196 - Bob Dylan - Blonde on Blonde

O mais importante álbum dos anos 60, o disco duplo mais impressionante já feito, um dos 10 mais da história, a obra definitiva de Dylan, as mais belas letras de amor já escritas... escolha o adjetivo que quiser, caso você adore essas bobagens. O fato é que Blonde on Blonde é, isso sim, um dos mais vitais discos não apenas da década dourada do rock, mas de toda a música contemporânea, seja ela rock ou não. Aqui Dylan entrega-se como poucos à massacrar a mediocridade, a fazer críticas mordazes, além de escrever pungentes e emocionantes declarações de amor. E tudo isso sendo produzido com tempo zero, alternando-se entre shows, filmagens e entrevistas. Resumindo: um ano do cacete! e um álbum (duplo) igualmente do cacete!


O que mais Bob Dylan poderia fazer após lançar dois discos devastadores em 1965 - Bringing It All Back Home e Highway 61 Revisited? Aliás, como repetir esses discos se não havia nenhum tempo para sentar e começar a escrever novas músicas? E como casar o tempo com a produção de seu documentário Don't Look Back, que só seria lançado algum tempo depois? E ainda assim, excursionando pelo mundo todo... Uma tarefa de leão. Mas Dylan nunca se incomodou com esses "pequenos" obstáculos...

A verdade é que Dylan nunca teve tempo de pensar muito após a fama. Sua rotina era praticamente a mesma: três ou quatro shows semanais, fãs o perseguindo, entrevistas entediantes com "perguntas profundas" a cada dia, uso de anfetamina e maconha para suportar tal loucura; diretores da CBS implorando por um novo disco e várias sessões de estúdios com os Hawks (futuro The Band, não custa relembrar...).

Mas Dylan encontrava algum tempo para escrever novas letras; precisamente de madrugada quando conseguia ficar só. E ficava pensando nas melodias no banco de trás do carro, durantes as viagens. Era preciso alienar-se um pouco e usar a paisagem da América para pensar em novas idéias.

Dylan confessava que muitas vezes conseguia "ver" a música: "muitas vezes eu sou capaz de ouvir a melodia pronta junto com a letra em minha cabeça, como se fosse uma paisagem, tudo perfeitamente certo. Depois disso, é só pegar minha guitarra e dar forma."

Alguns desses rascunhos começaram a ser feitos em janeiro de 1966, quando Dylan entrou em estúdio com os Hawks para algumas sessões.

Al Kooper  (ao fundo) e Bob DylanMas eles não seriam seus pares no próximo disco. Na verdade, Dylan tinha em mente um nome, antes de todos: o estupendo tecladista Al Kooper.

Após as gravações com o The Hawks, Dylan chamou apenas o guitarrista Robbie Robertson e rumaram para Nashville, onde seria produzido o novo disco. A idéia básica era simples: ele queria um lugar longe das badalações para poder gravar o novo disco. Além disso, Nashville era onde morava o produtor Bob Johnston.

Johnston havia chamados nomes experientes da cena local. Os músicos que participaram das sessões foram: Wayne Moss, Charlie McCoy, Kenneth Buttrey, Hargus Robbins, Jerry Kennedy, Joe South, Bill Aikins, Henry Strzeleci, além de Al e Robbie.

O disco foi gravado de uma maneira quase maníaca. A cada idéia eles corriam atrás de pessoas que pudessem ajudar. Assim, "Rainy Day Women # 12 & 35", que abre o disco e chegou ao segundo lugar da parada de compactos, foi gravado de madrugada, quando Johnston cismou que queria uma sessão de metais no estilo "Exército da Salvação" para abrir o número. Charlie McCoy, por exemplo, conseguiu um trombonista às quatro horas da manhã. que gravou três takes e foi embora uma hora depois quando a música já estava terminada.

Dylan durante show na AustráliaKooper lembra que havia um clima de grande descontração no estúdio e que Dylan escrevia e reescrevia seguidamente as letras. E quando chegava no hotel, ele ainda se sentava no piano instalado em seu quarto e trabalhava nos arranjos. Nessas horas, Al Kooper o ajudava, dedilhando alguns acordes e dando dicas nas passagens melódicas mais difíceis.

Em abril, Dylan começou as filmagens para o documentário Don't Look Back e nesse mesmo mês saiu em uma excursão mundial com os Hawks, que começou no dia 9, em Honolulu. Nesse mesmo mês, ele já estava na Austrália e no dia 30, na Dinamarca, cuja conferência de imprensa é retratada no filme Eat the Document.

capa do disco Blonde on BlondeNo dia 16 de maio, é apresentado o novo disco, duplo, de nome Blonde on Blonde. Era para ter sido o primeiro álbum duplo da história do rock, mas o fato ficou mesmo com Freak Out! do Mothers of Invention, banda de Frank Zappa. Mas o que mais surpreendia era o fato de Dylan ter tido tempo, fôlego e talento para fazer algo tão belo.

"Rainy Day Women # 12 & 35", que inicia o disco, já abre polêmica com o verso "todo mundo está chapado!", o que fez a canção ser banida das rádios americanas e inglesas.

Rainy Day Woman era uma gíria para designar o cigarro de maconha, mas Dylan explicou que jamais faria uma canção a favor das drogas e que queria apenas refletir o atual mundo.

A polêmica das drogas havia começado quando o vice-presidente americano Spiro Agnew atacou os compositores Valerie Simpson e Nicholas Ashford pela canção "Let's Go Get Stoned", dizendo-se farto das apologias às substâncias ilícitas. Comentário de Valerie Simpson: "ela foi escrita muitos anos atrás e era obviamente pensada sobre bebidas e não fumo. O senhor Spiro deveria gastar seu tempo com coisas mais importantes para a nação." Ainda assim, a música de Dylan fez um tremendo sucesso, chegando ao 2º lugar.

"Pledging my Time", a segunda canção fala no último verso de um suposto acidente de motocicleta, o que acabou acontecendo com o cantor meses depois. Seria uma espécie de premonição?

"Visions Of Johanna" é considerada, não sem exagero, como a mais bela e complexa canção de amor escrita por Dylan, onde ele parece alcançar perfeitamente as visões de sua personagem. É também uma das mais longas, com cerca de sete minutos.

capa do compacto I Want YouA seguir vem "One Of Us Must Know (Soon or Later)", em que relata a estória de um homem explicando a uma garota sobre sua dificuldade em ter intimidade como outras pessoas. A próxima é "I Want You", cotada para ser o título do disco, mas descartada por algum motivo nunca bem explicado. Ela chegou apenas ao 20º posto das paradas.

"Stuck Inside of Mobile With the Memphis Blues Again" é uma bela mistura de blues com country. A ironia ácida do compositor ataca em "Leopard Skin Pill-Box Hat", onde Dylan ataca os manipuladores e hipócritas.

A próxima canção é uma de suas mais perfeitas criações, "Just Like A Woman", apesar de muitas críticas considerarem uma canção machista por definir a musa em questão como fútil, egoísta, hipócrita, a começar pelo título. Mas há quem veja a canção como uma bela história do fracasso das relações humanas. Vale ressaltar também o belíssimo arranjo para a música.

Outras que merecem destaques são "4th Time Around" e "Sad-Eyed Lady of the Lowlands". A primeira por John Lennon considerá-la uma inspiração para "Norwegian Wood". Lennon conta que Dylan a mostrou em 1965, em Londres, e que disse não ter gostado, por estar muito paranóico, no dia. Depois, Lennon admitiu que tinha adorado quando a ouviu.

A outra música, "Sad-Eyed Lady of the Lowlands", que fecha o disco é, talvez, a maior declaração de amor que Dylan já escreveu. Ele próprio a definiu como a "melhor canção que já fiz". Dylan usou sua mulher Sara como a musa, embora isso não esteja tão claro, já que ele nunca escrevia sobre uma única pessoa. Na canção, ela é mística, porém humana; espiritual, mas real, nobre e patética. Sobre Sara, há algumas dicas, já que ela tinha cabelo preto, rosto bem desenhado e um corpo pequeno e gracioso. Além de olhos tristes.

O disco marcou o ápice de sua carreira. No dia 29 de julho, ele teria o terrível acidente de motocicleta, e seria dado como morto. Seria também um longo hiato dele em cima de um palco e começaria um período de muita reflexão, tristeza e incertezas. O disco seria aclamado como uma obra-prima, o único capaz de superar qualquer coisa que os Beatles fizessem. Mas, poderia Dylan, ainda fazer algo melhor? Bem, isso é papo para outra. Um abraço e até mais.

Discografia

Bob Dylan (1962)
The Freewheelin' Bob Dylan (1963)
The Times They Are A-Changin' (1964)
Another Side of Bob Dylan (1964)
Bringing It All Back Home (1965)
Highway 61 Revisited (1965)
Blonde on Blonde (1966)
Bob Dylan's Greatest Hits (1967)
John Wesley Harding (1968)
Nashville Skyline (1969)
Self Portrait (1970)
New Morning (1970)
Bob Dylan's Greatest Hits, Vol. 2 (1971)
Pat Garrett and Billy the Kid (1973)
Dylan (1973)
Planet Waves (1974)
Before the Flood (1974)
Blood on the Tracks (1975)
The Basement Tapes (1975)
Desire (1976)
Hard Rain (1976)
Street Legal (1978)
At Budokan (1979)
Slow Train Coming (1979)
Saved (1980)
Shot of Love (1981)
Infidels (1983)
Real Live (1984)
Biograph (1985)
Empire Burlesque (1985)
Knocked Out Loaded (1986)
Dylan & the Dead (1988)
Down in the Groove (1988)
Oh Mercy (1989)
Under the Red Sky (1990)
The Bootleg Series Volumes 1-3 (1991)
Good as I Been to You (1992)
The 30th Anniversary Concert Celebration (1993)
World Gone Wrong (1993)
Bob Dylan's Greatest Hits, Vol. 3 (1994)
MTV Unplugged (1995)
Time Out Of Mind (1997)
The Bootleg Series, Vol. 4: Bob Dylan Live 1966 (1998)
The Essential Bob Dylan (2000)
"Love and Theft" (2001)
The Bootleg Series, Vol. 5: Bob Dylan Live 1975 (2002)
The Bootleg Series, Vol. 6: Bob Dylan Live 1964 (2004)
No Direction Home: The Soundtrack (The Bootleg Series Vol. 7) (2005)
The Best of Bob Dylan (2005)
Modern Times (2006)
Dylan (2007)
Tell Tale Signs - Rare and Unreleased 1989-2006 (2008)
Together Through Life (2009)

 

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