88 - David Bowie - Low, "Heroes", Stage e Lodger

Essa é considerada a fase mais importante e influente de Bowie, os famosos anos em que morou em Berlim. E aqui quero corrigir dois equívocos associados a ela: a primeira é chamar de "trilogia", pois sempre se referem apenas aos discos Low, "Heroes" e Lodger, esquecendo que entre eles há um duplo ao vivo, chamado Stage. Sendo assim, a trilogia só serve quando relacionada aos álbuns de estúdio. Outra imprecisão é afirmar que Brian Eno foi o produtor dos LPs, pois, oficialmente os discos foram produzidos por Bowie e Tony Visconti. Eno, que foi um personagem vital no processo de criação dos mesmos, afirma que seu nome ficou fora dos créditos por não ter ajudado a pagar as horas gastas em estúdio. Verdade ou não, sem Eno, David Bowie não teria conseguindo superar um período traumático de sua vida, onde lutava contra a dependência química da cocaína, o fim de seu casamento, a acusação de ser nazista devido ao personagem Thin White Duke, e uma discreta, mas constante vigilância por parte da CIA enquanto morava na América, devido a sua obsessão pela Alemanha hitlerista. Tudo isso contribuiu para que Bowie morasse de forma modestíssima em Berlim e que saísse de lá como o responsável pela mudança da face da música e aumentar ainda mais sua já enorme influência.


David Bowie estava cansado da exaustiva turnê e da fama de nazista que havia adquirido por brincar com os símbolos nazistas na estação de trem de Victoria, em Maio, em Londres. E muito mais cansado de sua vida desregrada, do paranóico que a cocaína o tinha deixado e cansado de tanta pressão. Seu último disco Station to Station, apesar de impecável, não tinha vendido muito e o personagem que havia inventado, “Thin White Duke”, lhe rendeu muitas críticas e problemas até com a CIA, que começou a montar um arquivo sobre sua vida, colocando-o na lista de pessoas “potencialmente perigosas para a democracia”.

O polêmico Thin White Duke Com tudo isso, era muito natural que resolvesse fugir do redemoinho que sua vida tinha se transformando em Los Angeles e procurasse refúgio na Europa. O local escolhido para respirar novos ares seria a Suíça. Bowie mudou-se para Blonay, um local destinado aos estrangeiros, especialmente aos ingleses, naquele país.

Não havia nada parecido com a vida caótica que levava em Los Angeles, apenas um rio correndo perto, que produzia um agradável barulho durante o dia e a noite. Bowie passou a pintar e ler cada um dos 5 mil livros da gigante biblioteca, e consumiu boa parte deles. Era uma figura extremamente popular e querida em Blonay e arredores. Vestia-se com extrema simplicidade para alguém tão vaidoso como ele. David estava cansado do Bowie e queria ser novamente David Jones, seu nome de batismo. “Bowie nunca imaginou o significado que teria. Eu sempre o vi como um jogo de quebra-cabeças, mas decidi que não gosto mais dele, por ser indisciplinado e tão egoísta”, dizia David sobre si mesmo.

outro momento da persona Thin White DukeBowie começou então um relacionamento com uma mulher bem mais velha, Oona O'Neil, então senhora Oona Chaplin, esposa do lendário e aposentado cineasta Charles Chaplin, que viria a falecer em Dezembro de 1977.

Oona tinha 51 anos, contra 29 de David. Para ela, David era mais uma diversão e havia quem apostasse que ele a pediria em casamento, o que não ocorreu.

Mas Bowie não se acomoda e, em junho de 1976, produziu o primeiro disco-solo de Iggy Pop, The Idiot, em Paris e ao mesmo tempo em que realizava viagens para Munique e Berlim, ao lado de Tony Visconti, em seu novo e secreto trabalho. Em setembro, Bowie já está oficialmente morando e instalado em Berlim, o que só faz aumentar o zum-zum-zum de sua fixação pelo período em que Hitler governou a Alemanha. Ao chegar em Berlim, foi morar no hotel Gehrus, mas no início de outubro mudou-se para um modestíssimo apartamento no bairro de Schöneberg, na 155 Haupstrasse. Sua casa nada mais era do que um buraco com três quartos, uma cozinha pequena, cortinas pesadas e com paredes que teimavam em deixar a água entrar em dias de chuva, que ficava no primeiro andar do edifício.

Fachada do prédio onde Bowie morou em BerlimBowie costumava ir de bicicleta até o estúdio Hansa, que ficava ao lado do Muro que dividia a cidade.

David experimentava um certo anonimato, e mesmo quando andava pelas ruas da cidade, era pouco incomodado pelos fãs. Sua vida amorosa, pela primeira vez, estava morta.

Com Angela na Suíça, Oona descartada, o único fugaz e rápido envolvimento foi com Romy Haag, com quem Bowie também rompeu, após ela dar detalhes do relacionamento para o jornal alemão Morgenpost. Apenas Coco Schwab, seu braço-direito e Iggy Pop faziam parte de seu círculo pessoal, e David continuava a buscar relíquias nazistas.

Essa busca chegou a um ponto constrangedor até para os colaboradores, no estúdio. Quando Bowie dizia que o interesse era de “David Jones e não de David Bowie”, ouviu como resposta que nem todos conseguiam e separavam o Bowie privado do Bowie astro. Nessas horas, ele perdia completamente a compostura e saía xingando e colocando o dedo no rosto de quem ousasse contradizê-lo, para, logo depois cair em prantos.

Retrato de Iggy Pop desenhado por Bowie, em Paris, durante as gravações de The IdiotO maior problema pessoal no momento era o uso pesado da cocaína, que, embora tentasse combater, era usada de maneira exagerada.

Escondendo-se de Coco e de Iggy, Bowie costumava cheirar no banheiro de seu apartamento, que era um caos completo, já que sem uma mulher para organizar sua vida (Coco morava em outro apartamento), deixava acumular até pilhas de pratos na pia da cozinha.

Em novembro, Angela chegou à cidade com claras intenções de pressionar o marido sobre sua situação. Queria que ele demitisse Schwab ou enfrentasse um escandaloso e ruidoso processo de divórcio.

Bowie tentou acalmá-la e pediu para que voltasse para a Suíça e cuidasse das coisas do casal, mas ela recusou. No meio da discussão, David começou a gaguejar e se abanar desesperadamente, até cair no chão e desmaiar. Assustada e com medo de que fosse uma overdose, Angela o levou até o hospital da base militar britânica.

Após um médico dizer que fora apenas uma crise nervosa, agravada pelo excesso de álcool, Angela voltou para Haupstrasse, invadiu o apartamento de Bowie, onde Coco estava ansiosa esperando notícias dele, jogou as roupas dela no chão, despejou brandy, ateou fogo e correu para o aeroporto para pegar o próximo vôo até Londres.

capa de LowNo dia 8 de janeiro de 1977, Bowie celebrou seu 30º aniversário, e uma semana depois lança seu primeiro disco morando na então Alemanha Ocidental, Low.

O disco chocou imprensa, fãs e a gravadora RCA. Primeiro, pela capa, tirada do cartaz do filme The Man Who Fell to Earth, que já fazia uma alusão ao título. Bowie adotara a postura “low profile” (discrição).

Além disso, seis das onze canções eram totalmente instrumentais e a RCA não via nenhuma música de trabalho. O disco seria lançado no Natal de 1976, mas foi cancelado, porque a gravadora argumentava que ninguém daria o disco como presente, já que era tão estranho. Até Tony DeFries, ex-empresário de Bowie, que o roubou durante anos e que ainda tinha uma porcentagem de 16% sobre as vendas de David, tentou boicotar o lançamento do trabalho. Tudo em vão.

O disco foi rechaçado pela crítica que queria a volta do Bowie elegante dos discos anteriores e desprezava a tentativa de Bowie estar antenado com o então nascente movimento punk.

O LP trazia as seguintes faixas:

Lado 1

1. "Speed of Life" – 2:46
2. "Breaking Glass" (Bowie, Dennis Davis, George Murray) – 1:52
3. "What in the World" – 2:23
4. "Sound and Vision" – 3:05
5. "Always Crashing in the Same Car" – 3:33
6. "Be My Wife" – 2:58
7. "A New Career in a New Town" – 2:53

Lado 2

1. "Warszawa" (Bowie, Brian Eno) – 6:23
2. "Art Decade" – 3:46
3. "Weeping Wall" – 3:28
4. "Subterraneans" – 5:39

Além disso, as letras eram curtas, discretas, reflexivas. Tony Visconti, co-produtor do trabalho, ao lado do próprio David, explica: “David passava por um período de grande depressão. A gravação de The Idiot, em Paris foi um caos e quase um milagre ter sido finalizada, pois ele estava absolutamente sem condições psicológicas e Low acabou sendo uma continuação do processo.”

Bowie não conseguia formular frases escritas, preferindo trabalhar o lado melódico, ao lado de Brian Eno.

“Sound and Vision”, que terminou sendo o single do disco, era peculiar em sua letra, falando de alguém que esperava o dom do som e da visão em um quarto azul, com paredes pálidas, onde não faria nada.

Era muita dor para um artista de seu porte. A influência de Brian Eno era tão visível, que mesmo não constando seu nome na produção (“várias pessoas deram palpites, mas no fim colocaram o nome de Tony e David, pois foram eles que pagaram as horas de trabalho no estúdio”, explica Eno), todos diziam que era, obviamente, mais um trabalho de Brian do que de David, o que o irritou na época.

“Obviamente Brian foi decisivo, mas coloquei muita alma e sangue nele, o que tende a ser desprezado”, respondia, em entrevistas. Veja a letra de “Sound and Vision”...

Ahhh...
Ahhh...

Doo, doo, doo, do-doh
Doo, doo, doo, do-doh

Don't you wonder sometimes
'Bout sound and vision

Blue, blue, electric blue
That's the colour of my room
Where I will live
Blue, blue

Pale blinds drawn all day
Nothing to do, nothing to say
Blue, blue

I will sit right down, waiting for the gift of sound and vision
And I will sing, waiting for the gift of sound and vision
Drifting into my solitude, over my head

Don't you wonder sometimes
'Bout sound and vision

A banda que gravou Low merece comentários: David e Eno tocaram um sem-número de instrumentos, enquanto Ricky Gardiner e Carlos Alomar cuidaram das guitarras; George Murray do baixo; Roy Young, alguns teclados; Dennis Davis, bateria e percussão; Iggy e Mary Visconti, vocais de apoio; Eduard Meyer, cello e Peter e Paul, piano e harpa.

Low deve muito ao grupo alemão Kraftwerk, que, segundo ele, conhecia desde os tempos de Young Americans. “Eu adorava entrar no carro e ouvir Autobahn. Era algo tão novo, tão estimulante”. Em 1977, quando os alemães lançaram Trans-Europe Express, a banda cita Iggy Pop e David Bowie na letra da faixa-título. Eis o trecho da música: "From station to station/back to Dusseldorf City/Meet Iggy Pop and David Bowie."

Para tentar recuperar a sanidade, Bowie resolveu ser o tecladista anônimo de Iggy Pop em sua turnê promocional de The Idiot, o que logo foi descoberto e comentado por toda a imprensa.

A RCA tentou capitalizar em cima do evento, para empurrar as vendagens dos dois discos, enquanto Bowie dizia-se cada vez mais perto dos punks e ironizava os roqueiros antigos, chamando-os de dinossauros e senis. Ele estava tão compenetrado em sua nova personalidade, que passava horas pintando, após os ensaios com a banda de Iggy. Seu único momento de convívio era quando ia até a biblioteca de Schönenberg, onde pacientemente ficava na fila para poder ler o único exemplar disponível do jornal Morgenpost.

A turnê começou no primeiro dia de março, com uma série de seis shows aclamados pelo Reino Unido. Bowie limitava-se apenas aos teclados, deixando Iggy como a estrela maior e recusava-se a participar das entrevistas coletivas para aumentar o mistério e não desviar a atenção de seu amigo. Bowie usava Iggy como escudo, que usava David como atração de sua banda. Uma feliz e útil combinação de interesses.

A tour começou a correr o mundo e foi para a América. Lá, Bowie participou de um programa em San Francico, cantando “Fame”, (música do disco Young Americans, de 1975, e composta com John Lennon), e em Los Angeles, no programa “Dinah Shore Show”, esteve lado-a-lado de Iggy Pop. Também aproveitou a ocasião para refazer a amizade com o velho amigo Mick Jagger, que andava abalada. Juntos, foram parceiros de algumas noites em boates e cabarés.

A tour terminou no dia 16 de Abril, no Civic Auditorium, em San Diego, e mais do que depressa, David retornou para Berlim, com uma rápida passagem pela Suíça, para pagar alguns impostos e regularizar sua situação, o que faria durante os próximos 20 anos, a cada primavera.

Iggy Pop retratado em uma paisagem típica de Berlim, em 78, e pintado, novamente, por BowieBowie começaria então a trabalhar em duas frentes: um novo disco de Iggy, Lust for Life e naquele que considera seu melhor disco até hoje, "Heroes".

Junto a Iggy, começam um trabalho de revitalização de seus corpos e mentes, andando regularmente de bicicleta ou a pé pelas ruas e até o estúdio Hansa.

Uma boa amostra da melhora está na cara saudável de Iggy na capa de Lust for Life. Bowie resolveu também acelerar o seu segundo disco e resolveu convidar um guitarrista de quem era grande fã há alguns anos: Robert Fripp, do King Crimson. Mantendo Eno, Dennis Davis, Carlos Alomar, George Murray do disco anterior, Bowie conseguiu que Fripp gravasse todas suas participações em apenas um dia. Fripp, que havia vindo de Nova York apenas para isso, voltou no mesmo dia.

capa de "Heroes"O disco foi lançado em outubro e mostrou uma evolução em relação a Low. A faixa-título começou a ser tocada, bem como seu vídeo, exibido especialmente depois que fez alguns programas televisivos.

A letra de “Heroes” veio de uma curiosidade observada por David: ele reparou que todas as tardes, um casal vindo de lados opostos de Berlim, namorava embaixo de uma guarita militar, e em seguida, voltavam, cada um, para seu lado. O simbolismo do amor entre duas pessoas, com um guarda armado e perto do Muro de Berlim foi por demais sugestivo. Iggy usou a mesma idéia para compor “The Passenger”, em Lust for Life.

O LP trazia as seguintes faixas:

Lado 1

1. "Beauty and the Beast" – 3:32
2. "Joe the Lion" – 3:05
3. "'Heroes'" (Bowie, Brian Eno) – 6:07
4. "Sons of the Silent Age" – 3:15
5. "Blackout" – 3:50

Lado 2

1. "V-2 Schneider" – 3:10
2. "Sense of Doubt" – 3:57
3. "Moss Garden" (Bowie, Eno) – 5:03
4. "Neuköln" (Bowie, Eno) – 4:34
5. "The Secret Life of Arabia" (Bowie, Eno, Carlos Alomar) – 3:46

Em pleno ano da efervescência punk, o semanário Melody Maker, escolheu "Heroes" como disco do ano. Eis a letra da canção...

I, I will be king
And you, you will be queen
Though nothing will drive them away
We can beat them, just for one day
We can be Heroes, just for one day

And you, you can be mean
And I, I'll drink all the time
'Cause we're lovers, and that is a fact
Yes we're lovers, and that is that

Though nothing, will keep us together
We could steal time, just for one day
We can be Heroes, for ever and ever
What d'you say?

I, I wish you could swim
Like the dolphins, like dolphins can swim
Though nothing, nothing will keep us together
We can beat them, for ever and ever
Oh we can be Heroes, just for one day

I, I will be king
And you, you will be queen
Though nothing will drive them away
We can be Heroes, just for one day
We can be us, just for one day

I, I can remember (I remember)
Standing, by the wall (by the wall)
And the guns, shot above our heads (over our heads)
And we kissed, as though nothing could fall (nothing could fall)
And the shame, was on the other side
Oh we can beat them, for ever and ever
Then we could be Heroes, just for one day

We can be Heroes
We can be Heroes
We can be Heroes
Just for one day
We can be Heroes

We're nothing, and nothing will help us
Maybe we're lying, then you better not stay
But we could be safer, just for one day

Oh-oh-oh-ohh, oh-oh-oh-ohh, just for one day

E, apesar de ser um pouco mais “letrado” que o anterior, ainda apresentava várias peças instrumentais, sendo quatro no Lado B. Bowie chegou até a tocar koto, instrumento tradicional japonês em “Moss Garden”. Bowie fez algumas viagens para o lançamento do disco. Em Londres, onde ficou dois dias no hotel Dorchester, ele disse que os dois álbuns produzidos em Berlim, eram realmente antenas amargas de sua sobrevivência e ressaltava serem os dois únicos de sua mitológica carreira que gostava. Logo depois, partiu como seu filho Joe para o Nairóbi, onde foram convidados pela família real do país para um safári.

Durante as gravações do segundo disco, Bowie viajou para a Inglaterra, para duas experiências estranhas: a primeira é uma aparição especial no especial que o cantor e ator Bing Crosby fez. Os dois, vestidos com a mesma roupa gravam um especial e um disco com duas canções: “Peace on Earth” e “Little Drummer Boy”.

A outra experiência foi a realização de um programa com Marc Bolan líder do T. Rex, na TV Granada, em Manchester, e que ficou marcado pela tensão entre os dois. Bolan estava terrivelmente irritado com o staff de David para o encontro, e o comparou a uma comitiva do Príncipe Charles, por ter até guarda-costa, sendo o chefe deles, Tony Mascia, um ex-ladrão de bancos. A gravação foi tensa e confusa. Dias depois, Marc Bolan morreu em um acidente de carro e Bowie não só compareceu ao velório como anunciou que iria criar um fundo para o filho de Bolan e fez uma substancial contribuição para o mesmo.

Bowie explicava também que a acusação de ser simpatizante do nazismo e do fascismo eram inverossímeis. “meu interesse é histórico, pois quero entender como tudo isso ocorreu e como produziram um líder tão destrutivo como Hitler. O meu interesse não significa simpatia, mas apenas curiosidade. Eu não tenho nenhuma relação com o Expressionismo que foi propagado pelo Terceiro Reich.”

David teve um sério problema na antiga União Soviética quando muitos de seus bens de origem nazista foram apreendidos pela polícia para serem revistados.

Os mais ferrenhos críticos afirmavam que o cantor já demonstrava essa fraqueza desde os tempos de Ziggy Stardust, segundo eles, um personagem moldado às mesmas características de Adolph Hitler. E na verdade, Bowie temia os nazistas.

Uma história famosa aconteceu quando um dentista de seu prédio foi preso por manter caveiras com reproduções de arcadas dentárias de vários chefes do governo nazista e que pretendia mostrar os méritos do sangue nórdico. Bowie ficou chocado, como ficou chocado quando, andando a pé pelos arredores do estúdio Hansa, viu seu nome entre duas suásticas. Ele queria mostrar que "Heroes" era uma homenagem a uma Alemanha dividida e destroçada pela Segunda Guerra.

Durante o mês de dezembro, Bowie foi para a sua casa na Suíça passar uma semana com Angela. A visita acabou sendo um total inferno, e o cantor avisou à esposa que iria passar suas férias em Berlim, e que levaria o filho do casal, Joe, com ele.

Angela acabou voando para Nova York. Quando voltou, em janeiro para Clos des Mésanges, onde viviam nos Alpes suíços, viu a casa vazia e sem nenhum dinheiro. Desesperada, resolveu vender uma história para os tablóides londrinos sobre a vida com David. Tony Robinson, do Sunday Mirror, um jornal sensacionalista chegou até à casa de Angela, mas só encontrou sua anfitriã totalmente drogada e sem condições de contar algo. Angela ainda aprontaria em Nova York, quando teve uma overdose de Equanil e os para-médicos, na pressa de salvá-la, quebraram, por acidente, seu nariz.

Enquanto isso, Bowie permanecia em Berlim, com Joe, uma babá, tentando uma reconciliação com seu filho. Ele sabia que o casamento havia acabado e queria a guarda de Joe, e para isso era necessário criar um vínculo de amizade com a criança.

Ele se empenhava bastante cuidando do filho, passeando pela cidade, levando-o ao zoológico, museus, ou simplesmente andando de mãos dadas por toda Berlim. O divórcio começou logo, com Angela tentando de todas as maneiras arrasar com o passado do cantor e brigando pela posse do filho. Após dois anos intermináveis, em uma audiência, Joe disse preferir a companhia do pai, abandonando a mãe.

cartaz promocional do filme Just a GigoloMas antes do processo começar a correr, Bowie recebeu uma visita de David Hemmings, que havia sido o protagonista do filme Blow-Up, de Antonioni e queria convidá-lo para participar de um filme chamado Just a Gigolo, que se passava na Alemanha dos anos 30.

Para atrair mais ainda o cantor, revelou que Marlene Dietrich, a secular atriz e uma das favoritas de Bowie, faria uma pequena participação. Bowie aceitou o convite, mas lamentou jamais ter encontrado Dietrich nos sets de filmagem. As filmagens começariam em Janeiro de 1978.

Bowie estava muito interessado em voltar a atuar no cinema e tentou junto ao genial e polêmico cineasta alemão Rainer Fassbinder, realizar uma refilmagem de The Threepenny Opera, idéia que acabou não vingando. Meses mais tarde tentou participar do filme Wally,que teria Charlotte Rampling, como co-estrela. Mas os antigos problemas financeiros do cantor o fizeram abortar e partir para uma outra turnê mundial, que seria conhecida como The Low and Heroes Tour, e que acabaria rendendo um disco ao vivo, Stage.

Após as filmagens, David participou de outro safári na África, desta vez no Quênia e de lá foi para Dallas para montar uma banda para sua nova excursão mundial. Ele foi atrás de dois músicos, o violinista Simon House e de um jovem guitarrista que havia visto em um show de Frank Zappa, na Alemanha e tinha o impressionado: Adrian Belew. Belew conta que Bowie seguiu seus passos e o contratou, ensinando em uma semana, mais de 30 canções do seu repertório.

Antes da tour mundial, resolveu presentear seu filho Joe, e gravou um disco, em que narra a história de Pedro e o Lobo, história favorito do garoto.

David Bowie Narrates Prokofiev's Peter and the Wolf, teve uma primeira prensagem em vinil verde.

A nova turnê estreou no dia 28 de março, em San Diego, em um palco cheio de tubos neón, e com Bowie usando calças bufantes, camisas de manga curta, e com um chapéu de marinheiro.

O grupo consistia então em Belew e Alomar nas guitarras; Dennis Davis na bateria; Simon House, violino, Sean Mayes, teclados; George Murray, no baixo e Roger Powell, no sintetizador. O guarda-roupa foi feito pela sua amiga Natasha Kornilof, que encontrou, segundo ela, um David saudável, em ótima forma e com idéias gigantescas.

Bowie durante o shoew da  Filadélfia  em que foi gravado Stage Bowie resolvera então privilegiar em seu repertório os dois últimos discos, mostrando um desconforto com músicas antigas.

Ele deixava claro que as tocava por serem absolutamente necessárias, sendo as canções da época de Ziggy as mais tensas para ele. Em abril, gravou os dois shows que realizou na Filadélfia, mesmo local de onde gravara David Live, de 1974. Esse dois shows viraram o disco Stage.

capa de StageA gravação do disco foi estranha, pois foi realizada para diminuir as enormes vendagens de discos piratas da turnê, atendendo um pedido da sua gravadora, a RCA.

Mas as músicas não seguiram o set-list, já que Bowie abria com as novas canções passando para as antigas. O disco foi gravado exatamente na ordem inversa, já que ele e Visconti começaram a mexer primeiro nas músicas velhas para depois chegar às recentes.

Como o disco foi feito para cumprir o contrato com a gravadora, David não deu muita bola a ele, apesar de ser extremamente bem gravado e com grandes versões de “Heroes” e “Station to Station”.

O LP trazia as seguintes faixas:

Lado 1

1. "Hang on to Yourself" – 3:26
2. "Ziggy Stardust" – 3:32
3. "Five Years" – 3:58
4. "Soul Love" – 2:55
5. "Star" – 2:31

Lado 2

1. "Station to Station" – 8:55
2. "Fame" (Bowie, Carlos Alomar, John Lennon) – 4:06
3. "TVC 15" – 4:37

Lado 3

1. "Warszawa" (Bowie, Brian Eno) – 6:50
2. "Speed of Life" – 2:44
3. "Art Decade" – 3:10
4. "Sense of Doubt" – 3:13
5. "Breaking Glass" (Bowie, Dennis Davis, George Murray) – 3:28

Lado 4

1. ""Heroes"" (Bowie, Eno) – 6:19
2. "What in the World" – 4:24
3. "Blackout" – 4:01
4. "Beauty and the Beast" – 5:08

Quando a primeira parte da turnê mundial terminou, no dia 1º de julho, após um show no Earl's Court, tirou uma semana de folga, foi para Berlim, voou para Londres, e seguiu para Montreux, onde terminou Lodger.

O título é sugestivo, pois nessa época Bowie preparava-se para deixar Berlim e voltar para a Suíça definitivamente, além de ficar em seu apartamento em Nova York e em um outro, alugado, em Londres.

Três anos após sua chegada na cidade alemã, emergira um novo homem, mais saudável, livre da cocaína, mais alegre, próximo ao filho e mais humano, em suas próprias palavras.

No dia 12 de dezembro, faz seu último show da turnê mundial, no NHK Hall, em Tóquio. Após uma viagem por 12 países, setenta apresentações e quase um milhão de espectadores, estava finalizada sua excursão.

Passa o Natal em Tóquio e se prepara nos primeiros meses de 1979 para viajar e promover o filme Just a Gigolo, que teve o lançamento atrasado pela dificuldade de traduzi-lo do inglês para o alemão. O filme sofreria várias críticas negativas.

Em março, voa para Nova York para mixar o novo disco com Tony Visconti, nos estúdios da Record Plant, e é visto com Joey Ramone em um show do Clash, que assiste por apenas vinte minutos, além de ver os shows dos Talking Heads e de Nico, no CBGB, com David Byrne, de quem ficou amigo e com quem saiu várias vezes. Byrne, a exemplo de Bowie, estava envolvido com Brian Eno e já estava lançando o segundo de sua trilogia (Eno adora uma trilogia...) com o produtor, Fear of Music.

capa de LodgerNo início de Maio, a RCA solta um memorando interno avisando aos funcionários que deveriam tratar Lodger como o Sgt. Pepper's de Bowie e se esforçarem ao máximo em promovê-lo.

O disco é o mais complexo e cheio de referências: “Africa Night Flight” é uma canção que Bowie pensou e compôs em suas viagens para a África; “Red Money”, nada mais era do que “Sister Midnight”, do disco The Idiot de Iggy com uma nova letra; “Yassasin”, era marcada pelo violiono de Simon e na observação de Bowie sobre os bares turcos na Alemanha e uma sutil mistura entre os ritmos turcos e jamaicanos, que segundo o cantor, são cheios de similaridades.

Foi nesse disco que David começou a revolucionar o ainda nascente mercado de vídeo ao fazer, com o renomado David Mallet, os vídeo de “Boys Keep Swingin'”, “D.J.” e “Look Back in Anger”. Eis as letras de duas canções...

 Bowie em cena no clip da canção D.J.D.J.

I'm home, lost my job, and incurably ill
You think this is easy, realism
I've got a girl out there, I suppose
I think she's dancing
Feel like Dan Dare lies down
I think she's dancing, what do I know?

I am a D.J., I am what I play
Can't turn around no, can't turn around, no, oh, ooh
I am a D.J., I am what I play
Can't turn around no, can't turn around, no, oh no

I am a D.J., I am what I play
I got believers (kiss-kiss)
Believing me, oh

One more, weekend, of lights and evening faces
Fast food, living nostalgia
Humble pie or bitter fruit

I am a D.J., I am what I play
Can't turn around no, can't turn around no, ooh

I am a D.J., I am what I say
Can't turn around no, can't turn around, ooh
I am a D.J., I am what I play
I've got believers (kiss-kiss)
Believing me

I am a D.J., I am what I play
Can turn around no, can't turn around
I am a D.J., I am what I play
Can turn around no, can't turn around
I am a D.J., I am what I play
Can turn around no (kiss-kiss)

Time flies when you're having fun
Break his heart, break her heart
He used to be my boss and now he is a puppet dancer
I am a D.J., and I've got believers

I've got believers
I've got believers
I've got believers in me
I've got believers
I am a D.J., I am what I play
I am a D.J.

Look Back in Anger

"You know who I am," he said
The speaker was an angel
He coughed and shook his crumpled wings
Closed his eyes and moved his lips
"It's time we should be going"

(Waiting so long, I've been waiting so, waiting so)
Look back in anger, driven by the night
Till you come
(Waiting so long, I've been waiting so, waiting so)
Look back in anger, see it in my eyes
Till you come

No one seemed to hear him
So he leafed through a magazine
And, yawning, rubbed the sleep away
Very sane he seemed to me

(Waiting so long, I've been waiting so, waiting so)
Look back in anger, driven by the night
Till you come
(Waiting so long, I've been waiting so, waiting so)
Look back in anger, feel it in my voice
Till you come

(Waiting so long, ahhh...)
(Waiting so long, I've been waiting so, waiting so) (repeat ad inf.)

Apesar do grande esforço e extensa promoção, Lodger fracassa nas vendagens. Em um ano, vende apenas 140 mil cópias, contra 460 mil de Low e 500 mil de "Heroes", no mesmo período.

O disco trazia as seguintes faixas:

Lado 1

1. "Fantastic Voyage" – 2:55
2. "African Night Flight" – 2:54
3. "Move On" (Bowie) – 3:16
4. "Yassassin (Turkish for Long Live)" (Bowie) – 4:10
5. "Red Sails" – 3:43

Lado 2

1. "DJ" (Bowie, Eno, Carlos Alomar) – 3:59
2. "Look Back in Anger" – 3:08
3. "Boys Keep Swinging" – 3:17
4. "Repetition" (Bowie) – 2:59
5. "Red Money" (Bowie, Alomar) – 4:17

Em dezembro, sua agenda está recheada de eventos. No dia 15, toca no Saturday Night Live, que só seria exibido no dia 5 de Janeiro de 1980, de vestido, na canção “TVC 15”. Passa o Natal com o filho em Nova York e no dia 31 aparece simultaneamente, na televisão, em três países: em Nova York participa do programa “Kenny Everett”; na Austrália aparece no “Countdown”, em uma entrevista feita no “End of the Decade Special”; além de estar no “Dick Clark's Salutes to the Seventies”.

Encerraria 1979 em uma festa de Ano Novo na casa do empresário de Mick Jagger, perto do Central Park. Os anos 70 estavam devidamente encerrados para David Bowie, que passou por eles como a personagem mais intrigante e fascinante, e que faria, já em 1980, um disco em que desabafaria vários fantasmas, Scary Monsters (And Super Creeps), que fica, obviamente, para uma próxima vez.

Discografia

David Bowie (1967)
Space Oddity (também conhecido como Man of Words/Man of Music, 1969)
The Man Who Sold The World (1971)
Hunky Dory (1971)
The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972)
Aladdin Sane (1973)
Pin Ups (1973)
Diamond Dogs (1974)
David Live (1974)
Young Americans (1975)
Station to Station (1976)
ChangesOneBowie (1976)
Low (1977)
“Heroes” (1977)
Stage (1978)
Prokofiev's Peter and the Wolf (1978)
Lodger (1979)
Scary Monsters (And Super Creeps) (1980)
ChangesTwoBowie (1981)
Christiane F. Win Kinder (trilha sonora, 1982)
David Bowie in Betrtort Brecht's Baal (1982)
“Peace on Earth” /“Little Drummer Boy” (com Bing Crosby, 1982)
Ziggy Stardust: The Motion Picture (1983)
Let's Dance (1983)
Golden Years (1983)
Love You Till Tuesday (1984, gravado em 1969)
Tonight (1984)
Never Let Me Down (1987)
Tin Machine (1989)
Sound and Vision (1989)
ChangesBowie (1990)
Tin Machine II (1991)
Oy Vey, Baby (1992)
Black Tie White Noise (1993)
Singles: 1969-1993 (1993)
Buddha of Suburbia (1994)
1.Outside (1995)
Earthling (1997)
The Best of David Bowie 1969/1974 (1997)
The Best of David Bowie 1974/1979 (1998)
“hours...” (1999)
Singles Collection (1999)
Bowie at the Beeb: The Best of the BBC Radio Sessions (2000)
London Boy (2001)
Heathen (2002)
Reality (2003)

 

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