parceria com Beatrix
Algrave
Depois que o movimento punk explodiu
e implodiu, milhares de boas bandas surgiram no planeta. Depois
que o movimento ou "a moda" foi dada como enterrada
e sepultada, vieram os grupos chamados pós-punks. Entre
eles, surgiu um grupo de garotos que adoravam Hendrix e Beatles,
mas que queriam ter a postura dos Stranglers. Esse grupo girava
em torno de um garoto chamado Robert Smith, que entraria para
a história da música como líder do Cure.
Com seu cabelo eriçado, sua voz esganiçada, meio
rouca e meio gritada, letras existencialistas e composições
simples, o Cure foi um marco de toda uma geração
e que segue na estrada, passado quase 30 anos. De trio pop, passando
pelo gótico, positive-punk (mas que de positivo não
tinha nada), até cair no pop e voltarem para um som mais
introspectivo, deixaram dezenas de grandes canções,
álbuns e milhões de lendas. Vamos tentar contar
um pouco da vida de Robert & cia...
Essa
biografia será feita em capítulos (no último
você terá uma lista completa da discografia e da
videografia do Cure) e é mais um texto a quatro mãos
entre a menina que gosta de cemitérios e o menino que gosta
de colecionar cds. Mas, em comum, temos o mesmo teto, as mesmas
brigas e os mesmos cds (a maioria é minha, viu!?). Registrado
isso, vamos à história...
No
dia 21 abril de 1959, nascia Robert Smith, no bairro de Crawley,
em Sussex, Inglaterra. Desde menino, Robert convivia com a música
que seus irmãos ouviam em casa, especialmente Jimi Hendrix
e Beatles. Ele lembra que desde cedo era obrigado a conviver com
um volume ensurdecedor do aparelho de som em sua casa: “meus
irmãos colocavam ‘Help!’ dos Beatles pela casa
e saíam pulando”, disse ele em uma entrevista feita
por Jean-Yves de Neufville, para a extinta Revista BIZZ, em 1987,
quando da passagem do grupo pelo Brasil.
Quando garoto, Robert foi
obrigado a ter aulas de piano, instrumento que odiou por não
possuir habilidade para tocar. Frustrado, acabou aprendendo guitarra
com seu irmão e passava horas dedilhando em um velho violão.
Apesar de ter como ídolo Jimi Hendrix, Robert preferia
mais ser um guitarrista rítmico, preferindo criar climas
a solos.
Aos 16 anos, quando o movimento
punk começou a aparecer na Inglaterra com os Sex Pistols,
ele achou que era uma boa hora para começar uma carreira.
Animado com o lema “Do It Yourself” e com a simplicidade
que as bandas punks pregavam – a volta dos três acordes
e a energia primal do rock and roll – Robert resolveu montar
um grupo. Assim, em 1976 nascia o Malice.
Nesse
período, Robert conheceu dois colaboradores que ficariam
anos seguidos com ele, o guitarrista, tecladista e eventual saxofonista
Porl Thompson e o baterista e depois tecladista Laurence ‘Lol’
Tolhurst. Michael Dempsey seria o primeiro baixista do Cure, mas
logo perderia lugar para Simon Gallup.
O som do Malice era muito
tosco para terem um estilo. O que o grupo fazia (ou tentava) era
misturar a energia do punk com alguns truques do rock dos anos
60.
Ainda em 1976 o grupo fez dois shows: um no dia 18 de dezembro,
em Worth Abbeu, em Crawley e outro dois dias depois, na St. Wilfrids
School Hall. Nessa segunda apresentação tocaram
cinco músicas: “Wild Thing”, dos Troggs, “Sufragette
City”, de David Bowie, “Foxy Lady”, de Jimi
Hendrix, “Jailbreak” e “A Night Like This”,
que pode ser ou não o embrião do clássico
do Cure gravada no disco The Head On The Door.
O Malice durou apenas alguns meses, já que em 1977 o grupo
foi rebatizado como Easy Cure. Com esse nome e algumas músicas
já ensaiadas, resolvem participar, durante o mês
de abril, de um concurso musical na Alemanha, promovido pela gravadora
independente Hansa, cujo prêmio incluía a produção
de uma demo-tape e um possível contrato de cinco anos.
Assim,
crescem as esperanças de todos sobre a possibilidade de
conseguirem fazer sua primeira gravação. O Easy
Cure realmente ganha o concurso, entretanto, nada seria exatamente
como eles imaginavam. A gravadora alemã, que na época
era mais direcionada a dance music, esperava que o Easy Cure fosse
um “novo Sex Pistols”.
Mesmo com o contrato, o
Easy Cure não consegue gravar e a saída para poderem
sobreviver é fazer shows. E o grupo conseguiu 24 concertos
entre os meses de abril a dezembro, uma média de um show
a cada 10 dias.
Desse modo, após
frustrantes oito meses, a gravadora não sabia exatamente
o que fazer com a banda. Durante os meses de novembro e dezembro
fazem duas viagens aos estúdios que a gravadora possuía
em Londres e também ganham alguns trocados que tratam de
investir em equipamentos.
Durante
as seções no estúdio, tudo o que a Hansa
queria era que o Easy Cure tocasse covers de punk rock, o que
deixava a banda terrivelmente chateada, pois eles queriam gravar
produções próprias.
Assim, até março
de 1978 não haviam sequer gravado uma demo. Na verdade,
gravaram apenas uma canção: “Killing an Arab”,
escrita por Smith, e que traz como inspiração o
livro O Estrangeiro do escritor franco-argelino Albert Camus.
A letra descreve uma das cenas mais fortes do livro, em que um
francês assassina um argelino em uma praia sob um sol ardente.
A música consegue
habilmente captar a tensão frenética da cena descrita
no livro. Mais tarde essa canção traria um toque
de polêmica ao Cure, sendo até mesmo censurada, na
“terra da hipocrisia”: Estados Unidos. Tudo por causa
do pseudo teor racista da canção. Desse modo, após
a Hansa ter demonstrado claramente que não tinha interesse
algum em investir no Easy Cure eles deixam a gravadora, mas com
a devida posse de suas criações, pois Robert Smith
tomou bastante cuidado sobre a questão da autoria das canções
elaboradas durante a permanência da banda na gravadora.
Robert conta que desde que lera sobre como os músicos de
rock eram trapaceados por empresários e editoras (vide
histórias dos Beatles e Bowie) resolveu que teria sempre
os direitos legais de suas criações.
Logo após a experiência
mal-sucedida com a Hansa decidem produzir eles mesmos sua primeira
demo. Nessa época o grupo já estava reduzido a um
trio, composto somente de Robert, Michael e Laurence.
Para bancar a produção
da mesma (e para sobreviver) os membros do grupo vão em
busca de trabalho. Dempsey vai trabalhar como porteiro em um manicômio
e Tolhurst consegue emprego em um laboratório químico.
Smith não arranja emprego e acaba pedindo dinheiro emprestado.
Assim, conseguem a quantia
necessária (menos de 50 libras) para gravar uma demo no
Chestnut Studios em Sussex. Além de “Killing an Arab”
a fitinha incluía: “Boys Don't Cry", "Fire
In Cairo", "It's Not You” e "10.15 Saturday
Night ".
A banda enviou demos para várias gravadoras esperando que
alguém se interessasse pela sua música.
Felizmente para a banda
essa primeira demo-tape acabou caindo nas mãos de Chris
Parry diretor artístico da Polygram inglesa, que foi o
único que se interessou pelo Cure e resolveu produzir o
primeiro single da banda. Parry criou um selo próprio,
a Fiction Records, e seria o primeiro empresário do grupo.
Ele já havia produzido os três primeiros discos da
banda The Jam, e conduzido a contratação do grupo
Siouxsie and the Banshees pela Polydor. Parry estava interessado
em trazer o Cure para seu novo selo. Entretanto, a princípio,
a banda pensou que quem os contrataria seria a Polygram. Assim,
em agosto de 1978, Parry passa a empresariar o Cure.
Uma das primeiras coisas
que os membros fazem é mudar o nome da banda de Easy Cure
para The Cure. “Sempre achei que Easy Cure soava muito americano,
e detestava isso. Todas as bandas que gostávamos na época
tinham o ‘the’ na frente, mas The Easy Cure soaria
muito estúpido, então resolvemos usar apenas The
Cure”, declararia Smith a respeito da mudança.
Em
setembro de 1978, entraram em estúdio para gravar o primeiro
single, Killing An Arab, que foi lançado
primeiramente pelo selo independente Small Wonder. O single trazia
as faixas "Killing An Arab" e "10.15 Saturday Night".
Graças à divulgação promovida por
Parry conseguem uma boa vendagem. Havia uma pressão para
que o single fosse lançado antes do Natal, entretanto,
ele foi lançado apenas depois desta data. Foi feito um
acordo de que as primeiras 15000 cópias do single seriam
vendidas pela Small Wonder, e caso o single ultrapassasse essa
vendagem aí sim, seria lançado pela Fiction, o que
acabou acontecendo.
O disco atingiu facilmente
essa meta, tornando-se assim o primeiro lançamento do novo
selo de Parry. A arte de capa do single de autoria de Chris Parry
and Bill Smith é praticamente a mesma nos dois lançamentos,
com a diferença de que há uma pequena foto acrescentada
na contra capa da versão lançada pela Fiction.
"Killing An Arab"
também foi incluída na compilação
20 Of A Different Kind lançada pela Polydor
contendo bandas do gênero pós punk como 999, The
Jam e The Skids. O grupo Siouxsie and The Banshees também
havia sido convidado a participar mas recusou que a música
“Hong Kong Garden” fosse incluída na compilação.
Por causa da fama crescente, o Cure conseguiu fazer várias
apresentações nas noites de segunda, no clube Marquee
em Londres, noites essas reservadas às bandas iniciantes.
Enquanto faziam várias
apresentações agendadas por Parry, o Cure começava
a produzir aquele que seria o seu primeiro álbum: Three
Imaginary Boys.
As
gravações do álbum foram realizadas no Morgan
Studios em Londres, e teriam durado apenas três noites.
O disco foi lançado
em abril de 1979, e causou controvérsia devido a dois aspectos.
Primeiro não havia no encarte os nomes das músicas,
apenas símbolos. Segundo, na arte da capa apareciam um
abajur, uma geladeira e um aspirador de pó. No disco não
havia uma única foto dos membros da banda. Alguns críticos
consideraram a atitude do grupo pretensiosa, principalmente se
tratando de uma banda nova, e que poucos conheciam.
À época do
lançamento do álbum Chris Parry declarou, “Fizemos
o disco sem nenhuma imagem, de forma totalmente desapaixonada.
Colocamos na capa os três objetos mais comuns que pudemos
achar.”
Entre as curiosidades havia
uma cover de “Foxy Lady”, de Jimi Hendrix, e uma faixa
13, simplesmente deixada sem título.
Sobre a cover de Hendrix,
tempos depois Robert Smith explicaria a escolha. “Gosto
muito de Jimi Hendrix – eu gosto tanto das coisas dele principalmente
pela atmosfera. Era meu mestre e me guiou muito no meu jeito de
tocar guitarra. Eu nunca quis tocar como ele, mas queria aquela
liberdade de fazer o que viesse à cabeça, isso é
o mais poderoso...”
A gravação
do primeiro álbum do Cure contou com a seguinte formação:
Lol Tolhurst (bateria), Michael Dempsey (baixo e vocais) e Robert
Smith (guitarras e vocais).
As canções
do disco eram na ordem as seguintes: “10:15 Saturday Night”,
“Accuracy”, “Grinding Halt”, “Another
Day”, “Object”, “Subway Song”, “Meathook”,
“So What”, “Fire in Cairo”, “It's
Not You”, “Three Imaginary Boys” e “”.
Three Imaginary
Boys, enquanto álbum de estréia foi uma
mostra excelente da força e do estilo da banda, e com certeza
contribuiu com suas canções, hoje memoráveis,
para que a banda conquistasse cada vez mais adeptos de seu estilo,
misto de lirismo e simplicidade. Outra característica que
não podemos esquecer é o jeito peculiar de Smith
cantar, com sua voz esganiçada e chorosa, que se tornaria
uma marca registrada do Cure.
Ainda
em 1979 lançam o single Boys Don’t Cry
que traz no lado B a canção “Plastic Passion”.
A arte de capa, dessa vez, é de autoria apenas de Robert
Smith.
Após abrir para
Siouxsie and The Banshees no festival de Reading, Robert é
convidado para integrar o grupo pela primeira vez, já que
os Banshees estavam sem guitarrista. Robert aceita e abre uma
crise no Cure. Mas, meses depois, ele deixa o grupo de Siouxsie
e fica apenas no Cure. Como resultado disso, manda embora Michael
Dempsey, com quem tinha inúmeros atritos.
Em novembro do mesmo ano lançam o single Jumping
Someone Else's Train. O disco é lançado
também na Irlanda e Itália. A segunda faixa, “I'm
Cold”, conta com a participação de Siouxsie
Sioux nos backing vocals. Foi mais uma vez produzido por Parry
e contou com a autoria de Robert Smith na arte da capa. Este foi
o último single em que Michael Dempsey participaria antes
de deixar a banda.
E em dezembro, o grupo
apronta o single mais estranho e bizarro de sua longa discografia:
I’m A Cult Hero.
O
compacto trazia duas músicas: “I’m A Cult Hero”
e “I Dig You” e ambas foram escritas por um carteiro
da cidade de Horley, Franc Bell. Bell mostrou ambas ao Cure e
nela, pela primeira vez, aparecem Porl Thompson e Simon Gallup.
como músicos do grupo. Além dos dois, cantam no
disco as irmãs de Robert, Janet e Margaret, fazendo vocais
de apoio, assim como o grupo The Obtainers.
Todo esse pessoal fez apenas
uma apresentação, datada do dia 23 de março
de 1980, no Marquee, em Londres. Entre as duas canções
nesse dia, eles tocaram músicas que apareceram no Top 10
da parada dos últimos cinco anos, coisas como “Do
You Wanna Touch”, “Blockbuster”, “Whiskey
in The Jar”, “20th Century Boy”, “Cindy
Incidentally”, “Part Of The union,” “Feel
The Need in Me” e “Hello Hooray”. A banda, chamada
de Cult Heroes, trazia Robert Smith, Simon Gallup, Laurence Tolhurst,
Matthieu Hartley, Porl Thompson, Frank Bell, e duas colegiais.
Em
fevereiro de 1980, é lançada a versão americana
para Three Imaginary Boys: Boys Don’t
Cry. Sua faixa título se tornou quase um símbolo
dos anos 80, e uma das músicas mais conhecidas e tocadas
do Cure.
Como era costume, na época,
os grupos ingleses tinham que lançar quase que um disco
especialmente para o mercado norte-americano, que consistia em
pegar as músicas “mais estranhas” e substituí-las
por singles que não faziam parte do disco original.
Assim sendo, foram acrescidas
os primeiros três singles “Killing An Arab”,
“Boy's Don't Cry” e “Jumping Some Else's Train”
e retiradas “Foxy Lady” e “Meat Hook”.
O disco só seria
lançado na Inglaterra em setembro de 1983, depois de ter
sido largamente importado.
E em abril, o grupo mudaria
radicalmente de estilo e ficaria marcada como um das maiores bandas
góticas, ao lançar o primeiro de seus três
discos “depressivos”: Faith...
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