36 - Clemente (Inocentes) - entrevista

Com mais de 30 anos de história, Clemente poderia pedir o posto de vovô do punk, coisa que, absolutamente, não faz questão. Ao invés disso, o cantor, guitarrista e líder dos Inocentes, divide o tempo com a Plebe Rude, filhos. Mas também é conhecido como Clemente Nascimento, Apresentador e Diretor Artístico do programa Showlivre.com - A Antena da Música. Foi nessa correria que mandei um monte de perguntas e esperei as respostas que vieram em duas etapas. Mas, aleluia!, é a primeira vez que vejo alguém responder usando o já extinto trema. Um punk que usa trema não é algo que se vê por aí todos os dias. E, assim como o punk não morreu, o trema também não - pelo menos, por enquanto. Curta o papo com essa lenda do rock brasileiro, Clemente, o Inocente.


Crédito das fotos: página myspace do próprio Clemente.

Pergunta: - Clemente, fale um pouco da sua história no punk, desde a Condutores de Cadáveres, passando por Inocentes e as dificuldades de ser punk em um país comandado por militares?
Clemente: - Bem... Comecei em 1978 numa banda chamada Restos de Nada, na época nem sabíamos que éramos punks, só queríamos fazer um som como o MC5 e o Stooges. Saí do Restos e fui para o Condutores em 1979. Nessa época toda nem existiam muitos punks para irem aos shows, a ditadura militar dificultava o que podia para restringir cultura e informação. Em 1981, fundamos o Inocentes aonde estou até hoje.

Pergunta: - "Nós estamos aqui para revolucionar a música popular brasileira, pintar de negro a asa branca, atrasar o trem das onze, pisar sobre as flores de Geraldo Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer." refletia bem o espírito da banda quando começou, não?
Clemente: -
Sim, refletia, existia uma cena estabelecida, a maioria MPB, que estava ficando chata e repetitiva e nós chutamos o pau da barraca.

Pergunta: - Os Inocentes surgiram com uma leva que tinha o Cólera, Olho Seco, Ratos de Porão etc. Como era a amizade entre vocês?
Clemente: - Era bacana, todo mundo se conhecia, freqüentávamos os mesmos lugares e sempre reuníamos várias bandas para tocar juntas, pois isso atraia mais público e ficava mais barato para rachar o equipamento.

Pergunta: - Miséria e Fome foi quase todo censurado. Fale um pouco disso, por favor.
Clemente: - Sim, na época todo disco tinha que ter autorização da censura para ser prensado e conosco não foi diferente, tive que mudar algumas letras. Miséria e Fome até mudou de nome, mas acabou dando certo e conseguimos liberar três músicas que foram lançadas em um compacto.

Pergunta: - Mesmo sendo uma banda independente vocês fizeram algumas excursões pela Europa. Como foi a experiência e o intercâmbio com grupos de outros países?
Clemente: - Nós fizemos o intercâmbio, mas nunca excursionamos pela Europa, pois casei cedo, filhos pra cuidar adiaram o sonho de tocar lá, mas parece que esse ano nós vamos mesmo. Mas era uma característica do movimento punk da década de 80 esse intercâmbio mundial. Falávamos com bandas do mundo todo, e isso antes da internet, só via correio.

Pergunta: - Em 1986 vocês assinaram com a WEA quando já eram uma lenda no meio. Muitas bandas se inspiravam no som de vocês, especialmente o Titãs que lançou no mesmo ano o Cabeça Dinossauro. Como foi o relacionamento com uma major e com as outras bandas do selo?
Clemente: - O relacionamento na Warner foi tranqüilo, tinha várias bandas bacanas Camisa de Vênus, Ira, Ultraje, Patife Band... claro que tinham algumas bostas mas não precisávamos ser amigos das bandas. Bem lembrado esse lance do Titãs, pouca gente fala nisso, mas foi o Branco quem produziu nosso primeiro álbum e com certeza a convivência influenciou o som deles.

Pergunta: - Pânico em SP é um dos melhores discos do período, muito forte e consistente. Como foram as gravações?
Clemente: - Foi tranqüilo, gastamos só 70 horas para fazer, esse custo para uma multi é irrissório.

Pergunta: - Adeus Carne e Inocentes são ótimos discos, com boa produção e a banda em ótima forma e mostra os Inocentes abrindo o leque sonoro, um pouco do que o Clash fez em London Calling. Vocês esperavam atingir um público maior e de repente se tornarem "estrelas"?
Clemente: -
A gente esperava sair do gueto punk, que na época estava mais preocupado em se matar em brigas históricas do que fazer sucesso.

Pergunta: - Em certa altura (mais ou menos 1983), você se disse cansado do movimento, das pessoas, da falta de estrutura e de grana e deu um tempo. As condições hoje são melhores ou continuam as mesmas?
Clemente: - O que cansou não era a falta de estrutura e sim a falta de união que resultavam em brigas e mais brigas de gangs.

Pergunta: - Fale um pouco do documentário Garotos do Subúrbio, de Fernando Meirelles.
Clemente: - Foi a primeira vez que fomos entrevistados. Foi divertido, reunimos a turma toda em casa e enchemos a cara

Pergunta: - "Garotos do subúrbio, vocês não podem desistir de viver". Ainda é assim?
Clemente: - Com certeza, os garotos do subúrbio, da periferia, os desprivilegiados de qualquer lugar não podem desistir e seguir o caminho fácil do crime e das drogas.

Pergunta: - Após os anos 80, quase todo o rock brasileiro deu uma sumida na década seguinte. Como foi o período para os Inocentes?
Clemente: - Foi horrível para todos, pois foi a época das bandas covers. Bandas com som próprio eram desprezadas, quase não fazíamos shows estávamos sem gravadora e a tendência é a nova geração desprezar a anterior por isso sofremos um pouco, mas não desistimos, lançamos quatro discos na década de 90:Estilhaços, Subterrâneos, Ruas e Embalado a Vácuo ou seja no lugar de reclamar, produzimos.

Pergunta: - Philippe me contou sobre a sua entrada na Plebe. Agora queria saber sua versão para ver se ele falou a verdade...
Clemente: - Foi exatamente como ele falou hahahahahahahahahahahaha!

Pergunta: - É possível concilar os dois grupos? Fazem shows conjuntos, como rola?
Clemente: - Temos os mesmo empresário o que facilita para não embolar as datas, mas a única que rolaram shows juntos foi na Virada Cultural de 2007, saí exausto do palco hahahahahahahahahaha!

Pergunta: - Eu fui seu vizinho de Bexiga, morava na Caio Prado e te vi várias vezes pegando seus filhos na escola. Continua no mesmo bairro?
Clemente: - Que coincidência, fui morar na Serra da Canteira, Alto da Lapa, Butantã e finalmente voltei para perto. Estou morando na Augusta, mas minha filha mais velha hoje faz faculdade e os mais novos estão morando no litoral norte.

Pergunta: - Com quase 30 anos de punk e rock nas costas o tesão ainda é o mesmo?
Clemente: - Quase não, mais de trinta, comecei a tocar em 1978 com o Restos de Nada, é claro que é diferente hahahahahahahahahahahaha! Hoje é mais legal que antes, apesar de não existir mais a cena que existia.

Pergunta: - Quais são suas músicas favoritas dos Inocentes?
Clemente: - Depende da época, hoje em dia é “Escombros”, não tem regra.

Pergunta: - Valeu pela chance. Deixe uma mensagem aos fãs.
Clemente: - Hummm... Não desistam!