269 - Billy Bragg

Cincos anos atrás, tentei uma entrevista por e-mail com Billy Bragg. O que parecia simples virou uma novela. O cantor, através de sua assessoria, havia concordado com a proposta e preparei um questionário com algumas perguntas políticas, bem ao gosto do cantor. Mas Billy começou a refugar e a assessoria reclamou que as questões eram muitas, complexas demais e que ele não tinha tanto tempo disponível. Disse que poderia responder as que desejasse. A troca de e-mail continuou por meses até que, irritado, dispensei a mesma. Uma pena. O cantor britânico, famoso por abordar temas políticos e sociais em suas letras, me causou enorme decepção. Porém, ao ouvir os discos que ele me mandou autografado na mesma época, aplaquei a frustração e decidi falar sobre ele. Afinal, não é todo dia que Maiakóvski aparece na música pop.


Vladímir MaiakóvskiCidadão fiscal de rendas!
Desculpe a liberdade.
Obrigado...
Não se incomode...
Estou à vontade.
A matéria
que me traz
é algo extraordinária:
o lugar do
poeta
na sociedade proletária.
Ao lado
dos donos
de terras e vendas
estou também
citado
por débitos fiscais.
Você me exige
500 rublos
por 6 meses e mais
25 por falta
de declaração de rendas.
O meu trabalho
a todo
outro trabalho
é igual.
....

Esse é o início do poema "Conversa Sobre Poesia Com O Fiscal de Rendas", do russo Vladímir Maiakóvski (1893-1930).

Mas que diabos faz o maior poeta russo no mundo pop? O culpado disso é um outro "camarada"; o britânico Billy Bragg.

Billy tem uma história, no mínimo curiosa, e que merece ser contada.

Nascido em Essex, em 20 de dezembro de 1957, Billy logo caiu de amores pelo movimento punk e aos 17 anos formou um pequeno grupo, o Riff Raff. O grupo nunca fez muito sucesso e teve como maior sucesso a canção "I Wanna Be a Cosmonaut". Desiludido com a vida dura de um punk, Billy radicalizou e entrou para o Exército, especificamente no regimento de tanques. Logo viu que havia feito uma burrice maior ainda e se livrou disso tudo pagando £175 - o melhor investimento de sua vida, segundo ele.

Mas a música o chamava. Billy nutria uma paixão pelo blues e folk e saiu cantando com uma guitarra e um amplifcador em qualquer biboca de Londres. Para sobreviver, Billy trabalhava como balconista em uma loja de discos.

Com uma fita demo nas mãos, ele começou a correr a cidade toda atrás de alguém. Sem sucesso, armou um curioso truque: dizendo-se técnico em aparelhos de televisão, Billy entrou no escritório do chefe da Charisma Records, Peter Jenner e mostrou a fita. A ousadia deu certo, pois Jenner gostou do que ouviu.

capa do disco Life's A Riot With Spy Vs SpyPorém, a Charisma estava quase falida e não havia meios de contratá-lo. Billy não se fez de rogado e conseguiu gravar mais demos por uma editora. Essas demos acabaram virando o primeiro disco de Billy, Life's A Riot With Spy Vs Spy, que Jenner lançou pelo novo selo, Utility.

Quando a Virgin comprou a Charisma, Jenner ficou sem emprego e acabou virando empresário de Billy. Peter fez contato com Andy MacDonald, da Stiff Records, que estava começando um novo, a Go! Discs. Andy gostou do disco e conseguiu comprar os direitos junto à Virgin, relançando o disco em novembro de 1983. A resposta foi excelente e ele ficou entre os 30 mais vendidos do Reino Unido.

Com um contrato, Bragg logo lançou um novo disco, Brewing Up With Billy Bragg. Nele, Bragg começa moldar seu estilo de misturar política com temas confessionais, cheio de emoção. Não é à toa que era chamado de "one man Clash". O álbum chegou ao Top 20 e ele se tornou quase um herói nacional quando apoiou a greve dos mineiros em protesto contra o governo.

Bragg odiava os conservadores, especialmente a Primeira-Ministra Margaret Thatcher e participava de todos os concertos contra o governo. Em 1986 convence os Smiths a participarem do Red Wedge Tour. Morrissey jura que não ficou tão contente assim em estar em uma causa política, embora odiasse abertamente a "Dama de Ferro" do Governo Britânico. Ainda assim, os Smiths são uma das atrações e ali nasce uma amizade entre Johnny Marr e Billy.

A Red Wedge Tour tinha como mote a conscientização política dos jovens e pedi para que votassem no Partido dos Trabalhadores, nas eleições gerais de 1987. Além dos Smiths, participaram da turnê, The Style Council, Madness e The Communards. Billy também viu seu prestígio aumentar quando a música "A New England" chegou ao Top 10 na voz de Kirsty MacColl.

capa do disco Talking With The Taxman About PoetryA amizade entre Marr e Bragg permanece sólida e no mesmo ano, Billy lança seu terceiro disco-solo, que leva o título do poema de Maiakóvski que inicia esse texto: Talking With The Taxman About Poetry. E acredite, esse disco saiu aqui em vinil.

O grande sucesso do disco é "Greetings to the New Brunette", que tinha como subtítulo "Shirley". Johnny tocou guitarra exatamente nessa faixa e também em "The Passion" e o disco ficou entre os 10 mais.

O prestígio andava alto e em um disco homenageando os Beatles, para um projeto de caridade, em 1988, Billy gravou um compacto que tinha um lado A duplo com sua versão para "She’s Leaving Home", com Cara Tivey ao piano.

capa do disco Workers PlaytimeA outra música era "With a Little Help From My Friends", gravado pelo Wet Wet Wet e o compacto ficou em primeiro lugar.

No mesmo ano, lança um novo disco, Workers Playtime, de cunho mais pessoal. O disco alcançou o Top 20 e sedimentou ainda mais a fama de Bragg.

A fama e o ativismo político o manteve extremamente ocupado e ele chegou viajar até Moscou, para encontrar Mikhail Gorbachev, que promovia a abertura lenta e gradual da União Soviética, com a Perestroika e a Glasnost. A viagem foi acompanhada pela MTV e virou um documentário chamado Mr. Bragg Goes to Moscow.

Tanto trabalho o deixou dois anos fora dos estúdios, e em 1990 ele volta com The Internationale. Em 1991 é a vez do disco Don't Try This At Home, que chegou ao oitavo lugar, graças ao sucesso de "Sexuality".

E o disco continuava com convidados mais que ilustres. Em "You Woke Up My Neighbourhood", tem as participações de Peter Buck e Michael Stipe, ambos do R.E.M. e Johnny Marr em duas músicas.

Billy daria um tempo na vida para cuidar de assuntos familiares e voltaria ao batente apenas cinco anos depois, com William Bloke, onde faz um balanço de sua vida.

capa do disco Mermaid AvenueEm 1998, Billy veria um novo momento ocorrer em sua vida qo gravar o disco Mermaid Avenue com o grupo Wilco. O disco nasceu de um convite que deixou Bragg mais do que honrado. Nora Guthrie, filha do lendário cantor e compositor Woody Guthrie o conhecia desde 1992 quando ficou encantada com um show de Billy em Nova York, no aniversário de seu pai. "Quando ele acompanhou o grupo de rap Disposable Heroes of Hiphoprisy em 'Vigilante Man' eu enlouqueci, pois vi que era muito parecido com meu pai."

Assim, Nora abriu um tesouro para Billy: as mais de 2500 músicas incompletas que Woody havia deixado antes de morrer.

Billy teria que escolher algumas, completá-las e lançar um disco. Ao lado do Wilco, saiu não apenas esse clássico, mas também Mermaid Avenue Volume II.

Mas Billy não parava e entre os dois discos com o Wilco caiu na estrada em 1999 com o grupo Billy Bragg and The Blokes.

Os Blokes reuniam luminares como o tecladista Ian McLagan (ex-Small Faces), Lu Edmonds (guitarra e voz), Ben Mandelson (guitarra), Martyn Barker (bateria); and Simon Edwards (baixo).

capa do disco England, Half EnglishCom os Blokes lançou o excelente England, Half English (disco que me enviou de presente junto com Billy Bragg Live Solo Bootleg - Going To A Party Way Down South). Um disco político, com letras cortantes, mas sem guitarras elétricas.

Ele foi lançado em 4 de março de 2002, curiosamente exatos 20 anos depois da estréia solo de Billy em palcos londrinos no Sociology Disco na North London Polytechnic, em 1982.

capa da coletânea Must I Paint You A Picture?No ano seguinte saiu a coletânea dupla Must I Paint You A Picture?, em outubro, com 40 músicas. As primeiras edições traziam um terceiro CD de brinde, com raridades.

Desde então, Billy permanece afastado dos estúdios, mas não da política ou dos palcos. Em 2002 é lançado a curiosa coletânea do grupo Riff Raff, Riff Raff The Singles 1977-1980, contendo 13 canções.

Em 2006 é a vez da caixa de sete cds e dois DVDs Billy Bragg Volume 1 e em 2007 sai o Volume 2 com 4 cds e 1 DVD.

Deixo vocês com uma foto e a discografia. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Discos

Life's A Riot With Spy Vs Spy (1983)
Brewing Up With Billy Bragg (1984)
Talking With The Taxman About Poetry (1986)
Back To Basics (1987)
The Peel Sessions (1987)
Workers Playtime (1988)
The Internationale (1990)
The Peel Sessions Album (1991)
Don't Try This At Home (1991)
Back To Basics (1993)
Victim Of Geography (1993)
Billy Bragg and The Red Stars: No Pop, No Style, Strictly Roots (1995)
Life's A Riot Between The Wars (1996)
William Bloke (1996)
Bloke On Bloke (1997)
Reaching To The Converted (1999)
Billy Bragg Live Solo Bootleg - Going To A Party Way Down South (2002)
Must I Paint You A Picture? The Essential Billy Bragg (2003)

com Wilco

Mermaid Avenue (1997)
Mermaid Avenue Volume II (2000)

como Billy Bragg and The Blokes

Mermaid Avenue Tour (1999)
England, Half English (2002)

 

 

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