Após ter sua carreira quase
destruída nos anos 80, David Bowie começou um lento
e doloroso processo de reconstrução na década
de 90. Após ser dado como morto depois da criação
do Tin Machine (que rendeu um bom disco de estréia), Bowie
resolve lançar em 1993 seu primeiro disco-solo desde Never
Let Me Down, de 1987. Recém-casado, Bowie gravou um de
seus melhores e mais desconhecidos discos, Black Tie White Noise,
cercado de velhos amigos, como o produtor e guitarrista Nile Rodgers
(o mesmo de Let's Dance) e o velho comparsa dos anos 70, Mick
Ronson, já gravemente enfermo. O disco não teve
sucesso, mas provou que Bowie ainda podia e sabia gravar ótimas
canções e que sua inspiração estava
de volta. Com Black Tie White Noise, David Bowie começou
a resgatar o prestígio perdido e que hoje anda em alta.
Um belo disco para uma bela virada em sua vida.
Se
teve uma lenda que tomou belas bordoadas no início dos
anos 90, essa lenda foi David Bowie. Após ter quase destruído
sua credibilidade com discos frouxos nos anos 80, Bowie cometeu
um "crime" para seus admiradores: montou uma banda,
que flertava com o hard rock e cantava canções absolutamente
distantes de seu talento. De quebra, fez amizade com o desconhecido
guitarrista Reeves Gabrels, um dos músicos mais desprezados
pelos fãs do cantor.
Mas o que Bowie estava
tentando fazer com o Tin Machine e, que pouca gente percebeu,
era procurar o caminho de volta ao rock que o havia consagrado.
Após o sucesso de Let's Dance, em 1983,
Bowie foi jogado de ídolo "cult" para um ídolo
pop de massa, posição que ele nunca quis ou gostou.
Bowie mesmo chegou a comentar em uma entrevista que não
sabia o que fazer com aquela popularidade que havia angariado.
E, ao que parece, escolhou o caminho errado. Tonight
e Never Let Me Down eram discos sem inspiração,
ainda que cercado de velhos amigos, casos de Tina Turner e Peter
Frampton.
Mas os discos foram tão
pouco inspirados e tão friamente calculados que mostraram
que o cantor tinha se rendido ao comercialismo, decepcionando
os antigos seguidores. E pior: Bowie não poderia muito
contar com os novos fãs teens, tão volúveis.
Por isso, Bowie tentou
criar algo radical no final dos anos 80 com o Tin Machine, que
teve um belo disco de estréia (embora 99,9% das pessoas
discordem de mim) e um péssimo segundo álbum e um
fraco disco ao vivo.
Depois de tentar e fracassar
como líder de um grupo onde era apenas o cantor e ocasional
guitarrista-base, era hora para Bowie de tentar a volta por cima.
O primeiro passo foi lançar,
ainda em 1989 uma caixa chamada Sound And Vision,
retrospectiva de sua carreira, e mostrar que seu passado ainda
estava intacto. E, apostando nesse passado, Bowie começou
a relançar seus antigos discos pelo selo Rykodisc, em uma
edição especial, luxuosa, em vinil e CD. Os LPs
eram a grande vedete - discos com capas duplas, fotos extras,
letras, e vinis transparentes, sendo todas as edições
duplas, mas com apenas três lados de música - o vinil
extra tinha o charme de trazer faixas raras, mas apenas do lado
A.
Mas Bowie ainda estava
inseguro em relação ao seu futuro. Ele não
queria mais viver do passado, queria viver do presente e o presente
era a grande besta em sua vida.
Suas finanças não
iam muito bem, já que o Tin Machine vendeu praticamente
nada e a reedição da Rykodisc lhe rendeu mais prestígio
do que grana. Era necessário uma virada.
O
primeiro teste de sua popularidade aconteceu no concerto tributo
à Freddie Mercury, o falecido cantor do grupo Queen. Bowie
havia gravado com eles na década anterior o hit "Under
Pressure" e por isso havia sido escalado para o The Concert
for Life - The Freddie Mercury Tribute, no dia 20 de abril
de 1992, no estádio de Wembley. Bowie iria, à princípio
cantar o clássico ao lado de Annie Lennox, ex-musa do Eurythmics.
Os dois formaram o casal mais chique e exótico da noite,
com Bowie usando um terno verde e Annie com uma roupa escura e
máscara nos olhos.
Após o número,
Bowie chamou ao palco antigos colegas do Mott The Hopple, para
quem ele havia escrito "All The Young Dudes". Entre
eles, estava um esquecido e querido parceiro, o guitarrista Mick
Ronson, célebre músico que tocou com Bowie entre
1970 e 1973.
Mick já estava doente,
com um câncer que o mataria logo depois, mas juntos tocaram
"All The Young Dudes" e "Heroes".
Quatro
dias depois do concerto, Bowie voltou para sua casa em Lausane,
na Suíça, para um outro compromisso: o de se casar.
A escolhida era Iman Abdul Majid, uma modelo e atriz nascida na
Somália e que contava com 34 anos. Bowie tinha 45. Uma
semana depois, aconteceu a festa religiosa em Florença,
na Itália, na Igreja de St James, para apenas 68 convidados,
entre eles, Yoko Ono e Bono.
Bowie então começava
a escrever algumas novas canções para um novo trabalho.
Na verdade, ele trabalhava em dois projetos: um novo disco-solo
e uma trilha-sonora do filme televisivo chamado Buddha
of Suburbia.
Bowie
resolveu voar até Nova York para começar as gravações
de seu primeiro disco-solo da década de 90 com uma idéia
na cabeça: os problemas raciais. Ele estava em Los Angeles
no dia em que aconteceu o assassinato do jovem negro Rodney King,
que tanta polêmica rendeu durante meses depois. Bowie queria
fazer um disco pop, mas acrescidos de ritmos negros como o rap,
o soul, a disco e o jazz. Para isso, convidou o antigo amigo e
produtor Nile Rodgers e recrutou dois dos melhores músicos
que já haviam trabalhado com ele nos anos 70: o pianista
Mike Garson, além de Mick Ronson. Além deles, Bowie
convidou o trumpetista norte-americano Lester Bowie, de quem não
era parente, mas a quem chamou de "irmão", uma
clara brincadeira ao sobrenome do músico.
Mick
Ronson teve um papel de destaque no disco por dois motivos: primeiro
pela sua participação na gravação
do antigo hit do trio Cream, "I Feel Free", uma canção
demasiadamente sentimental para Bowie, já que o Cream era
a banda favorita de seu meio-irmão mais velho Terry Burns,
que se suicidou em 1985. E também porque Ronson havia produzido
o último disco de Morrissey, Your Arsenal,
e Bowie havia decidido gravar a canção "I Know
It's Gonna Happen Someday", do ex-cantor dos Smiths, já
que Morrissey havia gravado seu disco inspirado em Ziggy.
Bowie resolveu abrir o
disco com "The Wedding", uma canção instrumental
feita em homenagem à sua nova esposa. Em entrevistas, o
cantor tentava matar a fama lendária de bissexual, dizendo
que era "completamente heterossexual" e que estava feliz
por ser amado e estar amando.
A segunda faixa era uma
antiga faixa dos tempos de Tin Machine e que não havia
sido aproveitada, "You've Been Around". Na canção
se destaca o trumpete de Lester e a guitarra de Reeves.
A terceira canção
é o clássico do Cream em uma versão que deixaria
o trio de Clapton escandalizado, não por terem feito uma
versão ruim, mas por ver Bowie e Ronson juntos, solando
em um quase-funk. Bowie, no sax e Mick, esmerilhando sua guitarra.
David, aliás, tocaria o sax em várias faixas.
A
quarta canção é a faixa-título, "Black
Tie White Noise", divindindo os vocais com o cantor Al B.
Sure! Quando Bowie gravou um documentário de mesmo nome,
com uma entrevista e seis vídeos promocionais, tudo dirigido
por David Mallet, Bowie explicou qual era a sua idéia para
a música: "penso que antigamente o racismo era menos
exarcebado. Antes, os negros reclamavam que eram discriminados
e conseguiam pouca coisa. Hoje eles, e as demais minorias, são
completamente esquecidas e esmagadas. Fiz essa canção
após ver o horror que aconteceu com Rodney King e quis
falar dessa coisa abominável que é o racismo. Não
há mais paixão e respeito entre as diferentes raças,
apenas violência e ressentimento."
Na canção,
Bowie e Al B. falam de um possível enfrentamento de um
negro com um branco.
A
quinta canção é a mais emotiva para David
por um motivo muito especial: pela primeira vez falava do suicídio
de seu meio-irmão Terry. "Jump They Say", foi
também o primeiro vídeo promocional do disco.
"Terry foi muito importante
em minha vida. Ele era mais velho e me levou aos primeiros concertos
de minha vida. Ele adorava o Cream e uma vez fui com ele a um
show e fiquei hipnotizado pelo olhar de Terry ao trio. Muitos
falaram do que sua morte representou para mim, de que eu e ele
tínhamos uma maldição e tantas outras bobagens.
Essa é minha homenagem a ele."
Outro
grande momento do disco é a versão da canção
"I Know It's Gonna Happen Someday", de Morrissey. "Morrissey
é um dos mais fiéis representantes dos grandes compositores
ingleses, um mestre em pegar uma pequena idéia e criar
algo grandioso. Mick havia produzido seu último disco e
tinha me dito quanto Morrissey queria algo próximo ao som
de Ziggy. Por isso pedi a Mick que me mostrasse o disco e resolvi
gravar essa música como se eu estivesse cantando 'Rock
And Roll Suicide', por exemplo."
Anos depois, Morrissey
saiu em excursão abrindo alguns shows de Bowie e disse
que essa tinha sido a maior homenagem que alguém já
havia lhe feito.
Outro
grande momento do disco foi "Miracle Goodnight", outro
single do disco, onde Bowie tenta um rap sobre uma base funk.
No geral, o disco rende
grandes momentos ao cantor e mostra um excelente trabalho, com
a produção cuidadosa de Nile Rodgers e do próprio
cantor. Em estúdio, o cantor mostrou mais uma vez que o
casamento não havia mudado sua maneira de ser, em estúdio.
Bowie sempre foi considerado tirano com os músicos e dono
de uma mão-de-ferro, dizendo exatamente o que queria e
como queria. E, apesar de trabalhar com tantos músicos
famosos e velhos amigos, Bowie não mudou o hábito,
embora seu sorriso mostrasse que eram poucos os motivos para alguma
crítica.
Lançado
em abril de 1993 pela pequena Savage Records, Black Tie
White Noise, já nasceu com duas cruzes pesadas:
a primeira foi a morte de Mick Ronson, de câncer, em 29
de abril de 1993. E, a segunda, e mais grave do ponto de vista
econômico, foi a falência da Savage.
David não esperava
que a Savage fosse quebrar em junho daquele ano. O presidente
da gravadora, David Mimran se dizia feliz por ter um artista como
ele em seu elenco e que Bowie tinha entregado um grande disco,
como assim havia prometido. A distribuição seria
feita pela BMG, num acordo costurado pelo próprio artista.
Só que o cantor não esperava que o selo fosse quebrar
logo após algumas semanas de lançamento, deixando
Bowie numa situação inusitada, pois pela primeira
vez em sua carreira, encontrava-se sem um selo.
Com
a derrocada comercial do disco, que logo sumiu das paradas e das
prateleiras, David entrou em uma grande depressão e foi
amparado por sua esposa que tomou frente aos negócios do
cantor. Mesmo o lançamento da coletânea Singles:
1969-1993, no mesmo ano não melhorou muito o ânimo
do cantor. Para Bowie, parecia que sua carreira havia entrado
em um espiral descendente.
Foi então que surgiu
um novo alento em seu horizonte. O Nirvana havia gravado seu Unplugged
para a MTV e um dos destaques havia sido a versão de "The
Man Who Sold The World", em que Kurt Cobain faz questão
de dizer que se tratava de uma canção de David Bowie,
ao final. Em entrevistas posteriores, Cobain dizia que todo mundo
de sua geração devia algo a Bowie e que ele era
um grande fã. Esse apoio inesperado foi a injeção
de ânimo que o velho camaleão precisava para se reerguer.
Até porque ele havia começado um novo projeto com
um antigo colaborador chamado Brian Eno... mas isso é tema
para uma outra coluna.
Fiquem com as letras de
"Jump They Say" e a de "Black Tie White Noise",
além da discografia do cantor. Um abraço e até
a próxima coluna.
Jump They Say
When comes the shaking man
A nation in his eyes
Striped with blood and emblazed tattoo
Streaking cathedral spire
They say
he has no brain
They say
he has no mood
They say
he was born again
They say
look at him climb
They say 'Jump'
They say
he has two gods
They say
he has no fear
They say
he has no eyes
They say
he has no mouth
They say hey that's really something
They feel he should get some time
I say he should watch his ass
My friend don't listen to the crowd
They say 'Jump'
Got to believe somebody
Got to believe
Black Tie White Noise
Getting my facts from a Benneton ad
I'm lookin' thru African eyes
Lit by the glare of an L.A. fire
I've got a face, not just my race, bang bang I've got you babe
Sun comes up and the man goes down
And the woman comes again
Just an hour or so to be safe from fear
Then we jump thru hoops, we're divisable now, just disappear
We reach out over race and hold each other's
hands
Then die in the flames singing "we shall overcome"
Whoa! What's going on?
There'll be some blood no doubt about it
But we'll come thru don't doubt it
I look into your eyes and I know you won't kill me
You won't kill me
You won't kill me
But I look into your eyes
And I wonder sometimes
Oh Lord, just let him see me
Lord, Lord just let him hear me
Let him call me brother
Let him put his arms around me
Let him put his hands together.
Reach over race and hold each other's hands
Walk thru the nite thinking we are the world
Woa! What's going on?
There'll be some blood no doubt about it
But we'll come thru don't doubt it
I look into your eyes and I know you won't
kill me
You won't kill me
You won't kill me
But I wonder why
Yes, and I wonder why sometimes
They'll show us how to break the rules
But never how to make the rules
Reduce us down to witless punks
Facist cries both black and white, who's got the blood, who's
got the gun
Putting on the black tie, cranking out
the white noise
(Just a fool!)
Discografia
David Bowie (1967)
Space Oddity (também conhecido como Man of Words/Man of
Music, 1969)
The Man Who Sold The World (1971)
Hunky Dory (1971)
The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars
(1972)
Aladdin Sane (1973)
Pin Ups (1973)
Diamond Dogs (1974)
David Live (1974)
Young Americans (1975)
Station to Station (1976)
ChangesOneBowie (1976)
Low (1977)
“Heroes” (1977)
Stage (1978)
Prokofiev's Peter and the Wolf (1978)
Lodger (1979)
Scary Monsters (And Super Creeps) (1980)
ChangesTwoBowie (1981)
Christiane F. Win Kinder (trilha sonora, 1982)
David Bowie in Betrtort Brecht's Baal (1982)
“Peace on Earth” /“Little Drummer Boy”
(com Bing Crosby, 1982)
Ziggy Stardust: The Motion Picture (1983)
Let's Dance (1983)
Golden Years (1983)
Love You Till Tuesday (1984, gravado em 1969)
Tonight (1984)
Never Let Me Down (1987)
Tin Machine (1989)
Sound and Vision (1989)
ChangesBowie (1990)
Tin Machine II (1991)
Oy Vey, Baby (1992)
Black Tie White Noise (1993)
Singles: 1969-1993 (1993)
Buddha of Suburbia (1994)
1.Outside (1995)
Earthling (1997)
The Best of David Bowie 1969/1974 (1997)
The Best of David Bowie 1974/1979 (1998)
“hours...” (1999)
Singles Collection (1999)
Bowie at the Beeb: The Best of the BBC Radio Sessions (2000)
London Boy (2001)
Heathen (2002)
Reality (2003)
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