464 - The Creation

Muito antes de Jimmy Page impressionar o mundo tocando sua guitarra com o arco de violino, Eddie Phillips utilizava o "truque", no single "Painter Man", de 1967, dos Creations, uma banda mod, que não chegou a gravar um LP inteiro, mas gerou um grande culto. Um de seus grandes fãs, um escocês de nome Alan McGee resolveu fundar um selo independente, em 1983, chamado Creation Records, em homenagem aos seus heróis e que projetou ao mundo The Jesus and Mary Chain, My Bloody Valentine, Ride, Primal Scream, House of Love, Felt, Oasis etc. O grupo ainda teve, em suas últimas formações, um guitarrista novato de nome Ron Wood. Alguém o conhece?


"Our Music Is Red With Purple Flashes."

Era dessa maneira que Eddie Phillips, guitarrista e líder descrevia os Creations, uma das bandas inglesas dos anos 60 mais cultuadas. Apesar de serem contemporâneos do The Who e talentosos, o destino não sorriu para eles, como o grupo de Pete Townshend.

Se você procura um guitarrista desconhecido para venerar e mostrar aos amigos, esse senhor de 70 anos, nascido Edwin Michael Phillips, em Leytonstone, Londres, no dia 15 de agosto de 1942, é uma excelente escolha.

Ele e Pete foram mestres no inovador uso do feedback e existe uma lenda em que Pete o convidou para ser o segundo guitarrista do Who, oferta recusada. Pete amava tanto o Creation que - segundo outra lenda - fazia parte do fã clube da banda.

Como todo menino dos anos 50, Eddie ficou maluco ao ouvir Elvis Presley e acabou comprando uma velha guitarra acústica por apenas £4.

O menino de 15 anos não tinha a menor idéia de como tocar o instrumento ou afiná-lo, nos primeiros meses. Meses depois, ao ver Buddy Holly resolveu montar sua própria guitarra, apaixonado que ficou pela Fender Stratocaster de Holly.

Sua primeira providência foi desenhar toscamente o formato da guitarra e entregar a um amigo que cortava madeira. De uma outra guitarra, arrancou o braço e a colocou no corpo feito pelo seu colega. O som não ficou tão ruim e depois saiu atrás de amplificadores e estudou como deveria fazer para eletrificar o instrumento.

Após descobrir e dominar a guitarra, Eddie garante que pouco se importou com o piano que tinha em casa e que aprendeu a tocar ouvindo Frank Sinatra, Dean Martin e Perry Como.

Aos 20 anos resolveu montar uma banda, Mark Four, que lançou quatro compactos pela Mercury, entre 1964 e 1965. O grupo era formado por Kenny Pickett (vocal), Eddie Phillips (guitarra), Mick "Spud" Thompson (guitarra rítmica), John Dalton (baixo) e Jack Jones (bateria).

O Mark Four acabou angariando muitos fãs na Alemanha, país no qual o Creation foi extremamente popular a ponto de lançar um LP por lá.

Dalton acabaria indo para o Kinks, no lugar de Pete Quaife, entrando Tony Cooke. Sem Mick "Spud" Thompson (guitarra rítmica), a banda acabou se fixando como quarteto e lançou os compactos Hurt Me (If You Will) (pela gravadora Decca, em agosto de 1965) e Work All Day (Sleep All Night) (pela Fontana, em fevereiro de 1966).

Eddie guarda boas lembranças: "O Mark Four era uma boa banda, tínhamos boa presença de palco, realizávamos bons shows e seguíamos a tendência da época. Em 1964, nos aproximamos mais do blues e do R&B, influenciados pelos mestres daqueles dias: Brian Auger Trinity, Long John Baldry, John Mayall."

Foi nessa época que Eddie começou a experimentar com a música e admite que seu mundo se transformou quando adquiriu uma Gibson 335 vermelho cereja.

"Com ela, comecei a usar o feedback e um dia pensei o que aconteceria se eu a tocasse com um arco de violino. Foi espantoso, ninguém mais soava assim, era algo totalmente diferente, agressivo. Sem falar que ficava ótimo no palco!"

Em 1966 assinam contrato com o empresário Tony Stratton-Smith, que pede duas coisas: a entrada do baixista Bob Garner (ex-Tony Sheridan Band), no lugar de Tony Cooke e um novo nome para o grupo. Após pensarem um pouco, o Kenny Pickett sugere The Creation.

Stratton-Smith resolve investir pesado e contrata o produtor dos primeiros singles do The Who, Shel Talmy, que lança pelo seu próprio selo, Planet, o single Making Time. O som era puro Who. Eddie mostrava que nada devia a Townshend como guitarrista e Jack Jones tentava imitar o inimitável estilo de Keith Moon.

Jones, aliás, chegou a ser substituido por Dave Preston, mas em três semanas voltou ao grupo, já que Preston mostrou-se inadequado ao som do Creation.

O lado B trazia a canção "Try and Stop Me".

Com o sucesso, a banda começou a viajar com vários grupos, inclusive o The Who, abrindo seus shows, não apenas na Inglaterra, mas também, na Alemanha: Little Richard, The Rolling Stones, Cream, Walker Bros, The Who, Manfred Mann, Long John Baldry, Pretty Things, Small Faces.

E, entre todos, o que mais impressionou Eddie Phillips foi Little Richard. "Ele era um dos meu heróis e veio para um programa de tv novo, o Ready Steady Go. Que artista, que simpatia! Ele chegou a assinar um autógrafo nas costas de minha guitarra. Ele era o meu grande ídolo, ao lado de Elvis e Ricky Nelson. O primeiro solo de guitarra que tirei foi "Its Late", de Nelson. Levei dois dias para aprendê-lo."

(capa do EP Painter Man)

Após o primeiro single, a banda grava o segundo, Painter Man, que se torna a grande marca do grupo, não apenas pelo solo de arco de violino, mas porque Pickett costumava pintar um tela, nos shows.

O lado B trazia "Biff Bang Pow" e, meses depois, é editado um EP com quatro músicas, sem incluir, no entanto, o lado B.

O single ficou apenas na 36ª posição no Reino Unido, mas tornou-se um sucesso na Alemanha Ocidental, entrando nas 10 mais.

O Creation passou boa parte do tempo excursionando pelo país, onde se metiam em confusões com a polícia e com a platéia, mas selvagem e receptiva do que a inglesa.

"Tínhamos nossos problemas com a lei, parecia que a Gestapo mandava ainda lá e alguns espectadores eram mais selvagens, especialmente na hora de tocarmos 'Painter Man'. Mas, quase nunca era algo grave. Os shows mais perigosos eram em Munique, mas guardo ótimas lembranças", garante Eddie.

Em 1967, a banda promove mudanças radicais, entrando um novo baixista, Kim Gardner, já que Bob Garner assumiu o posto de Kenny Pickett, que deixou o grupo. Após ver o single Tom Tom obter boa vendagem na Alemanha, resolvem editar no país o único LP oficial do Creation, que não seria editado, na Inglaterra We Are Paintermen.

O disco trazia algumas covers, casos de "Like a Rolling Stone" (Bob Dylan) e "Hey Joe", em uma versão bem próxima a de Jimi Hendrix. O disco acabaria sendo editado na Suécia, Holanda e França

Lado A

01. Cool Jerk 2:21
02. Making Time 2:58
03. Through My Eyes 3:08
04. Like a Rolling Stone 3:00
05. Can I Join Your Band 3:06
06. Tom Tom 2:58

Lado B

01. Try and Stop Me 2:29
02. If I Stay too Long 3:24
03. Biff, Bang, Pow! 2:27
04. Nightmares 3:14
05. Hey Joe 4:10
06. Painter Man 2:53

Shel Talmy ainda tentaria emplacar os singles no mercado norte-americano, mas sem sucesso.

E, para piorar, após o single Life Is Just Beginning, Eddie Phillips anuncia que deixará o grupo, entrando Tony Ollard.

Meses depois é a vez de Bob Garner sair, mas como o grupo tinha várias turnês agendadas e, dessa forma, retornam Kenny Pickett, Kim Gardner e um guitarrista da banda Birds (não confundir com os americanos do Byrds), Ron Wood.

A nova formação lança os singles Midway Down, Bony Moronie e For All That I Am, estes dois últimos postumamente.

Eddie confessa que o fim da banda aconteceu pela falta de compromisso dos integrantes e até dos empresários. "Foi uma pena não termos excursionado pelo Estados Unidos, mas acho que deixamos boas músicas e um legado que não pode ser desprezado."

Uma ótima pedida em disco é a coletânea Our Music Is Red - With Purple Flashes, de 1998, com todas as gravações realizadas pela banda, em catálogo e a um preço bom na Amazon Inglesa.

Após o final, Ron Wood foi realmente o de maior sucesso, tocando com Jeff Beck Group, Faces e os Rolling Stones. Eddie Phillips teve uma carreira em outras bandas, trabalhou com P.P. Arnold, desistindo da carreira musical, na década de 70.

Kenny Pickett tentou uma carreira-solo e chegou a ser, ironicamente, a trabalhar como técnico de guitarra para Jimmy Page!

Deixo vocês com a discografia da banda. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Singles

June 1966 - "Making Time" / "Try and Stop Me"
October 1966 - "Painter Man" / "Biff Bang Pow"
1967 - "Cool Jerk" / "Life Is Just Beginning" (Germany only)
June 1967 - "If I Stay Too Long" / "Nightmares"
October 1967 - "Life is Just Beginning" / "Through My Eyes"
February 1968 - "How Does it Feel to Feel" / "Tom Tom"
May 1968 - "Midway Down" / "The Girls are Naked" (Polydor 56246)
1968 - "Bonney Moroney" b/w "Mercy, Mercy, Mercy" (Germany only, Hit-ton HT 300210)
1968 - "For All that I Am" b/w "Uncle Bert" (Hit-ton HT 300235, Germany)
April 1987 - "A Spirit called Love" / "Making Time" (+ bonus track "Mumbo Jumbo" on 12" EP)
July 1994 - "Creation" / "Shock Horror" / "Power Surge" (CD single)
July 2008 - "Red With Purple Flashes" (1 sided Promo - strictly limited 200 only Planet 240708)

Álbuns

We Are Paintermen (Hit-ton, lançado apenas na Alemanha, Holanda, França e Suécia) (1967)
Power Surge (1996)

Coletâneas e discos ao vivo

The Best of The Creation (1968)
Creation 66-67 (1973)
The Creation (1975)
The Mark Four/The Creation (1982)
How Does it Feel to Feel? (1982)
Recreation (1984)
Live at the Beat Scene Club (1985)
Lay the Ghost (1993)
Painter Man (1994)
Our Music Is Red - With Purple Flashes (1998)
Complete Collection, Vol. 1: Making Time (1998)
Complete Collection, Vol. 2: Biff Bang Pow (1998)
Psychedelic Rose: The Great Lost Creation Album (2004)
The Singles Collection (2007)

 

 

 

Colunas