Eles
formavam com a Plebe Rude e a Legião Urbana a trinca das
bandas de Brasília, não só por tocarem no
mesmo período, mas por possuírem a mesma ideologia.
O vocalista Dinho foi quase transformado em sex-symbol do rock
tupiniquim, mas o cetro acabou mesmo na mão de Paulo Ricardo,
do RPM. O primeiro álbum da banda é um clássico
do rock brasileiro e continha um selo de venda proibida para menores
de 18 anos por causa da música "Veraneio Vascaína",
letra que atacou a Polícia Militar do país. A banda
depois teve baixas, vendeu pouco, sumiu e ressurgiu com um acústico
da MTV. Conheça um pouco mais da banda.
Eu
me lembro de uma crítica em uma revista falando de dois
lançamentos simultâneos do rock brasileiro, em 1986:
o Dois da Legião Urbana e o primeiro do Capital
Inicial. Assim que encontrei na loja, comprei os dois de uma vez
só. Eu já era fã de Legião, mas mesmo
assim, o que mais queria ouvir era o do Capital.
Era uma época em que
a Bizz prestava, você lia e relia algumas vezes, batia com
o que se queria ler. Flávio Lemos fora parceiro de Renato
Russo de poucas e boas canções. Em uma viagem para
assistir o programa Perdidos da Noite, quando Fausto Silva era
realmente divertido, ele perguntou para a banda se era verdade
que tinham uma música censurada. O pessoal todo de Ribeirão,
da qual eu fazia parte, berrou "Veraneio Vascaína".
Eles tocaram e o teatro vibrou. Isso me faz lembrar de um dos
primeiros programas do Perdidos, que me marcou. Antes de fazer
o primeiro disco, o Ultraje a Rigor era a atração.
Faustão perguntou para Roger se a banda era boa. Na lata
Roger retrucou: ''não deve ser não, caso contrário,
não teríamos vindo para cá.'' O Faustão
ficou com cara de bobo e sem resposta.
Mas
não vamos falar de Fausto Silva e sim do grupo. O disco
começa com uma parceira dos irmãos Fê e Flávio
Lemos, respectivamente baixista e baterista da banda, além
de Renato Russo e André Pretorius. Era uma música
agitada, com naipes de metais, bem produzida ("Música
Urbana"). E havia a "Música Urbana 2" no
disco Dois, do Legião.
''O Capital sempre foi mais
eclético do que a Plebe e a Legião. Parece que nós
somos menos intensos, mas isso é falso. Nossos shows são
tão energéticos como os outros de Brasília",
dizia Dinho, na época.
Na verdade a banda gostava
de fazer shows com uma equipe de metais e teclados ao vivo. Foi
aí que entrou Bozo Barretti, um dos produtores do primeiro
disco. Ele acabou entrando no grupo no segundo LP, como integrante.
Como todo garoto do interior
onde a música sertaneja predominava, encontrar uma loja
de discos que fazia sua cabeça era difícil. Eu ouvia
o disco sem parar, e todo mundo queria montar uma banda para acompanhar
a febre do rock Brasil. Afinal, era a época do Plano Cruzado
e as gravadoras estavam pegando qualquer grupo para produzir e
vender. Eu não estou certo nos números, mas acho
que o primeiro Capital foi disco de platina, por superar as 250
mil cópias.
Letras como a de "Psicopata",
que dizia "Essa vida me maltrata, estou virando um psicopata",
faziam muito sentido. "Veraneio Vascaína", a
música mais punk do disco, causava furor entre a molecada.
"Leve Desespero" era outra que todo mundo curtia, porque
era a fase de vestibular, aquela hora em que você precisa
escolher uma carreira e ficava agoniado, com medo do vestibular,
de fracassar, aquela fase da adolescência em que se acha
que sabe tudo, mas na verdade não conhece porra nenhuma.
Eu pensava: "quero ser roqueiro, não quero medicina,
engenharia ou direito. Quero me divertir, sair por aí,
tocando." A fase ajudava, pois as bandas contavam o começo
de suas carreiras e eu pensava ''ué, posso fazer isso também".
Mas minha única tentativa foi uma inútil banda em
88, quando estourei duas peles de uma bateria de um colega. Eu
não sabia e não sei cantar, não toco instrumento
nenhum, então me contentava em ser DJ em algumas festinhas
quando me mudei para São Paulo.
Eu tinha alguns colegas de
sala de aula que montaram suas bandas, inspiradas em Echo and
The Bunnymen, U2, Smiths e sei lá mais o quê. Era
divertido você ir a uma festa, tocar os discos que gostava,
tocar violão nos finais de festa, quando todo mundo sentava
e acendia uma fogueira e ficávamos lá de bobeira.
Era uma fase dourada de nossas vidas.
Afinal, como dizia o Capital,
''você acha que tem tudo sob controle". Eu me lembro
de uma noite onde ficamos em um bar em Ribeirão, bêbados.
Já era mais de cinco horas da manhã e pedimos uma
porção de macarrão. Os punks nos rodearam
por causa da comida e eu pensei que ia levar uns cascudos. Mas
foi só pegar uma fita do Capital no carro, colocar "Veraneio
Vascaína" para que o povo saísse de cima da
gente e começavam a fazer mosh no chão. Foi divertido.
No final, como o macarrão era de doer, demos pros punks
e fomos embora.
Nós não tínhamos
uma gangue como era comum em Brasília, São Paulo,
no ABC, ou qualquer outro lugar, porque não havia muitos
garotos que ligavam para isso. O negócio era encher a cara,
sair para dançar e acabar o final de semana em um churrasco
qualquer.
Olhando hoje, depois de 15
anos, sinto mais conectado às letras do que na época.
Leve Desespero, por exemplo:
Não consigo mais
me concentrar
Vou tentar alguma coisa para melhorar
É importante, todos me dizem
Mas nada me acontece como eu queria
Estou perdido, sei que estou
Cego para assuntos banais
Problemas do cotidiano
Já não sei como resolver
Sob um leve desespero
Que me leva , que me leva daqui
Então é outra noite num bar
Um copo atrás do outro
Procuro trocados no meu bolso
Dá pra me arrumar um cigarro?
Não consigo mais me concentrar
Vou tentar alguma coisa para melhorar
Já estou vendo TV como companhia
Talvez se você entendesse
O que esta acontecendo
Poderia me explicar
Eu não saio do meu canto
As paredes me impedem
Eu só queria me divertir
As paredes me impedem
Já estou vendo TV como companhia
Nessa época era só
para encher a cara. O período de encher a cara acabou,
talvez por causa do Prozac, ou porque eu enjoei de ressaca. E
hoje eu estou vendo TV como companhia, igual à letra.
A boa notícia é
que a Universal lançou em edição limitada
a caixa com os quatro primeiros LPs da banda. Confesso que depois
do segundo, a banda não me atraía muito mais, talvez
por ter perdido elo com minha adolescência.
Mas
ao ouvir "Fátima", outra letra de Renato Russo
em parceria com Flávio Lemos, até hoje ouço
com o mesmo prazer. Críticos falavam dos vocais excessivos
de Dinho. Bobagem. Aquilo fazia sentido e ainda faz. Se Dinho
exagerava ou não, pouco importava. O que batia na minha
alma aos 17 anos era mais importante.
Acabei falando pouco do disco
e fiz uma confissão que pode encher alguns internautas.
Me desculpem, mas esse disco mexeu comigo e até hoje mexe.
Se encontrarem a caixa comprem. Se acharem uma edição
da Millenium comprem também. Roger Daltrey, do The Who,
cantava que esperava morrer antes de ficar velho. Eu também
preferia. Só que até hoje ele canta e até
hoje, estou vivo também.
Para finalizar, deixo a letra
de "Fátima". Um abraço e me desculpem
se chateei com a coluna.
Fátima
(Flávio Lemos & Renato Russo)
Vocês esperam uma
intervenção divina
Mas não sabem que o tempo agora está contra vocês
Vocês se perdem no meio de tanto medo
De não conseguir dinheiro pra comprar sem se vender
E vocês armam seus esquemas ilusórios
Continuam só fingindo que o mundo ninguém fez
Mas acontece que tudo tem começo
E se começa um dia acaba, eu tenho pena de vocês
E as ameaças de ataque nuclear
Bombas de nêutrons não foi Deus quem fez
Alguém,alguém um dia vai se vingar
Vocês são vermes, pensam que são reis
Não quero ser como vocês
Eu não preciso mais
Eu já sei o que eu tenho que saber
E agora tanto faz
Três crianças sem dinheiro e sem moral
Não ouviram a voz suave que era uma lágrima
E se esqueceram de avisar pra todo mundo
Ela talvez tivesse um nome e era Fátima
E de repente o vinho virou água
E a ferida não cicatrizou
E o limpo se sujou
E no terceiro dia ninguém ressuscitou
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