324 - Miles Davis - Bitches Brew

Na longa discografia de Miles Davis, Bitches Brew tem uma importância tão grande quanto Kind of Blue. Se em 1959, definiu tudo que era "cool jazz" e tornou-se um imenso sucesso - inclusive comercial - Bitches Brew foi o disco que aproximou Miles Davis dos anos 70 e dos grupos de rock. Contando com um time excepcional de músicos, lançou um álbum duplo revolucionário e inovador e que revitalizou sua carreira, que entrava em um período de baixa, já que os grupos de rock o superavam em larga escala em vendagens. Mas, com Bitches Brew, Miles colocou as coisas no devido lugar, influenciado de Jimi Hendrix a Soft Machine.


O sucesso de In a Silent Way fez com que Miles Davis resolvesse continuasse a perseguir um som mais elétrico, moderno.

Em julho de 1969, o excepcional baterista Tony Williams deixa o grupo, entrando em seu lugar o não menos excelente Jack DeJohnette, para alegria do baixista Dave Holland, que conseguia, finalmente, entrar um músico que tocasse dentro do seu estilo.

Mas, Jack não foi o único músico chamado para as gravações de um novo disco. Miles, na verdade, convidou uma legião de músicos:

Don Alias - Percussion, Conga, Drums
Khalil Balakrishna - Sitar
Harvey Brooks - Bass, Electric bass
Ron Carter - Bass
Billy Cobham - Drums, Triangle
Chick Corea - Electric piano
Jack DeJohnette - Drums
Steve Grossman - Soprano saxophone
Herbie Hancock - Electric piano
Dave Holland - Bass, Electric bass
Bennie Maupin - Bass clarinet
John McLaughlin - Guitar
Airto Moreira - Berimbau, Cuíca, Percussion
Bihari Sharma - Tabla, Tamboura
Wayne Shorter - Soprano saxophone
Juma Santos (Jim Riley) - Conga, Shaker
Lenny White - Drums
Larry Young - Organ, Celeste, Electric piano
Joe Zawinul - Electric piano

Miles tinha uma idéia clara na cabeça; ele queria dar continuidade às idéias esboçadas no disco anterior, especialmente em uma composição antiga, de nome "Spanish Key".

Para Miles, era importante ter mais de um baterista e um baixista, já que sua idéia era que uma "cozinha" produzisse uma base sólida, enquanto os demais bateristas e baixistas dessem uma nova cara, buscamos outros ritmos e texturas. Seria um imenso desafio para os engenheiros de som, já que Miles necessitava que seu instrumento fosse amplificado de forma que não ficasse totalmente encoberto pelos instrumentos elétricos.

As gravações durante apenas três dias - 19, 20 e 21 de agosto - e foi impressionante a quantidade de música gravada. Sem contar, as discussões entre Miles e o produtor Teo Macero.

Jack DeJohnetteA primeira sessão foi um caos. Miles Davis começou a bater boca com Teo, exigindo, por alguma razão, que o produtor demitisse a secretária com quem trabalhava.

Irritado com as exigências de Davis, Teo disse que não era seu empregado, que não interessava o que ele queria. À medida que a conversa ficava mais ríspida, Teo o expulsou não apenas do estúdio, mas do prédio da gravadora, mandando que levasse também os músicos.

Revoltado, Miles saiu, voltou, entrou na sala de controle do estúdio e disse ao microfone aos músicos, que viam tudo aquilo, atônitos: "Teo me mandou embora e disse para levar os músicos comigo. Vamos embora". Mas os músicos ficaram, sem entender nada, até que, minutos depois, o próprio Miles retornou, ordenou que ligassem os gravadores e começaram a gravar.

Chick CoreaNo primeiro dia, os músicos dentro do estúdio eram Wayne Shorter, Chick Corea, Dave Holland, Jack DeJohnette, Jumma Santos e Don Alias, além de Miles. Juntos gravaram "Sanctuary". Logo depois, o grupo recebeu o reforço de Bernie Maupin, Joe Zawinul, John McLaughlin, Harvey Brooks e Lenny White e gravaram "Bitches Brew".

Se In a Silent Way era um disco mais controlado em termos de experimentos e texturas, Miles deixava dar mais liberdade aos músicos e em buscar texturas mais densas e pesadas, até para respaldar o apelido de Prince of Darkness (Príncipe da Escuridão) que havia recebido, em 1967.

No segundo dia de gravação - 20 de agosto - a banda foi acrescida de Larry Young e gravaram "Spanish Key" e "Miles Runs the Voodoo Down" - essa, sem Joe Zawinul. No terceiro e derradeiro dia foram registradas "John McLaughlin" e "Pharaoh's Dance", composição de Zawinul. Das seis canções originais do disco, apenas essa e "Sanctuary" (de Wayne Shorter) não eram de Miles Davis.

Apesar de gravado em agosto de 1969, Bitches Brew só saiu em abril de 1970, já que In a Silent Way ainda nem havia sido editado pela CBS.

O disco chocava em vários aspectos: primeiro pelo uso da palavra bitch em um título, algo como "prostituta".

Depois pela belíssima capa desenhada pelo alemão Abdul Mati Klarwein, que teria seu trabalho requisitado depois por nomes como Santana, Buddy Miles, Gregg Allman, Hermeto Pascoal, Eric Dolphy, entre outros.

O disco trazia uma sonoridade impensável para um disco de jazz. Utilizando os melhores equipamentos e engenheiros, Bitches Brew era um mantra hipnótico de 93 minutos, distribuídos em dois discos, com faixas longas e bem mais avançadas do que In a Silent Way.

O disco original trazia as seguintes faixas:

Lado 1

1. "Pharaoh's Dance" (Joe Zawinul) – 20:06

Lado 2

1. "Bitches Brew" – 27:00

Lado 3

1. "Spanish Key" – 17:34
2. "John McLaughlin" – 4:26

Lado 4

1. "Miles Runs the Voodoo Down" – 14:04
2. "Sanctuary" (Wayne Shorter) – 11:01

Teo MaceroCom o lançamento, Miles levava seu público e até amigos a uum território novo, inexplorado e por vezes difícil.

Joe Zawinul disse que não gostou do disco pronto quando o ouviu, pela primeira vez, e confessou isso a Miles, que ficou decepcionado ao saber.

Mas, o pianista admite, que anos depois, ao entrar no escritório da CBS, ficou maravilhado com a música ambiente que corria no prédio. "O que é isso que está tocando?". "Ora bolas, você fez esse disco com Miles e não se lembra mais?", respondeu um funcionário, incrédulo. Era Bitches Brew.

O disco foi pioneiro em algumas técnicas de edição e mixagem, um trabalho que exigiu muito de Teo Macero e dos engenheiros.

Teo, aliás, tinha uma maneira peculiar de trabalhar com Miles. "Miles nunca falava na frente de ninguém", relembra Macero. O que eles faziam era sentar calmamente, calados, e ouviam o que haviam gravado. Miles perguntava a opinião do produtor. Algumas poucas palavras eram trocadas e Miles retornava ao estúdio para dar o polimento final.

Eufórico com o lançamento, Clive Davis, presidente da CBS reforçou o pedido de que Miles deveria montar uma banda fixa e tocar em grandes estádios junto com grupos de rock. Sem Bitches Brew boa parte dos grupos mais experimentais estariam órfãos e o mundo seria limado de obras fundamentais como Third, do Soft Machine.

E, de fato, antes mesmo do lançamento, Miles vivia um novo período em sua carreira, sendo convidados para tocar em festivais de rock, além de colecionar prisões por dirigir sua Ferrari alucinadamente pelas ruas de Nova York.

um dos formatos da caixa Miles Davis - The Complete Bitches Brew SessionsMiles acabou discutindo com o guarda - "só me prendeu porque sou negro e um negro não pode ter um carro desses, a não ser que seja um traficante. Ele nem sabia quem eu era!". Na verdade, Miles estava sem sua carteira de motorista e carregava uma espécie de porrete para proteção.

Ao longo dos anos, Bitches Brew recebeu várias reedições. A primeira, em CD, trazia apenas uma canção extra: "Feio", de Wayne Shorter. Mas foi em 1998 que os fãs urraram de prazer quando foi editado - primeiro em um lindo estojo e depois em uma caixa retangular - Miles Davis - The Complete Bitches Brew Sessions.


segundo formato da caixaO material trazia as seguintes faixas:

CD 1

1. "Pharaoh's Dance" (Joe Zawinul) – 20:06
2. "Bitches Brew" (Miles Davis) – 26:58
3. "Spanish Key" (Davis) – 17:34
4. "John McLaughlin" (Davis) – 4:22

CD 2

1. "Miles Runs the Voodoo Down" (Davis) – 14:01
2. "Sanctuary" (Wayne Shorter) – 10:56
3. "Great Expectations" (Davis - Zawinul) – 13:45
4. "Orange Lady" (Zawinul) – 13:50
5. "Yaphet" (Davis) – 9:39
6. "Corrado" (Davis) – 13:11

CD 3

1. "Trevere" (Davis) – 5:55
2. "The Big Green Serpent" (Davis) – 3:35
3. "The Little Blue Frog" (alternate take) (Davis) – 12:13
4. "The Little Blue Frog" (Davis) – 9:09
5. "Lonely Fire" (Davis) – 21:09
6. "Guinnevere" (David Crosby) – 21:07

CD 4

1. "Feio" (Shorter) – 11:49
2. "Double Image" (Zawinul) – 8:25
3. "Recollections" (Zawinul) – 18:54
4. "Take It or Leave It" (Zawinul) – 2:13
5. "Double Image" (Zawinul) – 5:52

Apesar da bela edição, a edição sofreu críticas de ninguém menos que o próprio Teo Macero, por três problemas básicos:

1) as faixas foram remixadas sem que ele fosse consultado.
2) inclusão de material não-utilizado por serem de qualidade inferior.
3) erro histórico: na caixa há gravações realizadas em Novembro de 1969, Janeiro e Fevereiro de 1970, que nada tinham a ver com as originais de Bitches Brew, que foram realizadas apenas no mês de agosto de 1969. E, pior: muitos takes originais dessas gravações foram ignorados na edição.

Teo está certo. Boa parte do CD2 e todas as canções inclusas no CDs 3 e 4, foram gravadas entre 19 de novembro de 1969 e 6 de fevereiro de 1970. Mas, apesar do erro histórico, o resultado é excelente para quem gosta de Miles. Foram nessas gravações posteriores que aparece o percussionista brasileiro Airto Moreira.

Vale ressaltar que algumas dessas composições foram usados em discos posteriores de Miles, como Big Fun, Live-Evil e Circle In The Round.

Deixo vocês com a discografia de Miles. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Discos de estúdio

Birth of the Cool (1949)
And Horns (1950)
Blue Period (1951)
Conception Original Jazz (1951)
1951 The New Sounds of Miles Davis (1951)
Diggin' (1951)
Dig (1951)
Live at the Barrel, Vol. 2 (1952)
Miles Davis Plays the Compositions of Al Cohn (1952)
Miles Davis Quartet (1953)
Blue Haze (1953)
Miles Davis Quintet (1954)
Bags' Groove (1954)
Miles Davis Quintet (1954)
Miles Davis and the Modern Jazz Giants (1954)
Walkin' (1954)
Green Haze (1955)
The Musings of Miles (1955)
Odyssey (1955)
Milt and Miles (1955)
Miles Davis and Milt Jackson Quintet/Sextet (1955)
Circle in the 'Round (1955)
Cookin' (1955)
The New Miles Davis Quintet (1955)
Miles (1955)
Miles Davis & Horns 51-53 (1955)
Workin' (1956)
Steamin' (1956)
Relaxin' (1956)
Cookin' with the Miles Davis Quintet (1956)
'Round About Midnight (1956)
Miles Ahead (1957)
L'ascenseur pour L'Échafaud (1957)
Milestones (1958)
Porgy and Bess (1958)
Kind of Blue (1959)
Sketches of Spain (1960)
Directions (1960)
Someday My Prince Will Come (1961)
Quiet Nights (1962)
Sorcerer (1962)
Seven Steps to Heaven (1963)
E.S.P. (1965)
Miles Smiles (1966)
Nefertiti (1967)
Miles in the Sky (1968)
Filles de Kilimanjaro (1968)
In a Silent Way (1969)
Bitches Brew (1970)
Big Fun (1969)
A Tribute to Jack Johnson (1971)
On the Corner (1972)
Get Up With It (1972)
We Want Miles (1981)
The Man with the Horn (1981)
Star People (1982)
Decoy (1983)
Aura (1985)
You're Under Arrest (1986)
Tutu (1986)
Music from Siesta (1986)
Amandla (1989)
Dingo (1990)
Doo-Bop (1991)

Discos ao vivo

Miles & Monk at Newport (1955)
Miles Davis at Newport 1958 (1958)
Olympia 11 Octobre 1960, Pt. 1 (1960)
Olympia 11 Octobre 1960, Pt. 2 (1960)
Friday at the Blackhawk (1960)
Friday at the Blackhawk, Vol. 2 (1960)
Friday and Saturday Nights in Person (1961)
In Person: Friday Night at the Blackhawk (1961)
Miles Davis in Person, Vol. 1 (1961)
Miles Davis in Person, Vol. 2 (1961)
In Person: Saturday Night at the Blackhawk (1961)
At Carnegie Hall (1961)
Miles in St Louis (1961)
In Person at the Blackhawk (1961)
Miles at Antibes (1962)
Miles in Antibes (1963)
Four & More (1964)
My Funny Valentine (1964)
Miles in Tokyo (1964)
Miles in Berlin (1964)
Miles Davis in Europe (1964)
Live at the Plugged Nickel (1965)
In Berlin [live] Columbia (1966)
Live-Evil (1970)
Miles Davis at Fillmore: Live at the... (1970)
Black Beauty: Miles Davis at Fillmore West (1970)
Miles Davis at the Lincoln Center (1972)
Dark Magus (1974)
Pangaea (1975)
Agharta (1975)
Live A'Round the World (1988)
Miles in Montreux (1989)
Miles & Quincy (1991)
Green Dolphin Street (1992)
Newport Jazz Festival (1993)
On Green Dolphin Street (1999)
Miles Davis Live (2000)
Olympia 11 Juillet 1973 (2001)
At Newport 1958 (2001)

 


 

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