Cincos anos atrás, tentei
uma entrevista por e-mail com Billy Bragg. O que parecia simples
virou uma novela. O cantor, através de sua assessoria,
havia concordado com a proposta e preparei um questionário
com algumas perguntas políticas, bem ao gosto do cantor.
Mas Billy começou a refugar e a assessoria reclamou que
as questões eram muitas, complexas demais e que ele não
tinha tanto tempo disponível. Disse que poderia responder
as que desejasse. A troca de e-mail continuou por meses até
que, irritado, dispensei a mesma. Uma pena. O cantor britânico,
famoso por abordar temas políticos e sociais em suas letras,
me causou enorme decepção. Porém, ao ouvir
os discos que ele me mandou autografado na mesma época,
aplaquei a frustração e decidi falar sobre ele.
Afinal, não é todo dia que Maiakóvski aparece
na música pop.
Cidadão
fiscal de rendas!
Desculpe a liberdade.
Obrigado...
Não se incomode...
Estou à vontade.
A matéria
que me traz
é algo extraordinária:
o lugar do
poeta
na sociedade proletária.
Ao lado
dos donos
de terras e vendas
estou também
citado
por débitos fiscais.
Você me exige
500 rublos
por 6 meses e mais
25 por falta
de declaração de rendas.
O meu trabalho
a todo
outro trabalho
é igual.
....
Esse é o início
do poema "Conversa Sobre Poesia Com O Fiscal de Rendas",
do russo Vladímir Maiakóvski (1893-1930).
Mas
que diabos faz o maior poeta russo no mundo pop? O culpado disso
é um outro "camarada"; o britânico Billy
Bragg.
Billy tem uma história,
no mínimo curiosa, e que merece ser contada.
Nascido em Essex, em 20
de dezembro de 1957, Billy logo caiu de amores pelo movimento
punk e aos 17 anos formou um pequeno grupo, o Riff Raff. O grupo
nunca fez muito sucesso e teve como maior sucesso a canção
"I Wanna Be a Cosmonaut". Desiludido com a vida dura
de um punk, Billy radicalizou e entrou para o Exército,
especificamente no regimento de tanques. Logo viu que havia feito
uma burrice maior ainda e se livrou disso tudo pagando £175
- o melhor investimento de sua vida, segundo ele.
Mas
a música o chamava. Billy nutria uma paixão pelo
blues e folk e saiu cantando com uma guitarra e um amplifcador
em qualquer biboca de Londres. Para sobreviver, Billy trabalhava
como balconista em uma loja de discos.
Com uma fita demo nas mãos,
ele começou a correr a cidade toda atrás de alguém.
Sem sucesso, armou um curioso truque: dizendo-se técnico
em aparelhos de televisão, Billy entrou no escritório
do chefe da Charisma Records, Peter Jenner e mostrou a fita. A
ousadia deu certo, pois Jenner gostou do que ouviu.
Porém,
a Charisma estava quase falida e não havia meios de contratá-lo.
Billy não se fez de rogado e conseguiu gravar mais demos
por uma editora. Essas demos acabaram virando o primeiro disco
de Billy, Life's A Riot With Spy Vs Spy, que
Jenner lançou pelo novo selo, Utility.
Quando a Virgin comprou
a Charisma, Jenner ficou sem emprego e acabou virando empresário
de Billy. Peter fez contato com Andy MacDonald, da Stiff Records,
que estava começando um novo, a Go! Discs. Andy gostou
do disco e conseguiu comprar os direitos junto à Virgin,
relançando o disco em novembro de 1983. A resposta foi
excelente e ele ficou entre os 30 mais vendidos do Reino Unido.
Com
um contrato, Bragg logo lançou um novo disco, Brewing
Up With Billy Bragg. Nele, Bragg começa moldar
seu estilo de misturar política com temas confessionais,
cheio de emoção. Não é à toa
que era chamado de "one man Clash". O álbum chegou
ao Top 20 e ele se tornou quase um herói nacional quando
apoiou a greve dos mineiros em protesto contra o governo.
Bragg odiava os conservadores,
especialmente a Primeira-Ministra Margaret Thatcher e participava
de todos os concertos contra o governo. Em 1986 convence os Smiths
a participarem do Red Wedge Tour. Morrissey jura que
não ficou tão contente assim em estar em uma causa
política, embora odiasse abertamente a "Dama de Ferro"
do Governo Britânico. Ainda assim, os Smiths são
uma das atrações e ali nasce uma amizade entre Johnny
Marr e Billy.
A Red Wedge Tour
tinha como mote a conscientização política
dos jovens e pedi para que votassem no Partido dos Trabalhadores,
nas eleições gerais de 1987. Além dos Smiths,
participaram da turnê, The Style Council, Madness e The
Communards. Billy também viu seu prestígio aumentar
quando a música "A New England" chegou ao Top
10 na voz de Kirsty MacColl.
A
amizade entre Marr e Bragg permanece sólida e no mesmo
ano, Billy lança seu terceiro disco-solo, que leva o título
do poema de Maiakóvski que inicia esse texto: Talking
With The Taxman About Poetry. E acredite, esse disco
saiu aqui em vinil.
O grande sucesso do disco
é "Greetings to the New Brunette", que tinha
como subtítulo "Shirley". Johnny tocou guitarra
exatamente nessa faixa e também em "The Passion"
e o disco ficou entre os 10 mais.
O prestígio andava
alto e em um disco homenageando os Beatles, para um projeto de
caridade, em 1988, Billy gravou um compacto que tinha um lado
A duplo com sua versão para "She’s Leaving Home",
com Cara Tivey ao piano.
A
outra música era "With a Little Help From My Friends",
gravado pelo Wet Wet Wet e o compacto ficou em primeiro lugar.
No mesmo ano, lança
um novo disco, Workers Playtime, de cunho mais
pessoal. O disco alcançou o Top 20 e sedimentou ainda mais
a fama de Bragg.
A fama e o ativismo político
o manteve extremamente ocupado e ele chegou viajar até
Moscou, para encontrar Mikhail Gorbachev, que promovia a abertura
lenta e gradual da União Soviética, com a Perestroika
e a Glasnost. A viagem foi acompanhada pela MTV e virou
um documentário chamado Mr. Bragg Goes to Moscow.
Tanto
trabalho o deixou dois anos fora dos estúdios, e em 1990
ele volta com The Internationale. Em 1991 é
a vez do disco Don't Try This At Home, que chegou
ao oitavo lugar, graças ao sucesso de "Sexuality".
E o disco continuava com
convidados mais que ilustres. Em "You Woke Up My Neighbourhood",
tem as participações de Peter Buck e Michael Stipe,
ambos do R.E.M. e Johnny Marr em duas músicas.
Billy daria um tempo na
vida para cuidar de assuntos familiares e voltaria ao batente
apenas cinco anos depois, com William Bloke,
onde faz um balanço de sua vida.
Em
1998, Billy veria um novo momento ocorrer em sua vida qo gravar
o disco Mermaid Avenue com o grupo Wilco. O disco
nasceu de um convite que deixou Bragg mais do que honrado. Nora
Guthrie, filha do lendário cantor e compositor Woody Guthrie
o conhecia desde 1992 quando ficou encantada com um show de Billy
em Nova York, no aniversário de seu pai. "Quando ele
acompanhou o grupo de rap Disposable Heroes of Hiphoprisy em 'Vigilante
Man' eu enlouqueci, pois vi que era muito parecido com meu pai."
Assim, Nora abriu um tesouro
para Billy: as mais de 2500 músicas incompletas que Woody
havia deixado antes de morrer.
Billy
teria que escolher algumas, completá-las e lançar
um disco. Ao lado do Wilco, saiu não apenas esse clássico,
mas também Mermaid Avenue Volume II.
Mas Billy não parava
e entre os dois discos com o Wilco caiu na estrada em 1999 com
o grupo Billy Bragg and The Blokes.
Os Blokes reuniam luminares
como o tecladista Ian McLagan (ex-Small Faces), Lu Edmonds (guitarra
e voz), Ben Mandelson (guitarra), Martyn Barker (bateria); and
Simon Edwards (baixo).
Com
os Blokes lançou o excelente England, Half English
(disco que me enviou de presente junto com Billy Bragg
Live Solo Bootleg - Going To A Party Way Down South).
Um disco político, com letras cortantes, mas sem guitarras
elétricas.
Ele foi lançado
em 4 de março de 2002, curiosamente exatos 20 anos depois
da estréia solo de Billy em palcos londrinos no Sociology
Disco na North London Polytechnic, em 1982.
No
ano seguinte saiu a coletânea dupla Must I Paint
You A Picture?, em outubro, com 40 músicas. As
primeiras edições traziam um terceiro CD de brinde,
com raridades.
Desde então, Billy
permanece afastado dos estúdios, mas não da política
ou dos palcos. Em 2002 é lançado a curiosa coletânea
do grupo Riff Raff, Riff Raff The Singles 1977-1980,
contendo 13 canções.
Em 2006 é a vez
da caixa de sete cds e dois DVDs Billy Bragg Volume 1
e em 2007 sai o Volume 2 com 4 cds e 1 DVD.
Deixo
vocês com uma foto e a discografia. Um abraço e até
a próxima coluna.
Discografia
Discos
Life's A Riot With Spy Vs Spy (1983)
Brewing Up With Billy Bragg (1984)
Talking With The Taxman About Poetry (1986)
Back To Basics (1987)
The Peel Sessions (1987)
Workers Playtime (1988)
The Internationale (1990)
The Peel Sessions Album (1991)
Don't Try This At Home (1991)
Back To Basics (1993)
Victim Of Geography (1993)
Billy Bragg and The Red Stars: No Pop, No Style, Strictly Roots
(1995)
Life's A Riot Between The Wars (1996)
William Bloke (1996)
Bloke On Bloke (1997)
Reaching To The Converted (1999)
Billy Bragg Live Solo Bootleg - Going To A Party Way Down South
(2002)
Must I Paint You A Picture? The Essential Billy Bragg (2003)
com Wilco
Mermaid Avenue (1997)
Mermaid Avenue Volume II (2000)
como Billy Bragg and The Blokes
Mermaid Avenue Tour (1999)
England, Half English (2002)
|