parceria com Beatrix
Algrave
Poucos grupos foram
tão originais e prolíficos quanto esse trio escocês.
Gravavam pela minúscula 4 AD e, ao lado de New Order e
Smiths, foram os maiores nomes da cena independente britânica,
no que diz respeito a lançamentos e vendagens.
Com os vocais maravilhosos de Elizabeth Fraser e uma camada sonora
produzida ao som de baixo, guitarra, teclado e bateria eletrônica,
o Cocteau Twins teve uma das propostas sonoras mais interessantes,
ainda que não funcionassem muito bem ao vivo, fato este
comprovado quando a banda tocou em São Paulo no início
da década de 90. O nome veio de uma velha canção
do (também) grupo escocês Simple Minds. Se você
acha que a voz mais exótica do pop dos anos 80 e 90 é
a de Björk e nunca ouviu o Cocteau, prepare-se para reavaliar
seu conceito.
Em
1982, na minúscula cidade de Grangemouth, na Escócia
existia um cantinho em que um DJ chamado Robin agitava as noites
locais tocando clássicos do punk e new wave, chamada Nash,
uma boate localizada em um hotel. Grangemouth era tão minúscula
que Robin a comparava com um banheiro. Em Nash, sempre aparecia
uma garota para dançar e pular, já que não
havia outra forma de divertimento. Seu nome era Elizabeth Fraser,
conhecida como Liz. Robin e Will Heggie, companheiro de agitos,
riam dela, a única que conseguia dançar, e embora
não simpatizassem muito com a menina, conversavam entre
uma canção e outra. Os três então descobriram
alguns gostos comuns, e resolveram montar um grupo. Will tinha
um baixo e jurava saber tocar; Robin era guitarrista e Elizabeth
mostrou uma voz especialmente peculiar. Para tentarem sair da
cidade e ainda fazer algum dinheiro, apostaram na música,
enquanto Liz e Robin iniciavam um relacionamento. Adotaram o nome
de uma antiga canção do Simple Minds, “The
Cocteau Twins”, que foi gravada no álbum de estréia,
Life in A Day, do grupo de Jim Kerr, lançado
em 1979, com outro nome: No Cure. Eis a letra...
I see them walking
You know they're walking at night
Ohh in the dark you know
They're shining out so bright
Your sarky voices are gonna come on so near
As every picture becomes so clear
You
You come on so sharp
Yet be so nice
Tell me that you're so hot
But you're as cold as ice
There is no cure
You're so blind can't you see?
There is no cure
Can't buy no immunity
There is no cure
So keep your evil from me
There is no cure.
They like to stay
Ooh come on
Come on and stay up so late
You gonna talk of all the things you just wanna hate
You wanna come on
Come on
And make me so mad
Inside your heart
I know it feels so bad
You
You come on so sharp
Yet be so nice
Tell me that you're so hot
But you're as cold as ice
There is no cure
You're so blind can't you see?
There is no cure
Can't buy immunity
There is no cure
So keep your evil from me
There is no cure
Come on and do
it
Just what to do it
They're going to do it
Just want to do it
There is no cure...
Simple Minds –
No Cure (disco Life in a Day, de 1979)
canção originalmente intitulada “The Cocteau
Twins”
O
grupo tinha uma grande paixão pelo som do The Birthday
Party, grupo australiano que revelou Nick Cave ao mundo. O Party
gravava por um exótico selo chamado 4AD, e Robin e Liz
queriam gravar seu primeiro disco pela mesma gravadora. Robin
tentou (e conseguiu) conversar com Phil Clavert do Party e entregar
uma demo. Phil gostou muito e fez uma importante ponte para que
a 4Ad contratasse o jovem trio. “Foi muita cara-de-pau do
Robin fazer isso, mas conseguimos o contrato”, lembra Liz.
O que mais chamou a atenção de Phil e da 4AD foi
o som produzido pelo grupo. O baixo de Will era pesado, porém
extremamente climático. Robin era um guitarrista que não
se importava com solos, apenas em sons diferentes, quase minimalistas.
E para complementar havia a voz de Liz, sem nenhum paralelo. Como
nunca tiveram um baterista, usavam um sintetizador Roland 808.
E assim lançaram o seu primeiro disco, batizado de Garlands,
em 1982, que recebeu vários elogios dos semanários
britânicos.
O
disco de estréia ofereceu uma prova embrionária
do rápido progresso que a banda teria, mostra um som atmosférico
habilidosamente construído em volta do talento de Guthrie
em usar criativamente a guitarra distorcida, loops e caixas de
eco, ancorado no baixo rítmico de Heggie, além de
uma onipresente bateria eletrônica. Mesmo sendo um belo
trabalho, em comparação com aqueles que viriam a
seguir, a sonoridade ainda se apresenta um tanto seca, sem a fluidez
dos trabalhos vindouros. Porém, neste primeiro disco, o
grupo já apresentava a definição do tipo
de som que se tornaria a característica marcante do Cocteau
Twins, algo à época, um tanto inclassificável.
Se Robin estava mais preocupado com sons diferentes do que com
solos de guitarra, o mesmo pode se dizer da relação
entre o vocal de Liz Fraser e as letras das canções,
pois nesse disco e muitos que viriam posteriormente, o que mais
importava eram justamente os sons, pois muitas vezes, as letras
cantadas por Liz eram simplesmente incompreensíveis, ou
seja, mais valia a sonoridade das palavras do que o seu significado.
Aliás, as letras nem sequer apareciam nos encartes dos
discos. Apesar da banda defender em entrevistas que essa imprecisão
não era proposital, isto acabou se tornando um mito sobre
as canções do Cocteau Twins. Perguntava-se, inclusive,
em que língua afinal cantava Liz Fraser, chegando-se a
conclusão de que não haviam letras nas canções
do Cocteau Twins, mas apenas e tão somente sons sem um
significado preciso.
Uma das grandes atrações
do grupo era o grande cuidado e apuro visual com as capas de discos,
singles e EP, todos produzidos pela empresa de artes e design,
23 Envelope. Suas capas etéreas e abstratas tornaram-se
uma marca não apenas do Cocteau, mas de quase todo o cast
da 4AD, a exemplo do projeto This Mortal Coil, Colourbox, Throwing
Muses, etc.
O disco alcançou
a quinta posição na parada independente e ganhou
um fã: o DJ John Peel. Peel ouviu a banda através
do mesmo sistema que Robin apresentou o grupo ao pessoal do Birthday
Party, dando-lhe uma famosa fita demo. “Estava um dia na
rua e vi o (John) Peel. Pensei que era uma oportunidade muito
boa para deixar escapar, me aproximei e educadamente ofereci a
fita, que aceitou.” Peel, o DJ mais famoso do Reino Unido,
começou a tocar o grupo e logo produziu um programa apenas
com eles.
Com o sucesso, abriram
shows do Modern English e do Birthday Party por toda a ilha. Aproveitando
o sucesso inesperado, lançaram no final do ano o EP Lullabies,
que recebeu críticas ainda mais elogiosas. O trio já
mudara para Londres, e gravava em um pequeno estúdio e
tinha um som diferente. “Garlands parecia
uma pedra gigante amarrada em nossos pescoços. Todos esperavam
que soássemos da mesma maneira e isso nunca foi nossa intenção”,
conta Robin.
No ano seguinte, outro
EP, Peppermint Pig, canção que
fica nas parada independentes atrás apenas de “Blue
Monday”, do New Order, e que teve como produtor Alan Rankine,
dos Associates. E, ainda em 1983, acontece o lançamento
do segundo disco Head Over Heels, que marca a
saída de Heggie. Guthrie e Fraser gravam em 1983 o disco
como um duo. Notadamente este é o trabalho de sonoridade
mais diáfana do grupo aproximando-se mais do estilo que
ficaria conhecido com ethereal, e estabeleceu a fórmula
que o grupo continuaria a trabalhar durante quase toda a sua carreira.
Ainda como uma dupla, fizeram o EP Sunburst and Snowblind,
no mesmo ano.
No
final de 1983, Simon Raymonde (ex-Drowning Croze) juntou-se à
banda para a gravação do disco The Spangle
Maker; enquanto o grupo durou, Raymond trouxe um reforço
importante para eles, sendo um componente essencial do Cocteau
Twins, gradualmente assumindo um ativo papel como escritor das
letras, arranjador e produtor. Paralelamente, o grupo participou
do projeto This Mortal Coil, idealizado por Ivo Watts-Russel,
presidente da 4AD, originalmente um projeto que queria gravar
versões de material de outros selos e artistas sem gravadoras,
explorando o talento dos artistas “caseiros”, como
o pessoal do Dif Juz, X Mal Deutchsland, Wolfgang Press e Dead
Can Dance, com participações ocasionais de outros
músicos fora da 4AD.
Robin comenta que Ivo lançou
o projeto na mesma época em que o Cocteau estava sedimentando
sua fama: “quando eu ouvia Song to the Siren tocar na rádio
(que tinha vocais de Liz e o baixo de Simon) e nada nosso nas
mesmas, me deixava doente de raiva. Simon e Liz participaram de
oitos canções lançadas entre 1983 e 1984.
Simon
conta porque entrou para o Cocteau: “eu sempre fui um grande
fã da banda e ouvia todos comentarem como eram místicos
e todas essas coisas. Nunca pensei isso, apenas que as músicas
eram brilhantes e excitantes e nunca imaginei que, nem em um milhão
de anos, seria um membro da banda”, explica.
Simon conta que viajava
com o pessoal da 4AD durante os shows, em um dia, em Camden, enquanto
Liz e Robin trabalhavam em um pequeno estúdio de 8 pistas,
Simon chegou e escreveu a canção “Millimillenary”,
que faria parte da coletânea The Pink Opaque,
que sairia em 1985. Animado, voltou para casa afim de compor novas
músicas até ser convidado por Liz e Robin para passar
uma semana na Escócia escrevendo novas composições.
“Millimillenary” faria parte de uma coletânea
do semanário New Musical Express. O primeiro lançamento
de fato do novo trio seria o EP The Spangle Maker,
e em seguida, lançariam aquela que é considerada
a grande obra-prima da banda (e o primeiro lançamento
do grupo no Brasil), Treasure, em 1984.
Entre
os muitos fatores que alçaram Treasure
a categoria de obra prima, podemos citar a evolução
estrutural melódica das músicas, que apresentam
também efeitos sonoros cada vez mais complexos e perfeitamente
burilados por Robin e Simon. As canções guardam
reminescências sonoras barrocas e dark wave. A
voz de Liz também sofreu uma considerável melhora,
mostrando um timbre claro e delicado além de um belo alcance
vocal, o que pode ser apreciado em faixas como “Persephone”.
O disco inicia com a faixa “Ivo” uma clara referência
ao presidente da 4AD, as outras canções têm
títulos que evocam personagens místicos ou mitológicos,
a exemplo de “Lorelei” e “Pandora”. Esse
estilo de canções com títulos obscuros ou
místicos se repetiriam em outros discos, assim como a utilização
de lendas e palavras de origem celta. Essa prática se tornou
tão comum que chegaram a disponibilizar um glossário
em seu site oficial
www.cocteautwins.com com as palavras mais incomuns que apareciam
nas canções.
O disco foi votado como
o melhor lançamento do ano e Liz considerada a melhor vocalista
feminina por vários semanários ingleses. O grupo
fez então sua primeira excursão fora da Europa,
indo para o Japão onde foram assediados de forma absurda
pelo fãs, o que deixou Robin surpreso: “os japoneses
são carinhosos. Não era aquela histeria tipo Bealtes,
mas após nossas apresentações, ficavam na
porta do hotel, querendo conversar, pedir autógrafos. Quando
íamos para as estações de trem, eu cheguei
a ver entre 2000 a 3000 pessoas nos acompanhando.” Elizabeth
completa: “o Japão é um lugar absurdo, eu
estava excitada para conhecer por tudo que havia lido, e Treasure
era o disco mais vendido do país e lá eles têm
a mania de mudar os títulos dos discos nas capas. Treasure
virou The Woman the Gods Loved. Imagino que a
canção “Persephone” tenha estimulado
isso.
Apesar do imenso sucesso do disco, os Cocteau Twins só
executavam duas canções ao vivo, “Lorelei”
e “Pandora”.
Depois
do disco, O Cocteau entrou numa maratona de lançamento
nos anos de 1985 e 1986, com seis discos de material inédito
e uma coletânea. O primeiro deles foi o EP Aikea-Guinea,
e a canção título é uma das melhores
composições do grupo segundo, Robin e a favorita
dos fãs em shows. Logo depois do lançamento do EP,
Robin e Liz participaram de uma inusitada cover de “Respect”,
de Otis Redding e que ficou imortalizada na voz de Aretha Franklin,
em um álbum do Wolfgang Press, The Legendary Wolfgang
Press and Other Tall Stories. Em seguida lançam
mais dois Eps, Tiny Dynamine e Echoes
in a Shallow Bay, que no final do ano seriam re-lançados
como um EP duplo e, segundo Robin, os dois são os dois
melhores discos que os Cocteau já produziram. O ano se
encerra com o quarto lançamento da banda, a coletânea
The Pink Opaque, com faixas desde 1982, além
da primeira canção feita por Simon Raymonde, “Millimillenary”,
disponível apenas na fita cassete lançada pela já
citada revista New Musical Express. O disco foi realizado
para funcionar como um cartão de visitas para o mercado
norte-americano, já que a banda tinha assinado um acordo
para a distribuição de seus trabalhos na América.
E antes do ano terminar, a banda já partia para outras
colaborações: Simon estava envolvido com o This
Mortal Coil e Robin e Liz realizando trabalhos com o pessoal do
Dif Juz e do Felt, grupo que teria um pequeno sucesso em uma canção
chamada “Primitive Painters”, com vocais de Frazer.
E fariam de 1986 um ano inesquecível para suas vidas com
o lançamento de dois discos: Victorialand
e The Moon and the Melodies.
Lançado
em abril de 1986, o disco não teve a participação
de Simon, envolvido com o Coil e, mais uma vez, repetindo o que
tinha feito após a partida de Will, Liz e Robin realizaram
um trabalho em parceria. O disco, que começou como uma
maneira dos dois amantes e músicos para passarem o tempo
em estúdio e trabalhando acusticamente com voz e instrumentos
e lutando contra suas limitações (palavras de Robin),
resultou naquele que é considerado o álbum mais
aclamado da vasta discografia da banda e recebeu vários
prêmios como o melhor lançamento do ano. O nome foi
tirado de uma região da Antártica, e todas as canções
giraram em torno desse conceito: “Throughout the Dark Months
of April and May” é uma referência ao escuro
inverno da região nesses meses; “Whales Tails”
fala de rabos de baleia e “The Thinner in the Air”,
dos ventos locais. O disco tem a colaboração delicada
de Richard Thomas no saxophone e do pessoal do Dif Juz nas tablas
(pequenos tambores tocado com as mãos). Nessa época
começaram a ser rotulados como new age, por causa
dos vocais peculiares de Liz e dos climas esparsos e etéreos
da banda, o que não deixou a banda muito feliz. Robin chegou
a dizer que new age era música feita por gente de mais
de 50 anos e carecas. Para Simon, o rótulo apareceu apenas
por causa de Victorialand, mas que new age era muzak, enquanto
o Cocteau jamais soou como tal.
Para o próximo disco,
resolveram ampliar seus horizontes: ao invés de um disco
intiitulado Cocteau Twins, preferiam usar os nomes Simon Raymonde,
Robin Guthrie and Elizabeth Fraser, ao lado do pianista Harold
Budd. O nome do disco era The Moon and the Melodies.
A idéia começou como um documentário de televisão,
mas como viram que as músicas eram boas demais para servirem
apenas como trilha de fundo, resolveram fazer um disco do grupo,
acrescido de Budd, que mais uma vez colaboraria em um trabalho
da banda como tecladista e compositor. Budd comparece com sons
de teclado e piano que guardam uma forte influência musical
de Brian Eno. Também enriquecem a sonoridade do disco a
presença do sax e da bateria de Richard Thomas, do Dif
Juz , nas faixas “She Will Destroy You”, “The
Ghost Has No Home” e “Bloody and Blunt”, o que
já havia acontecido no álbum anterior .Tudo isso
combinado a guitarra de Robin e o vocal bem trabalhado de Liz,
servem para criar aquilo que a banda denominaria “trilha
sonora para os sonhos”. Todo o conjunto soa um tanto difuso,
distante, como se realmente se tratasse de um sonho, até
mesmo o piano, que parece estar sendo tocado embaixo d'água.
E se a banda era um tanto
difusa e para alguns misteriosa, começaram a cercar o grupo
para entrevistas, o que desagradava os membros do Cocteau. O mais
intratável era sempre Robin que chegou a comentar: “Gostaria
que as pessoas parassem de querer saberem sobre nossas vidas,
o que gostamos, quem somos e que aceitassem os discos e pronto.
Por que, raios, querem saber sobre minha filosofia de vida? Desde
quando minha opinião é mais importante do que a
dos outros?” Enquanto isso, lançaram mais um EP Love's
Easy Tears, com três faixas: a faixa de mesmo nome,
“Sigh's Smell of Farewell” (a minha preferida
do grupo – Rubens) e “Those Eyes, That Mouth”.
Posteriormente o EP seria relançado com a adição
de outra canção, “Orange Appled”.
Nessa época o grupo
havia construído seu próprio estúdio e ficavam
horas trancados produzindo músicas, sem se importar com
a morosidade das outras bandas. Robin: “ficar trancado dentro
de um estúdio meses e meses não significa que queremos
simplesmente fazer um trabalho diferente de outro, mas acontece
que isso ocorre de uma maneira natural e acabam soando assim.
Constantemente mudamos nossas atitudes e nos contradizemos, mas
acho que isso é um hábito bem saudável.”
Liz tentava explicar porque as letras soavam de maneira quase
incompreensíveis: “nós tentamos colocar a
voz bem alto na mixagem, para manter todos os efeitos longe, mas
parece que sempre falhamos nisso.” Robin, discorda: “não
há nada errado com a mixagem, efeitos ou a voz de Liz,
é assim que ela soa. Isso quer dizer que as pessoas são
incapazes de entender o que ela canta?”
Robin
mostra que apesar de não gostarem de falar de outros assuntos
fora a música, confessou que gostaria de ter sido convidado
para o projeto Artists United Against Apartheid,
organizado pelo guitarrista Little Steven, colaborador de Bruce
Springsteen, de 1986, contra o regime racial da África
do Sul. Posteriormente, cederiam uma canção de Victorialand
para a campanha dos direitos dos animais, e outra para a paz mundial,
em 1993.
“Música com
mensagens têm sua hora e lugar e muitos podem e fazem isso
melhor do que nós. Pegue o exemplo do Morrissey, que responde
qualquer coisa porque tem grande conhecimento geral e o considero
melhor falando do que cantando. Esse é um dos motivos que
fazem as pessoas comprarem os discos dos Smiths, eles querem uma
mensagem. Mas não é por isso que seguiremos a mesma
linha”, explica Robin.
“Para mim está
claro que as pessoas vejam nos títulos uma maneira de entender
a canção, mas acredito que as capas também
podem fazer a mesma coisa. Se um disco não mostra os nomes
das músicas fica impossível dele ser publicado e
evita que os jornalistas fiquem escrevendo 'aquela música
que faz hum hum hum', essa merda toda. Em Treasure
sofremos esse tipo de problemas ao dar nomes às músicas
e no fim, desistimos e fizemos da maneira que achávamos
melhor”, explica Liz.
Das quatro canções
de Love's Easy Tears, apenas “Those Eyes,
That Mouth”, não era tocada nos shows, embora “Orange
Appled”, só tenha feito parte das apresentações,
a partir de 1991. Em 1987, primeiro ano desde 1982 em que não
houve um lançamento oficial do grupo, eles cederam a faixa
“Crush” para uma compilação da 4AD,
chamada Lonely is An Eyesore, coletânea
que acabou sendo lançada aqui, também.
Em
1988, lançam o disco que seria considerado por muitos como
o melhor de sua carreira, Blue Bell Knoll. Sei
que isso é relativo, mas de fato esse foi o disco que obteve
a melhor recepção da crítica e do público.
Em uma enquete feita recentemente no site oficial da banda esse
trabalho foi apontado pelos fãs como o melhor já
lançado, seguido de Victorialand e Treasure.
O título evoca uma antiga lenda celta sobre a morte. Somente
aqueles que estão próximos da morte podem ouvir
o som do blue bell (uma planta gramínea que tem
florzinhas em forma de sino). Segundo alguns, a banda teria nesse
trabalho sofisticado demais o seu som, apesar de que realmente
esse foi até então o disco que soava melhor produzido.
Isso é percebido à partir da primeira faixa, e que
intitula o disco (e a minha preferida da banda – Beatrix),
belamente introduzida por uma delicada seqüência de
loops de piano e sintetizador, que acompanham uma melodia fluida
e hipnotizante. Em outras faixas do disco aparecem combinações
instrumentais diferentes e variadas, que soam ao mesmo tempo ricas
e exóticas. As várias camadas de guitarras e baixo
se aliam aos sons de xilofone, clavicórdio e marimba produzindo
uma sonoridade rica, densa e fluida, conferindo um certo tom impressionista
às melodias, evocando diferentes texturas e imagens. Esse
disco traz algumas das mais belas e inspiradas canções
do grupo: “Carolyn's Fingers” e “Athol-brose”.
Esse foi o primeiro trabalho da banda produzido por uma major,a
Capitol, além de ser o primeiro disco de estúdio
lançado nos Estados Unidos.
Após o disco, o
grupo tirou as primeiras férias desde o início da
carreira. Robin e Liz ficaram curtindo a gravidez da cantora e
o nascimento da pequena Lucy Belle. Simon casou e também
virou pai com o nascimento de Stanley. O grupo investiu em um
novo estúdio para trabalhar, em Twinckenham, ao sudoeste
de Londres e que era conhecido por ter sido o famoso estúdio
Eel Pie, de Pete Townshend, do finado The Who. A banda batizou
a nova casa de September Sound, já que setembro foi o mês
em que nasceram as duas crianças.
Paralelo à isso,
Robin produziu vários grupos, como o Chapterouse, o Lush,
o Veldt e Shellyan Orphan, enquanto Liz deu uma canja no primeiro
disco-solo do bunnyman Ian McCulloch, Candleland,
na faixa-título. Em 1990, lançam o novo disco Heaven
or Las Vegas, que acabaria sendo o maior sucesso comercial
da carreira do grupo.
Tal sucesso talvez se deva
ao fato deste ser o menos experimental e mais acessível
dos trabalhos da banda, o que não significa, em hipótese
alguma que o grupo tenha aberto mão da inventividade sonora,
contudo é um disco mais palatável para os padrões
pop. É de fato o primeiro disco em que é possível
entender claramente as letras cantadas por Liz. Na faixa de ritmo
lento e monótono, "Fotzepolitic", ela canta:
“Meus sonhos são todos mais ou menos básicos
e endereçados, são sonhos de uma garotinha...”
. As canções trazem impressões sobre a maternidade
("Road, River, and Rail"), a realidade e o estresse
do dia-a-dia ("Wolf in the Breast"), amor ("Pitch
the Baby") e trabalho ("Iceblink Luck"). As dez
faixas que compõem o disco apresentam sonoridades diversas,
que vão do hip hop em “Pitch the Baby” (que
foi lançada em uma coletânea da Mute Records/4AD
chamada Red Tape); suaves baladas como "Wolf
in the Breast" e "Fifty-Fifty Clown"; e a beleza
tépida e refinada de "Iceblink Luck" e da faixa
título.
A interpretação
de Liz ganha uma certa candura, talvez decorrente da maternidade.
Mesmo apresentando texturas claras e brilhantes, aparentando ser
um disco menos trabalhado que os anteriores, na verdade ele representa
uma evolução em relação a exploração
de novas tecnologias pelo grupo (especialmente por Robin, o mais
ligado nessas experimentações), contudo as canções
conseguem soar mais objetivas, coesas e despojadas.
Estranhamente, após
o lançamento do disco, a Capitol e a 4AD resolveram lançar,
em conjunto, ao invés de um single de trabalho da faixa-título,
um novo título, contendo a versão do disco, uma
editada e outra canção inédita, “Dials”,
que foi usada como música inicial para os shows da turnê.
A turnê, aliás,
foi a mais concorrida da carreira dos Cocteau Twins, com ingressos
esgotados para todas as apresentações. Pela primeira
vez seriam headliners (banda principal de um show) e,
ainda assim, não queriam sair excursionando de maneira
nenhuma. “Nós não queríamos fazer shows,
mas estamos fazendo isso apenas porque há um novo álbum,
mas enquanto fazíamos o disco ficávamos angustiados
pensando que teríamos que tocar todas essas novas canções
ao vivo”, explica Simon. Outro motivo para não quererem
realizar apresentações era o longo tempo em que
não tocavam certas canções. “Quando
entramos em estúdio, gastamos mais da metade de uma tarde,
arrumando um solo de guitarra de uma música, detalhes assim,
e quando vamos tocá-las dois anos mais tarde, nem sempre
conseguimos nos lembrar. Nós não ficamos ensaiando
antigas músicas no estúdio como outras bandas que
conhecem seu repertório de trás para frente. Não
fazemos isso”, completa Robin. Para os shows na América,
eles tiveram a companhia, primeiro do Mazzy Star, e depois do
Veldt.
A
banda percebeu que dificilmente conseguiria reproduzir o som do
disco no palco, apenas com baixo, bateria, voz e tapes e que necessitariam
de uma maior infra-estrutura. A solução foi a adição
de dois novos guitarristas, Mitsuo Tate e Ben Blakeman. Efeitos
e baterias eram executados por computadores e apenas na turnê
seguinte, entre 1993/94 é que contratariam um baterista.
A turnê encerrou, de forma apropriada, em Las Vegas, quando
perceberam o quanto o paraíso (alusão ao “Heaven”
do título) estava distante, por alguns motivos. O primeiro
deles foi a declaração oficial de Ivo, avisando
que o longo contrato com a 4AD estava terminado e que poderiam
seguir o caminho que desejassem. Apesar disso, houve um certo
constrangimento dos dois lados. Mas o maior problema era o de
Robin com as drogas, que se tornava cada vez maior, adicionados
a um racha interno que só fazia aumentar, embora ninguém
comentasse. Apesar de todo sucesso e atenção da
mídia, o grupo não estava mais feliz.
Em três anos, a única canção nova composta
foi “Frosty the Snowman”, para uma revista de música,
em 1992. Então a 4AD e a Capitol resolveram capitalizar
em cima do hiato criativo e lançaram, em 1991, uma caixa
contendo todos os inúmeros singles que o grupo gravara
entre 1982 e 1990, e canções raras, sendo formada
por dez cds.
Os anos de hibernação
serviram para que Robin ficasse limpo em relação
às drogas e que o grupo descansasse da pressão e
começasse a trabalhar novamente em outras composições,
que resultaria no disco Four-Calendar Café.
O disco foi lançado
por um novo selo no Reino Unido, a Mercury Fontana, que veio até
o Brasil assinar com o grupo, já que a Capitol era a represetante
norte-americana do Cocteau. Robin explica melhor o ocorrido: “nós
estávamos promovendo o Heaven or Las Vegas
no Brasil, quando ficamos sabendo que algumas pessoas da Fontana
queriam ir até lá para conversar conosco. Disse
que poderiam vir, mas eles estão loucos se pensam que assinaremos
só porque resolveram vir de tão longe para isso.”.
O acerto aconteceu porque a gravadora resolveu deixar a banda
totalmente livre para executar suas músicas da maneira
que achasse melhor.
É o primeiro trabalho
da banda após o término de um longo e estável
relacionamento com a gravadora 4AD. Produzido e lançado
pela Capitol Records em novembro de 1993, traz 10 faixas que foram
gravadas e mixadas no September Sound, o estúdio da banda.
É considerado o mais confessional dos seus trabalhos. Aqui
o grupo preferiu investir mais no conteúdo que no estilo.
Os temas oscilam entre as dificuldades do novo começo profissional
e os problemas pessoais de seus integrantes. As canções
expõem de forma bastante aberta essas questões,
como nunca havia sido feito antes, quebrando um pouco a mística
enigmática em torno do grupo. O disco conta com colaborações
de estúdio de Lincoln Fong, além das guitarras adicionais
de Mitsuo Tate e Ben Blakeman, e da bateria e percussão
de Benny DiMassa e David Palfreeman. Canções como
"Evangeline," "Bluebeard" e "Know Who
You Are at Every Age" representam o contínuo esforço
do grupo em tornar-se mais acessível em relação
às letras e melodias, contudo, sem abrir mão da
fluidez e do estilo ethereal que sempre caracterizou
a banda. Ao mesmo tempo em que traz pops dançantes misturados
a influência de country-music, como a faixa “Bluebeard”
, apresenta canções com forte carga emocional e
que expõem as dificuldades e sofrimentos individuais dos
integrantes da banda, inclusive uma dos maiores problemas do grupo,
a dependência de Robin em relação às
drogas e o álcool; à exemplo de "Theft, and
Wandering Around Lost","Oil of Angels","Squeeze
Wax” e “Evangeline”, que traz um delicado arranjo
de guitarras e teclado rítmico.
“Eu fui o último
a perceber a que ponto chegaram meus problemas por causa das drogas.
Não consegui me limpar rapidamente, demorei uns seis meses.
Só resolvi parar com tudo isso quando me lembrei das pessoas
que haviam morrido dessa maneira, como o Sid Vicious. Eu havia
me tornado um problema.”
As
letras de Liz surpreenderam pela maneira direta e até crua
seus problemas e dando pistas que o casamento com Robin não
andava bem, e não era apenas pela questão do abuso
de aditivos químicos. Em “Evangeline”, Liz
fala: “Não há como voltar para trás/Não
posso evitar meus sentimentos/Não sou mais a mesma/Voltei
a crescer”. Em “Bluebeard”, os sentimentos são
ainda mais expostos: “Você é o homem certo
para mim?/Está seguro disso? É meu amigo?/Ou está
intoxicado de mim?/Por que você me maltrata ou trai minha
confiança?”
“Percebi que sempre
fui uma pessoa muito reservada e que constantemente crio uma máscara
para os outros e só agora percebi o quanto fiz isso. Não
sei dizer ao certo o que está acontecendo, mas espero que
não signifique que não me permita fazer mais do
que realizei em Blue Bell Knoll. Gosto de ter
habilidade de fazer o que sinto vontade. Neste disco estou expressando
ou falando das mesmas coisas, mas não estou aprisionadas
nelas. Tudo é muito doloroso e as letras refletem são
mais explícitas, embora não ache o termo explícito
o mais correto. Penso que são mais pessoais.”
Fraser tenta explicar o
motivo de suas letras serem menos abstratas do que no passado:
“No passado parece que eu queria escrever e cantar letras
que eu não entendia como se eu construísse novas
palavras por haver uma resma delas que não tinha a menor
idéia do que significavam. Mesmo assim queria usá-las
porque me sentia capaz de me expressar sem dar a menor chance
de me decifrarem.”
No outono de 1993, o grupo
sai promovendo o disco levando um baterista e um percussionistas
reais, convidando Benny DiMassa e David Palfreeman , que haviam
trabalhado no disco, além dos já habituais guitarristas
Mitsuo Tate e Ben Blakeman, e no palco, pareciam mais entusiasmados
do que nunca. O grupo fez então algumas experiências
totalmente estranhas: a primeira delas foi participar do programa
“120 Minutes” da MTV onde Robin mostrou um visível
desconforto. Depois participaram do programa “Tonight Show
with Jay Leno”, onde tocaram “Bluebeard” com
Liz brincando bastante com sua voz e Ben usando um vestido.
Durante a turnê Liz
e Robin começaram a deixar ainda mais claro que as diferenças
entre eles apenas aumentavam. Enquanto Liz dizia que queria cantar
antigas músicas que não eram mais realizadas, Robin
desdenhava o passado, dizendo que preferia aprender outras novas
para ensinar ao grupo. Robin também começou a ter
atitudes de um rock-star típico, reclamando do alto custo
diário da excursão: “As antigas canções
são ok, assim como as novas, mas na verdade, não
me importo com nenhuma delas. Tudo que gostaria era de poder parar
por uma semana e aprender outras, mas não podemos fazer
isso, por causa do alto custo diário. Parece um choro bobo,
mas essa turnê nos custa um sem-número de milhares
de dólares por dia e nós estamos perdendo dinheiro
com ela. O único dinheiro que entra atualmente para mim
são dos royalties. Eu não ligo para salário,
mas gosto de ter meu dinheiro como qualquer outro trabalhador,
mas a verdade é que já faz 3 ou 4 meses que não
tenho um como qualquer pessoa normal. Se fizéssemos apenas
uma excursão pela Europa, os custos seriam bem menores
e ainda ganharíamos, mas privaríamos nossos fãs
na América. Estou tentando ser mais razoável com
o tempo porque antigamente eu mandaria os fãs à
merda. Então as pessoas compram o ingressos e damos exatamente
aquilo que querem. Mas eu fico me perguntando se estou sendo sincero
comigo e com a minha música ou apenas fingindo ser. Hoje
tento fazer a coisa certa, enquanto no passado queria apenas realizar
à minha maneira, que nem sempre era a correta.”
Após a turnê,
em 1994, Liz teve uma crise nervosa decorrente de toda a pressão
e também admitiu que seu relacionamento com Robin não
tinha mais sentindo. Mais uma vez, Robin, Liz e Simon investiram
em projetos pessoais, sendo o mais curioso realizado pela cantora,
que participou de um disco nunca lançado: um disco de músicas
do Pink Floyd com a London Philarmonic Orchestra. Enquanto isso,
uma cantora chinesa, Faye Wong (Wangfei) regravou “Know
Who You Are at Every Age” e “Bluebears” de Four-Calendar
Café em mandarim.
Em
1995, os ânimos estavam mais serenados e o grupo resolveu
fazer algo em que sempre foram mestres, um EP, que acabaram virando
dois: Twinlights e Otherness.
“Estamos bem melhores agora e foi bom esse pesadelo ter
acontecido porque percebemos que se amamos alguém, não
importa o quanto ela desça e você continuará
a amando. É algo estressante, de fato, porque é
um casamento entre três pessoas, mas ao mesmo tempo, muito
prazeroso.”
Os EPs foram um processo
natural, segundo Liz: “nós queríamos voltar
a produzir e imaginamos que um EP, por ser mais curto que um disco
seria o melhor caminho”. A opinião era compartilhada
por Simon: “é um tipo de exercício. Escrevemos
pequenas canções para ver onde queríamos
chegar.”
Na canção “Rilkean Heart”, de Twinlights,
inspirada no poeta alemão Rainer Maria Rilke, Liz canta
sobre o amor e cita Jeff Buckley, cantor, compositor, filho de
Tim Buckley e que morreria no ano seguinte, afogado. Muitos diziam
que Jeff era a grande paixão de Liz desde que a separação
de Robin acontecera, fato que ela jamais comentou, especialmente
após a morte de Buckley. A única coisa que disse
à epoca foi “é realmente algo cafone falar
assim, mas eu estou me sentindo terrivelmente faminta por amor,
e me sinto compulsiva com isso.”
A música acabou gerando um projeto novo. O cineasta Drik
Van Dooren e desenhista gráfico Tomato resolveram fazer
um curta-metragem em cima de “Rilkean Heart”. Mesmo
sem o apoio da Mercury Fontana, o grupo bancou o projeto, rodado
em 16 mm e Super 8, e que acabou ganhando o prêmio do Grande
Júri no Festival de Cinema em Charleston, na Carolina do
Sul.
Tudo
isso faria que a gravação do último disco
oficial do Cocteau Twins, Milk & Kisses fosse
realizado em uma harmonia de grande paz e alegria. Esse trabalho
representa um retorno às raízes musicais do grupo.
Estão presentes as antigas texturas e camadas de guitarras
e voz, linhas de baixo, e as letras obscuras e ininteligíveis
que tanto caracterizaram o grupo e fizeram a sua mística.
Um exemplo é a faixa de abertura, "Violaine",
uma espécie de rock'n'roll estilo Cocteau Twins, com uma
linha de baixo funk e camadas de guitarra distorcida, acompanhadas
da voz de Liz, que canta uma letra totalmente incompreensível,
que seria uma espécie de brincadeira sobre mensagens ocultas
em canções. "Half-Gifts" e "Rilkean
Heart," que apareceram em um formato semi-acústico
no EP Twinlights reaparecem em versões
diferentes, mais eletrônicas. Merecem destaque as pérolas
pop "Tishbite," "Calfskin Smack" e "Ups",
além da faixa "Eperdu" que recria um clima fluido
como ondas oceânicas, uma referência ao local onde
o álbum foi escrito, na costa francesa (Eperdu é
o equivalente em francês arcaico à expressão
es perdu, "está perdido"). "Treasue Hand"
mostra a banda de volta a sua melhor forma, uma bela canção
construída sobre um clima sereno e contemplativo que encaminha-se
lentamente rumo a uma tensão que explode repentinamente,
em uma fórmula semelhante à canções
anteriores da banda como "Donimo" (Treasure)
e "Pur" (Four-Calendar Café).
É um trabalho memorável, que ilustra a caminhada
de um dos grupos mais criativo e inovadores das últimas
décadas, e traz tudo que um bom álbum do Cocteau
Twins pode dar: som hipnótico, onírico, embalado
por vozes etéreas, sons líquidos e delicadas texturas
sonoras.
Robin define a gravação
desse trabalho como uma experiência prazerosa. Elas foram
gravadas na ciidade de Brittany, na França, onde a nova
esposa de Robin vivia. Segundo ele, foi a primeira vez na carreira
em que os três trabalharam ao mesmo tempo em estúdio,
já que no passado, cada um fazia sua parte em horas diferentes.
“Quando líamos sobre a vibração dos
outros grupos trabalhando juntos em um estúdio, achávamos
isso uma grande besteira, porque para nós sempre foi extremamente
alienante. E descobrimos que esses dois meses juntos, todos os
dias foram muito agradáveis.” Simon fala que a melhor
coisa do disco foi a rapidez: “Robin e eu escrevíamos
uma canção e não precisamos ficar esperando
que a musa eterna viesse visitar Liz para que cantasse.”
Uma última excursão
mostrou a banda ainda mais madura. Com vários músicos
no palco, entre eles um tecladista, a banda soou mais alegre do
que antes, cantando vários clássicos da época
de Garlands, passando por Heaven Over
Heels e Treasure. Após o final
das apresentações, eles ficaram livres do contrato
com a Mercury Fontana e tiveram que negar que se separariam, dizendo
que estavam felizes de terem saído da “grande máquina”.
Fundaram um selo próprio, Bella Union, e de forma surpreendente,
anunciaram em 1998, em meio às gravações
de um novo trabalho, que iriam encerrar as atividades. Simon tenta
explicar os motivos: “Sempre houve uma grande dificuldade
desde a separação de Liz e Robin, em 1993. Foi um
período duro, com excursões e pressão. Eles
acabaram se tornando amigos novamente, mas logo arranjaram outros
companheiros, o que gerou uma grande tensão. Talvez todos
tivéssemos medo de ficar sem a banda e por isso, sempre
conseguíamos criar um bom ambiente de trabalho. Todos queríamos
deixar a Mercury e desde os tempos da 4AD sonhávamos com
um selo nosso.. Começamos a trabalhar e estávamos
perto do final, com 15 ou 16 novas canções e Liz
já tinha colocado a voz em sete delas. Não sei o
real motivo pelo qual ela resolveu partir, já que em duas
semanas todas as canções estariam finalizadas. Foi
um choque, pois eram coisas maravilhosas, com influências
diversas. Enfim, nossa separação será um
outro muito sobre a lenda acerca dos Cocteau Twins.”
Com a separação,
o grupo deixou alguns legados. Em 1999, pela Bella, lançaram
um CD duplo com gravações na BBC, entre 1982 e 1996,
o BBC Sessions. Simon explica que fizeram o disco
por acharem que tinham uma dívida com John Peel. São
trinta faixas divididas em dois discos. Todas são músicas
do Cocteau Twins, com exceção de Strange Fruit,
uma cover de uma canção de autoria de Lewis Allan,
de 1939, que ficou celebrizada nas vozes de Billie Holliday e
Josephine Baker. Foi cantada por Liz em uma Peel Session em outubro
de 1983. A única música inédita é
a instrumental “My Hue and Cry”.
Em
2000 é lançado Stars and Topsoil,
uma coletânea de 18 faixas, dos melhores trabalhos da banda
gravados entre 1982 e 1990 pela 4AD Records. As faixas foram rigorosamente
selecionadas pelos membros da banda e remasterizadas por Robin
e Walter Coelho, um engenheiro de som e produtor brasileiro especializado
em música eletrônica. O título da coletânea,
que foi dado por Liz, sugere uma mistura entre bem e mal, céu
e terra, talvez uma reflexão sobre as experiências
boas e más, que grupo viveu nos seus 19 anos de carreira.
Esta coletânea foi lançada no Brasil e continua em
catálogo.
Após o término
da banda seus integrantes continuaram produzindo musicalmente,
ainda que de maneira esparsa, participando de colaborações
com outros artistas e bandas. Simon ainda lançou um disco-solo
muito elogiado chamado Blame Someone Else, em
1998. Logo após este lançamento Robin anunciou que
voltaria a escrever novamente. Montou um novo projeto musical
com a vocalista Siobahn De Maré (ex-Mono), chamado Violet
Indiana. A primeira gravação do grupo foi o EP lançado
em 2000, intitulado Choke, logo seguido do disco
Roulette em 2001,dos singles Killer Eyes
do mesmo ano e Cassino, de 2002. O novo projeto
de Robin traz harmonias e texturas de guitarra muito próximas
aos antigos trabalhos do Cocteau Twins, em meio a um pop com influências
de cool jazz.
Quanto a Liz Fraser, fez
participações vocais em trabalhos de diversos artistas.
Mudou-se com seu novo parceiro, Damon Reece (membro do Spiritualized)
em 1998 para Bristol, lar da cena trip-hop inglesa. Em 1998 participou
do álbum Mezzanine da banda Massive Attack
nas faixas "Teardrop," "Black Milk" and "Group
Four", chegando a acompanhar a turnê britânica
da banda. No mesmo ano participou da gravação do
disco de Craig Armstrong, The Space Between Us,
com a canção "This Love" . Em 1999 foi
convidada por Peter Gabriel para participar de seu controverso
projeto conceitual OVO, que tratava da comemoração
da chegada do novo milénio. Liz aceitou e compareceu em
duas faixas "Downside Up" e "Make Tomorrow".
Também participou da gravação da trilha sonora
de diversos filmes, entre os quais o britânico The
Winter Guest e o americano In Dreams.
Seus trabalhos mais recente são participações
nas trilhas sonoras dos filmes O senhor dos Anéis:
a sociedade do anel (Lothlorien (Lament for Gandalf))
e O senhor dos Anéis: As duas Torres (Isengard
Unleashed).
Até o final de 2003
a gravadora 4AD está prometendo um relançamento
de seis discos do Cocteau Twins originalmente lançados
pelo selo: Garlands, Head Over Heels,
Treasure, Victorialand, Blue
Bell Knoll e Heaven or Las Vegas. Os
álbuns serão digitalmente remasterizados por Robin
Guthrie, e terão o design e a arte de capa revisados (o
que está deixando os antigos fãs da banda preocupados).
Esse relançamento é bastante justo, pois mesmo após
o fim do grupo, e sem que seus ex-integrantes tenham, em suas
carreiras solo, feito algo de semelhante relevo em comparação
aos trabalhos antigos do Cocteau Twins, é inegável
a importância que o grupo tem ainda hoje, influenciando
diversos grupos e artistas da atualidade.
Discografia
Garlands (1982)
Lullabies (EP, 1982)
Peppermint Pig (EP, 1983)
Head Over Heels (1983)
Sunburst and Snowblind (EP, 1983)
The Spangle Maker (EP, 1984)
Treasure (1984)
Aikea-Guinea (EP, 1985)
Tiny Dynamine (EP, 1985)
Echoes in a Shallow Bay (EP, 1985)
The Pink Opaque (1985)
Victorialand (1986)
The Moon and the Melodies (1986)
Love's Easy Tears (EP, 1986)
Blue Bell Knoll (1988)
Heaven or Las Vegas (1990)
Iceblink luck (single, 1990)
Heaven or Las Vegas (1991)
Box Set (1991)
Four-Calendar Café (1993)
Evangeline (single, 1993)
Snow (single, 1993)
Bluebeard (single, 1994)
Twinlights (EP, 1995)
Otherness (EP, 1995)
Milk & Kisses (1996)
Tishbite 1 (1996)
Tishbite 2 (1996)
Violaine 1 (1996)
Violaine 2 (1996)
BBC Sessions (1999)
Stars and Topsoil (2000)
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