Muito antes de Jimmy Page impressionar
o mundo tocando sua guitarra com o arco de violino, Eddie Phillips
utilizava o "truque", no single "Painter Man",
de 1967, dos Creations, uma banda mod, que não chegou a
gravar um LP inteiro, mas gerou um grande culto. Um de seus grandes
fãs, um escocês de nome Alan McGee resolveu fundar
um selo independente, em 1983, chamado Creation Records, em homenagem
aos seus heróis e que projetou ao mundo The Jesus and Mary
Chain, My Bloody Valentine, Ride, Primal Scream, House of Love,
Felt, Oasis etc. O grupo ainda teve, em suas últimas formações,
um guitarrista novato de nome Ron Wood. Alguém o conhece?
"Our
Music Is Red With Purple Flashes."
Era dessa maneira que Eddie
Phillips, guitarrista e líder descrevia os Creations, uma
das bandas inglesas dos anos 60 mais cultuadas. Apesar de serem
contemporâneos do The Who e talentosos, o destino não
sorriu para eles, como o grupo de Pete Townshend.
Se você procura um
guitarrista desconhecido para venerar e mostrar aos amigos, esse
senhor de 70 anos, nascido Edwin Michael Phillips, em Leytonstone,
Londres, no dia 15 de agosto de 1942, é uma excelente escolha.
Ele e Pete foram mestres
no inovador uso do feedback e existe uma lenda em que Pete o convidou
para ser o segundo guitarrista do Who, oferta recusada. Pete amava
tanto o Creation que - segundo outra lenda - fazia parte do fã
clube da banda.
Como todo menino dos anos
50, Eddie ficou maluco ao ouvir Elvis Presley e acabou comprando
uma velha guitarra acústica por apenas £4.
O menino de 15 anos não
tinha a menor idéia de como tocar o instrumento ou afiná-lo,
nos primeiros meses. Meses depois, ao ver Buddy Holly resolveu
montar sua própria guitarra, apaixonado que ficou pela
Fender Stratocaster de Holly.
Sua primeira providência
foi desenhar toscamente o formato da guitarra e entregar a um
amigo que cortava madeira. De uma outra guitarra, arrancou o braço
e a colocou no corpo feito pelo seu colega. O som não ficou
tão ruim e depois saiu atrás de amplificadores e
estudou como deveria fazer para eletrificar o instrumento.
Após descobrir e
dominar a guitarra, Eddie garante que pouco se importou com o
piano que tinha em casa e que aprendeu a tocar ouvindo Frank Sinatra,
Dean Martin e Perry Como.
Aos
20 anos resolveu montar uma banda, Mark Four, que lançou
quatro compactos pela Mercury, entre 1964 e 1965. O grupo era
formado por Kenny Pickett (vocal), Eddie Phillips (guitarra),
Mick "Spud" Thompson (guitarra rítmica), John
Dalton (baixo) e Jack Jones (bateria).
O Mark Four acabou angariando
muitos fãs na Alemanha, país no qual o Creation
foi extremamente popular a ponto de lançar um LP por lá.
Dalton acabaria indo para
o Kinks, no lugar de Pete Quaife, entrando Tony Cooke. Sem Mick
"Spud" Thompson (guitarra rítmica), a banda acabou
se fixando como quarteto e lançou os compactos Hurt
Me (If You Will) (pela gravadora Decca, em agosto de
1965) e Work All Day (Sleep All Night) (pela
Fontana, em fevereiro de 1966).
Eddie guarda boas lembranças:
"O Mark Four era uma boa banda, tínhamos boa presença
de palco, realizávamos bons shows e seguíamos a
tendência da época. Em 1964, nos aproximamos mais
do blues e do R&B, influenciados pelos mestres daqueles dias:
Brian Auger Trinity, Long John Baldry, John Mayall."
Foi nessa época
que Eddie começou a experimentar com a música e
admite que seu mundo se transformou quando adquiriu uma Gibson
335 vermelho cereja.
"Com ela, comecei
a usar o feedback e um dia pensei o que aconteceria se eu a tocasse
com um arco de violino. Foi espantoso, ninguém mais soava
assim, era algo totalmente diferente, agressivo. Sem falar que
ficava ótimo no palco!"
Em 1966 assinam contrato
com o empresário Tony Stratton-Smith, que pede duas coisas:
a entrada do baixista Bob Garner (ex-Tony Sheridan Band), no lugar
de Tony Cooke e um novo nome para o grupo. Após pensarem
um pouco, o Kenny Pickett sugere The Creation.
Stratton-Smith
resolve investir pesado e contrata o produtor dos primeiros singles
do The Who, Shel Talmy, que lança pelo seu próprio
selo, Planet, o single Making Time. O som era
puro Who. Eddie mostrava que nada devia a Townshend como guitarrista
e Jack Jones tentava imitar o inimitável estilo de Keith
Moon.
Jones, aliás, chegou
a ser substituido por Dave Preston, mas em três semanas
voltou ao grupo, já que Preston mostrou-se inadequado ao
som do Creation.
O lado B trazia a canção
"Try and Stop Me".
Com o sucesso, a banda
começou a viajar com vários grupos, inclusive o
The Who, abrindo seus shows, não apenas na Inglaterra,
mas também, na Alemanha: Little Richard, The Rolling Stones,
Cream, Walker Bros, The Who, Manfred Mann, Long John Baldry, Pretty
Things, Small Faces.
E, entre todos, o que mais
impressionou Eddie Phillips foi Little Richard. "Ele
era um dos meu heróis e veio para um programa de tv novo,
o Ready Steady Go. Que artista, que simpatia! Ele chegou a assinar
um autógrafo nas costas de minha guitarra. Ele era o meu
grande ídolo, ao lado de Elvis e Ricky Nelson. O primeiro
solo de guitarra que tirei foi "Its Late", de Nelson.
Levei dois dias para aprendê-lo."
(capa
do EP Painter Man)
Após o primeiro
single, a banda grava o segundo, Painter Man,
que se torna a grande marca do grupo, não apenas pelo solo
de arco de violino, mas porque Pickett costumava pintar um tela,
nos shows.
O lado B trazia "Biff
Bang Pow" e, meses depois, é editado um EP com quatro
músicas, sem incluir, no entanto, o lado B.
O single ficou apenas na
36ª posição no Reino Unido, mas tornou-se um
sucesso na Alemanha Ocidental, entrando nas 10 mais.
O Creation passou boa parte
do tempo excursionando pelo país, onde se metiam em confusões
com a polícia e com a platéia, mas selvagem e receptiva
do que a inglesa.
"Tínhamos
nossos problemas com a lei, parecia que a Gestapo mandava ainda
lá e alguns espectadores eram mais selvagens, especialmente
na hora de tocarmos 'Painter Man'. Mas, quase nunca era algo grave.
Os shows mais perigosos eram em Munique, mas guardo ótimas
lembranças", garante
Eddie.
Em 1967, a banda promove
mudanças radicais, entrando um novo baixista, Kim Gardner,
já que Bob Garner assumiu o posto de Kenny Pickett, que
deixou o grupo. Após ver o single Tom Tom obter
boa vendagem na Alemanha, resolvem editar no país o único
LP oficial do Creation, que não seria editado, na Inglaterra
We Are Paintermen.
O disco trazia algumas
covers, casos de "Like a Rolling
Stone" (Bob Dylan) e "Hey
Joe", em uma versão bem próxima a de Jimi Hendrix.
O disco acabaria sendo editado na Suécia, Holanda e França
Lado A
01. Cool Jerk 2:21
02. Making Time 2:58
03. Through My Eyes 3:08
04. Like a Rolling Stone 3:00
05. Can I Join Your Band 3:06
06. Tom Tom 2:58
Lado B
01. Try and Stop Me 2:29
02. If I Stay too Long 3:24
03. Biff, Bang, Pow! 2:27
04. Nightmares 3:14
05. Hey Joe 4:10
06. Painter Man 2:53
Shel
Talmy ainda tentaria emplacar os singles no mercado norte-americano,
mas sem sucesso.
E, para piorar, após
o single Life Is Just Beginning, Eddie Phillips
anuncia que deixará o grupo, entrando Tony Ollard.
Meses depois é a
vez de Bob Garner sair, mas como o grupo tinha várias turnês
agendadas e, dessa forma, retornam Kenny Pickett, Kim Gardner
e um guitarrista da banda Birds (não confundir com os americanos
do Byrds), Ron Wood.
A nova formação
lança os singles Midway
Down, Bony Moronie e For All
That I Am, estes dois últimos postumamente.
Eddie confessa que o fim
da banda aconteceu pela falta de compromisso dos integrantes e
até dos empresários. "Foi uma pena não
termos excursionado pelo Estados Unidos, mas acho que deixamos
boas músicas e um legado que não pode ser desprezado."
Uma
ótima pedida em disco é a coletânea Our
Music Is Red - With Purple Flashes, de 1998, com todas
as gravações realizadas pela banda, em catálogo
e a um preço bom na
Amazon Inglesa.
Após o final, Ron
Wood foi realmente o de maior sucesso, tocando com Jeff Beck Group,
Faces e os Rolling Stones. Eddie Phillips teve uma carreira em
outras bandas, trabalhou com P.P. Arnold, desistindo da carreira
musical, na década de 70.
Kenny Pickett tentou uma
carreira-solo e chegou a ser, ironicamente, a trabalhar como técnico
de guitarra para Jimmy Page!
Deixo vocês com a
discografia da banda. Um abraço e até a próxima
coluna.
Discografia
Singles
June 1966 - "Making Time" / "Try
and Stop Me"
October 1966 - "Painter Man" / "Biff Bang Pow"
1967 - "Cool Jerk" / "Life Is Just Beginning"
(Germany only)
June 1967 - "If I Stay Too Long" / "Nightmares"
October 1967 - "Life is Just Beginning" / "Through
My Eyes"
February 1968 - "How Does it Feel to Feel" / "Tom
Tom"
May 1968 - "Midway Down" / "The Girls are Naked"
(Polydor 56246)
1968 - "Bonney Moroney" b/w "Mercy, Mercy, Mercy"
(Germany only, Hit-ton HT 300210)
1968 - "For All that I Am" b/w "Uncle Bert"
(Hit-ton HT 300235, Germany)
April 1987 - "A Spirit called Love" / "Making Time"
(+ bonus track "Mumbo Jumbo" on 12" EP)
July 1994 - "Creation" / "Shock Horror" /
"Power Surge" (CD single)
July 2008 - "Red With Purple Flashes" (1 sided Promo
- strictly limited 200 only Planet 240708)
Álbuns
We Are Paintermen (Hit-ton, lançado
apenas na Alemanha, Holanda, França e Suécia) (1967)
Power Surge (1996)
Coletâneas e discos ao vivo
The Best of The Creation (1968)
Creation 66-67 (1973)
The Creation (1975)
The Mark Four/The Creation (1982)
How Does it Feel to Feel? (1982)
Recreation (1984)
Live at the Beat Scene Club (1985)
Lay the Ghost (1993)
Painter Man (1994)
Our Music Is Red - With Purple Flashes (1998)
Complete Collection, Vol. 1: Making Time (1998)
Complete Collection, Vol. 2: Biff Bang Pow (1998)
Psychedelic Rose: The Great Lost Creation Album (2004)
The Singles Collection (2007) |