135 - The Cure - 1976 a 1980

 

parceria com Beatrix Algrave


Depois que o movimento punk explodiu e implodiu, milhares de boas bandas surgiram no planeta. Depois que o movimento ou "a moda" foi dada como enterrada e sepultada, vieram os grupos chamados pós-punks. Entre eles, surgiu um grupo de garotos que adoravam Hendrix e Beatles, mas que queriam ter a postura dos Stranglers. Esse grupo girava em torno de um garoto chamado Robert Smith, que entraria para a história da música como líder do Cure. Com seu cabelo eriçado, sua voz esganiçada, meio rouca e meio gritada, letras existencialistas e composições simples, o Cure foi um marco de toda uma geração e que segue na estrada, passado quase 30 anos. De trio pop, passando pelo gótico, positive-punk (mas que de positivo não tinha nada), até cair no pop e voltarem para um som mais introspectivo, deixaram dezenas de grandes canções, álbuns e milhões de lendas. Vamos tentar contar um pouco da vida de Robert & cia...


Essa biografia será feita em capítulos (no último você terá uma lista completa da discografia e da videografia do Cure) e é mais um texto a quatro mãos entre a menina que gosta de cemitérios e o menino que gosta de colecionar cds. Mas, em comum, temos o mesmo teto, as mesmas brigas e os mesmos cds (a maioria é minha, viu!?). Registrado isso, vamos à história...

Robert SmithNo dia 21 abril de 1959, nascia Robert Smith, no bairro de Crawley, em Sussex, Inglaterra. Desde menino, Robert convivia com a música que seus irmãos ouviam em casa, especialmente Jimi Hendrix e Beatles. Ele lembra que desde cedo era obrigado a conviver com um volume ensurdecedor do aparelho de som em sua casa: “meus irmãos colocavam ‘Help!’ dos Beatles pela casa e saíam pulando”, disse ele em uma entrevista feita por Jean-Yves de Neufville, para a extinta Revista BIZZ, em 1987, quando da passagem do grupo pelo Brasil.

Quando garoto, Robert foi obrigado a ter aulas de piano, instrumento que odiou por não possuir habilidade para tocar. Frustrado, acabou aprendendo guitarra com seu irmão e passava horas dedilhando em um velho violão. Apesar de ter como ídolo Jimi Hendrix, Robert preferia mais ser um guitarrista rítmico, preferindo criar climas a solos.

Aos 16 anos, quando o movimento punk começou a aparecer na Inglaterra com os Sex Pistols, ele achou que era uma boa hora para começar uma carreira. Animado com o lema “Do It Yourself” e com a simplicidade que as bandas punks pregavam – a volta dos três acordes e a energia primal do rock and roll – Robert resolveu montar um grupo. Assim, em 1976 nascia o Malice.

da esquerda para a direita: Michael Dempsey, Porl Thompson, Robert Smith, Marc Ceccagno e Lol TolhurstNesse período, Robert conheceu dois colaboradores que ficariam anos seguidos com ele, o guitarrista, tecladista e eventual saxofonista Porl Thompson e o baterista e depois tecladista Laurence ‘Lol’ Tolhurst. Michael Dempsey seria o primeiro baixista do Cure, mas logo perderia lugar para Simon Gallup.

O som do Malice era muito tosco para terem um estilo. O que o grupo fazia (ou tentava) era misturar a energia do punk com alguns truques do rock dos anos 60.


Ainda em 1976 o grupo fez dois shows: um no dia 18 de dezembro, em Worth Abbeu, em Crawley e outro dois dias depois, na St. Wilfrids School Hall. Nessa segunda apresentação tocaram cinco músicas: “Wild Thing”, dos Troggs, “Sufragette City”, de David Bowie, “Foxy Lady”, de Jimi Hendrix, “Jailbreak” e “A Night Like This”, que pode ser ou não o embrião do clássico do Cure gravada no disco The Head On The Door.

O Malice durou apenas alguns meses, já que em 1977 o grupo foi rebatizado como Easy Cure. Com esse nome e algumas músicas já ensaiadas, resolvem participar, durante o mês de abril, de um concurso musical na Alemanha, promovido pela gravadora independente Hansa, cujo prêmio incluía a produção de uma demo-tape e um possível contrato de cinco anos.

Easy CureAssim, crescem as esperanças de todos sobre a possibilidade de conseguirem fazer sua primeira gravação. O Easy Cure realmente ganha o concurso, entretanto, nada seria exatamente como eles imaginavam. A gravadora alemã, que na época era mais direcionada a dance music, esperava que o Easy Cure fosse um “novo Sex Pistols”.

Mesmo com o contrato, o Easy Cure não consegue gravar e a saída para poderem sobreviver é fazer shows. E o grupo conseguiu 24 concertos entre os meses de abril a dezembro, uma média de um show a cada 10 dias.

Desse modo, após frustrantes oito meses, a gravadora não sabia exatamente o que fazer com a banda. Durante os meses de novembro e dezembro fazem duas viagens aos estúdios que a gravadora possuía em Londres e também ganham alguns trocados que tratam de investir em equipamentos.

Durante as seções no estúdio, tudo o que a Hansa queria era que o Easy Cure tocasse covers de punk rock, o que deixava a banda terrivelmente chateada, pois eles queriam gravar produções próprias.

Assim, até março de 1978 não haviam sequer gravado uma demo. Na verdade, gravaram apenas uma canção: “Killing an Arab”, escrita por Smith, e que traz como inspiração o livro O Estrangeiro do escritor franco-argelino Albert Camus. A letra descreve uma das cenas mais fortes do livro, em que um francês assassina um argelino em uma praia sob um sol ardente.

A música consegue habilmente captar a tensão frenética da cena descrita no livro. Mais tarde essa canção traria um toque de polêmica ao Cure, sendo até mesmo censurada, na “terra da hipocrisia”: Estados Unidos. Tudo por causa do pseudo teor racista da canção. Desse modo, após a Hansa ter demonstrado claramente que não tinha interesse algum em investir no Easy Cure eles deixam a gravadora, mas com a devida posse de suas criações, pois Robert Smith tomou bastante cuidado sobre a questão da autoria das canções elaboradas durante a permanência da banda na gravadora. Robert conta que desde que lera sobre como os músicos de rock eram trapaceados por empresários e editoras (vide histórias dos Beatles e Bowie) resolveu que teria sempre os direitos legais de suas criações.

Logo após a experiência mal-sucedida com a Hansa decidem produzir eles mesmos sua primeira demo. Nessa época o grupo já estava reduzido a um trio, composto somente de Robert, Michael e Laurence.

Para bancar a produção da mesma (e para sobreviver) os membros do grupo vão em busca de trabalho. Dempsey vai trabalhar como porteiro em um manicômio e Tolhurst consegue emprego em um laboratório químico. Smith não arranja emprego e acaba pedindo dinheiro emprestado.

Assim, conseguem a quantia necessária (menos de 50 libras) para gravar uma demo no Chestnut Studios em Sussex. Além de “Killing an Arab” a fitinha incluía: “Boys Don't Cry", "Fire In Cairo", "It's Not You” e "10.15 Saturday Night ".

A banda enviou demos para várias gravadoras esperando que alguém se interessasse pela sua música.

Felizmente para a banda essa primeira demo-tape acabou caindo nas mãos de Chris Parry diretor artístico da Polygram inglesa, que foi o único que se interessou pelo Cure e resolveu produzir o primeiro single da banda. Parry criou um selo próprio, a Fiction Records, e seria o primeiro empresário do grupo. Ele já havia produzido os três primeiros discos da banda The Jam, e conduzido a contratação do grupo Siouxsie and the Banshees pela Polydor. Parry estava interessado em trazer o Cure para seu novo selo. Entretanto, a princípio, a banda pensou que quem os contrataria seria a Polygram. Assim, em agosto de 1978, Parry passa a empresariar o Cure.

Uma das primeiras coisas que os membros fazem é mudar o nome da banda de Easy Cure para The Cure. “Sempre achei que Easy Cure soava muito americano, e detestava isso. Todas as bandas que gostávamos na época tinham o ‘the’ na frente, mas The Easy Cure soaria muito estúpido, então resolvemos usar apenas The Cure”, declararia Smith a respeito da mudança.

capa do compacto Killing An ArabEm setembro de 1978, entraram em estúdio para gravar o primeiro single, Killing An Arab, que foi lançado primeiramente pelo selo independente Small Wonder. O single trazia as faixas "Killing An Arab" e "10.15 Saturday Night". Graças à divulgação promovida por Parry conseguem uma boa vendagem. Havia uma pressão para que o single fosse lançado antes do Natal, entretanto, ele foi lançado apenas depois desta data. Foi feito um acordo de que as primeiras 15000 cópias do single seriam vendidas pela Small Wonder, e caso o single ultrapassasse essa vendagem aí sim, seria lançado pela Fiction, o que acabou acontecendo.

O disco atingiu facilmente essa meta, tornando-se assim o primeiro lançamento do novo selo de Parry. A arte de capa do single de autoria de Chris Parry and Bill Smith é praticamente a mesma nos dois lançamentos, com a diferença de que há uma pequena foto acrescentada na contra capa da versão lançada pela Fiction.

"Killing An Arab" também foi incluída na compilação 20 Of A Different Kind lançada pela Polydor contendo bandas do gênero pós punk como 999, The Jam e The Skids. O grupo Siouxsie and The Banshees também havia sido convidado a participar mas recusou que a música “Hong Kong Garden” fosse incluída na compilação.

Laurence, Robert e Michael Por causa da fama crescente, o Cure conseguiu fazer várias apresentações nas noites de segunda, no clube Marquee em Londres, noites essas reservadas às bandas iniciantes.

 

Enquanto faziam várias apresentações agendadas por Parry, o Cure começava a produzir aquele que seria o seu primeiro álbum: Three Imaginary Boys.

capa do disco Three Imaginary BoysAs gravações do álbum foram realizadas no Morgan Studios em Londres, e teriam durado apenas três noites.

O disco foi lançado em abril de 1979, e causou controvérsia devido a dois aspectos. Primeiro não havia no encarte os nomes das músicas, apenas símbolos. Segundo, na arte da capa apareciam um abajur, uma geladeira e um aspirador de pó. No disco não havia uma única foto dos membros da banda. Alguns críticos consideraram a atitude do grupo pretensiosa, principalmente se tratando de uma banda nova, e que poucos conheciam.

À época do lançamento do álbum Chris Parry declarou, “Fizemos o disco sem nenhuma imagem, de forma totalmente desapaixonada. Colocamos na capa os três objetos mais comuns que pudemos achar.”

Entre as curiosidades havia uma cover de “Foxy Lady”, de Jimi Hendrix, e uma faixa 13, simplesmente deixada sem título.

Sobre a cover de Hendrix, tempos depois Robert Smith explicaria a escolha. “Gosto muito de Jimi Hendrix – eu gosto tanto das coisas dele principalmente pela atmosfera. Era meu mestre e me guiou muito no meu jeito de tocar guitarra. Eu nunca quis tocar como ele, mas queria aquela liberdade de fazer o que viesse à cabeça, isso é o mais poderoso...”

A gravação do primeiro álbum do Cure contou com a seguinte formação: Lol Tolhurst (bateria), Michael Dempsey (baixo e vocais) e Robert Smith (guitarras e vocais).

As canções do disco eram na ordem as seguintes: “10:15 Saturday Night”, “Accuracy”, “Grinding Halt”, “Another Day”, “Object”, “Subway Song”, “Meathook”, “So What”, “Fire in Cairo”, “It's Not You”, “Three Imaginary Boys” e “”.

Three Imaginary Boys, enquanto álbum de estréia foi uma mostra excelente da força e do estilo da banda, e com certeza contribuiu com suas canções, hoje memoráveis, para que a banda conquistasse cada vez mais adeptos de seu estilo, misto de lirismo e simplicidade. Outra característica que não podemos esquecer é o jeito peculiar de Smith cantar, com sua voz esganiçada e chorosa, que se tornaria uma marca registrada do Cure.

capa do compacto Boys Don’t CryAinda em 1979 lançam o single Boys Don’t Cry que traz no lado B a canção “Plastic Passion”. A arte de capa, dessa vez, é de autoria apenas de Robert Smith.

Após abrir para Siouxsie and The Banshees no festival de Reading, Robert é convidado para integrar o grupo pela primeira vez, já que os Banshees estavam sem guitarrista. Robert aceita e abre uma crise no Cure. Mas, meses depois, ele deixa o grupo de Siouxsie e fica apenas no Cure. Como resultado disso, manda embora Michael Dempsey, com quem tinha inúmeros atritos.

capa do compacto Jumping Someone Else’s Train Em novembro do mesmo ano lançam o single Jumping Someone Else's Train. O disco é lançado também na Irlanda e Itália. A segunda faixa, “I'm Cold”, conta com a participação de Siouxsie Sioux nos backing vocals. Foi mais uma vez produzido por Parry e contou com a autoria de Robert Smith na arte da capa. Este foi o último single em que Michael Dempsey participaria antes de deixar a banda.

E em dezembro, o grupo apronta o single mais estranho e bizarro de sua longa discografia: I’m A Cult Hero.

foto do compacto I’m A Cult HeroO compacto trazia duas músicas: “I’m A Cult Hero” e “I Dig You” e ambas foram escritas por um carteiro da cidade de Horley, Franc Bell. Bell mostrou ambas ao Cure e nela, pela primeira vez, aparecem Porl Thompson e Simon Gallup. como músicos do grupo. Além dos dois, cantam no disco as irmãs de Robert, Janet e Margaret, fazendo vocais de apoio, assim como o grupo The Obtainers.

Todo esse pessoal fez apenas uma apresentação, datada do dia 23 de março de 1980, no Marquee, em Londres. Entre as duas canções nesse dia, eles tocaram músicas que apareceram no Top 10 da parada dos últimos cinco anos, coisas como “Do You Wanna Touch”, “Blockbuster”, “Whiskey in The Jar”, “20th Century Boy”, “Cindy Incidentally”, “Part Of The union,” “Feel The Need in Me” e “Hello Hooray”. A banda, chamada de Cult Heroes, trazia Robert Smith, Simon Gallup, Laurence Tolhurst, Matthieu Hartley, Porl Thompson, Frank Bell, e duas colegiais.


capa do disco Boys Don't CryEm fevereiro de 1980, é lançada a versão americana para Three Imaginary Boys: Boys Don’t Cry. Sua faixa título se tornou quase um símbolo dos anos 80, e uma das músicas mais conhecidas e tocadas do Cure.

Como era costume, na época, os grupos ingleses tinham que lançar quase que um disco especialmente para o mercado norte-americano, que consistia em pegar as músicas “mais estranhas” e substituí-las por singles que não faziam parte do disco original.

Assim sendo, foram acrescidas os primeiros três singles “Killing An Arab”, “Boy's Don't Cry” e “Jumping Some Else's Train” e retiradas “Foxy Lady” e “Meat Hook”.

O disco só seria lançado na Inglaterra em setembro de 1983, depois de ter sido largamente importado.

E em abril, o grupo mudaria radicalmente de estilo e ficaria marcada como um das maiores bandas góticas, ao lançar o primeiro de seus três discos “depressivos”: Faith...

 

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