O final do contrato
com a RCA deixou Bowie em uma encruzilhada. Após uma dezena
de álbuns brilhantes e a carreira consolidade, ainda lutava
com problemas financeiros, e por ser um cantor que não
vendia tanto quanto sua fama aparentava. Aos 34 anos de idade,
David Bowie parecia perdido num limbo. Foi quando aparecearam
a EMI e o disco Let's Dance.
Quando
Bowie assinou com a EMI teve tratamento digno de estrela e recebeu
nada menos do que US$ 20 milhões adiantados por cinco álbuns.
Pela primeira vez, David
via-se livre dos problemas financeiros. Aliás, estava bem
feliz com outra vitória na justiça quando conseguiu
que Tony DeFries, seu ex-empresário que detinha 50% dos
direitos autorais de todos seus álbuns desde Hunky
Dory até o que produzisse por mais de duas décadas.
No novo acordo, DeFries
teria metade dos direitos apenas dos discos Hunky Dory,
The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from
Mars, Aladdin Sane, Pin Ups,
Diamond Dogs e David Live, ou
seja, os discos feitos entre 1971 e 1974.
Diferente da RCA, a estratégia
da EMI era fazer de Bowie uma super estrela, vendê-lo em
todo os cantos. A gravadora havia vencido uma corrida contra a
CBS e a Geffen pelo seu passe, pagara muito caro e descobriu que
teria um osso duro pela frente: a secretária pessoal do
cantor Coco Schwab.
Schwab é considerada
uma das grandes culpadas por alienar Bowie, nos anos 80, buscando
o lucro fácil, com discos medíocres.
A idéia da EMI era
colocar o produtor Tony Visconti, velho conhecido de Bowie na
produção do primeiro disco. Mas, ao ligar para Coco,
descobriu que o cargo pertencia a Nile Rodgers, ex-guitarrista
do Chic e um produtor renomado.
A
escolha de Nile não poderia ter sido mais acertada. Além
de ser um produtor antenado e um excepcional músico, Nile
era uma pessoa fácil de se conviver, inteligente e sutil
para lidar com o jeito ditadorial e cruel de David dentro do estúdio.
Com papo, bons argumentos
e um time de primeira, Nile foi vital para comandar a virada na
carreira de Bowie.
Os dois haviam se conhecido
no festival de Montreux, em 1981, e embora conhecesse muito pouco
sobre o trabalho de Bowie, ficou impressionado com o seu conhecimento
sobre blues e ficaram de se encontrar na Califórnia, em
poucos meses.
Rodgers montou um timaço
para as gravações. Seus ex-companheiros de Chic,
o baterista Tony Thompson - que tocou com o Led Zeppelin, no Live
Aid, em 85 -,o baixista Bernard Edwards.
Na guitarra, a estrela
era o então novato e semi-desconhecido Steve Ray Vaughan,
além do próprio Nile, na outra. Os outros instrumentistas
eram o baixista Carmine Rojas, o baterista Omar Hakim, o tecladista
Rob Sabino, o trumpetista Mac Gollehon, o saxofonista Robert Aaron,
o flautista Stan Harrison, o percussionista Sammy Figueroa, os
vocalista Frank Simms, George Simms e David Spinner.
Foi o primeiro que David
não tocou qualquer instrumento, ainda que assinasse a co-produção
do disco.
As gravações
começaram em janeiro de 1983, com alguns títulos
curiosos, no estilo "Vampires and Human Flesh", que
foi logo descartada para entrar "Let's Dance".
Bowie, porém, queria
mais do que fazer grandes músicas e voou para a Suíça
onde encontrou o diretor David Mallet para discutirem os dois
primeiros vídeos promocionais do novo álbum.
Uma das excentricidades
de Bowie foi colocar sua namorada, Jee Ling, no clip de "China
Girl", uma canção que ele havia escrito com
Iggy Pop, em 1977.
Pop
sempre foi grato por essa gravação, já que
ganhou uma bela grana de direitos autorais, em um dos períodos
mais duros de sua vida.
Mas "China Girl!"
não foi o primeiro compacto do lote.
Na verdade, o primeiro
aconteceu ainda em 1982, quando co-escreveu "Cat People",
com Giorgio Moroder, para o filme de mesmo nome, em 1981.
Ela acabou ganhando uma
nova versão, com vocais diferentes para o álbum.
A versão original também
pode ser ouvida no filme de Quentin Tarantino, Bastardos
Inglórios.
"Cat People"
foi apenas um petisco, com um modesto 26º lugar nas paradas
e longe do que Bowie e Rodgers tramavam.
No dia 17 de março
é editado o primeiro e mais famoso compacto do lote, a
canção que levava o nome do disco, "Let's Dance".
Segundo
Bowie, todo mérito dela cabe a Nile. "Cheguei um dia
a ele e disse que tinha um tema meio pop, mas fraquinho, não
sabia como poderia produzi-la. Ele só disse 'deixa comigo'
e a transformou naquele monstro!".
E que monstro! 500 mil
cópias vendidas em uma semana na Inglaterra, roubando o
primeiro lugar de seus alunos do Duran Duran, no topo da parada
inglesa de compactos, onde morou por três semanas, mesmo
posto obtido na América.
BOWIE IS BACK!
berrava a EMI ao promovê-lo. E o mundo todo ouvia em alto
e bom som! O camaleão experimentaria o sucesso em doses
cavalares.
Menos de um mês após
o sucesso da canção, com um belo clip dirigido por
Mallet na Austrália, é editado o LP em questão.
Com uma bela capa, Bowie
aparece como um pugilista, de luvas, como se estivesse pronto
a tomar a parada musical a socos, no mundo todo, com seu funk
moderno e dançante e cheio de ritmo.
Para um artista que havia
feito fama - mas não tanto dinheiro - com álbuns
difíceis e sendo reconhecido como um brilhante nome da
"vanguarda", a fama nesse patamar era mais do que ele
poderia imaginar.
Editado
no dia 14 de abril, Let's Dance colocou Michael
Jackson, The Police e Duran Duran no chinelo, na Inglaterra e
ficando em quarto, nos EUA, com vendagens superiores a 6 milhões
no planeta.
Aos 36 anos, Bowie era
agora uma imensa estrela pop.
O disco trazia 8 faixas:
Lado 1
01. "Modern Love" – 4:46
02. "China Girl" (Bowie, Iggy Pop) – 5:32
03. "Let's Dance" – 7:38
04. "Without You" – 3:08
Lado 2
01. "Ricochet" – 5:14
02. "Criminal World" (Peter Godwin, Duncan Browne, Sean
Lyons) – 4:25
03. "Cat People (Putting Out Fire)"[8] (lyrics: Bowie,
music: Giorgio Moroder) – 5:09
04. "Shake It" – 3:49
Pouca
gente se lembra das outras canções, com exceção
da faixa-título, "Modern Love" e "China
Girl".
As duas últimas
ficaram em segundo lugar na parada inglesa, embora fizessem carreiras
mais modesta na América, ficando, respectivamente, na 14ª
e 10ª posições.
Ainda assim, foram mais
do que suficientes para empurrarem a mais ambiciosa e cara turnê
de Bowie até então, a Serious Moonlight Tour.
Nas entrevistas coletivas,
Coco Schwab controlava os repórteres com mão de
ferro. Qualquer pergunta, por exemplo, sobre a biografia de Angela
Bowie, ex-esposa do cantor - Free Spirit - era
sumariamente vetada. Já perguntas sobre o gigantesco da
turnê, guarda-roupas ou temas da época de Ziggy -
"você é gay, David?" - eram permitidas.
A
turnê foi um sucesso, com um belo filme produzido, mas sérios
problemas. E o maior deles aconteceu com o guitarrista Stevie
Ray Vaughan.
Ele havia sido uma indicação
de Mick Jagger para David. Vaughan era um tremendo guitarrista
de blues, com seu próprio estilo e grupo, Double Trouble
e já não gostava do que era obrigado a tocar, mas
sabia que havia sido contratado para tocar dentro de um estilo
completamente diferente. Os problemas, no entanto, foram outros.
Primeiro, Stevie ofereceu
sua banda para abrir os shows. Pedido negado. Depois se revoltou
com a proibição dos músicos da banda beberem
ou usarem drogas? "Como assim, não podemos? E por
que você pode?"
Outro ponto de discórdia,
foi o guarda-roupa. Aquele rapaz do Texas se recusava a se vestir,
em suas próprias palavras "cheio de lenços,
babados, como uma bicha". Vaughan tinha opiniões fortes
e pesadas demais para alguém com um ego tão imenso
como Bowie. David disse que era livre para ir se quisesse. Stevie
nem pensou duas vezes, cendendo o seu lugar a Earl Slick.
Bowie
confessou, anos atrás, que fez a turnê simplesmente
por dinheiro e não para lembrar as pessoas como tinha escrito
grandes canções.
Mais profissional via uma
chance de ouro para finalmente se estabilizar em todos os sentidos.
A turnê teve um momento
tocante e especial, justamente na sua noite de despedida, em 8
de dezembro, em Hong Kong.
Nesta data, dois anos antes,
John Lennon havia sido assassinado e, em homenagem ao amigo e
ídolo, cantou "Imagine".
Era o fim de uma turnê
de sete meses, 98 shows em quatro continentes e quase 3 milhões
de espectadores, com Bowie se apresentado com ternos impecáveis,
show com pirotecnias e grande carisma em palco.
Tudo que sempre mostrou
desde a aparição da persona Ziggy Stardust,
ainda que as versões de seus clássicos parecessem
diluídas, se comparadas às originais ou as famosas
apresentações dos anos 70.
Bowie estava rico, na grande
mídia, mas algumas coisas pareciam ir mal.
Mas isso é papo
para outro dia. Um abraço e até a próxima
coluna.
Discografia
David Bowie (1967)
Space Oddity (também conhecido como Man of Words/Man of
Music, 1969)
The Man Who Sold The World (1971)
Hunky Dory (1971)
The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars
(1972)
Aladdin Sane (1973)
Pin Ups (1973)
Diamond Dogs (1974)
David Live (1974)
Young Americans (1975)
Station to Station (1976)
ChangesOneBowie (1976)
Low (1977)
“Heroes” (1977)
Stage (1978)
Prokofiev's Peter and the Wolf (1978)
Lodger (1979)
Scary Monsters (And Super Creeps) (1980)
ChangesTwoBowie (1981)
Christiane F. Win Kinder (trilha sonora, 1982)
David Bowie in Betrtort Brecht's Baal (1982)
“Peace on Earth” /“Little Drummer Boy”
(com Bing Crosby, 1982)
Ziggy Stardust: The Motion Picture (1983)
Let's Dance (1983)
Golden Years (1983)
Love You Till Tuesday (1984, gravado em 1969)
Tonight (1984)
Never Let Me Down (1987)
Tin Machine (1989)
Sound and Vision (1989)
ChangesBowie (1990)
Tin Machine II (1991)
Oy Vey, Baby (1992)
Black Tie White Noise (1993)
Singles: 1969-1993 (1993)
Buddha of Suburbia (1994)
1.Outside (1995)
Earthling (1997)
The Best of David Bowie 1969/1974 (1997)
The Best of David Bowie 1974/1979 (1998)
“hours...” (1999)
Singles Collection (1999)
Bowie at the Beeb: The Best of the BBC Radio Sessions (2000)
London Boy (2001)
Heathen (2002)
Reality (2003)
The Collection (2005)
The Platinum Collection (2005)
The Best of David Bowie 1980/1987 (2007)
Live Santa Monica '72 (2008)
Glass Spider Live (2008)
VH1 Storytellers (2009)
A Reality Tour (2010)
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