Essa
é considerada a fase mais importante e influente de Bowie,
os famosos anos em que morou em Berlim. E aqui quero corrigir
dois equívocos associados a ela: a primeira é chamar
de "trilogia", pois sempre se referem apenas aos discos
Low, "Heroes" e Lodger, esquecendo que entre eles há
um duplo ao vivo, chamado Stage. Sendo assim, a trilogia só
serve quando relacionada aos álbuns de estúdio.
Outra imprecisão é afirmar que Brian Eno foi o produtor
dos LPs, pois, oficialmente os discos foram produzidos por Bowie
e Tony Visconti. Eno, que foi um personagem vital no processo
de criação dos mesmos, afirma que seu nome ficou
fora dos créditos por não ter ajudado a pagar as
horas gastas em estúdio. Verdade ou não, sem Eno,
David Bowie não teria conseguindo superar um período
traumático de sua vida, onde lutava contra a dependência
química da cocaína, o fim de seu casamento, a acusação
de ser nazista devido ao personagem Thin White Duke, e uma discreta,
mas constante vigilância por parte da CIA enquanto morava
na América, devido a sua obsessão pela Alemanha
hitlerista. Tudo isso contribuiu para que Bowie morasse de forma
modestíssima em Berlim e que saísse de lá
como o responsável pela mudança da face da música
e aumentar ainda mais sua já enorme influência.
David Bowie estava cansado
da exaustiva turnê e da fama de nazista que havia adquirido
por brincar com os símbolos nazistas na estação
de trem de Victoria, em Maio, em Londres. E muito mais cansado
de sua vida desregrada, do paranóico que a cocaína
o tinha deixado e cansado de tanta pressão. Seu último
disco Station to Station, apesar de impecável,
não tinha vendido muito e o personagem que havia inventado,
“Thin White Duke”, lhe rendeu muitas críticas
e problemas até com a CIA, que começou a montar
um arquivo sobre sua vida, colocando-o na lista de pessoas “potencialmente
perigosas para a democracia”.
Com
tudo isso, era muito natural que resolvesse fugir do redemoinho
que sua vida tinha se transformando em Los Angeles e procurasse
refúgio na Europa. O local escolhido para respirar novos
ares seria a Suíça. Bowie mudou-se para Blonay,
um local destinado aos estrangeiros, especialmente aos ingleses,
naquele país.
Não havia nada parecido
com a vida caótica que levava em Los Angeles, apenas um
rio correndo perto, que produzia um agradável barulho durante
o dia e a noite. Bowie passou a pintar e ler cada um dos 5 mil
livros da gigante biblioteca, e consumiu boa parte deles. Era
uma figura extremamente popular e querida em Blonay e arredores.
Vestia-se com extrema simplicidade para alguém tão
vaidoso como ele. David estava cansado do Bowie e queria ser novamente
David Jones, seu nome de batismo. “Bowie nunca imaginou
o significado que teria. Eu sempre o vi como um jogo de quebra-cabeças,
mas decidi que não gosto mais dele, por ser indisciplinado
e tão egoísta”, dizia David sobre si mesmo.
Bowie
começou então um relacionamento com uma mulher bem
mais velha, Oona O'Neil, então senhora Oona Chaplin, esposa
do lendário e aposentado cineasta Charles Chaplin, que
viria a falecer em Dezembro de 1977.
Oona tinha 51 anos, contra
29 de David. Para ela, David era mais uma diversão e havia
quem apostasse que ele a pediria em casamento, o que não
ocorreu.
Mas Bowie não se
acomoda e, em junho de 1976, produziu o primeiro disco-solo de
Iggy Pop, The Idiot, em Paris e ao mesmo tempo
em que realizava viagens para Munique e Berlim, ao lado de Tony
Visconti, em seu novo e secreto trabalho. Em setembro, Bowie já
está oficialmente morando e instalado em Berlim, o que
só faz aumentar o zum-zum-zum de sua fixação
pelo período em que Hitler governou a Alemanha. Ao chegar
em Berlim, foi morar no hotel Gehrus, mas no início de
outubro mudou-se para um modestíssimo apartamento no bairro
de Schöneberg, na 155 Haupstrasse. Sua casa nada mais era
do que um buraco com três quartos, uma cozinha pequena,
cortinas pesadas e com paredes que teimavam em deixar a água
entrar em dias de chuva, que ficava no primeiro andar do edifício.
Bowie
costumava ir de bicicleta até o estúdio Hansa, que
ficava ao lado do Muro que dividia a cidade.
David experimentava um
certo anonimato, e mesmo quando andava pelas ruas da cidade, era
pouco incomodado pelos fãs. Sua vida amorosa, pela primeira
vez, estava morta.
Com Angela na Suíça,
Oona descartada, o único fugaz e rápido envolvimento
foi com Romy Haag, com quem Bowie também rompeu, após
ela dar detalhes do relacionamento para o jornal alemão
Morgenpost. Apenas Coco Schwab, seu braço-direito
e Iggy Pop faziam parte de seu círculo pessoal, e David
continuava a buscar relíquias nazistas.
Essa busca chegou a um
ponto constrangedor até para os colaboradores, no estúdio.
Quando Bowie dizia que o interesse era de “David Jones e
não de David Bowie”, ouviu como resposta que nem
todos conseguiam e separavam o Bowie privado do Bowie astro. Nessas
horas, ele perdia completamente a compostura e saía xingando
e colocando o dedo no rosto de quem ousasse contradizê-lo,
para, logo depois cair em prantos.
O
maior problema pessoal no momento era o uso pesado da cocaína,
que, embora tentasse combater, era usada de maneira exagerada.
Escondendo-se de Coco e
de Iggy, Bowie costumava cheirar no banheiro de seu apartamento,
que era um caos completo, já que sem uma mulher para organizar
sua vida (Coco morava em outro apartamento), deixava acumular
até pilhas de pratos na pia da cozinha.
Em novembro, Angela chegou
à cidade com claras intenções de pressionar
o marido sobre sua situação. Queria que ele demitisse
Schwab ou enfrentasse um escandaloso e ruidoso processo de divórcio.
Bowie tentou acalmá-la
e pediu para que voltasse para a Suíça e cuidasse
das coisas do casal, mas ela recusou. No meio da discussão,
David começou a gaguejar e se abanar desesperadamente,
até cair no chão e desmaiar. Assustada e com medo
de que fosse uma overdose, Angela o levou até o hospital
da base militar britânica.
Após um médico
dizer que fora apenas uma crise nervosa, agravada pelo excesso
de álcool, Angela voltou para Haupstrasse, invadiu o apartamento
de Bowie, onde Coco estava ansiosa esperando notícias dele,
jogou as roupas dela no chão, despejou brandy, ateou fogo
e correu para o aeroporto para pegar o próximo vôo
até Londres.
No
dia 8 de janeiro de 1977, Bowie celebrou seu 30º aniversário,
e uma semana depois lança seu primeiro disco morando na
então Alemanha Ocidental, Low.
O disco chocou imprensa,
fãs e a gravadora RCA. Primeiro, pela capa, tirada do cartaz
do filme The Man Who Fell to Earth, que já
fazia uma alusão ao título. Bowie adotara a postura
“low profile” (discrição).
Além disso, seis
das onze canções eram totalmente instrumentais e
a RCA não via nenhuma música de trabalho. O disco
seria lançado no Natal de 1976, mas foi cancelado, porque
a gravadora argumentava que ninguém daria o disco como
presente, já que era tão estranho. Até Tony
DeFries, ex-empresário de Bowie, que o roubou durante anos
e que ainda tinha uma porcentagem de 16% sobre as vendas de David,
tentou boicotar o lançamento do trabalho. Tudo em vão.
O disco foi rechaçado
pela crítica que queria a volta do Bowie elegante dos discos
anteriores e desprezava a tentativa de Bowie estar antenado com
o então nascente movimento punk.
O LP trazia as seguintes
faixas:
Lado 1
1. "Speed of Life" – 2:46
2. "Breaking Glass" (Bowie, Dennis Davis, George Murray)
– 1:52
3. "What in the World" – 2:23
4. "Sound and Vision" – 3:05
5. "Always Crashing in the Same Car" – 3:33
6. "Be My Wife" – 2:58
7. "A New Career in a New Town" – 2:53
Lado 2
1. "Warszawa" (Bowie, Brian Eno)
– 6:23
2. "Art Decade" – 3:46
3. "Weeping Wall" – 3:28
4. "Subterraneans" – 5:39
Além disso, as letras
eram curtas, discretas, reflexivas. Tony Visconti, co-produtor
do trabalho, ao lado do próprio David, explica: “David
passava por um período de grande depressão. A gravação
de The Idiot, em Paris foi um caos e quase um
milagre ter sido finalizada, pois ele estava absolutamente sem
condições psicológicas e Low acabou sendo
uma continuação do processo.”
Bowie
não conseguia formular frases escritas, preferindo trabalhar
o lado melódico, ao lado de Brian Eno.
“Sound and Vision”,
que terminou sendo o single do disco, era peculiar em sua letra,
falando de alguém que esperava o dom do som e da visão
em um quarto azul, com paredes pálidas, onde não
faria nada.
Era muita dor para um artista
de seu porte. A influência de Brian Eno era tão visível,
que mesmo não constando seu nome na produção
(“várias pessoas deram palpites, mas no fim colocaram
o nome de Tony e David, pois foram eles que pagaram as horas de
trabalho no estúdio”, explica Eno), todos diziam
que era, obviamente, mais um trabalho de Brian do que de David,
o que o irritou na época.
“Obviamente Brian
foi decisivo, mas coloquei muita alma e sangue nele, o que tende
a ser desprezado”, respondia, em entrevistas. Veja a letra
de “Sound and Vision”...
Ahhh...
Ahhh...
Doo, doo, doo,
do-doh
Doo, doo, doo, do-doh
Don't you wonder
sometimes
'Bout sound and vision
Blue, blue, electric
blue
That's the colour of my room
Where I will live
Blue, blue
Pale blinds drawn
all day
Nothing to do, nothing to say
Blue, blue
I will sit right
down, waiting for the gift of sound and vision
And I will sing, waiting for the gift of sound and vision
Drifting into my solitude, over my head
Don't you wonder
sometimes
'Bout sound and vision
A banda que gravou Low
merece comentários: David e Eno tocaram um sem-número
de instrumentos, enquanto Ricky Gardiner e Carlos Alomar cuidaram
das guitarras; George Murray do baixo; Roy Young, alguns teclados;
Dennis Davis, bateria e percussão; Iggy e Mary Visconti,
vocais de apoio; Eduard Meyer, cello e Peter e Paul, piano e harpa.
Low deve muito ao grupo
alemão Kraftwerk, que, segundo ele, conhecia desde os tempos
de Young Americans. “Eu adorava entrar
no carro e ouvir Autobahn. Era algo tão novo, tão
estimulante”. Em 1977, quando os alemães lançaram
Trans-Europe Express, a banda cita Iggy Pop e
David Bowie na letra da faixa-título. Eis o trecho da música:
"From station to station/back to Dusseldorf City/Meet Iggy
Pop and David Bowie."
Para tentar recuperar a
sanidade, Bowie resolveu ser o tecladista anônimo de Iggy
Pop em sua turnê promocional de The Idiot,
o que logo foi descoberto e comentado por toda a imprensa.
A RCA tentou capitalizar
em cima do evento, para empurrar as vendagens dos dois discos,
enquanto Bowie dizia-se cada vez mais perto dos punks e ironizava
os roqueiros antigos, chamando-os de dinossauros e senis. Ele
estava tão compenetrado em sua nova personalidade, que
passava horas pintando, após os ensaios com a banda de
Iggy. Seu único momento de convívio era quando ia
até a biblioteca de Schönenberg, onde pacientemente
ficava na fila para poder ler o único exemplar disponível
do jornal Morgenpost.
A turnê começou
no primeiro dia de março, com uma série de seis
shows aclamados pelo Reino Unido. Bowie limitava-se apenas aos
teclados, deixando Iggy como a estrela maior e recusava-se a participar
das entrevistas coletivas para aumentar o mistério e não
desviar a atenção de seu amigo. Bowie usava Iggy
como escudo, que usava David como atração de sua
banda. Uma feliz e útil combinação de interesses.
A tour começou a
correr o mundo e foi para a América. Lá, Bowie participou
de um programa em San Francico, cantando “Fame”, (música
do disco Young Americans, de 1975, e composta
com John Lennon), e em Los Angeles, no programa “Dinah Shore
Show”, esteve lado-a-lado de Iggy Pop. Também aproveitou
a ocasião para refazer a amizade com o velho amigo Mick
Jagger, que andava abalada. Juntos, foram parceiros de algumas
noites em boates e cabarés.
A tour terminou no dia
16 de Abril, no Civic Auditorium, em San Diego, e mais do que
depressa, David retornou para Berlim, com uma rápida passagem
pela Suíça, para pagar alguns impostos e regularizar
sua situação, o que faria durante os próximos
20 anos, a cada primavera.
Bowie
começaria então a trabalhar em duas frentes: um
novo disco de Iggy, Lust for Life e naquele que
considera seu melhor disco até hoje, "Heroes".
Junto a Iggy, começam
um trabalho de revitalização de seus corpos e mentes,
andando regularmente de bicicleta ou a pé pelas ruas e
até o estúdio Hansa.
Uma boa amostra da melhora
está na cara saudável de Iggy na capa de Lust
for Life. Bowie resolveu também acelerar o seu
segundo disco e resolveu convidar um guitarrista de quem era grande
fã há alguns anos: Robert Fripp, do King Crimson.
Mantendo Eno, Dennis Davis, Carlos Alomar, George Murray do disco
anterior, Bowie conseguiu que Fripp gravasse todas suas participações
em apenas um dia. Fripp, que havia vindo de Nova York apenas para
isso, voltou no mesmo dia.
O
disco foi lançado em outubro e mostrou uma evolução
em relação a Low. A faixa-título
começou a ser tocada, bem como seu vídeo, exibido
especialmente depois que fez alguns programas televisivos.
A letra de “Heroes”
veio de uma curiosidade observada por David: ele reparou que todas
as tardes, um casal vindo de lados opostos de Berlim, namorava
embaixo de uma guarita militar, e em seguida, voltavam, cada um,
para seu lado. O simbolismo do amor entre duas pessoas, com um
guarda armado e perto do Muro de Berlim foi por demais sugestivo.
Iggy usou a mesma idéia para compor “The Passenger”,
em Lust for Life.
O LP trazia as seguintes
faixas:
Lado 1
1. "Beauty and the Beast" –
3:32
2. "Joe the Lion" – 3:05
3. "'Heroes'" (Bowie, Brian Eno) – 6:07
4. "Sons of the Silent Age" – 3:15
5. "Blackout" – 3:50
Lado 2
1. "V-2 Schneider" – 3:10
2. "Sense of Doubt" – 3:57
3. "Moss Garden" (Bowie, Eno) – 5:03
4. "Neuköln" (Bowie, Eno) – 4:34
5. "The Secret Life of Arabia" (Bowie, Eno, Carlos Alomar)
– 3:46
Em pleno ano da efervescência
punk, o semanário Melody Maker, escolheu "Heroes"
como disco do ano. Eis a letra da canção...
I, I will be king
And you, you will be queen
Though nothing will drive them away
We can beat them, just for one day
We can be Heroes, just for one day
And you, you can
be mean
And I, I'll drink all the time
'Cause we're lovers, and that is a fact
Yes we're lovers, and that is that
Though nothing,
will keep us together
We could steal time, just for one day
We can be Heroes, for ever and ever
What d'you say?
I, I wish you could
swim
Like the dolphins, like dolphins can swim
Though nothing, nothing will keep us together
We can beat them, for ever and ever
Oh we can be Heroes, just for one day
I, I will be king
And you, you will be queen
Though nothing will drive them away
We can be Heroes, just for one day
We can be us, just for one day
I, I can remember
(I remember)
Standing, by the wall (by the wall)
And the guns, shot above our heads (over our heads)
And we kissed, as though nothing could fall (nothing could fall)
And the shame, was on the other side
Oh we can beat them, for ever and ever
Then we could be Heroes, just for one day
We can be Heroes
We can be Heroes
We can be Heroes
Just for one day
We can be Heroes
We're nothing,
and nothing will help us
Maybe we're lying, then you better not stay
But we could be safer, just for one day
Oh-oh-oh-ohh, oh-oh-oh-ohh,
just for one day
E, apesar de ser um pouco
mais “letrado” que o anterior, ainda apresentava várias
peças instrumentais, sendo quatro no Lado B. Bowie chegou
até a tocar koto, instrumento tradicional japonês
em “Moss Garden”. Bowie fez algumas viagens para o
lançamento do disco. Em Londres, onde ficou dois dias no
hotel Dorchester, ele disse que os dois álbuns produzidos
em Berlim, eram realmente antenas amargas de sua sobrevivência
e ressaltava serem os dois únicos de sua mitológica
carreira que gostava. Logo depois, partiu como seu filho Joe para
o Nairóbi, onde foram convidados pela família real
do país para um safári.
Durante as gravações
do segundo disco, Bowie viajou para a Inglaterra, para duas experiências
estranhas: a primeira é uma aparição especial
no especial que o cantor e ator Bing Crosby fez. Os dois, vestidos
com a mesma roupa gravam um especial e um disco com duas canções:
“Peace on Earth” e “Little Drummer Boy”.
A outra experiência
foi a realização de um programa com Marc Bolan líder
do T. Rex, na TV Granada, em Manchester, e que ficou
marcado pela tensão entre os dois. Bolan estava terrivelmente
irritado com o staff de David para o encontro, e o comparou
a uma comitiva do Príncipe Charles, por ter até
guarda-costa, sendo o chefe deles, Tony Mascia, um ex-ladrão
de bancos. A gravação foi tensa e confusa. Dias
depois, Marc Bolan morreu em um acidente de carro e Bowie não
só compareceu ao velório como anunciou que iria
criar um fundo para o filho de Bolan e fez uma substancial contribuição
para o mesmo.
Bowie explicava também
que a acusação de ser simpatizante do nazismo e
do fascismo eram inverossímeis. “meu interesse é
histórico, pois quero entender como tudo isso ocorreu e
como produziram um líder tão destrutivo como Hitler.
O meu interesse não significa simpatia, mas apenas curiosidade.
Eu não tenho nenhuma relação com o Expressionismo
que foi propagado pelo Terceiro Reich.”
David
teve um sério problema na antiga União Soviética
quando muitos de seus bens de origem nazista foram apreendidos
pela polícia para serem revistados.
Os mais ferrenhos críticos
afirmavam que o cantor já demonstrava essa fraqueza desde
os tempos de Ziggy Stardust, segundo eles, um personagem moldado
às mesmas características de Adolph Hitler. E na
verdade, Bowie temia os nazistas.
Uma história famosa
aconteceu quando um dentista de seu prédio foi preso por
manter caveiras com reproduções de arcadas dentárias
de vários chefes do governo nazista e que pretendia mostrar
os méritos do sangue nórdico. Bowie ficou chocado,
como ficou chocado quando, andando a pé pelos arredores
do estúdio Hansa, viu seu nome entre duas suásticas.
Ele queria mostrar que "Heroes" era
uma homenagem a uma Alemanha dividida e destroçada pela
Segunda Guerra.
Durante o mês de
dezembro, Bowie foi para a sua casa na Suíça passar
uma semana com Angela. A visita acabou sendo um total inferno,
e o cantor avisou à esposa que iria passar suas férias
em Berlim, e que levaria o filho do casal, Joe, com ele.
Angela acabou voando para
Nova York. Quando voltou, em janeiro para Clos des Mésanges,
onde viviam nos Alpes suíços, viu a casa vazia e
sem nenhum dinheiro. Desesperada, resolveu vender uma história
para os tablóides londrinos sobre a vida com David. Tony
Robinson, do Sunday Mirror, um jornal sensacionalista
chegou até à casa de Angela, mas só encontrou
sua anfitriã totalmente drogada e sem condições
de contar algo. Angela ainda aprontaria em Nova York, quando teve
uma overdose de Equanil e os para-médicos, na pressa de
salvá-la, quebraram, por acidente, seu nariz.
Enquanto isso, Bowie permanecia
em Berlim, com Joe, uma babá, tentando uma reconciliação
com seu filho. Ele sabia que o casamento havia acabado e queria
a guarda de Joe, e para isso era necessário criar um vínculo
de amizade com a criança.
Ele se empenhava bastante
cuidando do filho, passeando pela cidade, levando-o ao zoológico,
museus, ou simplesmente andando de mãos dadas por toda
Berlim. O divórcio começou logo, com Angela tentando
de todas as maneiras arrasar com o passado do cantor e brigando
pela posse do filho. Após dois anos intermináveis,
em uma audiência, Joe disse preferir a companhia do pai,
abandonando a mãe.
Mas
antes do processo começar a correr, Bowie recebeu uma visita
de David Hemmings, que havia sido o protagonista do filme Blow-Up,
de Antonioni e queria convidá-lo para participar de um
filme chamado Just a Gigolo, que se passava na
Alemanha dos anos 30.
Para atrair mais ainda
o cantor, revelou que Marlene Dietrich, a secular atriz e uma
das favoritas de Bowie, faria uma pequena participação.
Bowie aceitou o convite, mas lamentou jamais ter encontrado Dietrich
nos sets de filmagem. As filmagens começariam em Janeiro
de 1978.
Bowie estava muito interessado
em voltar a atuar no cinema e tentou junto ao genial e polêmico
cineasta alemão Rainer Fassbinder, realizar uma refilmagem
de The Threepenny Opera, idéia que acabou
não vingando. Meses mais tarde tentou participar do filme
Wally,que teria Charlotte Rampling, como co-estrela.
Mas os antigos problemas financeiros do cantor o fizeram abortar
e partir para uma outra turnê mundial, que seria conhecida
como The Low and Heroes Tour, e que acabaria rendendo um disco
ao vivo, Stage.
Após as filmagens,
David participou de outro safári na África, desta
vez no Quênia e de lá foi para Dallas para montar
uma banda para sua nova excursão mundial. Ele foi atrás
de dois músicos, o violinista Simon House e de um jovem
guitarrista que havia visto em um show de Frank Zappa, na Alemanha
e tinha o impressionado: Adrian Belew. Belew conta que Bowie seguiu
seus passos e o contratou, ensinando em uma semana, mais de 30
canções do seu repertório.
Antes
da tour mundial, resolveu presentear seu filho Joe, e gravou um
disco, em que narra a história de Pedro e o Lobo, história
favorito do garoto.
David Bowie Narrates
Prokofiev's Peter and the Wolf, teve uma primeira prensagem
em vinil verde.
A nova turnê estreou
no dia 28 de março, em San Diego, em um palco cheio de
tubos neón, e com Bowie usando calças bufantes,
camisas de manga curta, e com um chapéu de marinheiro.
O grupo consistia então
em Belew e Alomar nas guitarras; Dennis Davis na bateria; Simon
House, violino, Sean Mayes, teclados; George Murray, no baixo
e Roger Powell, no sintetizador. O guarda-roupa foi feito pela
sua amiga Natasha Kornilof, que encontrou, segundo ela, um David
saudável, em ótima forma e com idéias gigantescas.
Bowie resolvera então privilegiar em seu repertório
os dois últimos discos, mostrando um desconforto com músicas
antigas.
Ele deixava claro que as
tocava por serem absolutamente necessárias, sendo as canções
da época de Ziggy as mais tensas para ele. Em abril, gravou
os dois shows que realizou na Filadélfia, mesmo local de
onde gravara David Live, de 1974. Esse dois shows
viraram o disco Stage.
A
gravação do disco foi estranha, pois foi realizada
para diminuir as enormes vendagens de discos piratas da turnê,
atendendo um pedido da sua gravadora, a RCA.
Mas as músicas não
seguiram o set-list, já que Bowie abria com as
novas canções passando para as antigas. O disco
foi gravado exatamente na ordem inversa, já que ele e Visconti
começaram a mexer primeiro nas músicas velhas para
depois chegar às recentes.
Como o disco foi feito
para cumprir o contrato com a gravadora, David não deu
muita bola a ele, apesar de ser extremamente bem gravado e com
grandes versões de “Heroes” e “Station
to Station”.
O LP trazia as seguintes
faixas:
Lado 1
1. "Hang on to Yourself" –
3:26
2. "Ziggy Stardust" – 3:32
3. "Five Years" – 3:58
4. "Soul Love" – 2:55
5. "Star" – 2:31
Lado 2
1. "Station to Station" –
8:55
2. "Fame" (Bowie, Carlos Alomar, John Lennon) –
4:06
3. "TVC 15" – 4:37
Lado 3
1. "Warszawa" (Bowie, Brian Eno)
– 6:50
2. "Speed of Life" – 2:44
3. "Art Decade" – 3:10
4. "Sense of Doubt" – 3:13
5. "Breaking Glass" (Bowie, Dennis Davis, George Murray)
– 3:28
Lado 4
1. ""Heroes"" (Bowie,
Eno) – 6:19
2. "What in the World" – 4:24
3. "Blackout" – 4:01
4. "Beauty and the Beast" – 5:08
Quando a primeira parte
da turnê mundial terminou, no dia 1º de julho, após
um show no Earl's Court, tirou uma semana de folga, foi para Berlim,
voou para Londres, e seguiu para Montreux, onde terminou Lodger.
O
título é sugestivo, pois nessa época Bowie
preparava-se para deixar Berlim e voltar para a Suíça
definitivamente, além de ficar em seu apartamento em Nova
York e em um outro, alugado, em Londres.
Três anos após
sua chegada na cidade alemã, emergira um novo homem, mais
saudável, livre da cocaína, mais alegre, próximo
ao filho e mais humano, em suas próprias palavras.
No dia 12 de dezembro,
faz seu último show da turnê mundial, no NHK Hall,
em Tóquio. Após uma viagem por 12 países,
setenta apresentações e quase um milhão de
espectadores, estava finalizada sua excursão.
Passa o Natal em Tóquio
e se prepara nos primeiros meses de 1979 para viajar e promover
o filme Just a Gigolo, que teve o lançamento
atrasado pela dificuldade de traduzi-lo do inglês para o
alemão. O filme sofreria várias críticas
negativas.
Em março, voa para
Nova York para mixar o novo disco com Tony Visconti, nos estúdios
da Record Plant, e é visto com Joey Ramone em um show do
Clash, que assiste por apenas vinte minutos, além de ver
os shows dos Talking Heads e de Nico, no CBGB, com David Byrne,
de quem ficou amigo e com quem saiu várias vezes. Byrne,
a exemplo de Bowie, estava envolvido com Brian Eno e já
estava lançando o segundo de sua trilogia (Eno adora uma
trilogia...) com o produtor, Fear of Music.
No
início de Maio, a RCA solta um memorando interno avisando
aos funcionários que deveriam tratar Lodger
como o Sgt. Pepper's de Bowie e se esforçarem
ao máximo em promovê-lo.
O disco é o mais
complexo e cheio de referências: “Africa Night Flight”
é uma canção que Bowie pensou e compôs
em suas viagens para a África; “Red Money”,
nada mais era do que “Sister Midnight”, do disco The
Idiot de Iggy com uma nova letra; “Yassasin”, era
marcada pelo violiono de Simon e na observação de
Bowie sobre os bares turcos na Alemanha e uma sutil mistura entre
os ritmos turcos e jamaicanos, que segundo o cantor, são
cheios de similaridades.
Foi nesse disco que David
começou a revolucionar o ainda nascente mercado de vídeo
ao fazer, com o renomado David Mallet, os vídeo de “Boys
Keep Swingin'”, “D.J.” e “Look Back in
Anger”. Eis as letras de duas canções...
D.J.
I'm home, lost
my job, and incurably ill
You think this is easy, realism
I've got a girl out there, I suppose
I think she's dancing
Feel like Dan Dare lies down
I think she's dancing, what do I know?
I am a D.J., I
am what I play
Can't turn around no, can't turn around, no, oh, ooh
I am a D.J., I am what I play
Can't turn around no, can't turn around, no, oh no
I am a D.J., I
am what I play
I got believers (kiss-kiss)
Believing me, oh
One more, weekend,
of lights and evening faces
Fast food, living nostalgia
Humble pie or bitter fruit
I am a D.J., I
am what I play
Can't turn around no, can't turn around no, ooh
I am a D.J., I
am what I say
Can't turn around no, can't turn around, ooh
I am a D.J., I am what I play
I've got believers (kiss-kiss)
Believing me
I am a D.J., I
am what I play
Can turn around no, can't turn around
I am a D.J., I am what I play
Can turn around no, can't turn around
I am a D.J., I am what I play
Can turn around no (kiss-kiss)
Time flies when
you're having fun
Break his heart, break her heart
He used to be my boss and now he is a puppet dancer
I am a D.J., and I've got believers
I've got believers
I've got believers
I've got believers in me
I've got believers
I am a D.J., I am what I play
I am a D.J.
Look Back in Anger
"You know
who I am," he said
The speaker was an angel
He coughed and shook his crumpled wings
Closed his eyes and moved his lips
"It's time we should be going"
(Waiting so long,
I've been waiting so, waiting so)
Look back in anger, driven by the night
Till you come
(Waiting so long, I've been waiting so, waiting so)
Look back in anger, see it in my eyes
Till you come
No one seemed to
hear him
So he leafed through a magazine
And, yawning, rubbed the sleep away
Very sane he seemed to me
(Waiting so long,
I've been waiting so, waiting so)
Look back in anger, driven by the night
Till you come
(Waiting so long, I've been waiting so, waiting so)
Look back in anger, feel it in my voice
Till you come
(Waiting so long,
ahhh...)
(Waiting so long, I've been waiting so, waiting so) (repeat ad
inf.)
Apesar do grande esforço
e extensa promoção, Lodger fracassa nas vendagens.
Em um ano, vende apenas 140 mil cópias, contra 460 mil
de Low e 500 mil de "Heroes",
no mesmo período.
O disco trazia as seguintes
faixas:
Lado 1
1. "Fantastic Voyage" –
2:55
2. "African Night Flight" – 2:54
3. "Move On" (Bowie) – 3:16
4. "Yassassin (Turkish for Long Live)" (Bowie) –
4:10
5. "Red Sails" – 3:43
Lado 2
1. "DJ" (Bowie, Eno, Carlos Alomar)
– 3:59
2. "Look Back in Anger" – 3:08
3. "Boys Keep Swinging" – 3:17
4. "Repetition" (Bowie) – 2:59
5. "Red Money" (Bowie, Alomar) – 4:17
Em dezembro, sua agenda
está recheada de eventos. No dia 15, toca no Saturday
Night Live, que só seria exibido no dia 5 de Janeiro
de 1980, de vestido, na canção “TVC 15”.
Passa o Natal com o filho em Nova York e no dia 31 aparece simultaneamente,
na televisão, em três países: em Nova York
participa do programa “Kenny Everett”; na Austrália
aparece no “Countdown”, em uma entrevista feita no
“End of the Decade Special”; além de estar
no “Dick Clark's Salutes to the Seventies”.
Encerraria 1979 em uma
festa de Ano Novo na casa do empresário de Mick Jagger,
perto do Central Park. Os anos 70 estavam devidamente encerrados
para David Bowie, que passou por eles como a personagem mais intrigante
e fascinante, e que faria, já em 1980, um disco em que
desabafaria vários fantasmas, Scary Monsters (And
Super Creeps), que fica, obviamente, para uma próxima
vez.
Discografia
David Bowie (1967)
Space Oddity (também conhecido como Man of Words/Man of
Music, 1969)
The Man Who Sold The World (1971)
Hunky Dory (1971)
The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars
(1972)
Aladdin Sane (1973)
Pin Ups (1973)
Diamond Dogs (1974)
David Live (1974)
Young Americans (1975)
Station to Station (1976)
ChangesOneBowie (1976)
Low (1977)
“Heroes” (1977)
Stage (1978)
Prokofiev's Peter and the Wolf (1978)
Lodger (1979)
Scary Monsters (And Super Creeps) (1980)
ChangesTwoBowie (1981)
Christiane F. Win Kinder (trilha sonora, 1982)
David Bowie in Betrtort Brecht's Baal (1982)
“Peace on Earth” /“Little Drummer Boy”
(com Bing Crosby, 1982)
Ziggy Stardust: The Motion Picture (1983)
Let's Dance (1983)
Golden Years (1983)
Love You Till Tuesday (1984, gravado em 1969)
Tonight (1984)
Never Let Me Down (1987)
Tin Machine (1989)
Sound and Vision (1989)
ChangesBowie (1990)
Tin Machine II (1991)
Oy Vey, Baby (1992)
Black Tie White Noise (1993)
Singles: 1969-1993 (1993)
Buddha of Suburbia (1994)
1.Outside (1995)
Earthling (1997)
The Best of David Bowie 1969/1974 (1997)
The Best of David Bowie 1974/1979 (1998)
“hours...” (1999)
Singles Collection (1999)
Bowie at the Beeb: The Best of the BBC Radio Sessions (2000)
London Boy (2001)
Heathen (2002)
Reality (2003)
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