Robert
Allen Zimmerman é com certeza o melhor poeta que o rock
já produziu. Do seu início folk, passando pelo elétrico,
Bob Dylan foi o cara que mais influenciou as futuras gerações.
Todo mundo deve algo a ele: Beatles, Stones, Bowie, Byrds, Greateful
Dead, U2, Echo and The Bunnymen, Jimi Hendrix, entre outros. Dias
depois de completar 60 anos, continua com a mesma personalidade
misteriosa, quieta, mantendo-se preso ao seu estilo simples. Seus
fãs mais radicais o perseguem por toda parte. Já
foi chamado de Deus, guru, profeta, entre outros adjetivos. Os
mais devotos reviravam até o lixo de Dylan para encontrar
algo mais pessoal do cantor. Alguns cavucavam pelo simples prazer
de achar uma lata de comida importada para atacá-lo e dizer
que ele não passava de um revolucionário de merda.
Irritado com esse tipo de fã, Dylan mandava misturar seu
lixo com os do hotel, nas turnês que promovia. Foi um dos
primeiros a entender o contexto da letra em uma canção
no rock. Sua voz fanhosa e arranjos simples eram superados pela
beleza de suas letras. Ninguém chega perto dele: Bowie,
Lennon, Lou Reed, pelo contrário, todos reverenciavam o
mestre. Fique um pouco com a história.
Aos 20 anos, Dylan mudou-se
para Nova York atrás de uma carreira de cantor e compositor.
Fã de poesia beat e de Woody Guthrie, Dylan chegou atrás
do sucesso. Nascido na pequena Duluth, inventou primeiro ser neto
de índios e adotou o nome Dylan. Há duas versões
para o nome: a primeira e mais óbvia é uma homenagem
à Dylan Thomas, poeta. Mas ele mesmo desmentiu dizendo
ser o sobrenome de uma família rica de Duluth. Discussões
à parte, Dylan lançou o primeiro disco ao 20 anos,
sem chamar muita atenção. Dylan começou a
virar herói com o segundo, Freewheelin’ Bob Dylan.
Graças a “Blowin’in The Wind”, hino dos
estudantes norte-americanos, virou o salvador, coisa que sempre
rejeitou, pois nunca gostou de ser endeusado.
Foi
vaiado em Newport, quando empunhou uma guitarra elétrica
em um festival de música folk. "Sou apenas um cantor
e compositor e mais nada'', costumava repetir. O resto é
história. Por questão de meses não é
o primeiro artista a lançar um disco duplo na história
do rock (Zappa lançou Freak Out! antes de Blonde
on Blonde). Era então o dono da América, o compositor
mais gravado pelos jovens grupos de rock, tão influente
na América quanto Elvis ou Beatles.
Em 1966, sofreu um sério
acidente de moto, perto de Woodstock e sumiu por dois anos. Foi
dado como morto ou com sérios problemas de saúde.
Voltou dois anos depois com um disco mais folk (John Wesley
Harding). Em 75 foram descobertas umas fitas, batizadas com
o nome de Basement Tapes, gravadas em Woodstock em 1967,
em companhia dos Hawks (que no ano seguinte mudariam o nome para
The Band e lançariam o fenomenal Music from the Big
Pink).
Mas, existe uma diferença
quilométrica entre o Dylan do meio dos anos sessenta e
o homem machucado que criou Blood On the Tracks. Se em
Blonde on Blonde você pode "sentir"
a raiva de Dylan em cada sílaba, seus olhos vermelhos,
seu ódio, Blood on the Tracks fala de algo caro
a ele: seus relacionamentos familiares e afetivos, principalmente
com a ex-esposa Sara, de quem acabara de se separar. A angústia
e a tristeza eram tão grandes no pequeno grande homem que
ele desconcertou a amiga Mary Travers, que integrava o conjunto
folk Peter, Paul and Mary durante uma entrevista ao vivo para
promover o álbum. Mary comentava como havia adorado e se
divertido com o disco. Dylan, irritado, apenas perguntou como
alguém podia se divertir com algo tão doloroso para
ele.
Um
dos discos mais pessoais de sua carreira, com um som límpido
e usando falando diretamente de si (algo que não fazia
com muita freqüência), impressiona também por
seu terceiro lançamento em menos de um ano (havia feito
Planet Waves e o duplo ao vivo, Before the Flood), o disco
acabou sendo lançado apenas em Janeiro de 1975 porque o
próprio resolveu regravar algumas coisas em Dezembro, pegando
até a então CBS de surpresa. O disco começou
sua gestação no dia 10 de setembro de 1974, no estúdios
da Columbia Records em Nova York. Para o trabalho, convidou Eric
Weissberg e sua banda, os Deliverance. O grupo consistia em Buddy
Cage, que tocava pedal steel; Tony Brown (baixo) e Paul Griffin
(órgão). Uma figura ilustre apareceu nas primeiras
sessões e queria fazer alguns vocais e até tocar
bateria. Seu nome? Mick Jagger. Mas Jagger acabou só ficando
num "oi" e num "tchau" e não participou
de nada. Além de um período turbulento pessoal,
a crítica vinha perseguindo o menestrel, dizendo que há
muito não fazia um disco irretocável, indo até
mais longe, afirmando que desde Blonde on Blonde, havia apenas
se requentado e feito algo que o "velho Dylan não
aprovaria nos áureos tempos".
As gravações
aconteceram até o Natal daquele ano, quando Dylan saiu
correndo com as fitas e se encaminhou para o Minneapolis, e durante
três dias seguidos (27 a 30 de dezembro), recrutou novos
músicos através de seu amigo David Peterson, que
convocou seu irmão Bill para o baixo; Ken Odegard nas guitarras;
o baterista Bill Berg; Greg Inhoffer nos teclados e Chris Weber
na guitarra de doze cordas. O resultado é que quatro das
10 canções do álbum parecem serem das sessões
de Nova York e as demais desse período. Mas como não
há créditos para quem participou do quê (no
encarte, apenas os músicos de Eric são citados),
é difícil saber os créditos corretos.
Com
isso, o lançamento acabou acontecendo apenas em Janeiro
do ano seguinte. Ao ser lançado, Blood On The Tracks
recebeu tratamento de grande obra-prima. "Um grande Dylan,
talvez o melhor de toda sua carreira", anunciavam os ferrenhos
críticos de outrora. É o próprio Dylan, que
odeia falar de sua vida, que explica todo o processo de gravação:
"durante anos escrevi canções de amor pensando
em Sara e, agora falando de nossos tormentos e problemas, que
ainda foram aumentados pelas fofocas, me senti desconfortável.
Esse não é um disco tranqüilo de forma alguma."
E algumas pistas estão nas letras. Vejamos algumas: em
"Simple Twist of Fate", Dylan faz um retrato da solidão
que sentia: "Ele acordou, o quarto estava nu/Ele não
a viu em lugar algum/Ele diz para si mesmo que não se importa/Empurra
a janela para abrir toda/Sentiu um vazio por dentro/Do qual ele
não conseguia entender/Trazido por um simples torcer do
destino."
As lamúrias com Sara
estão explícitas na amarga letra de "Idiot
Wind": "Vento idiota/Soprando cada vez que você
mexe os dentes/Você é uma idiota, baby /É
um milagre que você ainda saiba respirar."
Em "You're A Big Girl
Now", Dylan parece estar falando da mesma garota retratada
em "Just Like A Woman", do disco Blonde On Blonde
(outro belo motivo para ter os dois. Ouça uma e depois
a outra): "Nossa conversa foi curta e doce/Quase varreu
os meus pés do chão/E estou de volta para a chuva/E
você está em terra seca/Você conseguiu chegar
aí de algum modo/Você é uma garota crescida
agora/...O tempo é um jato, move-se rápido demais/Oh,
mas o que pensa/Se tudo que dividimos não pode durar/Eu
posso mudar, eu juro/Veja o que você pode fazer/Eu posso
fazer acontecer/Você pode fazer o mesmo. "
O simples fato de falar de
suas mazelas internas com tanta clareza e sem deixar de transparecer
como, aos 34 anos, sentia todo o peso do mundo em suas costas;
o fato de ser considerado um Rei do Rock ("nunca descartei
esse adjetivo porque nunca o aceitei", reclamava), um casamento
despedaçado e cobranças para que o "velho e
bom Dylan" retornasse ("eu tenho o maior trabalho para
ser quem sou e as pessoas ainda querem que eu me transforme em
outro"), tudo contribuía para sua angústia.
Para tanto, Dylan se aliviava
em incessantes turnês com o The Band e discos e mais discos.
Em "Shelter from the Storm", usa a matéfora de
uma tempestade para falar de um salvação através
do amor, fortemente influenciado pelo poeta irlandês Wiiliam
Butler Yeats: "Foi em uma outra vida/Uma de labuta e sangue/Quando
trevas eram uma virtude/E a estrada estava coberta de lama/Eu
cheguei do ermo/Uma criatura vazia de formação/"Pode
entrar", ela disse/"Te darei abrigo da tempestade"...De
repente eu me viro/E ela está ali de pé/Com braceletes
de prata nos seus pulsos/E flores em seu cabelo/Ela se chegou
em mim tão graciosamente/E retirou minha coroa de espinhos/"Pode
entrar", ela disse/"Te darei abrigo da tempestade"/
Agora existe uma parede entre nós/Algo se perdeu/Fiquei
mal acostumado demais/Fiquei com os sinais cruzados/Só
de pensar que tudo começou/Em uma longa esquecida manhã/"Pode
entrar", ela disse/"Te darei abrigo da tempestade."
Para encerrar seu calvário
pessoal que foi a realização de Blood On The Tracks,
Dylan escolheu a canção "Buckets of Rain":
"Baldes de chuva/Baldes de lágrimas/Tenho todos
os baldes saindo pelos ouvidos/Baldes de luz de luar em minhas
mãos/Tenho todo o amor, querida, baby/Que você pode
aturar/Fui meigo/E duro como carvalho/Já vi gente bonita/Desaparecendo
feito fumaça/Amigos chegarão, amigos desaparecerão/Se
me quiseres querida/Estarei aqui."
Nunca
mais Bob Dylan faria algo tão confessional, explícito
e belo. Com esse lançamento, colocou tudo em seus devidos
lugares: o maior letrista que o rock já produziu mostrou
toda sua dor pessoal, as lamúrias que só alguém
de com sua têmpera poderia ter. Se a música agonizava
no planeta não era por causa dele. Pelo contrário:
sempre que um novo disco de Bob Dylan surgia, o mundo respirava
mais tranqüilamente. Afinal, ele não tinha nos esquecido.
Clique
aqui para ver todas as letras do disco em português
e inglês. E fiquem, aqui, com duas letras do disco:
Simple Twist of Fate
They sat together in the
park
As the evening sky grew dark,
She looked at him and he felt a spark tingle to his bones.
'Twas then he felt alone and wished that he'd gone straight
And watched out for a simple twist of fate.
They walked along by the
old canal
A little confused, I remember well
And stopped into a strange hotel with a neon burnin' bright.
He felt the heat of the night hit him like a freight train
Moving with a simple twist of fate.
A saxophone someplace
far off played
As she was walkin' by the arcade.
As the light bust through a beat-up shade where he was wakin'
up,
She dropped a coin into the cup of a blind man at the gate
And forgot about a simple twist of fate.
He woke up, the room was
bare
He didn't see her anywhere.
He told himself he didn't care, pushed the window open wide,
Felt an emptiness inside to which he just could not relate
Brought on by a simple twist of fate.
He hears the ticking of
the clocks
And walks along with a parrot that talks,
Hunts her down by the waterfront docks where the sailers all come
in.
Maybe she'll pick him out again, how long must he wait
Once more for a simple twist of fate.
People tell me it's a
sin
To know and feel too much within.
I still believe she was my twin, but I lost the ring.
She was born in spring, but I was born too late
Blame it on a simple twist of fate.
Shelter from the Storm
Twas in another lifetime,
one of toil and blood
When blackness was a virtue and the road was full of mud
I came in from the wilderness, a creature void of form.
"Come in," she said,
"I'll give you shelter from the storm."
And if I pass this way
again, you can rest assured
I'll always do my best for her, on that I give my word
In a world of steel-eyed death, and men who are fighting to be
warm.
"Come in," she said,
"I'll give you shelter from the storm."
Not a word was spoke between
us, there was little risk involved
Everything up to that point had been left unresolved.
Try imagining a place where it's always safe and warm.
"Come in," she said,
"I'll give you shelter from the storm."
I was burned out from
exhaustion, buried in the hail,
Poisoned in the bushes an' blown out on the trail,
Hunted like a crocodile, ravaged in the corn.
"Come in," she said,
"I'll give you shelter from the storm."
Suddenly I turned around
and she was standin' there
With silver bracelets on her wrists and flowers in her hair.
She walked up to me so gracefully and took my crown of thorns.
"Come in," she said,
"I'll give you shelter from the storm."
Now there's a wall between
us, somethin' there's been lost
I took too much for granted, got my signals crossed.
Just to think that it all began on a long-forgotten morn.
"Come in," she said,
"I'll give you shelter from the storm."
Well, the deputy walks
on hard nails and the preacher rides a mount
But nothing really matters much, it's doom alone that counts
And the one-eyed undertaker, he blows a futile horn.
"Come in," she said,
"I'll give you shelter from the storm."
I've heard newborn babies
wailin' like a mournin' dove
And old men with broken teeth stranded without love.
Do I understand your question, man, is it hopeless and forlorn?
"Come in," she said,
"I'll give you shelter from the storm."
In a little hilltop village,
they gambled for my clothes
I bargained for salvation an' they gave me a lethal dose.
I offered up my innocence and got repaid with scorn.
"Come in," she said,
"I'll give you shelter from the storm."
Well, I'm livin' in a
foreign country but I'm bound to cross the line
Beauty walks a razor's edge, someday I'll make it mine.
If I could only turn back the clock to when God and her were born.
"Come in," she said,
"I'll give you shelter from the storm."
Discografia
Bob Dylan (1962)
The Freewheelin' Bob Dylan (1963)
The Times They Are A-Changin' (1964)
Another Side of Bob Dylan (1964)
Bringing It All Back Home (1965)
Highway 61 Revisited (1965)
Blonde on Blonde (1966)
Bob Dylan's Greatest Hits (1967)
John Wesley Harding (1968)
Nashville Skyline (1969)
Self Portrait (1970)
New Morning (1970)
Bob Dylan's Greatest Hits, Vol. 2 (1971)
Pat Garrett and Billy the Kid (1973)
Dylan (1973)
Planet Waves (1974)
Before the Flood (1974)
Blood on the Tracks (1975)
The Basement Tapes (1975)
Desire (1976)
Hard Rain (1976)
Street Legal (1978)
At Budokan (1979)
Slow Train Coming (1979)
Saved (1980)
Shot of Love (1981)
Infidels (1983)
Real Live (1984)
Biograph (1985)
Empire Burlesque (1985)
Knocked Out Loaded (1986)
Dylan & the Dead (1988)
Down in the Groove (1988)
Oh Mercy (1989)
Under the Red Sky (1990)
The Bootleg Series Volumes 1-3 (1991)
Good as I Been to You (1992)
The 30th Anniversary Concert Celebration (1993)
World Gone Wrong (1993)
Bob Dylan's Greatest Hits, Vol. 3 (1994)
MTV Unplugged (1995)
Time Out Of Mind (1997)
The Bootleg Series, Vol. 4: Bob Dylan Live 1966 (1998)
The Essential Bob Dylan (2000)
"Love and Theft" (2001)
The Bootleg Series, Vol. 5: Bob Dylan Live 1975 (2002)
The Bootleg Series, Vol. 6: Bob Dylan Live 1964 (2004)
No Direction Home: The Soundtrack (The Bootleg Series Vol. 7)
(2005)
The Best of Bob Dylan (2005)
Modern Times (2006)
Dylan (2007)
Tell Tale Signs - Rare and Unreleased 1989-2006 (2008)
Together Through Life (2009)
|