Enquanto tento
fazer meus pés pararem embaixo da mesa do micro, um pensamento
martela minha mente: o que teria acontecido se Jimi Hendrix tivesse
conhecido o Chic e montado com eles uma banda? Antes que alguém
mande pros quintos minha prole que nem nasceu, por pensar em tal
heresia - o maior guitarrista com um grupo da "horrorosa"
disco - peço-lhe que se cale por alguns minutos e
tente me dizer: qual banda teve um baixista tão espetacular
como Bernard Rodgers, um guitarrista-rítmico tão
preciso como Nile Rodgers e um baterista tão versátil
e potente como Tony Thompson? Talvez o Who, talvez o Led. Mas
esses branquelos não conseguiam um swing como os três
mestres da "disco" dos anos 70. Ah, o que mundo perdeu
se Jimi pudesse encontrar esses três! Fico até babando
só de imaginar todos aquele grooves servindo de base para
a guitarra única de Jimi...
Pouca
coisa foi mais "chique" que o Chic, nos anos 70.
Aquele grupo liderado por
três músicos excepcionais e duas cantoras derramando
charme se tornou um dos símbolos máximos da era
disco, junto ao Village People e o Tony Manero, de John Travolta.
E por causa disso nasceu
um preconceito absurdo de que a música da banda é
cafona, datada, boba e descartável.
Bom, gostos são
gostos e o Chic realmente viveu como nunca uma era pontuada pelos
excessos e de gosto duvidoso, em boa parte do tempo. Mas a proposta
da banda era muito mais complexa do que ser um mero grupo "disco".
O Chic fazia música de inegável qualidade.
O líder por trás
de tudo isso era o guitarrista Nile Rodgers. Nascido no dia 19
e setembro de 1952, em Nova York, era um guitarrista de enorme
talento e rigorosa educação jazzistica, na Manhattan
School of Music.
Rodgers passou boa parte
do final dos anos 60 e primeira metade dos anos 70 tocando em
várias bandas e clubes da cidade, entre eles o New World
Rising e até sendo um dos membros fixos da banda do lendário
Teatro Apollo.
Em 1970, Rodgers acabou
conhecendo o baixista Bernard Edwards (nascido em 31 de outubro
de 1952, em Greenville, Carolina do Norte), na cidade. Edwards
havia trocado o saxofone pelo baixo. Juntos, começaram
a pensar em uma banda e saíram procurando um baterista.
Acabaram encontrando (15 de novembro de 1954, em Nova York) e
montaram o combo Big Apple Band, especializado em r&b.
Apesar da habilidade técnica,
não encontravam quem quisesse gravá-los e acabaram
mudando de nome quando outra Big Apple Band fez um tremendo sucesso
com o hit "A Fifth of Beethoven". O grupo acabou sendo
rebatizado como Orange Julius e depois, Allah and the Knife-Wielding
Pubks, nome ofensivo para alguns amigos muçulmanos dos
três.
A vida seguia dura e sem
perspectiva até começarem a reparar na nova cena
disco. "Gostávamos mais de standards, coisas do tipo
'Porgy and Bess', coisas sofisticadas, mas percebemos que podíamos
ser igualmente sofisticados e atingir um público maior,
falando numa linguagem bem mais acessível", explica
Nile.
Além disso, percebiam
que não precisariam abrir mão de toda a bagagem
musical que queriam, desde que a adaptassem com um swing maior
e com vocais femininos.
O trio começou a
ensaiar incessantemente, desenvolvendo arranjos, mas sem se preocuparem
ainda com as letras. Primeiro, a banda queria desenvolver melodias
grudentas e, se possível, com arranjos de cordas, tendo
o baladeiro Barry White como exemplo.
E aí nasceu boa
parte do som "Chic". Utilizando ensinamentos de James
Brown e de alguns artistas da Motown, perceberam que o som precisaria
passar essencialmente pelo baixo. Assim, Bernard Edwards desenvolvia
linhas de baixo absolutamente complexas e matadoras, que conduziriam
toda a canção.
O baixo teria o complemento
da guitarra absolutamente precisa e rítmica de Nile e seria
complementado pelo excepcional baterista Tony Thompson, que chegou
a tocar com o Led Zeppelin, durante o Live Aid, em 1985 e que
dizia ter em John Bonham seu maior modelo.
Com a base musical armada,
faltava o visual. E nada melhor do que duas cantoras sexys, sofisticadas
e com ótima voz para impulsionar. As escolhidas foram Norma
Jean Wright e Alfa Anderson.
A
banda começou a ensaiar e contaram com a ajuda do engenheiro
de som e produtor, o jovem Bob Clearmountain para montarem uma
demo.
Com as canções
"Dance, Dance, Dance (Yowsah, Yowsah, Yowsah)" and "Everybody
Dance," e um nome novo (Chic), a fita caiu nas mãos
do presidente da Atlantic Records, Jerry Greenberg, que ofereceu
um contrato ao novo grupo.
Em 1977 é lançado
o álbum de estréia, Chic. A produção
é assinada por Rogers e Edwards, deixando Bob Clearmountain
como o engenheiro de som responsável. Com os sucessos "Dance,
Dance, Dance (Yowsah, Yowsah, Yowsah)" e "Everybody
Dance"
Com uma produção
requintada, o Chic consumiu US$ 35 mil nas três semanas
de gravação, utilizando vários músicos.
As gravações aconteceram no Electric Lady Studios
e a mixagem no Power Station, ambos em Nova York.
O disco teve boa repercussão,
ficando na 27ª colocação da parada Billboard
e em 12ª na parada de r&b.
Curiosamente, o LP trazia
uma faixa de nome "São Paulo", instrumental,
com um clima brasileiro.
O LP trazia as seguintes
faixas:
Lado
A
1. "Dance, Dance, Dance (Yowsah, Yowsah,
Yowsah)" (Edwards, Lehman, Rodgers) - 8:21
2. "São Paulo" (Edwards, Lehman, Rodgers) - 5:01
3. "You Can Get By" - 5:36
Lado B
1. "Everybody Dance" - 6:41
2. "Est-Ce Que C'est Chic?" - 3:53
3. "Falling in Love with You" - 4:29
4. "Strike Up the Band" (Edwards, Lehman, Rodgers) -
4:32
O
Chic tinha nas casas noturnas seu habitat natural e o estouro
veio em 1978, com o álbum C'est Chic.
Um disco muito mais requintado,
trazia a demolidora "Le Freak", e chegou ao quarto posto
da parada nacional e primeiro na de r&b, vendendo seis milhões
de cópias apenas no EUA e consolidando o "som Chic".
"Le Freak" chegou
ao topo da parada de compactos, enquanto "I Want Your Love",
ficou em sétimo. Novamente produzido pela dupla Rodgers
e Edward, o álbum trazia as seguintes faixas:
Lado A
1. "Chic Cheer" - 4:42
2. "Le Freak" - 5:23
3. "Savoir Faire" - 5:01
4. "Happy Man" - 4:17
Lado B
1. "I Want Your Love"
- 6:45
2. "At Last I Am Free" - 7:08
3. "Sometimes You Win" - 4:26
4. "(Funny) Bone" - 3:41
Nile
Rodgers e Bernard Edwards aproveitaram o sucesso para começarem
uma bem sucedida carreira de produtores, assinando "We Are
The Family", da Sister Sledge, top 10 na América.
O ritmo do grupo era acelerado,
igual ao ritmo de suas músicas. Em 1979, a banda ainda
mostrava grande fôlego e voltam a ter outro enorme sucesso,
"Good Times", novo primeiro lugar nas paradas norte-americanas.
A faixa estava no novo
disco, Risqué, quinto lugar na parada
norte-americana.
Risquè
trazia nova gama de hits. Além da citada "Good Times",
"My Forbidden Lover" e "My Feet Keep Dancing",
e uma pequena mudança: a cantora Luci Martin consolida-se
como a segunda vocalista, em lugar de Norman Jean, que começara
uma carreira-solo paralela ao Chic e que fora obrigada a deixar
o grupo por razões contratuais.
"Good Times"
foi atacada pelos críticos por ser alienada, já
que como poderia se cantar algo como "bons tempos" enquanto
os EUA atravessavam uma terrível recessão econômica.
Nile Rodgers retrucou dizendo que durante a Grande Depressão
na década de 30 surgiram grandes músicas e que é
preciso combater a tristeza e tentar ser feliz.
O disco trazia as seguintes
faixas:
Lado A
1. "Good Times" – 8:08
2. "A Warm Summer Night" – 6:10
3. "My Feet Keep Dancing" – 6:38
Lado B
1. "My Forbidden Lover" –
4:39
2. "Can't Stand to Love You" – 2:56
3. "Will You Cry (When You Hear This Song)" –
4:06
4. "What About Me" – 4:09
O sucesso inspirou uma coletânea
óbvia: Les Plus Grands Succès De Chic: Chic's
Greatest Hits. E também o fim de uma era. Em 1980,
o grupo lança novo LP, Real People, com
pouca inspiração e baixas vendagens. A era disco
encontrava seu final.
Segue-se mais três discos - Take
It Off, Tongue in Chic e Believer
- antes do final.
Além dos discos, o grupo se meteu
numa barca furada, o filme Soup For One, que
nada tinha a ver com o Chic.
Com o final do grupo, Nile
se tornou um requisitado produtor e foi o responsável por
dar nova vida à carreira de David Bowie, assinando a produção
de Let's Dance. "Eu dei essa cançãozinha
a Nile e pedi para fazer algo. Dias depois ele me liga e mostra
o que havia feito: um monstro! Fiquei tremendamente surpreso."
Outro álbum de enorme sucesso que produziu foi Like
A Virgin, de Madonna.
Em 1992, a banda é
reformada e lançam o álbum Chic-ism,
que fracassa nas paradas, apesar de lotarem shows. E duas tragédias
dizimam qualquer chance futura: em 1996, enquanto excursionava
com o grupo Power Station, no Japão, morre de pneumonia.
Nile
ainda tenta reativar a banda em 2000, mas em 2003 é a vez
de Tony Thompson devido a um câncer renal.
Não importa: ficará
para a história a fórmula mágica de um grupo
que soube fazer música de primeira e embalar a vida de
muita gente.
E para quem acha que a
fórmula Chic é simples, Bernard Edwards se divirtia
ao dizer: "vi muito baixista famoso e de ótima técnica
suarem para tirarem o meu som ou me perguntar como, diabos, eu
fazia aquilo."
Isso porque a disco era
música boba e simples...
Um abraço e até
a próxima coluna.
Discografia
Singles
"Dance, Dance, Dance (Yowsah, Yowsah,
Yowsah)" (1977)
"Everybody Dance" (1977)
"Le Freak" (1978)
"I Want Your Love" (1978)
"Good Times" (1979)
"My Forbidden Lover" (1979)
"My Feet Keep Dancing" (1979)
"Rebels Are We" (1980)
"Real People" / "Chip Off The Old Block" (1980)
"Stage Fright" (1981)
"Soup For One" (1982)
"Hangin'" (1982)
"Give Me The Lovin'" (1983)
"Chic Cheer" (1984)
"Jack Le Freak" (1987)
"Chic Mystique" (1992)
"Your Love" (1992)
Discos
Chic (1977)
C'est Chic (1978)
Risqué (1979)
Real People (1980)
Take It Off (1981)
Tongue in Chic (1982)
Believer (1983)
Chic-Ism (1992)
Coletâneas
Les Plus Grands Succès De Chic:
Chic's Greatest Hits (1979)
Freak Out: The Greatest Hits of Chic and Sister Sledge (1988)
Megachic: Best of Chic (1990)
Dance, Dance, Dance: The Best of Chic (1991)
The Best of Chic, Volume 2 (1992)
Everybody Dance (1995)
Chic Freak and More Treats (1996)
Dance, Dance, Dance & Other Hits (1997)
Live at the Budokan (1999)
The Very Best of Chic & Sister Sledge (1999)
The Very Best of Chic (2000)
Good Times: The Very Best of the Hits & the Remixes (Chic
& Sister Sledge) (2005)
The Definitive Groove Collection (2006)
A Night in Amsterdam (2006)
|