Com mais de
30 anos de história, Clemente poderia pedir o posto de
vovô do punk, coisa que, absolutamente, não faz questão.
Ao invés disso, o cantor, guitarrista e líder dos
Inocentes, divide o tempo com a Plebe Rude, filhos. Mas também
é conhecido como Clemente Nascimento, Apresentador
e Diretor Artístico do programa Showlivre.com - A Antena
da Música. Foi nessa correria que mandei um monte de perguntas
e esperei as respostas que vieram em duas etapas. Mas, aleluia!,
é a primeira vez que vejo alguém responder usando
o já extinto trema. Um punk que usa trema não é
algo que se vê por aí todos os dias. E, assim como
o punk não morreu, o trema também não - pelo
menos, por enquanto. Curta o papo com essa lenda do rock brasileiro,
Clemente, o Inocente.
Crédito das fotos: página
myspace do próprio Clemente.
Pergunta:
- Clemente, fale um pouco da sua história no punk, desde
a Condutores de Cadáveres, passando por Inocentes e as
dificuldades de ser punk em um país comandado por militares?
Clemente: - Bem...
Comecei em 1978 numa banda chamada Restos de Nada, na época
nem sabíamos que éramos punks, só queríamos
fazer um som como o MC5 e o Stooges. Saí
do Restos e fui para o Condutores em 1979. Nessa época
toda nem existiam muitos punks para irem aos shows, a ditadura
militar dificultava o que podia para restringir cultura e informação.
Em 1981, fundamos o Inocentes aonde estou até hoje.
Pergunta: - "Nós
estamos aqui para revolucionar a música popular brasileira,
pintar de negro a asa branca, atrasar o trem das onze, pisar sobre
as flores de Geraldo Vandré e fazer da Amélia uma
mulher qualquer." refletia bem o espírito da
banda quando começou, não?
Clemente: -
Sim, refletia, existia
uma cena estabelecida, a maioria MPB, que estava ficando chata
e repetitiva e nós chutamos o pau da barraca.
Pergunta: -
Os Inocentes surgiram com uma leva que tinha o Cólera,
Olho Seco, Ratos de Porão etc. Como era a amizade entre
vocês?
Clemente: -
Era bacana, todo
mundo se conhecia, freqüentávamos os mesmos lugares
e sempre reuníamos várias bandas para tocar juntas,
pois isso atraia mais público e ficava mais barato para
rachar o equipamento.
Pergunta:
- Miséria e Fome foi quase todo censurado. Fale um pouco
disso, por favor.
Clemente: -
Sim, na época
todo disco tinha que ter autorização da censura
para ser prensado e conosco não foi diferente, tive que
mudar algumas letras. Miséria e Fome até
mudou de nome, mas acabou dando certo e conseguimos liberar três
músicas que foram lançadas em um compacto.
Pergunta: - Mesmo
sendo uma banda independente vocês fizeram algumas excursões
pela Europa. Como foi a experiência e o intercâmbio
com grupos de outros países?
Clemente: -
Nós fizemos
o intercâmbio, mas nunca excursionamos pela Europa, pois
casei cedo, filhos pra cuidar adiaram o sonho de tocar lá,
mas parece que esse ano nós vamos mesmo. Mas era uma característica
do movimento punk da década de 80 esse intercâmbio
mundial. Falávamos com bandas do mundo todo, e isso antes
da internet, só via correio.
Pergunta:
- Em 1986 vocês
assinaram com a WEA quando já eram uma lenda no meio. Muitas
bandas se inspiravam no som de vocês, especialmente o Titãs
que lançou no mesmo ano o Cabeça Dinossauro.
Como foi o relacionamento com uma major e com
as outras bandas do selo?
Clemente: -
O relacionamento
na Warner foi tranqüilo, tinha várias bandas bacanas
Camisa de Vênus, Ira, Ultraje, Patife Band... claro que
tinham algumas bostas mas não precisávamos ser amigos
das bandas. Bem lembrado esse lance do Titãs, pouca gente
fala nisso, mas foi o Branco quem produziu nosso primeiro álbum
e com certeza a convivência influenciou o som deles.
Pergunta:
- Pânico
em SP é um dos melhores discos do período, muito
forte e consistente. Como foram as gravações?
Clemente: -
Foi tranqüilo,
gastamos só 70 horas para fazer, esse custo para uma multi
é irrissório.
Pergunta: - Adeus
Carne e Inocentes são ótimos discos, com boa produção
e a banda em ótima forma e mostra os Inocentes abrindo
o leque sonoro, um pouco do que o Clash fez em London Calling.
Vocês esperavam atingir um público maior e de repente
se tornarem "estrelas"?
Clemente: - A
gente esperava sair do gueto punk, que na época estava
mais preocupado em se matar em brigas históricas do que
fazer sucesso.
Pergunta: -
Em certa altura (mais ou menos 1983), você se disse
cansado do movimento, das pessoas, da falta de estrutura e de
grana e deu um tempo. As condições hoje são
melhores ou continuam as mesmas?
Clemente: - O que cansou não era a falta
de estrutura e sim a falta de união que resultavam em brigas
e mais brigas de gangs.
Pergunta: - Fale
um pouco do documentário Garotos do Subúrbio, de
Fernando Meirelles.
Clemente: - Foi a primeira vez que fomos entrevistados.
Foi divertido, reunimos a turma toda em casa e enchemos a cara
Pergunta: -
"Garotos do subúrbio, vocês não
podem desistir de viver". Ainda é assim?
Clemente: - Com
certeza, os garotos do subúrbio, da periferia, os desprivilegiados
de qualquer lugar não podem desistir e seguir o caminho
fácil do crime e das drogas.
Pergunta:
- Após os
anos 80, quase todo o rock brasileiro deu uma sumida na década
seguinte. Como foi o período para os Inocentes?
Clemente: - Foi
horrível para todos, pois foi a época das bandas
covers. Bandas com som próprio eram desprezadas,
quase não fazíamos shows estávamos sem gravadora
e a tendência é a nova geração desprezar
a anterior por isso sofremos um pouco, mas não desistimos,
lançamos quatro discos na década de 90:Estilhaços,
Subterrâneos, Ruas e Embalado
a Vácuo ou seja no lugar de reclamar, produzimos.
Pergunta: -
Philippe me contou sobre a sua entrada na Plebe. Agora
queria saber sua versão para ver se ele falou a verdade...
Clemente: - Foi
exatamente como ele falou hahahahahahahahahahahaha!
Pergunta: - É
possível concilar os dois grupos? Fazem shows conjuntos,
como rola?
Clemente: - Temos
os mesmo empresário o que facilita para não embolar
as datas, mas a única que rolaram shows juntos foi na Virada
Cultural de 2007, saí exausto do palco hahahahahahahahahaha!
Pergunta:
- Eu fui seu vizinho
de Bexiga, morava na Caio Prado e te vi várias vezes pegando
seus filhos na escola. Continua no mesmo bairro?
Clemente: - Que
coincidência, fui morar na Serra da Canteira, Alto da Lapa,
Butantã e finalmente voltei para perto. Estou morando na
Augusta, mas minha filha mais velha hoje faz faculdade e os mais
novos estão morando no litoral norte.
Pergunta: -
Com quase 30 anos de punk e rock nas costas o tesão
ainda é o mesmo?
Clemente: - Quase
não, mais de trinta, comecei a tocar em 1978 com o Restos
de Nada, é claro que é diferente hahahahahahahahahahahaha!
Hoje é mais legal que antes, apesar de não existir
mais a cena que existia.
Pergunta: - Quais
são suas músicas favoritas dos Inocentes?
Clemente: - Depende
da época, hoje em dia é “Escombros”,
não tem regra.
Pergunta: -
Valeu pela chance. Deixe uma mensagem aos fãs.
Clemente: - Hummm... Não desistam!
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