148 - The Cure - 1983 e 1984

parceria com Beatrix Algrave

Cansado dos fãs depressivos, da própria depressão e do fardo de ser um modelo para vários jovens, Robert toma duas atitudes radicais: faz músicas descaradamente pops, como "Let's Go to Bed" e "Lovecats" e deixa o grupo por um tempo e vira guitarrista, mais uma vez, do Siouxsie and the Banshees. Com a banda de Siouxsie Sioux grava dois bons discos - o clássico ao vivo Nocturne e o regular Hyaena. Depois de vários desentendimentos com a cantora, Robert volta ao grupo, convida outros músicos e lança dois discos no ano de 1984; o lisérgico The Top e o ao vivo Concert. Os dois discos seriam o final da fase mais melancólica e barra-pesada vivida pelo Cure...


Em 1983, Robert, desejando um pouco de paz para arejar as idéias, se afasta, temporariamente, do Cure e volta a integrar o Siouxsie and The Banshees.

"Eu saí do Cure em 1983 por uma questão de sanidade mental. Quando me olhava no espelho eu via o Robert Smith, líder do Cure e não o Robert Smith que eu sempre fui. Eu estava odiando toda aquela pressão, a histeria."

Com isso, Robert volta a tocar com o grupo de seu velho amigo, Steve Severin, assumindo a guitarra que era ocupada por John McGeoch. Robert tinha um estilo bem diferente do ex-guitarrista. John era muito mais técnico e inventivo e Robert sempre deixou claro que preferiu ser um guitarrista-rítmico e não tem muita criatividade.

Robert com SiouxsieAinda assim, aceitou o posto e saiu com a banda para uma longa excursão pela Europa e pelo Japão. A vida no grupo, apesar de ser bem mais simples do que dentro do Cure, não foi muito calma para Smith, afinal, ele nunca gostou muito de ser mandado por outras pessoas, e dentro dos Banshees era subordinado à cantora e ao baterista Budgie. Em uma entrevista à época, Robert afirmou que não gostava de certos aspectos internos do grupo, mas que não ligava porque "o meu trabalho aqui é não estragar muito as melodias da banda. Eles me pagam para tocar guitarra e tento fazer o meu melhor."

capa do disco Blue SunshineParalelamente Smith gravou, em agosto de 1983, o disco The Blue Sunshine, em parceria com Steve Severin, baixista dos Banshees. O disco creditado ao The Glove, contou com a participação de uma cantora nos vocais, segundo Smith, “foi para que soasse diferente do Cure.” Ainda sobre a parceria Robert declarou: "Eu sempre gostei do jeito dele (Severin) tocar baixo. Mas nada aconteceu até eu voltar a participar do Banshees, e Siouxsie partir com o Budgie para fazer o Feast (primeiro disco do The Creatures, grupo que Siouxsie montou com Budgie paralelamente aos Banshees e que ainda existe atualmente). Foi a oportunidade que tivemos de ficar os dois num estúdio. Nós fizemos só para ver o que iria acontecer. Chamamos uma cantora desconhecida, que na verdade era uma bailarina, mas não tão boa cantora. À medida que o tempo passava, eu e Steve ficamos preocupados com a possível repercussão que o disco poderia ter, já que nós dois éramos famosos. Mas quando o álbum saiu, nada aconteceu, e achamos que nunca mais faríamos outro disco juntos.”

capa de The WalkPorém, um mês antes de Blue Sunshine, Robert voltou a sentir saudades de compor e tocar com Laurence e lançam um novo compacto, em julho: The Walk.

A canção, segundo Robert, é apenas uma boa canção electro-pop, baseada em uma história real. Para promover o single, foi seguido de uma breve turnê nos Estados Unidos, logo no mês seguinte. O lançamento de The Walk coincidiu com o do single Blue Monday da banda New Order, o que não impediu que o novo single do Cure atingisse o Top 20 nas paradas, o que deixou Robert surpreso e satisfeito. Além de Laurence, esse single contou com a participação de Phil Thornally (co-produtor de Pornography) no baixo, Tholhurst nos teclados, Smith, voz e guitarras e Andy Anderson como baterista.

O single trazia as faixas “The Walk”, “The Upstairs Room”, “The Dream” e “La Ment” (parceria de Robert Smith com Steve Severin), na versão de 12 polegadas. A versão americana de The Walk tinha uma arte de capa diferente da versão inglesa, além de contar com duas faixas adicionais, uma versão de 7" de “Let's Go To Bed” e uma versão extended de 12" da canção “Just One Kiss”.

A partir de The Walk nota-se, por parte do Cure, a necessidade de mudar de estilo deixando para trás a fase anterior, tentando ficar cada vez mais pop, seguindo caminhos que levariam a banda próxima ao psicodelismo.

Entretanto, apesar de todos os problemas vividos pelo Cure durante a gravação e o lançamento de Pornography, Robert não nega a importância do disco e a sua qualidade. “Eu particularmente não tenho boas lembranças de Pornography, mas sei que é um dos melhores trabalhos que nós já fizemos. E nunca teria sido feito dessa maneira se nós não tivéssemos cometido excessos. As pessoas freqüentemente disseram, ‘Nada que você fez teve o mesmo tipo de intensidade nem paixão’. Mas eu não penso que você pode fazer muitos álbuns dessa forma, porque você não permaneceria vivo.”

Robert estava realmente desestimulado com sua banda e quase se recusou a tocar no BBC’s Oxford Road Show, onde apresentaria duas músicas com o Cure. A apresentação ao vivo, porém, lhe deu um certo ânimo e esperança de continuar com a sua banda. No entanto, ainda permaneceria nos Banshees por algum tempo, enquanto lançava com o Cure compactos esparsos. Robert continuava trabalhando simultaneamente no Cure e com os Banshees e à época estava se apresentando em Riverside com o Glove.

Logo a seguir tocaria com o Cure no Festival de Saint Germain. Participariam também do “Top Of The Pops”, contando com a presença mais uma vez, de Phil Thornalley no baixo. Após a rápida turnê nos Estados Unidos, os membros do Cure iriam a Paris para as gravações de "Lovecats" no Estúdio Dês Dames.

capa de LovecatsEste single é inspirado no musical de Walt Disney Aristocats (Aristogatas). O clima do disco é bastante divertido, debochado e brincalhão. Lançado em outubro, contou com a seguinte formação: Robert Smith (voz, guitarra e piano), Lol Tolhurst (teclados), Phil Thornalely (baixo) e Andy Anderson (bateria). Teve como produtor Phil Thornalley, além da colaboração de um jovem engenheiro de som chamado Dave Allen. Para gravar o vídeo do single em uma mansão em Hampstead, conta-se que Smith procurou o corretor responsável pela propriedade e fingiu interesse em comprá-la. Dessa forma conseguiu usá-la para a gravação sem pagar nada. O single trazia as faixas “Lovecats”, “Speak My Language” e “Mr. Pink Eyes”.

Robert se lembra do susto que a canção causou em alguns fãs antigos: "eu queria fazer uma canção pop perfeita, leve, divertida e quando o disco saiu, alguns fãs vieram atrás de mim, revoltados. Eles berravam 'o que você está fazendo com o Cure? essa banda é séria, vocês estão brincando com o sentimento de muita gente'. Até que um dia, me enchi e retruquei: 'eu sou o Cure, e faço o que gosto. Se você não gosta das minhas canções, não precisa comprar meus discos. Eu estou cheio de gente neurótica!'. Mas logo depois, me arrependi, porque não devia ter descontado em um estranho. Mas, o fato, é que esse tipo de pressão, ainda me atingia."

capa do disco NocturneNos dois últimos meses de 1983, Robert teve dois discos novos para serem divulgados: o excelente álbum ao vivo Nocturne, com Siouxsie and the Banshees e a coletânea Japanese Whispers.

O disco ao vivo foi gravado na mais famosa casa de espetáculos de Londres, o Royal Albert Hall e que resultou num belo vídeo. A banda estava em ótima forma e capturou todo o auge dos Banshees. As 16 canções do, originalmente disco duplo, trazem duas grandes surpresas para os fãs: as covers de "Helter Skelter" e "Dear Prudence", dois clássicos de Lennon & McCartney, gravados em 1968, para o famoso Álbum Branco, The Beatles.

capa do disco Japanene WhispersE em dezembro é lançado, na Inglaterra, Japanese Whispers. Esse álbum é na verdade uma coletânea dos singles lançados anteriormente, e seus lados B, e que marcam a nova fase do Cure. O disco traz apenas oito faixas: "Let's Go To Bed", "The Dream", "Just One Kiss", "The Upstairs Room", "The Walk", "Speak My Language", "La Ment" e "Lovecats".

Apesar do título do disco, o álbum só foi lançado no Japão um ano após o lançamento inglês. Em 1984 o Cure realizou uma turnê no Japão e teve três discos lançados simultaneamente no país.

Robert se recorda do ano de 1983 com muita dor: "eu tinha me colocado numa situação de total ruptura com o passado. Eu ficava três ou quatro dias acordado direto e estava completamente alucinado, ainda que não usasse nenhuma droga para isso. Somente Mary tentava me auxiliar, mas quando você se encontra numa situação dessas, a pessoa mais próxima é a que você menos ouve. Eu sentia falta de ter um grupo de verdade, de não ter onde viver e estava dormindo no apartamento de Steve Severin, o que me tornou ainda mais paranóico, desprezível e aborrecido. Nada do que eu realmente era."

capa do disco HyaenaSobre toda essa pressão interna, no início de 1984, Robert Smith participaria como guitarrista e tecladista no Siouxsie and the Banshees pela última vez, durante as gravações do disco Hyaena. Ele também participou da gravação do vídeo “Dear Prudence”. Paralelamente Robert iniciava com o Cure a gravação do álbum The Top, tendo que se desdobrar entre as duas produções. Foi durante sua colaboração em Hyaena que aconteceu a famosa briga entre Robert e Siouxsie, que depois disso não mais se falaram. Siouxsie explicou o motivo da briga com Robert da seguinte maneira: "Robert Smith diz que as cordas de 'Dazzle' estragaram a música, mas ele não estava muito envolvido em Hyaena e seus comentários sobre ele era orgulho ferido. Deixamos que participasse mas ele não o fez, isso foi culpa dele. Não foi uma união ideal e nós dois brigamos. Algumas vezes eu o chutei no saco. Tinha dias em que ele chegava com cerca de três horas de atraso, e eu odeio esse tipo de coisa. Ele costuma se mexer muito, o que me irrita.”

Quando a banda Siouxsie and the Banshees veio ao Brasil em 1987, a cantora ao ser entrevistada referiu-se a Bob de forma nada elogiosa, como “aquela salsicha empanada”. Ambos falariam mal um do outro em entrevistas por um bom tempo. Apesar de ter saído de forma nada amigável do grupo Robert declarou à época: “Apesar dos problemas que tivemos, confesso que me diverti muito”.

Após deixar o Siouxsie and the Banshees Robert se dedicaria somente ao Cure. Isso faz com que a banda retorne com força total o que iria se traduzir em uma série de bons discos.

Robert resolveu reformular a banda, e fixou Andy Anderson, baterista, e Porl Thompson, guitarra e sax, como membros fixos. Assim, junto com Laurence, os quatro produziram um dos discos mais interessantes do grupo: The Top, lançado em maio de 1984. O disco foi feito basicamente em cima de um tema: drogas.

capa do disco The Top"Esse foi um dos discos mais difíceis de serem feitos. Muitas dessas canções serviram como um desabafo, falando de coisas muito antigas e de mágoas. Para gravar esse disco, chegávamos a um bar às seis da tarde e depois de encher a cara, íamos para o estúdio, onde eu só saía às 10 da manhã, para dormir. No estúdio, Dave Allen (produtor) ficava olhando para mim, quase desesperado, já que eu resolvi que iria tocar vários instrumentos. Enquanto pensava qual deles ia tocar, ele só me olhava, desanimado, até que chegava e perguntava: 'você fará alguma essa noite?'. Eu levantava e dizia 'sim, vou' e corria para o banheiro fazer xixi. Algumas vezes acho que The Top, é sem dúvida nenhuma, o pior disco do The Cure. Eu não sinto prazer em ouvi-lo."

The Top é realmente um disco estranho, especialmente depois dos singles leves que a banda havia produzido. Solos alucinados de sax de Porl, vocais ainda mais berrados e gritados do que de costume e letras ultra-pesadas como a de "Shake Dog Shake": "acordo de manhã/ com um gosto de raiva na minha boca/ cuspo na parede/ e tusso um pouco mais/ e me barbeio a minha pele com uma lâmina/e me maquio com um novo sangue."

Phil Tornalley, Porl Thompson, Robert Smith, Andy Anderson e Laurence TolhurstMas The Top rendeu, ao menos, um single mais pop, "The Caterpillar". Robert Smith diz que a música fala apenas de esperança.

Com o disco novo, o The Cure volta a tocar junto, adicionando Phil Thornalley, no baixo. Dessa maneira, o Cure, agora um quinteto, começa a fazer uma excursão de 68 shows no ano.

Em outubro, o grupo lança um segundo disco no ano: um álbum ao vivo gravado nos primeiros dias de maio, na Inglaterra: Concert - The Cure Live.

capa do disco Concert - The Cure LiveAté hoje muita gente reclama do disco, principalmente pela crueza sonora. O álbum, de fato, é um pouco desleixado, sem overdubs adicionais em estúdio. Outra reclamação é que estavam circulando em Londres, fitas piratas com qualidade bem superior ao do vinil. O disco marca um final de ciclo para Robert Smith, que escolheu para o lançamento algumas de suas canções mais pesadas, como "Shake Dog Shake", "Give Me It", "A Forest", "The Hanging Garden", "Primary" e deixando de fora "Let's Go To Bed" e "Lovecats".

No mesmo mês em que o disco saiu, Andy Anderson resolveu abandonar o grupo após o último show no Japão, no dia 17 de outubro, e com uma série de apresentações agendadas nos Estados Unidos. A solução foi chamar emergecialmente Vince Ely, ex-Thompson, que estreou no Cure, no dia 21, em Seattle. Ely ficou durante 11 shows como baterista do grupo até que no dia 7 de novembro, Boris Williams assumiu o posto, em um show de Minneapolis, encerrando a turnê com o grupo no dia 17 de dezembro de 1984, em Nova York.

E se o ano de 1984 foi extremamente tumultuado na vida de Robert Smith e o Cure, 1985 ficaria marcado como o ano da virada e do mega-estrelato, culminando com o lançamento de do disco The Head On The Door. Mas esse papo é para outro dia. Um abraço e até a próxima coluna.




 

 

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