305 - Cream

Qual foi o maior trio dos anos 60, The Jimi Hendrix Experience ou Cream? Para muitos foi o que tinha Ginger Baker, Jack Bruce e Eric Clapton, pelo simples fatos de serem músicos superiores - com de Clapton em relação ao canhoto norte-americano... Verdade ou mentira, o Cream teve uma breve vida - meros três anos - e deixou quatro discos de estúdios fabulosos e um legado imenso. Formado por três expoentes da cena de blues e jazz britânica, o trio teve ainda duas voltas, uma em 1993 e outra em 2005. E os velhinhos mostraram que ainda têm muita lenha pra queimar.


Ginger Baker, Jack Bruce e Eric ClaptonO nome já mostrava a pretensão: Cream. O creme do creme, a nata dos músicos britânicos.

Um trio que reunia três lendas da cena de blues e jazz da Inglaterra, músicos renomados, de grande técnica e grandes egos: assim nasceu o Cream. Apesar de pouco tempo juntos, a banda deixou um legado que podia ser percebido no trio de Jimi Hendrix, passando por Led Zeppelin, algumas vertentes do jazz e até no heavy metal, o que não os agradava muito.

O baterista Ginger Baker já tinha uma grande reputação, ao substituir Charlie Watts (que se mandou para entrar nos Rolling Stones) no grupo Alexis Korner's Blues Incorporated, em agosto de 1962.

Seis meses depois, deixou a banda, junto com o saxofonista e organista Graham Bond e o baixista Jack Bruce para formarem o Graham Bond Organisation. Junto com Dick Heckstall-Smith (sax tenor sax) e o guitarrista John McLaughlin, o Organisation lançous dois LPS, The Sound of '65 e There's a Bond Between Us. Bruce já começava a colocar as manguinhas de fora, esmerilhando no famoso baixo de pau de duas cordas quanto no moderno baixo de seis cordas Fender VI. Baker era o parceiro ideal, tocando com muita potência, criatividade. Juntos, eles eram um espetáculo à parte.

Bruce era um músico de grande técnica e que havia aprendido a tocar violoncelo e baixo de duas cordas em bandas de jazz, além de ser um pianista razoável. Além disso, era bom com gaita de boca, além de ter uma boa voz. Mas Baker e Bruce eram extremamente temperamentais e, certa vez, arrumaram uma tremenda briga no palco, quando Ginger jogou uma baqueta em sua cabeça; revoltado Jack arremessou o baixo e começou a chutar o kit de bateria. Só pararam quando entrou em cena a famosa turma do deixa-disso.

Enquanto isso, um jovem chamado de Deus, era a sensação do blues londrino. Após passar pelo Yardbirds - deixou o grupo quando eles se tornaram uma banda mais pop e lançaram o compacto For Your Love - Eric Clapton era membro fixo e a estrela do John Mayall & The Bluesbreakers. Sua estrela era tão grande que o grupo lançou o LP Bluesbreakers: John Mayall With Eric Clapton, em 1966. E, justamente, nessa época é que Bruce se agrega ao Bluesbreakers. Mas Bruce pouco ficou e logo se mandou para o Manfred Mann. Mas Eric não conseguia esquecer o som de Bruce e gostava como se entendiam. Quando John McVie ocupou o lugar deixado por Bruce, Eric resolveu sair fora para formar um grupo como o ex-colega. "Queria fazer algo diferente do que estava rolando e sabia que Jack tinha a capacidade de me acompanhar."

A idéia só tomou conta após Baker assistir um show dos Bluesbreakers. Ele tinha ido com a intenção de "roubar" Eric. "Ginger foi me ver tocar com John Mayall e após o show ele me levou de volta para Londres em seu Rover. Eu fiquei muito impressionado com o veículo e como ele dirigia. De repente, começou a falar que iria começar uma banda e me convidou para entrar. Eric aceitou a idéia e sugeriu o nome de Jack Bruce. Baker lembrou das rusgas que haviam tido antes, mas gostou da idéia, tanto que procurou o baixista e fizeram as pazes.

Os três então começaram a ensaiar na casa do baterista, em Neasden. Resolvem então batizar o trio de Cream, já que eram a "nata" da cena blues e jazz do Reino Unido. Um começo para lá de pretensioso. Ao descobrirem que um novo "supergrupo" nascia, vários empresários correram atrás do trio, que fechou com Robert Stigwood. Imaginando que três egos tão pesados logo iriam explodir, Stigwood começou a marcar shows em todos cantos para faturar enquanto podia. Isso só serviu para aumentar a rixa interna.

Os três perceberam que precisariam escrever material inédito para a nova empreitada. Após uma morna aparição no Windsor Jazz & Blues Festival, em julho de 1966, os três começaram a usar o material que Bruce tinha guardado. A banda fez o primeiro ensaio com o novo material em uma velha igreja e logo foram criando um bom repertório. Enquanto isso, a banda dava shows em pequenos clubes, com os fãs ficando até sete horas na fila para poder comprar ingressos!

Assinam com a Reaction, de Stigwood e lançam o primeiro compacto contendo as músicas "Wrapping Paper" e "Cat's Squirrel".

Pete BrownO lançamento frustrou os fãs e irrita Clapton e Baker, que acusam Jack Bruce e Pete Brown (amigo, letrista e co-autor de várias músicas do trio) de terem lançado o compacto pelas costas. Anos depois, Baker admitira que "Wrapping Paper" foi uma das maiores porcarias que já escreveu.

A entrada de Pete Brown se deu à inexperiência de Ginger Baker e Eric Clapton como compositores. A dupla nasceu, por acaso. Estávamos eu e Ginger em casa com Pete e minha esposa, Janet. Ginger e Pete queriam escrever algo, mas não conseguiam ir muito longe. Então, Ginger começou a escrever com minha esposa e eu com Pete. Como resultado, minha esposa e Ginger escreveram "Sweet Wine" e eu Pete fizemos várias canções.

capa do disco Fresh CreamNo próximo compacto, a história já seria outra. Lançado em dezembro de 1966, I Feel Free / N.S.U. foi para a 11ª posição na parada britânica, no mesmo mês em que é lançado o primeiro LP do trio, Fresh Cream. O disco chegou ao sexto posto da parada britânica e 39º nos EUA.

Apesar de ótimas composições e excelente recriação de "Spoonful", Fresh Cream era essencialmente um disco de blues, embora tocado em alto volume e com uma criatividade assombrosa.

Após o lançamento, a banda faz a primeira turnê à América, em março de 1967. Após a boa acolhida, a banda resolve voltar à Nova York, entre os dias 11 e 15 de maio para gravarem um novo LP, com um novo produtor.

Desta vez, ao invés de trabalharem com Robert Stigwood, iriam se juntar a Felix Pappalardi e ao renomado engenheiro Tom Dowd.

Clapton resolveu usar algumas técnicas novas em sua guitarra, embebedá-la de "wah-wah" saíram de lá com um grande disco, com 11 músicas e certos de que fariam um enorme sucesso.

O lançamento, porém, só aconteceu seis meses depois e a novidade já não era tamanha, uma injustiça com um álbum tão genial como Disraeli Gears.

Com hits do calibre de "Strange Brew", "Tales of Brave Ulysses" e"Sunshine of Your Love", Disraeli Gears teve o lançamento retardado por alguns executivos da gravadora. Enquanto isso, um fã ardoroso de Eric Clapton chamado Jimi Hendrix toma de assalto o planeta com Are You Experienced? Mais do que roubar a cena, o segundo LP do Cream parecia excessivamente comportado após isso.

Eric confessa que ficou irritado quando o furacão Hendrix aterrisou no planeta: "em todo canto que eu ia me perguntavam 'você conhece Jimi Hendrix, já tocou com ele?' Meu Deus, ele havia feito uma jam comigo tempos atrás e, de repente, aquele desconhecido era a nova sensação. Eu estava para morrer!"

Clapton não morreu e, ainda assim, o disco foi um baita sucesso ficando em quinto lugar, tanto na América como no Reino Unido. E o Cream ainda era imbatível no palco.

As longas improvisações e a maestria dos músicos faziam com que cada canção pudesse ter mais de 20 minutos, enlouquecendo todos os convidados que subiam no palco com eles, como era o caso do grande ídolo de Clapton, Buddy Guy.

O disco trazia as seguintes faixas:

Lado 1

1. "Strange Brew" (Eric Clapton, Felix Pappalardi, Gail Collins Pappalardi) – 2:46
2. "Sunshine of Your Love" (Clapton, Jack Bruce, Pete Brown) – 4:10
3. "World of Pain" (Pappalardi, Collins) – 3:03
4. "Dance the Night Away" (Bruce, Brown) – 3:34
5. "Blue Condition" (Ginger Baker) – 3:29

Lado 2

6. "Tales of Brave Ulysses" (Clapton, Martin Sharp) – 2:46
7. "SWLABR" (Bruce, Brown) – 2:32
8. "We're Going Wrong" (Bruce) – 3:26
9. "Outside Woman Blues" (Blind Joe Reynolds, arr. Clapton) – 2:24
10. "Take It Back" (Bruce, Brown) – 3:05
11. "Mother's Lament" (Traditional, arr. Clapton, Bruce, Baker) – 1:47

Mas a banda vivia momentos tensos internamente. Quando Jack Bruce descobriu que a linha de baixo usando na mixagem de "Strange Brew" continha alguns erros e que não era a linha correta que ele havia gravado. Irritado, foi tomar satisfação de Robert Stigwood, que assustado, argumentou que como os custos das gravações estavam altos, mixaram a música rapidamente e por acidente limaram a linha de baixo original. O fato só serviu para aumentar a desconfiança de Jack Bruce com os demais.

Dessa maneira, as tensões aumentaram. Bruce, de propósito, aumentava o volume dos amplificadores para abafar a guitarra de Clapton, que por sua vez, pedia a um roadie para aumentar o som de seu instrumento quando solasse. Invariavelmente, os dois batiam-boca ferozmente no palco.

As drogas e as tietes também começavam a fazer estragos e Ginger Baker vivia sumido com as namoradas e voltava sempre chapado e bêbado para os ensaios ou apresentações. Os três músicos começavam a não suportar mais e gravavam de cara amarrada, como se fosse apenas uma obrigação. Para piorar, havia uma mega turnê de quatro meses nos Estados Unidos. A rixa entre eles aumentava, bem como o sucesso.

E o sucesso, que já era grande, ficou ainda maior quando lançam o duplo Wheels of Fire, que ficou em primeiro lugar na parada dos EUA, em julho de 1968 e em terceiro, no Reino Unido. A produção, novamente, era assinada por Felix Pappalardi, que tocou vários instrumentos no disco.

O LP trazia dois lados bem distintos: um, de estúdio, com os recursos de gravações mais modernos e o segundo, com músicas ao vivo, gravado em Fillmore, incluindo a fantástica versão de "Crossroads", que Clapton considera seu melhor trabalho como guitarrista.

O disco trazia as seguintes faixas:

Disco 1

Lado 1

1. "White Room" (Jack Bruce, Pete Brown) – 4:58
2. "Sitting on Top of the World" (Howlin' Wolf) – 4:58
3. "Passing the Time" 1 (Ginger Baker, Mike Taylor) – 4:37
4. "As You Said" (Bruce, Brown) – 4:20
5. "Pressed Rat and Warthog" (Baker, Taylor) – 3:13

Lado 2

6. "Politician" (Bruce, Brown) – 4:12
7. "Those Were the Days" (Baker, Taylor) – 2:53
8. "Born Under a Bad Sign" (Booker T. Jones, William Bell) – 3:09
9. "Deserted Cities of the Heart" (Bruce, Brown) – 3:38
10. "Anyone for Tennis" 2 (Eric Clapton, Martin Sharp) - 2:39

Disco 2

Lado 1
1. "Crossroads" (Robert Johnson, arr. Clapton) – 4:14
2. "Spoonful" (Willie Dixon) – 16:48

Lado 2

3. "Traintime" (Bruce) – 6:52
4. "Toad" (Baker) – 16:16

A presença assídua de Pappalardi nas gravações causou mais problemas, já que Bruce achava que ele favorecia a Clapton e Baker e o prejudicava. E Clapton acabou por azedar o clima entre eles ao dar uma famosa entrevista para a revista Rolling Stone.

Arrogante e com a cabeça cheia de drogas, Clapton começou a criticar todos os músicos de sua artista, afirmando, entre outras coisas, que Jimi Hendrix não era tão fantástico e que o The Who era um excelente banda ao vivo, mas que não estavam inovando em área alguma.

Para piorar, o crítico Jon Landau, havia detonado um show do Cream, dizendo que o guitarrista era o "mestre dos clichês e que só sabe copiar idéias alheias."

Quando Clapton leu a entrevista, ficou em ruínas. Ele percebeu que a revista o havia deixado falar além da conta e que ele soava pedante e arrogante. Para piorar, a resenha do espetáculo acabou ainda mais com ele, que atravessava um período pessoal difícil. Quando Clapton leu que era um mestre em copiar a idéia dos outros, ficou furioso e disse que não queria mais saber da banda.

Clapton resolve sumir por uns tempos e retoma a amizade com George Harrison, abalada desde que ele havia roubado a esposa do beatle, Patty Boyd. George o então convida para participar das gravações do disco The Beatles. Agradecido, Clapton sola lindamente em "While My Guitar Gently Weeps".

Com Clapton oscilando, a banda não sabia se ainda existia ou não. A banda só aparece no final de 1968 para anunciar a "turnê do adeus."

Uma imensa turnê correu a América e a Europa, com lotações esgotadas e presença maciça de jornalistas. O show derradeiro aconteceu no Royal Albert Hall, no dia 26 de novembro de 1968, com o novato trio Taste abrindo. O Taste era liderado pelo talentoso guitarrista Rory Gallagher.

Em 1969, sai o derradeiro disco, Goodbye Cream, contendo sobras de Wheels of Fire e um lado ao vivo. O disco era composto das seguintes músicas...

Lado 1

1. "I'm So Glad" (Skip James) – 9:13
2. "Politician" (Jack Bruce, Pete Brown) – 6:20
3. "Sitting on Top of the World" (Chester Burnett) – 5:04

Lado 2

4. "Badge" (Eric Clapton, George Harrison) – 2:47
5. "Doing That Scrapyard Thing" (Bruce, Brown) – 3:18
6. "What a Bringdown" (Ginger Baker) – 3:57

O disco marcou o adeus e por muito tempo os músicos manteram uma certa distância. Mas em 1993, eis que o trio se reúne ao serem eleitos no Rock and Roll Hall of Fame.

O grupo toca três músicas - "Sunshine of Your Love", "Crossroads"e "Born Under a Bad Sign", que jamais haviam tocado na vida.

Novo hiato de 11 anos, quando em 2004 é anunciado a volta do trio para uma série quatro shows no Royal Albert Hall, nos dias 2, 3, 5 e 6. Os concertos teriam um clima de muita emoção, já que Jack Bruce havia quase morrido ao passar por uma delicada cirurgia de transplante de fígado enquanto Baker sofria com sérios problemas de artrite.

Os ingressos foram esgotados em apenas uma hora e na platéia era possível ver Paul McCartney, Ringo Starr, Steve Winwood, Roger Waters, Brian May (Queen), Jimmy Page, além de Mick Taylor e Bill Wyman. Pela primeira vez tocaram "Badge" and "Pressed Rat and Warthog". O sucesso foi tão grande que repetiram o feito em Nova York, nos dias 24, 25 e 26 de outubro, no Madison Square Garden.

Seria o fim glorioso da banda e os shows viraram CD e DVD.

Deixo vocês com uma foto antiga da banda e a discografia. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Discos

Fresh Cream (1966)
Disraeli Gears (1967)
Wheels of Fire (1968)
Goodbye (1969)
Live Cream (1970)
Live Cream Volume II (1972)
Royal Albert Hall London May 2-3-5-6 2005 (2005)

Singles

"Wrapping Paper" / "Cat's Squirrel" (1966)
"I Feel Free" / "N.S.U." - December (1966)
"Strange Brew" / "Tales of Brave Ulysses" - (1967)
"Anyone for Tennis" / "Pressed Rat and Warthog" - (1968)
"Sunshine of Your Love" / "SWLABR" - (1968)
"Spoonful part 1" / "Spoonful part 2" - (1968)
"White Room" / "Those Were The Days" - (1969)
"Crossroads" / "Passing the Time" - (1969)
"Badge" / "What a Bringdown" - (1969)
"Sweet Wine" / "Lawdy Mama" - (1970)

Coletâneas

Best of Cream (1969)
Heavy Cream (1972)
Strange Brew: The Very Best of Cream (1983)
Creme de la Cream (1992)
The Very Best of Cream (1995)
Those Were The Days (1997)
20th Century Masters: The Millennium Collection: The Best of Cream (2000)
BBC Sessions (2003)
I Feel Free Ultimate Cream (2005)
Cream Gold (2005)

 


 

 

Colunas