223 - John Coltrane - Blue Train

Blue Train. Blue Note. Trane. Esse simplório jogo de palavras serve apenas para falar do disco (Blue Train) feito para o selo (Blue Note) por John Col(Trane). Um clássico do jazz, cheio de clássicos e que se tornou o álbum mais vendido do selo e o favorito do saxofonista. Um trabalho que surgiu por acidente em um ano - 1957 - que marca a virada de Coltrane em vários aspectos, pessoais e profissionais. Saiba um pouco da história de um dos maiores músicos da humanidade.


da esquerda para a direita: Coltrane,  Shadow Wilson (bateria); Thelonious Monk (piano) e  Ahmed Abdul-Malik (baixo) em 1957O ano de 1957 reservaria surpresas imensas para John Coltrane.

Seu primeiro problema era Miles Davis. Irritado em ter três viciados em drogas em sua banda - Phlly Joe Jones (bateria); Red Garland (piano) e o próprio Coltrane -, Miles deu um veredito ao saxofonista: ou ele se limpava ou estava fora.

Viciado há quase cinco anos em heroína e bebendo em demasia, Coltrane precisou encarar a dura realidade. Assim, após voltar para a Filadélfia, onde morava com sua família, Coltrane decidiu: nada mais de fumo, bebida e drogas. Ele havia visto a LUZ. E a LUZ era Deus. Dessa forma, voltou ao grupo de Miles.

As coisas, no entanto, eram tensas entre os dois. A outra virada em sua vida aconteceria com a presença de um músico, talvez o maior pianista da história do jazz: Thelonious Monk.

A parceria entre os dois começou após Monk ver uma cena humilhante: irritado com o que Coltrane havia feito no palco, Miles esbofeteou o saxofonista e, em seguida, deu-lhe um soco no estômago. Coltrane não reagiu e Monk, irritadíssimo com a cena, especialmente por não gostar de Miles, o convidou para trabalhar com ele.

Coltrane aceitou e ele debutou no quarteto de Monk - junto com o baterista Shadow Wilson e o baixista Wilbur Ware, no Five's Spot. Os dois pareciam feitos um para o outro. As intricadas melodias de Monk casavam perfeitamente com o sax de Coltrane, que aprendeu muito com o pianista sobre técnica e composição.

Naquele ano gravaram quatro discos juntos - Thelonious Himself; Thelonious Monk With John Coltrane; Monk's Music e Live At The Five Spot Discovery!, lançado em 1958.

Em 2005, foi lançado mais uma colaboração entre os dois, o fabuloso Thelonious Monk Quartet with John Coltrane at Carnegie Hall, que mostra um show realizado no dia 29 de novembro, em que fizeram duas apresentações.

Nesse mesmo dia participaram do evento, Billie Holiday, Ray Charles, Chet Baker com Zoot Sims, Dizzy Gillespie e Sonny Rollins. Nesse show o baixista era Ahmed Abdul-Malik.

Como membro do quarteto de Monk, Coltrane começou a se desenvolver seu estilo. No mesmo ano, começa a lançar seus discos-solos: Dakar, Coltrane, Lush Life e Traneing In, dando início a uma linguagem própria, todos pela Prestige.

capa do disco Blue TrainBlue Train surgiu de forma inesperada. A história, segundo Michael Cuscuna escreveu no encarte do CD, em 1996, é a seguinte: "Em uma década fértil para o jazz, do meio dos anos 50 até meados dos anos 60, houve uma incrível proliferação de grandes discos de jazz e Blue Train - que Coltrane se referia como seu disco favorito entre todos que havia gravado -, era mais do que isso: era um álbum perfeito. Os ingredientes para tamanha alquimia não podem ser quantificados assim como o gênio que o concebeu e escreveu. Mas sabemos disso quando o ouvimos.

No final de 1956, início de 1957, John Coltrane foi até os escritórios da Blue Note conversar com Albert Lion a fim de pedir alguns discos de Sidney Bechet. Ele e Alfred começaram a conversar sobre um possível contrato de gravação, mas Francis Wolff, empresário de Coltrane, estava viajando naquele dia. Coltrane acabou recebendo alguns discos de Bechet e saiu com um pequeno adiantamento em dinheiro, prometendo voltar em alguns dias. Ele não o fez, e tudo parecia ter sido esquecido.

Kenny DrewPhilly Joe Jones

No início de 1957, Coltrane assinou com a Prestige Records, mas subitamente se lembrou do papo que tivera com Alfred e do dinheiro recebido e quis pagar sua dívida fazendo um disco pela Blue Note, como forma de honrar seu compromisso.

Paul ChambersEle acabou selecionando para a sessão rítmica o pianista Kenny Drew e seus companheiros do quinteto de Miles Davis, o baixista Paul Chambers e o baterista Philly Joe Jones. O quarteto havia gravado Chamber's Music um ano antes, em Los Angeles, disco de Paul Chambers para o selo Aladdin's Jazz West. Até hoje ninguém sabe se foi idéia de Alfred ou do próprio Coltrane em adicionar Lee Morgan (trompete) e Curtis Fuller (trombone), que haviam recém-assinado com a Blue Note, no grupo.

Curtis FullerAproveitando as circunstâncias, Coltrane se divertiu muito com o fato da Blue Note poder gastar uma grande quantidade de dinheiro em ensaios e escreveu quatro músicas, quase todas clássicos do jazz. Quando finalmente foram gravá-las, os seis músicos, tinham um grande material em suas mãos. Essas sessões ocorreram como pura mágica... e Blue Train é um caso de clássico instantâneo..."

A grande canção do disco é, sem dúvida alguma, a faixa título, com um dos mais belos e eternos começos.

Lee MorganColtrane havia mostrado várias facetas de seu estilo nessa composição, que era bastante avançada. Os ensinamentos de Monk haviam sido bem aprendidos. E Coltrane conseguia sempre causar profundo impacto em sua seção rítmica, que tentava acompanhá-lo nas mais complicadas passagens.

O disco foi inteiramente gravado no dia 15 de setembro de 1957 e Kenny Drew relembra os momentos de alegria, já que Coltrane era sempre amistoso: "uma das maiores qualidades de John era ser uma pessoa maravilhosa, humilde, alegre e que trabalhava duro, mas sem aquela tensão sufocante."

Apenas uma canção não tinha sido escrita por Trane - "I'm Old Fashioned", de " Kern e Mercer. As outras eram "Moment's Notice", "Locomotion" e "Lazy Bird".

O disco acabou sendo o álbum mais vendido da Blue Note e um dos grandes clássicos do jazz. Ironicamente, o único feito para o selo, já que Coltrane tinha contrato com a Prestige, sua gravadora por toda a vida e que gentilmente o havia liberado para esse disco.

Coltrane também começaria a mergulhar na música clássica, desenvolvendo ainda mais sua técnica e estudando sem parar. O resultado não tardaria a aparecer. Mas isso é papo para outro dia. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia-solo

Dakar (1957)
Coltrane (1957)
Lush Life (1957)
Traneing In (1957)
Blue Train (1957)
Cattin’ With Coltrane and Quinichette (1957)
Wheelin’ And Dealin’ (1957)
The Believer (1957)
The Last Trane (1957)
Soultrane (1958)
Settin’ The Pace (1958)
Black Pearls (1958)
Standard Coltrane (1958)
The Stardust Session (1958)
Bahia (1958)
Coltrane Time (1958)
Blue Trane: John Coltrane Plays The Blues (1958)
Like Sonny (1958)
Giant Steps (1959)
Coltrane Jazz (1959)
Echoes Of An Era (1959)
My Favorite Things (1960)
Coltrane’s Sound (1960)
Coltrane Plays The Blues (1960)
The Best of John Coltrane (1961)
The Heavyweight Champion (1961)
Africa/Brass (1961)
Olé Coltrane (1961)
The Complete Africa/Brass (1961)
Live At The Village Vanguard (1961)
Impressions (1961)
The Complete Paris Concerts (1961)
The Complete Copenhagen Concerts (1961)
Live In Stockholm, 1961 (1961)
Ballads (1961)
Coltrane (1962)
From The Original Master Tapes (1962)
Live At Birdland (1962)
The European Tour (1962)
The Complete Graz Concert vol 1 (1962)
The Complete Graz Concert vol 2 (1962)
The Complete Stockholm Concert vol 1 (1962)
The Complete Stockholm Concert vol 2 (1962)
Stockholm’62 The Complete Second Concert vol 1 (1962)
Stockholm’62 The Complete Second Concert vol 1 (1962)
Coltrane Live At Birdland (1963)
The Gentle Side of John Coltrane (1963)
The Paris Concert (1963)
‘63 The Complete Conpenhagen Concert vol 1 (1963)
‘63 The Complete Conpenhagen Concert vol 1 (1963)
Live In Stockholm,1963 (1963)
Afro Blue Impressions (1963)
Newport ‘63 (1963)
Coast To Coast (1964)
Crescent (1964)
A Love Supreme (1964)
Dear Old Stockholm (1964)
The John Coltrane Quartet Plays (1965)
The Major Works of John Coltrane (1965)
Transition (1965)
New Thing At Newport (1965)
Live In Paris (1965)
Live In Antibes 1965 (1965)
Love In Paris (1965)
A Love Supreme: Live In Concert (1965)
A Live Supreme (1965)
New York City ’65 vol 1 (1965)
New York City ’65 vol 2 (1965)
Live In Seattle (1965)
OM (1965)
First Meditations (1965)
Meditations (1965)
Sun Ship (1965)
Kulu Se Mama (1965)
Live At The Village Vanguard Again! (1966)
Live In Japan (1966)
Interstellar Space (1966)
Stellar Regions (1966)
Expression (1967)
A John Coltrane Retrospective (1967)

Discografia com outros músicos

com Dizzy Gillespie
Dee Gee Days (1952)

com Johnny Hodges
Used To Be Duke (1954)

com Miles Davis (quando músico fixo da banda de Miles Davis)

Miles (1955)
Cookin’ (1956)
Relaxin’ (1956)
Workin’ (1956)
Steamin’ (1956)
‘Round About Midnight (1956)
Milestones (1958)
Miles And Coltrane (1958)
‘58 Sessions (1958)
Compact Jazz/Miles Davis (1958)
Mostly Miles (1958)
Live In New York (1958)
Kind Of Blue (1959)
On Green Dolphin Street (1960)
Live In Zurich (1960)
Miles Davis In Stockholm (1960)

com Miles Davis (já não mais como membro fixo, apenas convidado)
Some Day My Prince Will Come (1961)
Circle In The Round (1961)

com Tadd Dameron
Mating Call (1956)

com Paul Chambers
Chamber’s Music (1956)

com Elmo Hope
The All Star Sessions (1956)

com Sonny Rollins
Tenor Madness (1956)

com Prestige All Stars
Tenor Conclave (1956)
Interplay For Two Trumpets And Two Tenors (1956)
The Cats (1957)

com Thelonious Monk
Thelonious Himself (1957)
Thelonious Monk With John Coltrane (1957, lançado em 1961)
Monk’s Music (1957)
Live At The Five Spot Discovery! (1958)
The Complete Riverside Recordings (1958)
The Complete Blue Note Recordings (1958)

com Oscar Pettiford
Winners’s Circle (1957)

com Art Blakey
Art Blakey’s Big Band (1957)

com Sonny Clark
Sonny’s Crib (1957)

com Wilbur Harden
Dial Africa (1958)
Africa – The Savoy Sessions (1958)

com Cannonball Adderley
Cannonball & John Coltrane (1959)

com Milt Jackson
Bags & Trane (1959)

com Don Cherry
The Avant-Garde (1960)

com Eric Dolphy
John Coltrane Quartet With Eric Dolphy (1961)
John Coltrane Meets Eric Dolphy (1961)

com Duke Ellington
Duke Ellington & John Coltrane (1962)

com Johnny Hartman
John Coltrane And Johnny Hartman (1963)


 

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