?, um disco cheio
de letras em inglês (sete, no total) e letras mais utópicas.
O álbum trazia um
músico diferente, cantando de uma maneira mais grave, compondo
canções mais experimentais do que o disco anterior
e misturando experiências pessoais com delírios e
sonhos.
Singin' Alone
trazia 12 faixas:
Lado A
01. I Feel In Love One Day
02. O Sol
03. Bomba H Sobre São Paulo
04. Hoje de Manhã Eu Acordei
05. Jesus, Come Back To Earth
06. The Cowboy
Lado B
01. Sitting On The Road Side
02. Ciborg
03. Corta Jaca
04. Coming Through The Waves of Silence
05. Young Blood
06. Train
Lentamente,
ele tentava se reconstruir emocionalmente, voltando aos palcos
com o show Abrindo para porta de uma nova vida,
no Tuca, teatro que tinha visto alguns shows solos e com o Patrulha,
nos anos 70.
Singin' Alone
é a visão de um homem sofrido, que tenta entender
o mundo de uma maneira totalmente particular. Ele abre a obra
com a triste "I Feel In Love One Day", que fala de seus
tempos de Mutantes, quando tinha uma casa, uma banda, uma esposa,
Rita, a quem chama de uma "mulher fria, com olhos de serpente".
"O Sol" é
uma canção mais declamada do que cantada, com uma
letra quase indecifrável. "Bomba H Sobre São
Paulo" descreve uma possível bomba caindo sobre a
capital paulista.
"Hoje de Manhã
Eu Acordei" traz Arnaldo questionando a vida moderna e suas
dúvidas. A emocionante "Jesus, Come Back To Earth",
traz Arnaldo ao piano falando de um Deus maior, absoluto e pede
que ele traga o rock'n' roll e o sorriso do mundo."
Arnaldo era fascinado pela
tecnologia, idéia abordada em "Ciborg" e "Coming
Through The Waves of Science". O disco fecha com o blues
"Train", onde Arnaldo declama que se sente solitário,
que quer voltar, mas não sabe mais onde é sua casa.
Musicalmente, Singin'
Alone exige bem mais do que Lóki?
por ser um álbum mais complexo feito por um homem mais
complexo. Por isso mesmo o álbum necessita de uma audição
mais paciente.
Em 1987, Arnaldo lançaria
o LP Disco Voador, também pela Baratos
Afins. Segundo Calanca, "quando gravamos o Disco
Voador, ele tinha me mandado um K7 gravado em órgão
de churrascaria com acompanhamento de baterias e arpejos eletrônicos
e estava cantando de forma triste, isso bem depois do acidente.
Marcamos algumas horas estúdio Vice Versa e o piano de
calda foi até afinado esperando por ele, que se recusou
a regravar. Ele sabia exatamente o que queria em níveis
de freqüência e tipos de efeitos; o Arnaldo conhece
muito bem toda linguagem de estúdio, mas, infelizmente
trabalhamos juntos muito pouco tempo. O Disco Voador
tem mais valor terapêutico que artístico para ele."
Em 1996, Arnaldo assinou
um contrato com a Virgin, que lançou o disco em CD, contendo
uma gravação inédita de "Balada do Louco"
especialmente para o disco, com produção de Guto
Graça Mello.
A gravação
trazia Márcio Lomiranda, nos teclados, o guitarrista Wander
Taffo, o baixista Fernando Nunes e o baterista Cezinha. É
a primeira versão de Arnaldo em português da canção,
já que foi registrada com a voz de Sergio nos tempos dos
Mutantes. O CD acabou sendo remasterizado
por Pena Schmidt, mas infelizmente, se encontra fora de catálogo.
Enquanto ouço Singin'
Alone, deixo vocês com a discografia de Arnaldo,
torcendo para que todos os discos pós-Mutantes sejam lançados
em CD, algum dia. Um abraço e até a próxima
coluna.
Discografia
Solo
Loki? (1974)
Singin' Alone (1981)
Disco Voador (1987)
Let It Bed (2004)
como Arnaldo & Patrulha do
Espaço
Elo Perdido (1977)
"Faremos uma noitada excelente..." (1978)
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