Na longa discografia
de Miles Davis, Bitches Brew tem uma importância tão
grande quanto Kind of Blue. Se em 1959, definiu tudo que era "cool
jazz" e tornou-se um imenso sucesso - inclusive comercial
- Bitches Brew foi o disco que aproximou Miles Davis dos anos
70 e dos grupos de rock. Contando com um time excepcional de músicos,
lançou um álbum duplo revolucionário e inovador
e que revitalizou sua carreira, que entrava em um período
de baixa, já que os grupos de rock o superavam em larga
escala em vendagens. Mas, com Bitches Brew, Miles colocou as coisas
no devido lugar, influenciado de Jimi Hendrix a Soft Machine.
O
sucesso de In a Silent Way fez com que Miles
Davis resolvesse continuasse a perseguir um som mais elétrico,
moderno.
Em julho de 1969, o excepcional
baterista Tony Williams deixa o grupo, entrando em seu lugar o
não menos excelente Jack DeJohnette, para alegria do baixista
Dave Holland, que conseguia, finalmente, entrar um músico
que tocasse dentro do seu estilo.
Mas, Jack não foi
o único músico chamado para as gravações
de um novo disco. Miles, na verdade, convidou uma legião
de músicos:
Don Alias - Percussion,
Conga, Drums
Khalil Balakrishna - Sitar
Harvey Brooks - Bass, Electric bass
Ron Carter - Bass
Billy Cobham - Drums, Triangle
Chick Corea - Electric piano
Jack DeJohnette - Drums
Steve Grossman - Soprano saxophone
Herbie Hancock - Electric piano
Dave Holland - Bass, Electric bass
Bennie Maupin - Bass clarinet
John McLaughlin - Guitar
Airto Moreira - Berimbau, Cuíca, Percussion
Bihari Sharma - Tabla, Tamboura
Wayne Shorter - Soprano saxophone
Juma Santos (Jim Riley) - Conga, Shaker
Lenny White - Drums
Larry Young - Organ, Celeste, Electric piano
Joe Zawinul - Electric piano
Miles
tinha uma idéia clara na cabeça; ele queria dar
continuidade às idéias esboçadas no disco
anterior, especialmente em uma composição antiga,
de nome "Spanish Key".
Para Miles, era importante
ter mais de um baterista e um baixista, já que sua idéia
era que uma "cozinha" produzisse uma base sólida,
enquanto os demais bateristas e baixistas dessem uma nova cara,
buscamos outros ritmos e texturas. Seria um imenso desafio para
os engenheiros de som, já que Miles necessitava que seu
instrumento fosse amplificado de forma que não ficasse
totalmente encoberto pelos instrumentos elétricos.
As gravações
durante apenas três dias - 19, 20 e 21 de agosto - e foi
impressionante a quantidade de música gravada. Sem contar,
as discussões entre Miles e o produtor Teo Macero.
A
primeira sessão foi um caos. Miles Davis começou
a bater boca com Teo, exigindo, por alguma razão, que o
produtor demitisse a secretária com quem trabalhava.
Irritado com as exigências
de Davis, Teo disse que não era seu empregado, que não
interessava o que ele queria. À medida que a conversa ficava
mais ríspida, Teo o expulsou não apenas do estúdio,
mas do prédio da gravadora, mandando que levasse também
os músicos.
Revoltado, Miles saiu,
voltou, entrou na sala de controle do estúdio e disse ao
microfone aos músicos, que viam tudo aquilo, atônitos:
"Teo me mandou embora e disse para levar os músicos
comigo. Vamos embora". Mas os músicos ficaram, sem
entender nada, até que, minutos depois, o próprio
Miles retornou, ordenou que ligassem os gravadores e começaram
a gravar.
No
primeiro dia, os músicos dentro do estúdio eram
Wayne Shorter, Chick Corea, Dave Holland, Jack DeJohnette, Jumma
Santos e Don Alias, além de Miles. Juntos gravaram "Sanctuary".
Logo depois, o grupo recebeu o reforço de Bernie Maupin,
Joe Zawinul, John McLaughlin, Harvey Brooks e Lenny White e gravaram
"Bitches Brew".
Se In a Silent
Way era um disco mais controlado em termos de experimentos
e texturas, Miles deixava dar mais liberdade aos músicos
e em buscar texturas mais densas e pesadas, até para respaldar
o apelido de Prince of Darkness (Príncipe da Escuridão)
que havia recebido, em 1967.
No segundo dia de gravação
- 20 de agosto - a banda foi acrescida de Larry Young e gravaram
"Spanish Key" e "Miles Runs the Voodoo Down"
- essa, sem Joe Zawinul. No terceiro e derradeiro dia foram registradas
"John McLaughlin" e "Pharaoh's Dance", composição
de Zawinul. Das seis canções originais do disco,
apenas essa e "Sanctuary" (de Wayne Shorter) não
eram de Miles Davis.
Apesar
de gravado em agosto de 1969, Bitches Brew só
saiu em abril de 1970, já que In a Silent Way
ainda nem havia sido editado pela CBS.
O disco chocava em vários
aspectos: primeiro pelo uso da palavra bitch em um título,
algo como "prostituta".
Depois pela belíssima
capa desenhada pelo alemão Abdul Mati Klarwein, que teria
seu trabalho requisitado depois por nomes como Santana, Buddy
Miles, Gregg Allman, Hermeto Pascoal, Eric Dolphy, entre outros.
O disco trazia uma sonoridade
impensável para um disco de jazz. Utilizando os melhores
equipamentos e engenheiros, Bitches Brew era
um mantra hipnótico de 93 minutos, distribuídos
em dois discos, com faixas longas e bem mais avançadas
do que In a Silent Way.
O disco original trazia
as seguintes faixas:
Lado 1
1. "Pharaoh's Dance" (Joe Zawinul)
– 20:06
Lado 2
1. "Bitches Brew" – 27:00
Lado 3
1. "Spanish Key" – 17:34
2. "John McLaughlin" – 4:26
Lado 4
1. "Miles Runs the Voodoo Down"
– 14:04
2. "Sanctuary" (Wayne Shorter) – 11:01
Com
o lançamento, Miles levava seu público e até
amigos a uum território novo, inexplorado e por vezes difícil.
Joe Zawinul disse que não
gostou do disco pronto quando o ouviu, pela primeira vez, e confessou
isso a Miles, que ficou decepcionado ao saber.
Mas, o pianista admite,
que anos depois, ao entrar no escritório da CBS, ficou
maravilhado com a música ambiente que corria no prédio.
"O que é isso que está tocando?". "Ora
bolas, você fez esse disco com Miles e não se lembra
mais?", respondeu um funcionário, incrédulo.
Era Bitches Brew.
O
disco foi pioneiro em algumas técnicas de edição
e mixagem, um trabalho que exigiu muito de Teo Macero e dos engenheiros.
Teo, aliás, tinha
uma maneira peculiar de trabalhar com Miles. "Miles nunca
falava na frente de ninguém", relembra Macero. O que
eles faziam era sentar calmamente, calados, e ouviam o que haviam
gravado. Miles perguntava a opinião do produtor. Algumas
poucas palavras eram trocadas e Miles retornava ao estúdio
para dar o polimento final.
Eufórico com o lançamento,
Clive Davis, presidente da CBS reforçou o pedido de que
Miles deveria montar uma banda fixa e tocar em grandes estádios
junto com grupos de rock. Sem Bitches Brew boa
parte dos grupos mais experimentais estariam órfãos
e o mundo seria limado de obras fundamentais como Third,
do Soft Machine.
E, de fato, antes
mesmo do lançamento, Miles vivia um novo período
em sua carreira, sendo convidados para tocar em festivais de rock,
além de colecionar prisões por dirigir sua Ferrari
alucinadamente pelas ruas de Nova York.
Miles
acabou discutindo com o guarda - "só me prendeu porque
sou negro e um negro não pode ter um carro desses, a não
ser que seja um traficante. Ele nem sabia quem eu era!".
Na verdade, Miles estava sem sua carteira de motorista e carregava
uma espécie de porrete para proteção.
Ao longo dos anos, Bitches
Brew recebeu várias reedições. A primeira,
em CD, trazia apenas uma canção extra: "Feio",
de Wayne Shorter. Mas foi em 1998 que os fãs urraram de
prazer quando foi editado - primeiro em um lindo estojo e depois
em uma caixa retangular - Miles Davis - The Complete Bitches
Brew Sessions.
O
material trazia as seguintes faixas:
CD 1
1. "Pharaoh's Dance"
(Joe Zawinul) – 20:06
2. "Bitches Brew" (Miles Davis) – 26:58
3. "Spanish Key" (Davis) – 17:34
4. "John McLaughlin" (Davis) – 4:22
CD 2
1. "Miles Runs the
Voodoo Down" (Davis) – 14:01
2. "Sanctuary" (Wayne Shorter) – 10:56
3. "Great Expectations" (Davis - Zawinul) – 13:45
4. "Orange Lady" (Zawinul) – 13:50
5. "Yaphet" (Davis) – 9:39
6. "Corrado" (Davis) – 13:11
CD 3
1. "Trevere"
(Davis) – 5:55
2. "The Big Green Serpent" (Davis) – 3:35
3. "The Little Blue Frog" (alternate take) (Davis) –
12:13
4. "The Little Blue Frog" (Davis) – 9:09
5. "Lonely Fire" (Davis) – 21:09
6. "Guinnevere" (David Crosby) – 21:07
CD 4
1. "Feio" (Shorter)
– 11:49
2. "Double Image" (Zawinul) – 8:25
3. "Recollections" (Zawinul) – 18:54
4. "Take It or Leave It" (Zawinul) – 2:13
5. "Double Image" (Zawinul) – 5:52
Apesar da bela edição,
a edição sofreu críticas de ninguém
menos que o próprio Teo Macero, por três problemas
básicos:
1) as faixas foram
remixadas sem que ele fosse consultado.
2) inclusão de material não-utilizado por serem
de qualidade inferior.
3) erro histórico: na caixa há gravações
realizadas em Novembro de 1969, Janeiro e Fevereiro de 1970, que
nada tinham a ver com as originais de Bitches Brew, que foram
realizadas apenas no mês de agosto de 1969. E, pior: muitos
takes originais dessas gravações foram ignorados
na edição.
Teo está certo.
Boa parte do CD2 e todas as canções inclusas no
CDs 3 e 4, foram gravadas entre 19 de novembro de 1969 e 6 de
fevereiro de 1970. Mas, apesar do erro histórico, o resultado
é excelente para quem gosta de Miles. Foram nessas gravações
posteriores que aparece o percussionista brasileiro Airto Moreira.
Vale ressaltar que algumas
dessas composições foram usados em discos posteriores
de Miles, como Big Fun, Live-Evil
e Circle In The Round.
Deixo vocês com a
discografia de Miles. Um abraço e até a próxima
coluna.
Discografia
Discos de estúdio
Birth of the Cool (1949)
And Horns (1950)
Blue Period (1951)
Conception Original Jazz (1951)
1951 The New Sounds of Miles Davis (1951)
Diggin' (1951)
Dig (1951)
Live at the Barrel, Vol. 2 (1952)
Miles Davis Plays the Compositions of Al Cohn (1952)
Miles Davis Quartet (1953)
Blue Haze (1953)
Miles Davis Quintet (1954)
Bags' Groove (1954)
Miles Davis Quintet (1954)
Miles Davis and the Modern Jazz Giants (1954)
Walkin' (1954)
Green Haze (1955)
The Musings of Miles (1955)
Odyssey (1955)
Milt and Miles (1955)
Miles Davis and Milt Jackson Quintet/Sextet (1955)
Circle in the 'Round (1955)
Cookin' (1955)
The New Miles Davis Quintet (1955)
Miles (1955)
Miles Davis & Horns 51-53 (1955)
Workin' (1956)
Steamin' (1956)
Relaxin' (1956)
Cookin' with the Miles Davis Quintet (1956)
'Round About Midnight (1956)
Miles Ahead (1957)
L'ascenseur pour L'Échafaud (1957)
Milestones (1958)
Porgy and Bess (1958)
Kind of Blue (1959)
Sketches of Spain (1960)
Directions (1960)
Someday My Prince Will Come (1961)
Quiet Nights (1962)
Sorcerer (1962)
Seven Steps to Heaven (1963)
E.S.P. (1965)
Miles Smiles (1966)
Nefertiti (1967)
Miles in the Sky (1968)
Filles de Kilimanjaro (1968)
In a Silent Way (1969)
Bitches Brew (1970)
Big Fun (1969)
A Tribute to Jack Johnson (1971)
On the Corner (1972)
Get Up With It (1972)
We Want Miles (1981)
The Man with the Horn (1981)
Star People (1982)
Decoy (1983)
Aura (1985)
You're Under Arrest (1986)
Tutu (1986)
Music from Siesta (1986)
Amandla (1989)
Dingo (1990)
Doo-Bop (1991)
Discos ao vivo
Miles & Monk at Newport (1955)
Miles Davis at Newport 1958 (1958)
Olympia 11 Octobre 1960, Pt. 1 (1960)
Olympia 11 Octobre 1960, Pt. 2 (1960)
Friday at the Blackhawk (1960)
Friday at the Blackhawk, Vol. 2 (1960)
Friday and Saturday Nights in Person (1961)
In Person: Friday Night at the Blackhawk (1961)
Miles Davis in Person, Vol. 1 (1961)
Miles Davis in Person, Vol. 2 (1961)
In Person: Saturday Night at the Blackhawk (1961)
At Carnegie Hall (1961)
Miles in St Louis (1961)
In Person at the Blackhawk (1961)
Miles at Antibes (1962)
Miles in Antibes (1963)
Four & More (1964)
My Funny Valentine (1964)
Miles in Tokyo (1964)
Miles in Berlin (1964)
Miles Davis in Europe (1964)
Live at the Plugged Nickel (1965)
In Berlin [live] Columbia (1966)
Live-Evil (1970)
Miles Davis at Fillmore: Live at the... (1970)
Black Beauty: Miles Davis at Fillmore West (1970)
Miles Davis at the Lincoln Center (1972)
Dark Magus (1974)
Pangaea (1975)
Agharta (1975)
Live A'Round the World (1988)
Miles in Montreux (1989)
Miles & Quincy (1991)
Green Dolphin Street (1992)
Newport Jazz Festival (1993)
On Green Dolphin Street (1999)
Miles Davis Live (2000)
Olympia 11 Juillet 1973 (2001)
At Newport 1958 (2001)
|