205 - The Blues Brothers

Quem diria que uma idéia usada como uma brincadeira tola, poderia resultar em um grande filme, um grande disco e um culto que, passados 26 anos, tem uma legião imensa de fãs? E mesmo que boa parte dessa mística tenha se estragado com a continuação imbecil em 1998 o charme do filme original jamais se perdeu. Culpa de Dan Aykroyd, de John Belushi e de uma história que combina humor, números musicais maravilhosos e grande talento.


Elwood e Jake - ou Dan Aykroyd e John BelushiThe Blues Brothers, os populares Irmãos Cara-de-Pau (tradução horrível essa...) são um dos grandes ícones dos anos 80. Você, com certeza, já deve ter visto o fime nessas sessões matutinas da vida... dois caras - um magro e um gordo - todos de preto, cercada de gente boa (James Brown, Aretha Franklin, Ray Charles, etc...), cantando durante um filme que beira o nonsense. Um grande clássico contemporâneo.

Mas a história do projeto começou bem antes, lá pelo final dos anos 60, mais precisamente em 1969: Paul Shaffer, líder da banda que fazia o programa semanal Saturday Night Live, recebeu um telefonema de Marshall Checker, da gravadora Checkers Records, que indicou a ele um grupo muito bom de Chicago, que tocava blues em pequenos clubes locais. A banda era liderada por Jake e Elwood Blues, condinomes de John Belushi e Dan Aykroyd. Os dois fariam parte do programa anos depois e debutaram em 1976, fantasiados de abelha para interpretarem "I'm A King Bee", de Slim Harpo. A popularidade do duo foi crescendo gradativamente, até virarem estrelas de primeiro nível.

Nessa época, já contavam com músicos respeitadíssimos, como o espetacular guitarrista Steve Cropper e o baixista Donald "Duck" Dunn, freqüentadores da gravadora Stax, um dos berços da música negra norte-americana. Aos poucos, foram acrescendo novos talentos, caso do outro guitarrista, Matt "Guitar" Murphy.

capa do disco Briefcase Full of BluesEm junho de 1978, eles abriam os shows do comediante Steve Martin no Universal Amphitheater. A recepção foi monstruosa e resolveram lançar o primeiro disco da banda.

Batizado de Briefcase Full of Blues e gravado ao vivo, o LP bateu na casa dos 40 mais vendidos, graças às regravações de "Soul Man" (clássico de Sam & Dave) e de "Rubber Biscuit." O disco rendeu platina dupla (mais de dois milhões de cópias vendidas) e o topo das paradas dos Estados Unidos.

Com o sucesso, Aykroyd resolveu montar um filme sobre a banda, misturando comédia, com números musicais. Para a direção foi chamado o diretor John Landis que conta um pouco da idéia original: "The Blues Brothers é realmente uma comédia musical, mas bem diferente daquelas inventadas pela Broadway. Jake e Elwood são dois genuínos cavaleiros que vão em uma cruzada para conseguirem US$ 5 mil e salvarem o orfanato em que foram criados. Eles são pessoas boas, simpáticas e são muito atraentes ao público."

Dan Aykroyd conta que pensou em uma idéia divertida, e ao mesmo tempo, trágica: "são dois vagabundos que querem se tornar pessoas direitas e buscam a redenção, mas que só conseguem mais confusão."

John Belushi disse mais: "Jake, o meu personagem, ama beber, música e tem uma vida acidentada. Sua loucura irrita Elwood, que é um cara religioso, que se preocupa com detalhes, apesar de dirigir feito um lunático, o que deixa Jake desesperado."

Belushi chamou o filme de um tributo à música negra americana, e para isso se cercou dos grandes nomes do gênero: Aretha Franklin, James Brown, Ray Charles, Cab Calloway, misturando blues, rock and roll, soul, country e rhythm and blues, no caldeirão.

bluesmobileA história é mais ou menos assim: Elwood vai buscar Jake na cadeia, em um antigo carro da polícia, o fantástico bluesmobile. Jake fica enervado e argumenta que acabou de sair da cadeia e odiou a idéia de ter que entrar em um carro policial e pergunta pelo velho bluesmobile. Elwood disse que ele foi trocado por um microfone, deixando Jake ainda mais furioso, que xinga seu irmão. Elwood ainda tenta mostrar as qualidades do automóvel - "tem motor de tira" -, sem convencer o irmão. Elwood tem a primeira crise de raiva e acelera o carro quando uma ponte levadiça está sendo erguida, voando com o carro.

Ao longo do filme, Elwood mostrará uma habilidade de deixar Senna, Schumacher, Prost e Piquet enciumados. Porém, conseguirá arranjar alguns "fãs", como a polícia, o partido nazista, um grupo de música country, etc.

Os dois vão conversar com a freira que os criou e descobrem que se não conseguirem US$ 5 mil em 11 dias, o orfanato será vendido.

A primeira providência é reunir a banda, idéia que Jake tem após ser "iluminado" pelo reverendo James Brown. O problema é reativar o grupo e eles partem em uma aventura com momentos inesquecíveis.

Contar o filme é inútil e perderia toda a graça de sentar e dar boas gargalhadas, mas vale prestar atenção na participação de Ray Charles, no mínimo, inusitada.

O filme ainda conta com uma personagem misteriosa, cuja participação só será desvendada no final: Carrie Fisher, a Princesa Leia de Stars Wars. Ela praticamente não fala durante a película, mas tenta liquidar a dupla, utilizando lança-chamas, bazucas, e outros brinquedinhos delicados de menina.

Aykroyd conta que ele e Belushi tinham raízes musicais diferentes: "John era mais ligado ao rock e ao heavy metal, e eu, ao blues. Resolvemos sentar e ver quais músicas tínhamos em comum para montar a banda e resolvi escrever o roteiro."

Quando o filme começou a ser rodado em Chicago, a equipe levou três meses e meio escolhendo a locação e o produtor Robert K. Weiss conta que receberam uma colaboração inestimável de toda a comunidade: "raramente eu encontrei uma cidade tão aberta a ceder locações e colaborar com tantos atores locais. Isso resultou em uma atmosfera única." Um dos grandes momentos dessa colaboração é John Lee Hooker, cantando em uma feira local.

Todas as cenas foram cuidadosamente pensadas, como a perseguição de carro dentro do shopping center e também a libertação de Jake da prisão de Joliet, que levou três dias e contou com presos reais.

Para a seqüência do concerto - que tomou quatros dias de filmagens - Belushi e Aykroyd faziam shows fora das câmeras para a platéia recrutada, antes que eles morressem de tédio.

capa da trilha sonoraE o filme conta com espetaculares presenças de astros da música. Apesar de terem uma fraca atuação como atores - normalíssimo, por serem músicos - as performances de Aretha e Ray Charles, arrepiam, para dizer o mínimo. As pré-gravações desses números foram realizadas em Chicago com os cantores e a banda toda.

E entraram para a história a indefectível indumentária dos irmãos: ternos, chapéus e óculos pretos. Inspirados em capas de discos de jazz dos anos 50, adicionaram óculos de sol e criaram um estilo imitado até hoje.

O filme foi um estrondo sucesso e a trilha-sonora foi outra obra de arte e de grande vendagem.

Apesar de faltarem alguns números da película - o disco rendeu uma disputada excursão promocional, aumentando ainda mais o culto aos "blues brothers". No mesmo ano é lançado um álbum ao vivo - Made In America -, mas o culto sofreu uma queda brusca quando John Belushi morreu, de overdose de heroína e cocaína, no dia 5 de março de 1982, aos 33 anos, em uma história até hoje envolta em mistério. Com sua morte, boa parte do carisma sumiu, apesar da dupla ser homenageada e copiada ao longo dos anos.

Infelizmente há como se estragar algo tão bom. Aykroyd errou feio a mão, em 1998, com a triste e lamentável reedição do filme como The Blues Brothers 2000, que quase matou tudo o que havia de interessante e bem-feito. Extremamente forçado, com números antigos recriados e um exagero de músicos convidados - o que acha de uma banda rival que tem como guitarristas B.B. King, Eric Clapton e Bo Diddley? -, o filme ficou preso a um história imbecil, a números sem o menor charme, desgostando os antigos fãs e tomando merecidas pauladas da crítica.

Em 1988, os músicos originais - Cropper, Dunn, Murphy, reformaram a banda para uma excursão mundial, com Eddie Floyd nos vocais.

Hoje, o culto segue inabalável e recentemente foi lançado um DVD especial contando os 25 anos da produção.

Deixo vocês com a discografia. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Briefcase Full of Blues (1978)
The Blues Brothers - Original Soundtrack (1980)
Made in America (1980)
The best of the Blue Brothers (1981)


 

Colunas