182 - Colourbox


Você sabe qual foi a primeira banda independente inglesa a atingir o topo das paradas oficiais britânicas? New Order? The Smiths? Cocteau Twins? Nada disso. O feito pertence ao M|A|R|R|S, com "Pump Up The Volume". Mas o grupo era apenas uma idéia do chefe da 4AD, Ivo Watts-Russell, que juntou duas bandas de seu cast: O A.R. Kane e o Colourbox. Pois hoje, contarei um pouco a história inusitada dessa canção, que estourou pelo mundo, em 1987, e deu uma montanha de dinheiro à 4AD e a história desse duo de branquelas, que se juntava sempre a uma cantora negra para fazer um som único.


Martyn e Steve YoungEmbora eu nunca tenha tido uma paixão por esses trios em que dois branquelos se escondem no meio da parafenália eletrônica deixando uma cantora negra com o papel de "encantar" a platéia, confesso que fui seduzido pelo Colourbox. A primeira vez que ouvi falar deles foi em 1986, e no final da década de 90 consegui comprar alguns compactos em vinil deles. Não me arrependi. Aquela mistura de funk, dub, com climas oitentistas até meio cavernosos e um belo vocal de uma musa, caía muito bem. E quando descobri que haviam sido eles e o A.R. Kane (outra banda que um dia falarei aqui) eram os responsáveis pelo M/A/R/R/S, resolvi que precisaria contar essa história. Se você não esteve fora do planeta na virada dos anos 80 para 90 certamente dançou muito ao som de "Pump Up The Volume". Vamos ao começo então...

Martyn e seu irmão Steve Young começaram suas carreiras em Londres da mesma maneira que dezenas de outros músicos: tocando em pequenas bandas locais, com nítidas influências pós-punk. E nessa época, os dois começaram a se interessar muito pelos ritmos negros e, principalmente, por dub e reggae.

Steve e Martyn junto com a cantora Debian CurryMas os dois tinham uma particularidade: odiavam subir em um palco. "Jamais gostamos de ser vistos e por isso tocar ao vivo era algo muito chato. O que queríamos era fazer música dentro do estúdio. Não conseguia me ver subindo em um palco e tocando minhas canções", conta Martyn.

Dessa maneira, os dois montaram algumas composições e enviaram para vários selos. Uma delas caiu na mão de Ivan Watts-Russell, dono da 4AD, através de um amigo comum deles. "Acho que nessa fita já tinha 'Breakdown e Ivo gostou do que ouviu e nos ofereceu um contrato para um compacto. Nessa época começamos a considerar uma carreira de maneira mais séria", conta Martyn.

capa do compacto Breakdown, de 1982capa do compacto Breakdown, de 1983

Com a ajuda do amigo Ian Robbins e com a cantora Debian Curry, batizaram a banda de Colourbox, inspirado em um desenho animado de 1937. E foram os quatro que produziram o primeiro single, Breakdown, que fez um relativo sucesso na época do lançamento, em 1982. No lado B aparecia "Tarantula".

a nova formação. já contando com LoritaLogo após a edição do compacto, Ian e Debbian deixaram o grupo e os dois irmãos começaram a procurar uma nova cantora e acabaram encontrando Lorita Grahame, que vivia em Leicester. Ela foi escolhida entre 30 cantoras e tinha uma forte influência do gospel norte-americano.

Com ela, reeditaram o compacto de estréia, apenas mudando o nome das canções para "Breakdown #2" e "Tarantula #2".

O trio começou a experimentar novas sonoridades, incorporando o hip-hop e rap de Nova York e misturando com trilhas-sonoras das produções de western spaghetti das televisões norte-americanas dos anos 60 e 70. E o resultado de tudo isso foi o EP Colourbox, ainda em 1983.

capa do EP ColourboxO disco continha quatro faixas; "Shotgun", "Keep On Pushing", Nation" e "Justice" e fez um razoável sucesso. Um dos méritos do Colourbox era não soar como mais ninguém na Inglaterra. Martyn assumia o papel de diretor musical do trio, compondo, produzindo e programando boa parte das canções. Steve havia tido mais experiência tocando rapidamente com o Psychedelic Furs, era multi-instrumentista e foi o responsável por trazer os ritmos jamaicanos e a influência dos filmes B à sonoridade do Colourbox.

Após o Ep, o grupo lançou mais três singles - Say You e Punch, ambos em 1984 e The Moon Is Blue, em 1985.

capa do LP ColourboxE, em agosto de 1985, o grupo lança o único LP de sua carreira. Também batizado de Colourbox, o disco continha 10 canções e 17 no formato cassete. As faixas eram as seguintes nos dois formatos:

LP:

1. Sleepwalker
2. Just Give 'Em Whiskey
3. Say You
4. The Moon Is Blue
5. Inside Informer
6. Punch
7. Suspicion
8. Manic
9. You Keep Me Hanging On
10. Arena

faixas extras em cassete:

11. Edit The Dragon
12. Hipnition
13. We Walk Around The Streets
14. Arena II
15. Manic II
16. Fast Dump
17. Sex Gun

capa do compacto The Official Colourbox World Cup Themecapa do compacto Baby I Love You So

O grupo só voltaria a lançar em 1986, que seria um ano muito importante. Em abril são editados dois compactos: The Official Colourbox World Cup Theme e Baby I Love You So. O primeiro acabou se tornando o hino oficial da seleção inglesa na Copa do Mundo do México, no mesmo ano. É a composição favorita de Martyn, que não era grande fã de futebol: "quando a compus tinha o beisebol e não o futebol em mente". A faixa é totalmente instrumental e, ao menos, serviu para ajudar a Inglaterra a fazer o artilheiro daquele mundial, com seis gols de Lineker. O lado B continha a faixa "Philip Glass", em homenagem ao compositor minimalista norte-americano. Martyn o encontrou anos depois e Philip disse que havia gostado muito da composição.

O segundo compacto é o meu favorito e como eles mesmos descreveram, trata-se um dub cavernoso, com um belo vocal de Lorita. O lado B trazia "Looks Like We're Shy One Horse" e fazia uma espécie de viagem aos anúncios do cigarro Marlboro, que ficaram conhecidos como o "Mundo de Marlboro".

capa da coletânea Lonely Is An EyesoreMas a virada aconteceria de verdade no ano de 1987. Primeiro, eles participaram da coletânea da 4AD (e que chegou a sair no Brasil em vinil, sendo possível encontra-la em sebos), Lonely Is An Eyesore, contendo faixas do Cocteau Twins, Dif Juz, entre outros nomes do cast da gravadora. A canção escolhida foi "Hot Doggie", extremamente prejudicada na edição brasileira, ficando com o som baixo e abafado.

E a grande zebra foi mesmo um projeto bolado por Ivo Watts-Russel, o M|A|R|R|S. A história nasceu quando Alex Rudi, do A. R. Kane, um dos grupos do seu selo e que, depois faria o excepcional 69, pela Rough Trade, disse que estava interessado em trabalhar com o produtor Adrian Sherwood. Ivo sugeriu que ele trabalhasse com o Colourbox apenas para ver o que aconteceria. O resultado disso foi, disparado, o maior sucesso comercial de toda a carreira dos dois grupos, da 4AD e de qualquer grupo independente.

capa do compacto Pump Up The VolumeA sigla M|A|R|R|S nasceu usando as iniciais dos integrantes do projeto - Martyn, Alex, Rudi, Russell (um integrante do A.R. Kane que praticamente não tocou) e Steve e contou ainda com a ajuda dos DJs Chris "CJ" Mackintosh e Dave Dorrell. Foram feitas duas canções - "Antina" e "Pump Up The Volume", canção que Martyn construiu usando as guitarras do Kane como base.

Inicialmente foram prensadas apenas 500 cópias e mandadas para os principais DJs do país com um selo branco anônimo e sem nenhuma informação. Durante seis semanas, a gravadora fez apenas esse expediente para promover a canção. Mas "Pump Up The Volume" começou a subir feito um foguete nas programações de rádios. Utilizando bases dos rappers da época - Public Enemy, Eric B and Rakim e até de James Brown, o single logo logo bateu entre as 40 mais da parada oficial.

A canção continuou a subir mais ainda e se alojou na primeira posição oficial, fato inédito para um artista independente até aquela ocasião, em 1987, por duas semanas.

"Quando a canção chegou ao número 1, ficamos em choque, pois ela havia nascido em clubes e não em rádios", conta Martyn. Mas depois do sucesso começaram os inúmeros problemas.

O primeiro foi que eles se recusavam a tocar ao vivo. Martyn e Steven mantinham-se fiéis à postura de não se apresentarem. "Todo mundo estranhou porque normalmente os artistas querem ser vistos e conhecidos, mas isso não era para nós. Quando recusamos a aparecer no Top Of The Pops, o mundo pareceu cair em cima de nós."

E os problemas viraram judiciais quando os produtores canalhas Stock, Aitken & Waterman os processaram (e venceram) alegando que eles haviam roubado trechos do hit "Roadblock", o que de fato havia acontecido.

A canção também marcou o fim do Colourbox. "Não havia mais como continuarmos a carreira. Éramos cobrado por um novo sucesso, algo que foi totalmente surpreendente para nós.

Os irmãos seguiram mais algum tempo ajudando artistas do selo como o This Mortal Coil, enquanto Lorita se juntou ao Love Child Orchestra. O último lançamento do grupo foi a coletânea Best of 82/87, em 2001, que saiu, inclusive no Brasil, com uma capa inteira preta. O disco traz 10 faixas, incluindo o hino da Copa, "Baby I Love You So", "Hot Doggie" e, obviamente, "Pump Up The Volume".

Deixo vocês com a discografia do grupo. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Breakdown, com Debian Curry (compacto) (1982)
Breakdown, com Lorita Grahame (compacto) (1983)
Colourbox (EP, 1983)
Say You (compacto) (1984)
Punch (compacto) (1984)
The Moon Is Blue (compacto) (1985)
Colourbox (1985)
Baby, I Love You So (compacto) (1986)
The Official Colourbox World Cup Theme (compacto (1986)
M/A/R/R/S - Pump Up The Volume (compacto) (1987)
Best of 82/87 (2001)

 

 


 

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