Luiz Carlos Calanca
é uma lenda no meio roqueiro paulistano. Afinal, ele é
dono da Baratos Afins, a loja mais famosa de São Paulo,
que nasceu porque ele precisava comprar fraldas e enxoval de bebê
para sua filha recém-nascida. Anos depois, ele viraria
referência nacional, especialmente quando lançou
o selo de mesmo nome e colocou no mercado discos do Ratos de Porão,
Fellini, Smack, a coletânea Não São Paulo,
Arnaldo Baptista e até os Mutantes, então fora de
catálogo. Crítico contumaz da tecnologia desenfreada,
Luiz odeia CDs e adora falar e contar histórias divertidíssimas.
Conheça um pouco mais dessa figura ímpar e que está
na ativa ainda hoje.
Pergunta:
- A Baratos Afins já existe há quase 30 anos. Conte
um pouco da fundação da loja e como surgiu o selo...
Luiz Carlos Calanca: - A loja surgiu quando minha filha
nasceu. Eu era farmacêutico e tive que comprar o enxoval
do bebê e não tinha nenhum dinheiro, apenas um sapato
furado duas calcas Lee desbotadas e algumas camisas brancas quase
rasgando. Não tinha saída e tive que sacrificar
os meus discos e, assim, a loja nasceu.
Pergunta: - Você
é antes de tudo um colecionador. Quais são suas
preferências musicais?
Luiz Carlos Calanca: - Meu gosto musical é bem
eclético mas gosto muito de jazz tradicional e musica pop
principalmente a Psicodelia e Acid Rock, alem dos clássicos
da MPB.
Pergunta: -
O seu selo é um dos mais importantes entre os independentes
e um dos pioneiros. Como está hoje a situação
dele? Continua lançando ou anda meio deavagar?
Luiz Carlos Calanca: - Não lançamos
mais com a mesma intensidade de antes. Também existe uma
infinidade de outros selos e muita música ruim. Mas sempre
que uma nova banda faz a cabeça e não tem um selo,
a gente se apresenta.
Pergunta:
- Eu me lembro de você ter me dito que no primeiro dia de
lançamento o Descanse em Paz vendeu 1500 cópias.
Existe um grande interesse nos seus artistas - Mercenárias,
Smack, Fellini, Golpe de Estado, etc... Como foram as vendagens
desses artistas perto do disco do Ratos? Aliás, quantas
cópias, afinal, os Ratos venderam?
Luiz Carlos Calanca: - Não foi no primeiro dia
e sim no primeiro mês, mas o Ratos e o SP Metal
foram os best sellers, no geral nossos discos nunca foram
de vender muito, o que existe mesmo é o culto ao trash:
quanto mais lixo, mais se vende.
Pergunta: - Você
reclamou uma vez que o mercado sacaneava geral com os independentes
- prensagem, distribuição, divulgação,
shows, etc. Mas hoje o mercado não está pior do
que há 20 anos atrás? Eu sinto que o mercado para
rock, principalmente o alternativo, está na UTI...
Luiz Carlos Calanca: - O mercado não está
na UTI. Existe ainda muita coisa boa por aí; a verdade
é que as pessoas que se envolvem com produção
querem dinheiro e só investem no que têm retorno
garantido e imediato.
Pergunta: - Falando
em independentes, para você a internet ajudou, piorou, ou
nem uma coisa ou outra?
Luiz Carlos Calanca: - A Internet poderia ser uma coisa
bacana, mas ela é nociva, especialmente na área
de entretenimento. Internautas têm sede de downloads
durante a noite e necessidade de deletar tudo ou quase tudo que
baixou no outro dia. Dentro da poeira cósmica da web tem
de tudo, mas o filtro, infelizmente, é pelo menos uma ingestão
goela abaixo. Têm também coisas boas disponíveis,
mas encontrá-las é realmente um saco. Eu estou vacinado
de Internet, pois em 1996 nos tempos do Mandic (nem tinha ainda
UOL, AOL, UAI etc) eu até fui sócio de uma empresa
que fazia sites para terceiros. Nosso provedor era a Telemática
e nós fomos gentilmente convidados a cair fora porque era
um provedor de sites eróticos e nós não dávamos
lucro a eles. Eu tinha muitas esperanças de expansão
e acreditava na modernização do século novo
que se iniciava, mas o esperado bug do milênio
não veio e não acessei mais desde o ano 2000. E
estou curado.
Pergunta: - Em
entrevista à BIZZ você se disse cheio de tecnologia
e de que o mundo anda sem alma. Essa situação não
é irreversível? O pirateiro continua te enchendo?
Luiz Carlos Calanca: - Há muito que o pirateiro
tirou nosso espaço. Sempre trabalhamos com produtos diferenciados,
mas tudo que é sucesso e campeões de venda não
podemos mais para competir com a pirataria. Para você ter
uma idéia, quando era lançado um novo álbum
do Iron Maiden eu comprava 500 cópias; hoje se eu comprar
10 posso encalhar com alguns.
Pergunta: - Como
trabalha o Calanca produtor? Você é democrático
em estúdio ou um ditador?
Luiz Carlos Calanca: - Procuro sempre auxiliar as bandas
com um estúdio e equipamentos de qualidade e dou meus palpites
e opiniões. Se eu tiver que ser ditador prefiro nem produzir
e normalmente as coisas correm na maior harmonia, caso contrário,
acredito que irá interferir no som.
Pergunta:
- Você tem uma paixão histórica por vinil
e olha feio para CDs, DVDs, mp3. você considera isso um
saudosismo ou existem razões técnicas, além
da arte gráfica?
Luiz Carlos Calanca: - Odeio CD e estou pulando o estágio
mp3 e também pretendo pular o mp4. Sabe-se que tantos outros
formatos estão na prancheta, mas eu não dou conta
de ouvir meus discos de vinil. Sabemos também que o CD
está agonizando na UTI. A indústria não vai
parar de oferecer novas tecnologias; agora eles estão vendendo
o Ipod mas logo alguém vai criar o "Inãopod"
e nada mais será de graça. Na rede só o lixo
será grátis, claro.
Pergunta: -
Olhando para trás e projetando para o futuro, qual
é o futuro do rock?
Luiz Carlos Calanca: - O Rock nunca morreu
e enquanto existir energia elétrica sempre existirá
rock. Ele tem a auto-capacidade de se reciclar. O rock começou
no Rhythm and Blues passou pelo Blues, Rockabilly, Rock'n' Roll,
Hard Rock, Heavy Metal, Hard Core, Emo Core e está cada
vez mais rápido e atendendo os anseios das novas gerações.
Pergunta: - Quando
nos encontramos durante um show do Fellini em 98 ou 99 você
disse que diferença do público daquele dia para
o de 15 anos atrás, é que as pessoas estavam mais
velhas, gordas e carecas. É difícil a reciclagem
dessa audiência? Estarão a maioria dessas bandas
fadadas a verem os mesmos gatos pingados de anos atrás
na platéia?
Luiz Carlos Calanca: - Claro, e porque não? Pode
até ser que você veja algum jovem no show do Tom
Jones, mas isso é uma possibilidade a cada dez mil, ou
uma forçada de barra do pai. Acho que as coisas são
assim mesmo o "Forever Young" (nome de uma canção
de Bob Dylan) é só para quem morre, assim como Jimi
Hendrix, Jim Morrisson, James Dean, Janis Joplin, que morreram
com 27 e ficaram eternamente jovens, só para falar da letra
"J". Agora entramos no K, Kurt Cobain, Kurto Tubaina,
etc. etc etc...
Pergunta: -
Por que os espaços para bandas de rock tocarem
diminuíram tanto? Buddy Guy disse que o blues morreu e
voltou aos guetos, de onde saíram. Você acha que
o verdadeiro rock também está morrendo e voltando
às garagens?
Luiz Carlos Calanca: - Na minha opinião
nunca tivemos mesmo espaço, tínhamos a ilusão
de que tínhamos espaço, assim como tínhamos
a ilusão de que tínhamos dinheiro (cruzado) época
em que teve a proliferação das danceterias e era
uma época em que o Rock foi ficando leve, bem leve e até
a Blitz tomou a mídia de assalto e parecia que tudo ia
decolar. Todos estavam felizes e não existia tanta violência
e o povo curtia mesmo a noite. Outro ponto importante é
que a noite começava as 6:30 horas e ia até pouco
depois da meia-noite. Agora as bandas tocam para guardas noturnos.
Há,há,há,ha...
Pergunta:
- O que acha dessa volta dos Mutantes? Arnaldo parou de te vender
camisas pornográficas? Vai ser bom ele levantar uma grana,
afinal...
Luiz Carlos Calanca: - Com o surgimento do CD muitas
bandas tiveram sua obra revisitada e uma sensação
de que o sucesso poderia acontecer ai, ou se repetir para as bandas
que fizeram sucesso em sua época. Acho que os Mutantes
também tem esse direito de descolar uma grana, mas na minha
opinião uma volta com a formação modificada
significa também matar o mito. E o risco disso tudo é
por conta e uma decisão deles.
Pergunta: - Se
alguém quiser montar um selo como o seu hoje, que conselho
daria?
Luiz Carlos Calanca: - Que não monte um selo como
o meu.
Pergunta:
- Quais os discos que você mais sentiu de lançar,
incluindo Mutantes na época?
Luiz Carlos Calanca: - Acho que foi o do Lanny aquele
primeiro feito em minha casa também gostei muito dos dois
do Kafka e do Vultos, Filme da Alma.
Pergunta: - Com
tanta coisa contra e tantos problemas, já pensou alguma
vez em chutar tudo para cima e fechar a loja, ou a música
supera tudo?
Luiz Carlos Calanca: - Todo dia penso em chutar tudo
para cima, mas o que vou fazer? Vender orquídeas? Voltar
a ser farmacêutico? Isso também não tem mais
graça. O Zé Serra acabou com a farmácia criando
a pirataria dos remédios que eles chamam de “genéricos”.
Não concordo que um químico possa desenvolver a
cura para determinada doença e o governo não aprovar
o produto sem os testes de efeitos colaterais, que acabam levando
anos de pesquisas. Aí, depois de tudo aprovado, chega o
cara e quebra a patente e copia a fórmula. Isso é
o mesmo que os três patetas fazendo bolo (que ninguém
come). Sempre vai acabar na cara de alguém. Como nos filmes
pastelão, vender remédio hoje é como vender
CDs e DVDs piratas. Só não chuto tudo para cima,
porque ainda tenho muitos discos e dou ainda emprego a oito pessoas
bacanas que precisam trabalhar.
Pergunta:
- Eu sinto, quando converso com leitores, que apesar de terem
tanta informação disponível, muito mais do
que tive, eles são muito mais ignorantes do que eu era
na idade deles sobre música. Ao que se deve esse paradoxo,
em sua opinião, com acesso às revistas, internet,
TV a cabo, etc...
Luiz Carlos Calanca: - A Internet aceita tudo, todos
são músicos, produtores e críticos, eles
falam cada coisa da gente... Na minha opinião tem muita
informação furada. Você procurar saber dos
Beatles, por exemplo, na web, é desaprender o que sabe.
O excesso de informação às vezes desinforma,
pois ela é superficial. O mundo está globalizado,
mas o indivíduo está cada vez mais burro. Se o dia
tivesse 48 horas seria pouco para absorver tantos terabytes
ou mais alguns petabytes de informações
da rede. Obviamente, se você quiser se informar de tudo,
você vai poluir sua cultura e não existe ainda uma
ferramenta para fazer o esvaziamento de lixeira na mente humana.
Pergunta: - Valeu
Luiz, deixe uma mensagem final aos leitores.
Luiz Carlos Calanca: - Não usem foninho atolado
no ouvido, é anti- higiênico.
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