Se você viveu neste planeta
nos anos 80 deverá se lembrar de um sucesso chamado "Don't
Dream, It's Over". Na década de 80, esse trio australiano
ganhou as paradas do mundo todo com essa canção
lenta, um belo exemplo das baladas daquela época que todos
juram odiar, mas assoviam quando ela toca nas rádios. Pois
essa banda, que já estava na minha lista de colunas, resolveu
virar tema, após o suicídio do baterista, Paul Hester,
que se enforcou em um parque em Melbourne. Seu corpo só
foi encontrado no dia 26 de março, em um sábado,
mas ele havia sumido um dia antes. E, como às vezes, uma
desgraça puxa um tema - mas sem querer fazer "rios
de dinheiro" com a desgraça alheia - deixo aqui meu
texto sobre essa banda bacana e lamentando um final tão
desgraçado para um músico tão talentoso.
Em
1985, Neil Finn resolveu acabar com uma banda chamada Split Enz,
que liderava com seu irmão Tim. Mas ao invés de
perseguir uma carreira-solo ou montar um grupo mais pop, Neil
queria algo mais elaborado e valorizar suas letras e melodias.
Neil acabou convidando
o ex-baterista do Enz, Paul Hester e acabou chamando mais dois
músicos, o baixista Nick Seymour e o guitarrista Craig
Hooper. Como quarteto, montaram o The Mullanes. Mas Hooper saiu
logo depois e em junho de 1985 o grupo viajou para Los Angeles
à convite de uma loja da cidade e porque também
tinham um contato com a gravadora Capitol.
A companhia fonográfica
gostou do som do trio, mas não do nome da banda e sugeriu
uma alteração. Assim, Neil e seus colegas mudaram
o nome depois de verem as condições habitacionais
da cidade norte-americana.
E o Crowded House foi grande,
muito grande. Uma instituição australiana, capaz
de reunir mais de 120 mil pessoas em seu concerto de despedida
e de virar um patrimônio nacional. Mas, antes das glórias
e lágrimas de tristeza dos fãs, havia uma carreira
a ser trilhada. A primeira providência foi chamar Mitchell
Froom, um autêntico desconhecido para produzir o primeiro
LP da banda. Froom acabaria sendo, no futuro, quase um quarto
membro do grupo.
Assim,
em 1986, o grupo lança o disco de estréia, que levava
apenas o nome da banda. Embora um belíssimo exemplar de
música pop, o LP foi ignorado pela gravadora, que investiu
pouco na divulgação, em 1986.
Irritados, os próprios
membros trataram de fazer uma divulgação original
do mesmo, tocando versões acústicas em vários
locais e para um público variado. E tanto conseguiram chamar
a atenção que surpreendentemente a Capitol descobria
que tinha um grupo talentoso e com uma canção brilhante
para as rádios: "Don't Dream Is Over". A canção
ficou em segundo lugar na parada norte-americana e trouxe outro
hit, "Something So Strong", que bateu no sétimo
posto. Os dois sucessos fizeram o álbum chegar ao número
12 e deram discos de platina, dupla, tripla e etc na Austrália
natal.
Um
dos grandes trunfos da banda eram as letras de Neil Finn. Compositor
talentoso e letrista instigante, Neil conseguiu criar imagens
interessantes.
"Don't Dream Is Over"
virou um hino dos anos 80, uma canção daquelas que
é humanamente impossível não ter ouvido e
acompanhado com o pé enquanto tocava. Neil conta que não
sabe como ela surgiu e não entende o motivo de tamanha
idolatria: "talvez seja a letra meio triste, talvez o começo
dela, talvez minha voz meio desafinada. Eu não sei qual
o motivo de tanto sucesso, mas acabou virando uma espécie
de xodó."
Com
o sucesso consolidado com o primeiro disco, Finn resolveu sofisticar
suas composições e expandir seus horizontes. Dessa
maneira nasceu, em 1987, Temple of Low Men, um
belo disco e um completo fiasco comercial comparado ao primeiro.
Era a velha história do compositor que evolui artisticamente
em detrimento ao sucesso e que acaba causando um racha com a gravadora
que queria um LP de sucessos como o anterior.
Embora o disco tenha feito
pouco sucesso, há quem o considere o melhor trabalho do
grupo. As letras sombrias, carregadas e o aprumo musical fizeram
do trabalho, algo menos palatável para o grande público,
mas estabeleceram uma maior comunicação com o grupo.
E
por incrível que pareça, um dos trunfos do Crowded
House eram o carisma ao vivo. Muitos juravam que um show deles
trazia uma carga imensa de sentimento e uma quase religiosidade.
Seriam um novo Grateful Dead adaptado e sem as viagens de ácido?
Nem tanto... mas ainda assim, o grupo rendia excelentes momentos
em um palco.
Nick Seymour disse que
a banda sempre foi extremamente preocupada com essa imagem: "Neil
era uma pessoa reservada, quieta e pensavam que éramos
um grupo tímido, mas na verdade gostávamos muito
de tocar. Sempre tivemos uma grande identificação
com o público e era um dos nossos grandes prazeres."
O disco teve um pequeno
hit, "Better Be Home Soon", mas as vendagens foram desastrosas.
A canção chegou apenas ao número 42 das paradas
e o disco não entrou entre os 40 mais dos vendidos. A Capitol
acabou abortando uma turnê aos Estados Unidos e o jeito
foi fazer uma série de shows concorridos pela Austrália,
Nova Zelândia e Canadá. Mas no meio de 1989, o grupo
resolveu dar um tempo e se separar.
Durante a pausa, Neil quis
retomar a parceria com o irmão Tim e gravar como Finn Brothers.
E, ao mesmo tempo, Neil tentava reagrupar a banda para um novo
disco. Foram momentos tensos para o cantor, que havia se mudado
para a Nova Zelândia, que embora vizinha da Austrália,
possui um tipo de vida totalmente peculiar.
Os
dois irmãos escreveram rapidamente várias músicas,
mas estavam insatisfeitos com o projeto deles. Foi então
que Neil o convidou para integrar o Crowded House e lançaram,
como quarteto agora, o estupendo Woodface, em
1991. Ironicamente, com um disco tão difícil de
ser assimilado pelo grande público dos Estados Unidos,
a banda conseguiu uma grande resposta na Inglaterra e em toda
a Europa.
Aos poucos, o disco foi
subindo nas paradas britânicas e "Weather With You"
virou um grande sucesso e o disco virou platina no país,
com direito a shows e mais shows no Wembley Arena. E no meio da
turnê, em 1991, Tim resolveu deixar o grupo, quando a banda
fazia mais sucesso do que nunca.
As
conquistas dos dois irmãos foram tão relevantes
que receberam da Rainha da Inglaterra, uma comenda do Império
Britânico por sua inestimável colaboração
para a arte.
Sem Tim, o jeito foi chamar
um outro músico e o escolhido foi o guitarrista Mark Hart,
que já havia tocando com a banda nos anos de Temple
of Low Men.
O grupo também resolveu
dispensar Mitchell Froom da função de produtor e
convidou o ex-baixista do Killing Joke, Youth, que produziu desde
Nick Cave até U2.
Com
Youth pilotando a mesa de som, é lançado em 1993
um novo disco, Together Alone. O trabalho foi
gravado na Nova Zelândia, na praia de Kare Kare, perto da
casa de Neil, e entrou direto em quarto lugar nas paradas inglesas,
enquanto o anterior ainda estava sendo bem vendido no país.
Aproveitando o ótimo momento, o grupo saiu em uma grande
excursão pelo Reino Unido e por toda a Europa.
E
quando começavam uma excursão pelos Estados Unidos,
sofrem outra baixa: desta vez é o baterista Paul Hester
que deixa o Crowded alegando estafa da vida na estrada e afirmando
que desejava ficar mais perto de sua família. Não
resta outra alternativa do que contratar um músico para
os shows da excursão.
No final de 1994, Neil
estava cansado de tantos shows e resolveu se dedicar a outros
projetos com seu irmão, Tim. E, em 1995, os dois lançaram
o tão esperado disco, deixando os fãs do Crowed
ansiosos por um novo lançamento.
Mas em junho, no mesmo
mês em que é lançada a coletânea Recurring
Dream: The Very Best of Crowded House, Neil anuncia o
fim da banda. Como despedida de seus fãs fazem em 24 de
novembro, num domingo, em Sydney um show para 120 mil pessoas
com a renda sendo revertida para um hospital infantil local.
Meses depois do final anunciado,
Nick conta que sentiu raiva da decisão de Neil Finn: "quando
ele me telefonou esperava que fosse para falar de um novo disco,
mas ele estava comunicando sua saída do grupo. Eu fiquei
chocado, porque duas semanas antes, havíamos nos reunido
e ele estava excitado com a idéia de um novo disco."
Mas de todas as notícias,
a mais triste, sem dúvida foi a morte de Paul Hester, ocorrida
agora em 2005, sepultando de vez as chances da banda voltar. Curiosamente,
Paul é o personagem central da capa do primeiro disco,
em que aparece nu da cintura para cima e com um par de asas. Premonitório?
Deixo vocês com a
letra do grande sucesso do grupo e a discografia. Um abraço
e até a próxima coluna e descanse em paz, Paul...
Don't Dream It's
Over
There is freedom
within, there is freedom without
Try to catch the deluge in a paper cup
There's a battle ahead, many battles are lost
But you'll never see the end of the road
While you're traveling with me
Hey now, hey now
Don't dream it's over
Hey now, hey now
When the world comes in
They come, they come
To build a wall between us
We know they won't win
Now I'm towing
my car, there's a hole in the roof
My possessions are causing me suspicion but there's no proof
In the paper today tales of war and of waste
But you turn right over to the T.V. page
Now I'm walking
again to the beat of a drum
And I'm counting the steps to the door of your heart
Only shadows ahead barely clearing the roof
Get to know the feeling of liberation and relief
Hey now, hey now
Don't dream it's over
Hey now, hey now
When the world comes in
They come, they come
To build a wall between us
Don't ever let them win
Discografia
Crowded House (1986)
Temple of Low Men (1988)
Woodface (1991)
Together Alone (1993)
Recurring Dream: The Very Best of Crowded House (1996)
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