Você sabe
qual foi a primeira banda independente inglesa a atingir o topo
das paradas oficiais britânicas? New Order? The Smiths?
Cocteau Twins? Nada disso. O feito pertence ao M|A|R|R|S, com
"Pump Up The Volume". Mas o grupo era apenas uma idéia
do chefe da 4AD, Ivo Watts-Russell, que juntou duas bandas de
seu cast: O A.R. Kane e o Colourbox. Pois hoje, contarei um pouco
a história inusitada dessa canção, que estourou
pelo mundo, em 1987, e deu uma montanha de dinheiro à 4AD
e a história desse duo de branquelas, que se juntava sempre
a uma cantora negra para fazer um som único.
Embora
eu nunca tenha tido uma paixão por esses trios em que dois
branquelos se escondem no meio da parafenália eletrônica
deixando uma cantora negra com o papel de "encantar"
a platéia, confesso que fui seduzido pelo Colourbox. A
primeira vez que ouvi falar deles foi em 1986, e no final da década
de 90 consegui comprar alguns compactos em vinil deles. Não
me arrependi. Aquela mistura de funk, dub, com climas oitentistas
até meio cavernosos e um belo vocal de uma musa, caía
muito bem. E quando descobri que haviam sido eles e o A.R. Kane
(outra banda que um dia falarei aqui) eram os responsáveis
pelo M/A/R/R/S, resolvi que precisaria contar essa história.
Se você não esteve fora do planeta na virada dos
anos 80 para 90 certamente dançou muito ao som de "Pump
Up The Volume". Vamos ao começo então...
Martyn e seu irmão
Steve Young começaram suas carreiras em Londres da mesma
maneira que dezenas de outros músicos: tocando em pequenas
bandas locais, com nítidas influências pós-punk.
E nessa época, os dois começaram a se interessar
muito pelos ritmos negros e, principalmente, por dub e reggae.
Mas
os dois tinham uma particularidade: odiavam subir em um palco.
"Jamais gostamos de ser vistos e por isso tocar ao vivo era
algo muito chato. O que queríamos era fazer música
dentro do estúdio. Não conseguia me ver subindo
em um palco e tocando minhas canções", conta
Martyn.
Dessa maneira, os dois
montaram algumas composições e enviaram para vários
selos. Uma delas caiu na mão de Ivan Watts-Russell, dono
da 4AD, através de um amigo comum deles. "Acho que
nessa fita já tinha 'Breakdown e Ivo gostou do que ouviu
e nos ofereceu um contrato para um compacto. Nessa época
começamos a considerar uma carreira de maneira mais séria",
conta Martyn.
Com a ajuda do amigo Ian
Robbins e com a cantora Debian Curry, batizaram a banda de Colourbox,
inspirado em um desenho animado de 1937. E foram os quatro que
produziram o primeiro single, Breakdown, que
fez um relativo sucesso na época do lançamento,
em 1982. No lado B aparecia "Tarantula".
Logo
após a edição do compacto, Ian e Debbian
deixaram o grupo e os dois irmãos começaram a procurar
uma nova cantora e acabaram encontrando Lorita Grahame, que vivia
em Leicester. Ela foi escolhida entre 30 cantoras e tinha uma
forte influência do gospel norte-americano.
Com ela, reeditaram o compacto
de estréia, apenas mudando o nome das canções
para "Breakdown #2" e "Tarantula #2".
O trio começou a
experimentar novas sonoridades, incorporando o hip-hop e rap de
Nova York e misturando com trilhas-sonoras das produções
de western spaghetti das televisões norte-americanas
dos anos 60 e 70. E o resultado de tudo isso foi o EP Colourbox,
ainda em 1983.
O
disco continha quatro faixas; "Shotgun", "Keep
On Pushing", Nation" e "Justice" e fez um
razoável sucesso. Um dos méritos do Colourbox era
não soar como mais ninguém na Inglaterra. Martyn
assumia o papel de diretor musical do trio, compondo, produzindo
e programando boa parte das canções. Steve havia
tido mais experiência tocando rapidamente com o Psychedelic
Furs, era multi-instrumentista e foi o responsável por
trazer os ritmos jamaicanos e a influência dos filmes B
à sonoridade do Colourbox.
Após o Ep, o grupo
lançou mais três singles - Say You e
Punch, ambos em 1984 e The Moon Is Blue,
em 1985.
E,
em agosto de 1985, o grupo lança o único LP de sua
carreira. Também batizado de Colourbox,
o disco continha 10 canções e 17 no formato cassete.
As faixas eram as seguintes nos dois formatos:
LP:
1. Sleepwalker
2. Just Give 'Em Whiskey
3. Say You
4. The Moon Is Blue
5. Inside Informer
6. Punch
7. Suspicion
8. Manic
9. You Keep Me Hanging On
10. Arena
faixas extras em
cassete:
11. Edit The Dragon
12. Hipnition
13. We Walk Around The Streets
14. Arena II
15. Manic II
16. Fast Dump
17. Sex Gun
O grupo só voltaria
a lançar em 1986, que seria um ano muito importante. Em
abril são editados dois compactos: The Official
Colourbox World Cup Theme e Baby I Love You So.
O primeiro acabou se tornando o hino oficial da seleção
inglesa na Copa do Mundo do México, no mesmo ano. É
a composição favorita de Martyn, que não
era grande fã de futebol: "quando a compus tinha o
beisebol e não o futebol em mente". A faixa é
totalmente instrumental e, ao menos, serviu para ajudar a Inglaterra
a fazer o artilheiro daquele mundial, com seis gols de Lineker.
O lado B continha a faixa "Philip Glass", em homenagem
ao compositor minimalista norte-americano. Martyn o encontrou
anos depois e Philip disse que havia gostado muito da composição.
O segundo compacto é
o meu favorito e como eles mesmos descreveram, trata-se um dub
cavernoso, com um belo vocal de Lorita. O lado B trazia "Looks
Like We're Shy One Horse" e fazia uma espécie de viagem
aos anúncios do cigarro Marlboro, que ficaram conhecidos
como o "Mundo de Marlboro".
Mas
a virada aconteceria de verdade no ano de 1987. Primeiro, eles
participaram da coletânea da 4AD (e que chegou a sair no
Brasil em vinil, sendo possível encontra-la em sebos),
Lonely Is An Eyesore, contendo faixas do Cocteau
Twins, Dif Juz, entre outros nomes do cast da gravadora.
A canção escolhida foi "Hot Doggie", extremamente
prejudicada na edição brasileira, ficando com o
som baixo e abafado.
E a grande zebra foi mesmo
um projeto bolado por Ivo Watts-Russel, o M|A|R|R|S. A história
nasceu quando Alex Rudi, do A. R. Kane, um dos grupos do seu selo
e que, depois faria o excepcional 69, pela Rough
Trade, disse que estava interessado em trabalhar com o produtor
Adrian Sherwood. Ivo sugeriu que ele trabalhasse com o Colourbox
apenas para ver o que aconteceria. O resultado disso foi, disparado,
o maior sucesso comercial de toda a carreira dos dois grupos,
da 4AD e de qualquer grupo independente.
A
sigla M|A|R|R|S nasceu usando as iniciais dos integrantes do projeto
- Martyn, Alex, Rudi, Russell (um integrante do A.R. Kane que
praticamente não tocou) e Steve e contou ainda com a ajuda
dos DJs Chris "CJ" Mackintosh e Dave Dorrell. Foram
feitas duas canções - "Antina" e "Pump
Up The Volume", canção que Martyn construiu
usando as guitarras do Kane como base.
Inicialmente foram prensadas
apenas 500 cópias e mandadas para os principais DJs do
país com um selo branco anônimo e sem nenhuma informação.
Durante seis semanas, a gravadora fez apenas esse expediente para
promover a canção. Mas "Pump Up The Volume"
começou a subir feito um foguete nas programações
de rádios. Utilizando bases dos rappers da época
- Public Enemy, Eric B and Rakim e até de James Brown,
o single logo logo bateu entre as 40 mais da parada oficial.
A canção
continuou a subir mais ainda e se alojou na primeira posição
oficial, fato inédito para um artista independente até
aquela ocasião, em 1987, por duas semanas.
"Quando a canção
chegou ao número 1, ficamos em choque, pois ela havia nascido
em clubes e não em rádios", conta Martyn. Mas
depois do sucesso começaram os inúmeros problemas.
O
primeiro foi que eles se recusavam a tocar ao vivo. Martyn e Steven
mantinham-se fiéis à postura de não se apresentarem.
"Todo mundo estranhou porque normalmente os artistas querem
ser vistos e conhecidos, mas isso não era para nós.
Quando recusamos a aparecer no Top Of The Pops, o mundo
pareceu cair em cima de nós."
E os problemas viraram
judiciais quando os produtores canalhas Stock, Aitken & Waterman
os processaram (e venceram) alegando que eles haviam roubado trechos
do hit "Roadblock", o que de fato havia acontecido.
A canção
também marcou o fim do Colourbox. "Não havia
mais como continuarmos a carreira. Éramos cobrado por um
novo sucesso, algo que foi totalmente surpreendente para nós.
Os
irmãos seguiram mais algum tempo ajudando artistas do selo
como o This Mortal Coil, enquanto Lorita se juntou ao Love Child
Orchestra. O último lançamento do grupo foi a coletânea
Best of 82/87, em 2001, que saiu, inclusive no
Brasil, com uma capa inteira preta. O disco traz 10 faixas, incluindo
o hino da Copa, "Baby I Love You So", "Hot Doggie"
e, obviamente, "Pump Up The Volume".
Deixo vocês com a
discografia do grupo. Um abraço e até a próxima
coluna.
Discografia
Breakdown, com Debian Curry
(compacto) (1982)
Breakdown, com Lorita Grahame (compacto) (1983)
Colourbox (EP, 1983)
Say You (compacto) (1984)
Punch (compacto) (1984)
The Moon Is Blue (compacto) (1985)
Colourbox (1985)
Baby, I Love You So (compacto) (1986)
The Official Colourbox World Cup Theme (compacto (1986)
M/A/R/R/S - Pump Up The Volume (compacto) (1987)
Best of 82/87 (2001)
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