Quem gosta de The Cult conhece muito
bem o hino "She Sells Sanctuary" ou o disco Love ou
as fases mais pesadas da banda. Mas há um vácuo
em tudo isso, uma história muito pouco ou quase não
contada. E essa história cobre a vida de dois pré-grupos,
o The Southern Death Cult e o Death Cult. E cobre também
o primeiro e excepcional disco de estréia já do
rebatizado The Cult, Dreamtime. A banda era considerada um dos
maiores nomes entre os góticos, seja lá isso bom
ou ruim. Mas, no meio de tanta definição, resplandecem
clássicos como "Spiritwalker", "Dreamtime",
"Go West", "Gimmick", entre outras. Um disco
que já mostrava todas as qualidades que o grupo mostraria
no futuro: um ótimo vocalista, um belo guitarrista, uma
cozinha azeitada, muito carisma e ótimas referências.
Dreamtime mostrou que a banda já tinha muito talento e
que a fama era apenas uma questão de tempo...
O
personagem central de toda a história é, sem dúvida
nenhuma, o vocalista Ian Astbury. Nascido no dia 14 de maio de
1961, Ian teve, em suas próprias palavras, uma infância
traumática. Tudo por causa de seu pai, dono de um espírito
aventureiro e que obrigou a família a mudar para vários
lugares, até mesmo no Canadá. E foi em Ontario que
recebeu um convite marcante em sua vida: ao conhecer alguns índios,
foi chamado para ir até a reserva indígena. O modo
de vida dos índios e sua cultura marcariam a vida de Ian
profundamente.
Aos 16 anos, Ian, que
era considerado um garoto estranho e rebelde, resolveu voltar
para a Inglaterra. Estava fascinado pelos novos grupos punks e
logo após deixar o exército resolveu que era hora
de começar um grupo. Em sua cabeça havia algumas
referências, entre elas a dos índios e uma paixão
pelo som dos anos 60 e 70, bandas como The Doors, Led Zeppelin.
Assim nascia o The Southern Death Cult, um grupo punk com influências
sessentista e tribais. Uma mistura quente e estranha.
E
mais estranho era o visual de Ian ao vivo, todo pintado como se
estivesse indo para a guerra, com seus uivos e uma postura completamente
alucinada, mostrando ser um excelente cantor e um ótimo
perfomer.
E por mais incrível
que possa parecer, o The Southern Death Cult ganhou um grande
número de fãs e amantes daquele som totalmente caótico,
com batidas tribais e que unia diversas influências.
Mas
não foram apenas uma sensação londrina qualquer.
Junto com outros integrantes - David "Buzz" Burrowas
(guitarra), Barry Jepson (baixo) e Haq "Aky" Quereshi
(bateria) causaram uma verdadeira comoção, ao ponto
de juntarem duas mil pessoas em seu quinto show no clube Heaven,
em Londres.
O grupo conseguiu dois
grandes sucessos na parada independente com as músicas
"Fat Man" e "Moya", que durante muito tempo
estiveram presentes no repertório do The Cult e com as
quais costumavam fechar os shows.
Tanto
barulho acabou chamando a atenção da gravadora Beggar's
Banquet, a mesma do Bauhaus, no final de 1982, que os contratou.
No ano seguinte abrem os
shows do grupo de Peter Murphy e lançam um compacto com
as duas canções, que chegou ao topo das paradas
independentes e que ficou perto das 40 mais da parada "oficial"
da Inglaterra. Curiosamente, o The Southern Death Cult faria mais
sucesso do que o grupo principal de sua gravadora.
Veja a letra dessas duas
canções:
Fatman
The fatman cannot see
What's going on
For he's not me
The fatman takes away
What isn't his
He weakens you and me
Lust of your life
Money ............. Life
Your money is his life
The fatman an unhappy man
And all his friends
Are fatmen too
............. Tommy can you hear me?
Moya
The kids of the coca-cola nation
Are too doped up to realise
That time is running out
Nagasaki's crying out
The doomwatch says its time
To give back what you took away
Uncle sam meets the reaper
Wounded knee over again
Kasota kasota annihilation
Of a nation ......... Of our nation
Of a world population
Of the indian nation
Paha sapa ........ Goodbye
E
sem nenhum motivo aparente, Ian encerra as atividades do The Southern
Death Cult em março de 1983, e funda outra banda, a The
Death Cult, com três novos integrantes: o guitarrista Billy
Duffy, o baixista Jamie Stewart e o baterista Ray Mondo.
Como presente, um disco
póstumo foi editado e que, incrivelmente, saiu no Brasil,
anos depois: The Southern Death Cult, contendo
todas as canções registradas pelo grupo, incluindo
as duas canções mais clássicas.
O
Death Cult era, na verdade, a junção de outros três
grupos com alguma fama entre a safra punk e new wave: Ian vinha
do Southern, Billy do Theatre Of Hate e Jamie e Ray do Ritual.
Meses depois, Ian diria que estava decepcionado com os rumos que
sua antiga banda seguia e acabou encontrando Billy fazendo um
bico após ter deixado o Hate. Os dois já se conheciam
desde o ano anterior e começaram a pensar seriamente em
montar um novo grupo. Vale dizer que Billy já era um veterano,
tendo integrado o grupo The Nosebleeds, de Manchester, por onde
passaram Vini Reilly (Durutti Column) e Morrissey, muitos anos
antes desse formar os Smiths.
Em
julho, o grupo lança um EP apenas com o nome da banda.
O disco trazia quatro músicas: "Brothers Grimm",
"Ghost Dance", "Horse Nation" e "Christians"
e saiu pelo selo Situation Two. Nesse lançamento, Ian abandonou
o sobrenome de solteiro da mãe - Lindsay - e começou
a usar o seu próprio sobrenome - Astbury.
Em setembro, Ray deixa
a banda e entra o baterista Nigel Preston, ex-Sex Gang Children
e velho amigo de Billy. Com essa formação, o grupo
grava um novo compacto contendo a clássica "God's
Zoo" e "God's Zoo (These Times)", em outubro.
"God's
Zoo" encabeçou a parada independente e o grupo ganhou
fama por todo o país. Apesar de não terem gravado
um disco inteiro, o Death Cult, assim como o The Southern ganhou
um disco póstumo: Ghost Dance.
No dia 13 de janeiro de
1984, a banda foi convidada para se apresentar no programa televisivo
The Tube e nesse dia Ian avisou que o nome da banda não
seria mais The Death Cult e sim The Cult, já que acreditavam
que a palavra "death" (morte) atraía coisas negativas.
Assim,
nascia o The Cult, sem, contudo, mexer na formação
do quarteto.
O grupo já estava
consolidado e com o novo nome lançou outro número
1 na parada independente, a poderosa "Spiritwalkwer",
ainda pelo selo Situation Two. A banda vivia então entre
um show e outro e como os quatro eram fortes e carismáticos
ao vivo, a legião de fãs só fazia crescer.
Em abril, resolveram que
era mais do que hora de entrarem em um estúdio, não
para gravarem um outro compacto, mas sim um LP inteiro. O Cult
já era considerado uma das grandes bandas góticas
- ou a maior - da Inglaterra, rótulo que não agradava
muito o grupo.
Jamie Stewart lembra que
o Cult tinha suas raízes em artistas que bebiam do blues
- Jimi Hendrix, Doors, Led Zeppelin - e que eles desejavam passar
a limpo todo esse referencial. O baixista conta que outra fixação
da época era com o Vietnã: "coisas como o filme
Apocalypse Now e 'The End' dos Doors fazia a
cabeça de todas as bandas de Brixton à época
e Ian tentava falar sobre essa situação absurda
na qual jovens eram jogados em uma guerra completamente sem sentido."
Com todas essas idéias,
partiram para o País de Gales junto com o produtor John
Brand. O grupo resolveu pegar duas antigas canções
do repertório do Southern e do Death Cult - "Flowers
in the Desert" e "Horse Nation", respectivamente
e fazerem novos arranjos. A primeira teve uma sutil mudança
de nome, virando "A Flower in the Desert". Duffy começava
a experimentar os feitos de wah wah em sua guitarra e
introduzia seus primeiros riffs que levariam o Cult depois mais
perto da fronteira com o heavy metal.
O disco foi gravado rapidamente
e na segunda quinzena de abril já estava no estúdio
Eel Pie, sendo mixado. Porém, teve um pequeno atraso por
causa da canção "Go West", que iria sair
pelo selo Situation Two, mas acabou sendo regravada nos estúdios
de Livingstone, em Londres, em 22 de junho. Ela foi remasterizada
no Eel Pie e acabou entrando no disco e sendo lançada como
o primeiro single.
Dreamtime
é um espetacular disco de estréia em um ano - 1984
- em que muitos consideraram o começo do neo-psicodelismo,
cheio de grandes lançamentos, como o disco de estréia
dos Smiths, Ocean Rain, do Echo and the Bunnymen,
Hyaena, Siouxsie and The Banshees, The
Top, do The Cure, apenas para ficar entre os grupos mais
populares.
Quando o disco saiu, o
Cult foi aclamado como uma das melhores coisas e um dos shows
mais bombásticos da Inglaterra.
E,
como bônus, as primeiras 30 mil cópias traziam um
disco ao vivo de presente: Dreamtime - Live At The Lyceum,
gravado no dia 20 de maio de 1984, em Londres e que foi vendido
junto, em edições com capas simples, duplas e teve
o concerto filmado e lançado em vídeo.
Billy gostava de dizer
que, se para muitos, o disco de estréia era algo absolutamente
novo, para o Cult, aquelas canções já eram
um passado distante: "tudo que podemos fazer é apenas
seguir em frente."
Para promover o disco,
a banda saiu em uma turnê com lotação esgotada
por onde tocasse, carregando o Big Country, até o Natal,
dentro da Inglaterra, e com o Sisterhood, pela Europa, já
em 1985.
Mas enquanto o Cult via
sua fama subir às alturas, via também os problemas
internos explodirem. E o grande responsável era o mais
do que selvagem baterista Nigel Preston, dono de um temperamento
tão explosivo, que chegou, certa vez, a ser preso por ter
arrumado uma grande confusão em uma loja que não
queria aceitar seu cartão de crédito vencido. A
banda teve que pagar sua fiança e soltá-lo momentos
antes de uma apresentação.
Nigel
colecionou outras grandes confusões fora dos palcos e bate-bocas
imensos com os demais integrantes, até que foi definitivamente
expulso em 1985, mas não sem antes ficar imortalizado como
baterista da canção mais importante da história
da banda, "She Sells Sanctuary". O restante do disco
Love seria gravado com o baterista de nome quase
impronunciável: Mark Brzezicki, que tocava no Big Country.
Na década de 90, Dreamtime ganhou uma
outra capa quando foi lançado em CD. Mesmo sendo muito
mais feia do que a original, pode-se ouvir todo o som e perceber
alguns elementos que mostravam como a banda já era interessante
e tinha feito um disco de estréia tão subestimado.
Deixo vocês com duas letras do disco, a canção
título e "Spiritwalker." É importante
citar que, mesmo no encarte estando escrito "my hair long
my hair long/ an extension of my soul", Ian não canta
a palavra "soul" e sim "heart". Um abraço
e até a próxima coluna.
Dreamtime
Dreamtime, dreamtime
Dreamtime, dreamtime
I will wear my hair long
My hair long, my hair long
An extension of my heart
I will wear my hair long
Dreamtime, dreamtime
Dreamtime, dreamtime
Spiritwalker
Aaah, aaah aaah
Aaah, aaah aaah
Let it be beautiful when
I sing the last song
I will give you even my body, Spiritwalker
Let all the children kiss the sun before
they sing their last song
I will give you even my body, Spiritwalker
Let the sun shine on me when I sing the last song
I will give you even my body, Spiritwalker
Let all the children kiss the stars before they sing their last
song
I will give you even my body, Spiritwalker
Aaah, aaah aaah
Aaah, aaah aaah
Spiritwalker
Spiritwalker, Spiritwalker
Let all the children kiss
the sun before they sing their last song
Let all the children kiss the sun before they sing their last
song
I will have the whole world to make music with me
Spiritwalker, Sunwalker,
Starwalker
Windwalker, Windwalker, Windwalker, Windwalker
Spirit, Spirit, Spirit, Spirit
Spirit, Spirit, Spirit, Spirit
Discografia
Discos
Dreamtime (1984)
Love (1985)
Electric (1987)
Sonic Temple (1989)
Ceremony (1991)
Rarites & Remixes (1991)
Pure Cult: The Best of The Cult (For Rockers, Ravers, Sinners,
Lovers & Sinners) (1993)
The Cult (1994)
High Octane Cult: Ultimate Collection, 1984-1995 (1996)
Painted In My Heart (2000)
Pure Cult: The Singles 1984-1995 (2000)
The Best of Rare Cult (2000)
Beyond Good and Devil (2001)
Born into This (October 2007)
TBA (2009)
Caixas
Singles Collection: 1984-1990
(1991)
Rare Cult (November 2000)
Rare Cult: The Demos Sessions (2002)
Singles
1984 "Spiritwalker"
1984 "Go West"
1984 "Resurrection Joe"
1985 "She Sells Sanctuary"
1985 "Rain" 17
1985 "Revolution"
1987 "Love Removal Machine"
1987 "Lil' Devil"
1987 "Wild Flower"
1989 "Fire Woman"
1989 "Edie (Ciao Baby)"
1989 "Sun King"
1990 "Sweet Soul Sister"
1991 "Wild-Hearted Son"
1992 "Heart Of Soul"
1992 "The Witch"
1993 "Sanctuary MCMXCIII"
1994 "Coming Down (Drug Tongue)"
1994 "Star"
1999 "Painted On My Heart"
2001 "Rise"
2001 "Breathe"
2002 "True Believers"
2007 "Dirty Little Rockstar"
2008 "Illuminated"
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