O mais importante
álbum dos anos 60, o disco duplo mais impressionante já
feito, um dos 10 mais da história, a obra definitiva de
Dylan, as mais belas letras de amor já escritas... escolha
o adjetivo que quiser, caso você adore essas bobagens. O
fato é que Blonde on Blonde é, isso sim, um dos
mais vitais discos não apenas da década dourada
do rock, mas de toda a música contemporânea, seja
ela rock ou não. Aqui Dylan entrega-se como poucos à
massacrar a mediocridade, a fazer críticas mordazes, além
de escrever pungentes e emocionantes declarações
de amor. E tudo isso sendo produzido com tempo zero, alternando-se
entre shows, filmagens e entrevistas. Resumindo: um ano do cacete!
e um álbum (duplo) igualmente do cacete!
O
que mais Bob Dylan poderia fazer após lançar dois
discos devastadores em 1965 - Bringing It All Back Home
e Highway 61 Revisited? Aliás, como repetir
esses discos se não havia nenhum tempo para sentar e começar
a escrever novas músicas? E como casar o tempo com a produção
de seu documentário Don't Look Back, que
só seria lançado algum tempo depois? E ainda assim,
excursionando pelo mundo todo... Uma tarefa de leão. Mas
Dylan nunca se incomodou com esses "pequenos" obstáculos...
A verdade é que
Dylan nunca teve tempo de pensar muito após a fama. Sua
rotina era praticamente a mesma: três ou quatro shows semanais,
fãs o perseguindo, entrevistas entediantes com "perguntas
profundas" a cada dia, uso de anfetamina e maconha para suportar
tal loucura; diretores da CBS implorando por um novo disco e várias
sessões de estúdios com os Hawks (futuro The Band,
não custa relembrar...).
Mas
Dylan encontrava algum tempo para escrever novas letras; precisamente
de madrugada quando conseguia ficar só. E ficava pensando
nas melodias no banco de trás do carro, durantes as viagens.
Era preciso alienar-se um pouco e usar a paisagem da América
para pensar em novas idéias.
Dylan confessava que muitas
vezes conseguia "ver" a música: "muitas
vezes eu sou capaz de ouvir a melodia pronta junto com a letra
em minha cabeça, como se fosse uma paisagem, tudo perfeitamente
certo. Depois disso, é só pegar minha guitarra e
dar forma."
Alguns desses rascunhos
começaram a ser feitos em janeiro de 1966, quando Dylan
entrou em estúdio com os Hawks para algumas sessões.
Mas
eles não seriam seus pares no próximo disco. Na
verdade, Dylan tinha em mente um nome, antes de todos: o estupendo
tecladista Al Kooper.
Após as gravações
com o The Hawks, Dylan chamou apenas o guitarrista Robbie Robertson
e rumaram para Nashville, onde seria produzido o novo disco. A
idéia básica era simples: ele queria um lugar longe
das badalações para poder gravar o novo disco. Além
disso, Nashville era onde morava o produtor Bob Johnston.
Johnston havia chamados
nomes experientes da cena local. Os músicos que participaram
das sessões foram: Wayne Moss, Charlie McCoy, Kenneth Buttrey,
Hargus Robbins, Jerry Kennedy, Joe South, Bill Aikins, Henry Strzeleci,
além de Al e Robbie.
O
disco foi gravado de uma maneira quase maníaca. A cada
idéia eles corriam atrás de pessoas que pudessem
ajudar. Assim, "Rainy Day Women # 12 & 35", que
abre o disco e chegou ao segundo lugar da parada de compactos,
foi gravado de madrugada, quando Johnston cismou que queria uma
sessão de metais no estilo "Exército da Salvação"
para abrir o número. Charlie McCoy, por exemplo, conseguiu
um trombonista às quatro horas da manhã. que gravou
três takes e foi embora uma hora depois quando
a música já estava terminada.
Kooper
lembra que havia um clima de grande descontração
no estúdio e que Dylan escrevia e reescrevia seguidamente
as letras. E quando chegava no hotel, ele ainda se sentava no
piano instalado em seu quarto e trabalhava nos arranjos. Nessas
horas, Al Kooper o ajudava, dedilhando alguns acordes e dando
dicas nas passagens melódicas mais difíceis.
Em abril, Dylan começou
as filmagens para o documentário Don't Look Back
e nesse mesmo mês saiu em uma excursão mundial com
os Hawks, que começou no dia 9, em Honolulu. Nesse mesmo
mês, ele já estava na Austrália e no dia 30,
na Dinamarca, cuja conferência de imprensa é retratada
no filme Eat the Document.
No
dia 16 de maio, é apresentado o novo disco, duplo, de nome
Blonde on Blonde. Era para ter sido o primeiro
álbum duplo da história do rock, mas o fato ficou
mesmo com Freak Out! do Mothers of Invention,
banda de Frank Zappa. Mas o que mais surpreendia era o fato de
Dylan ter tido tempo, fôlego e talento para fazer algo tão
belo.
"Rainy Day Women #
12 & 35", que inicia o disco, já abre polêmica
com o verso "todo mundo está chapado!", o que
fez a canção ser banida das rádios americanas
e inglesas.
Rainy
Day Woman era uma gíria para designar o cigarro de
maconha, mas Dylan explicou que jamais faria uma canção
a favor das drogas e que queria apenas refletir o atual mundo.
A polêmica das drogas
havia começado quando o vice-presidente americano Spiro
Agnew atacou os compositores Valerie Simpson e Nicholas Ashford
pela canção "Let's Go Get Stoned", dizendo-se
farto das apologias às substâncias ilícitas.
Comentário de Valerie Simpson: "ela foi escrita muitos
anos atrás e era obviamente pensada sobre bebidas e não
fumo. O senhor Spiro deveria gastar seu tempo com coisas mais
importantes para a nação." Ainda assim, a música
de Dylan fez um tremendo sucesso, chegando ao 2º lugar.
"Pledging my Time",
a segunda canção fala no último verso de
um suposto acidente de motocicleta, o que acabou acontecendo com
o cantor meses depois. Seria uma espécie de premonição?
"Visions Of Johanna"
é considerada, não sem exagero, como a mais bela
e complexa canção de amor escrita por Dylan, onde
ele parece alcançar perfeitamente as visões de sua
personagem. É também uma das mais longas, com cerca
de sete minutos.
A
seguir vem "One Of Us Must Know (Soon or Later)", em
que relata a estória de um homem explicando a uma garota
sobre sua dificuldade em ter intimidade como outras pessoas. A
próxima é "I Want You", cotada para ser
o título do disco, mas descartada por algum motivo nunca
bem explicado. Ela chegou apenas ao 20º posto das paradas.
"Stuck Inside of Mobile
With the Memphis Blues Again" é uma bela mistura de
blues com country. A ironia ácida do compositor ataca em
"Leopard Skin Pill-Box Hat", onde Dylan ataca os manipuladores
e hipócritas.
A próxima canção
é uma de suas mais perfeitas criações, "Just
Like A Woman", apesar de muitas críticas considerarem
uma canção machista por definir a musa em questão
como fútil, egoísta, hipócrita, a começar
pelo título. Mas há quem veja a canção
como uma bela história do fracasso das relações
humanas. Vale ressaltar também o belíssimo arranjo
para a música.
Outras
que merecem destaques são "4th Time Around" e
"Sad-Eyed Lady of the Lowlands". A primeira por John
Lennon considerá-la uma inspiração para "Norwegian
Wood". Lennon conta que Dylan a mostrou em 1965, em Londres,
e que disse não ter gostado, por estar muito paranóico,
no dia. Depois, Lennon admitiu que tinha adorado quando a ouviu.
A outra música,
"Sad-Eyed Lady of the Lowlands", que fecha o disco é,
talvez, a maior declaração de amor que Dylan já
escreveu. Ele próprio a definiu como a "melhor canção
que já fiz". Dylan usou sua mulher Sara como a musa,
embora isso não esteja tão claro, já que
ele nunca escrevia sobre uma única pessoa. Na canção,
ela é mística, porém humana; espiritual,
mas real, nobre e patética. Sobre Sara, há algumas
dicas, já que ela tinha cabelo preto, rosto bem desenhado
e um corpo pequeno e gracioso. Além de olhos tristes.
O
disco marcou o ápice de sua carreira. No dia 29 de julho,
ele teria o terrível acidente de motocicleta, e seria dado
como morto. Seria também um longo hiato dele em cima de
um palco e começaria um período de muita reflexão,
tristeza e incertezas. O disco seria aclamado como uma obra-prima,
o único capaz de superar qualquer coisa que os Beatles
fizessem. Mas, poderia Dylan, ainda fazer algo melhor? Bem, isso
é papo para outra. Um abraço e até mais.
Discografia
Bob Dylan (1962)
The Freewheelin' Bob Dylan (1963)
The Times They Are A-Changin' (1964)
Another Side of Bob Dylan (1964)
Bringing It All Back Home (1965)
Highway 61 Revisited (1965)
Blonde on Blonde (1966)
Bob Dylan's Greatest Hits (1967)
John Wesley Harding (1968)
Nashville Skyline (1969)
Self Portrait (1970)
New Morning (1970)
Bob Dylan's Greatest Hits, Vol. 2 (1971)
Pat Garrett and Billy the Kid (1973)
Dylan (1973)
Planet Waves (1974)
Before the Flood (1974)
Blood on the Tracks (1975)
The Basement Tapes (1975)
Desire (1976)
Hard Rain (1976)
Street Legal (1978)
At Budokan (1979)
Slow Train Coming (1979)
Saved (1980)
Shot of Love (1981)
Infidels (1983)
Real Live (1984)
Biograph (1985)
Empire Burlesque (1985)
Knocked Out Loaded (1986)
Dylan & the Dead (1988)
Down in the Groove (1988)
Oh Mercy (1989)
Under the Red Sky (1990)
The Bootleg Series Volumes 1-3 (1991)
Good as I Been to You (1992)
The 30th Anniversary Concert Celebration (1993)
World Gone Wrong (1993)
Bob Dylan's Greatest Hits, Vol. 3 (1994)
MTV Unplugged (1995)
Time Out Of Mind (1997)
The Bootleg Series, Vol. 4: Bob Dylan Live 1966 (1998)
The Essential Bob Dylan (2000)
"Love and Theft" (2001)
The Bootleg Series, Vol. 5: Bob Dylan Live 1975 (2002)
The Bootleg Series, Vol. 6: Bob Dylan Live 1964 (2004)
No Direction Home: The Soundtrack (The Bootleg Series Vol. 7)
(2005)
The Best of Bob Dylan (2005)
Modern Times (2006)
Dylan (2007)
Tell Tale Signs - Rare and Unreleased 1989-2006 (2008)
Together Through Life (2009)
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