164 - The Cure - 1985 a 1988

parceria com Beatrix Algrave


O sucesso. Essa é a palavra que mais foi usada para definir o The Cure após o excelente The Head On The Door. Grandes canções, vídeos e uma fama inesperada para a banda de Robert Smith, que entre outras coisas aportou no Brasil em 1987 para alguns shows em que o grupo ficou assustado com a histeria que provocou. Afinal, como Bob e companhia podiam supor que seriam tão grandes por aqui dessa maneira? A consagração veio com a coletânea Standing On A Beach, também conhecida como Staring At the Sea e o disco-duplo Kiss Me Kiss Me Kiss Me. Depois desses anos turbulentos, nunca mais a vida do grupo foi a mesma...


O ano de 1985 viu o Cure com a volta de um antigo colega, Simon Gallup. E o grupo agora voltava a ser um quinteto, com as efetivações de Boris Williams na bateria, Porl Thompson, na outra guitarra e sax e vendo Lol Tolhurst assumir os teclados.

A volta de Simon é comemorada por todos, especialmente por Robert: "nós temos uma relação muito próxima e isso fez com que brigássemos muito anteriormente. No Cure, a decisão sempre fica comigo, mas Simon é o único que gosta de me desafiar. Apesar disso, ele é um grande amigo, um músico maravilhoso e é bom sentir que o Cure voltou a ser novamente uma banda."

Simon, por seu lado, argumentava que assistiu muitos shows da banda durante os anos de ausência. "vendo o pessoal no palco consegui entender o que o Cure representava. Por isso essa volta foi bem mais natural e tranqüila."

E tranqüilidade era o que Robert Smith buscava para as novas composições do disco que estava sendo escrito. Robert lembra bem do período: "The Head On The Door foi basicamente feito sobre um imenso consumo de cerveja. Nós queríamos fazer um álbum livre das drogas e me sentia bem na época. Os discos anteriores sempre me deixavam infeliz em alguns aspectos, com o grupo sempre tendo novos membros. Mas as canções de The Head on the Door pareciam se encaixar e isso me deu grande alegria. Eu queria falar de coisas mais leves, estava cansado de tanta depressão, de ver fãs com caras de doente. Acredito que tenha sido o disco mais equilibrado que fizemos."

capa do disco The Head On The DoorQuando The Head On The Door saiu, no dia 13 de agosto de 1985, teve uma recepção fria por parte da crítica, fato que não impediu sua grande aceitação popular.

O disco teve três grandes sucessos nas paradas: "In Between Days", "Close To Me" e "A Night Like This".

Lançada no dia 9 de julho, um mês antes, portanto, do LP, "In Between Days" foi o primeiro grande sucesso do disco e escalou as paradas do mundo todo e foi a grande razão para que o disco tenha sido lançado no Brasil, ainda em 1985.

capa do compacto In Between Days"É uma canção sobre a visão de trio, seja ela no amor, na vida, lugares. Eu gosto muito do ritmo leve e do resultado, embora o vídeo feito por Tim Pope não seja um dos meus favoritos, especialmente por aqueles pares de meias, horríveis. Mas Tim sempre foi meu diretor favorito e isso não abalou nossa amizade."

O compacto de sete polegadas trazia no lado B a canção "The Exploding Boy", que quase foi usada no nome do disco. Robert comenta a história sobre o nome do álbum: "eu tive a idéia do disco pensando em marionetes. Os meus pais me levavam para ver essas apresentações e depois, em casa, pintavam as mãos e ficavam brincando atrás do sofá até darem um berro e nos assustarem. Eu sempre fui fascinado por marionetes e sempre achei curioso ver como as cabeças deles eram cortadas. Na antiguidade, quando as pessoas eram decapitadas, eles colocavam as cabeças em um poste e você ficava berrando ao ver aquilo. Por causa disso, o disco iria se chamar 'The Head On The Pole', mas eu mudei o nome por causa de um sonho que tenho. Originalmente iríamos chamar o disco de 'The Exploding Boy'".

Enquanto o disco era lançado, o grupo começava uma gigantesca turnê mundial com 62 shows pela América e Europa. A abertura foi no dia 20 de junho, em Barcelona, o encerramento foi em Paris, no dia 18 de dezembro, com dois shows; um no Palais Omnisports Paris-Bercy e outro, particular. O ano de 1985 foi especialmente feliz para o grupo. "Estávamos menos tensos, consumindo menos drogas e tendo um grande sucesso comercial com o álbum. Posso dizer que 1985 foi um dos anos mais felizes de nossa carreira", garante Robert.

capa do compacto Close To MeO segundo grande sucesso do disco foi a canção "Close To Me", que apesar do clima descontraído, traz uma letra tensa, segundo Robert: "basicamente fala de claustrofobia, não apenas a sensação física, mas no sentindo que você pode se sentir confinado em um lugar imenso se estiver com a pessoa errada do seu lado. É como se a decepção que você tanto temesse, virasse sua vida."

O vídeo do disco explorava bem a idéia de claustrofobia, com todos dentro de um armário que despenca de um precipício e vai, aos poucos, sendo inundado por água. Aliás, Robert, disse que fazer o vídeo foi uma experiência estranha: "a água entrava de verdade, borrava a maquiagem e teve momentos em que eu quase gritei para sair daquela sensação."

Mas o que ninguém esperava era a grande popularidade que o grupo começou a angariar: "não me perguntem por que começamos a fazer tanto sucesso, porque eu não sei a resposta. A única coisa que sei é que via tantas bandas lançarem grandes porcarias e não entendia a razão de não vendermos igual a eles. Acho que isso causou alguma mudança em nós, porque o disco começou a vender muito e repentinamente, éramos um grupo importante."

Outras canções do disco possuem algumas histórias interessantes: "Kyoto Song", pode ser considerado uma espécie de homenagem aos fãs japoneses, país onde a banda é adorada. E, uma das mais belas letras de Smith, "The Blood", possui um verso em que se diz paralisado pelo sangue de Cristo. Tocada em um ritmo flamenco, Robert admite que começou a ter visões após beber uma garrafa de Lacrima Christi e achou uma bela metáfora para a canção. Além delas, havia "A Night Like This", talvez a mais bela balada já escrita por Robert.

Com todos esses grandes momentos, o sucesso apareceu de forma até simples. Mas a banda começou a ficar incomodada com o rótulo de supergrupo. "Era uma situação bizarra. Durante anos, o Cure era muito mais um projeto meu e de Lol e tivemos uma vida bem acidentada. Quando estabilizamos como banda, explodimos e um culto cresceu de maneira insuportável. Eu não me promovo como um ídolo, porque não sou. As pessoas não entendem isso. Elas acham que preciso ter um comportamento típico de estrela, mas eu não sei como é isso. Eu gosto de fazer shows e depois ficar quieto. Odeio entrevistas, promoções, etc... É muito bacana conversar com os fãs, mas eu gosto muito do meu canto."

capa do EP QuadpusEm 1986, o grupo lança um EP para o mercado norte-americano chamado Quadpus, contendo as faixas "A Night Like This", "New Day", "Close To Me" e "A Man Inside My Mouth". Ele havia sido lançado um ano antes na Inglaterra com o nome Half an Octopuss e com as canções "Close to Me", "A Man Inside My Mouth", "New Day" e "Stop Dead".

E 1986 acabaria sendo o ano da explosão do grupo, culpa da coletânea Standing On A Beach, que teve o nome mudado para Staring At The Sea em CD. E essa coletânea é muito importante pelos seguintes motivos:

capa do CD Staring At The SeaO disco teve mudanças nos formatos LP, CD e cassete. Vamos a cada um deles:

Quando saiu em LP, continha 13 faixas, número perfeito para se lançar uma coletânea de compactos. "Se tivéssemos um compacto a mais, não poderia ter saído. 13 é o número clássico", garantia Smith. Mas o grande charme não era o vinil e sim a fita cassete. O motivo era simples: o lado B da fitinha - verdadeira raridade hoje em dia - trazia uma verdadeira lista de lados B: "I'm Cold", "Another Journey By Train", "Descent", "Splintered In Her Head", "Mr Pink Eyes", "Happy The Man", "Throw Your Foot", "The Exploding Boy", "A Few Hours After This", "A Man Inside My Mouth", "Stop Dead" e "New Day". O mais curioso é que essa fita saiu aqui e com a grafia de "The Exploding Boy" mudada para "The Exploding Body".

E em CD? bem, o disco mudou de nome para Staring At The Sea e ganhou as faixas "10:15 Saturday Night", "Play For Today", "Other Voices" e "A Night Like This".

No mesmo dia do lançamento do disco - 6 de maio de 1986 - é lançada uma fita em VHS dos clips das canções, batizada de Staring At The Sea - The Images.

1986 também foi o ano da consagração mundial do grupo. O Cure havia ultrapassado os conterrâneos Siouxsie and the Banshees, Echo And The Bunnymen em popularidade e estava pau-a-pau com os Smiths em termos de histeria, embora o grupo de Robert fosse mais famoso na América do que a ex-banda de Morrissey.

Celebrando a nova vida, o vocalista resolveu radicalizar o visual, raspando a famosa juba revolta e adotando um visual mais sóbrio.

O motivo, na verdade, era o menos prosaico possível: "eu não agüentava mais usar aquele cabelo todo nas excursões, especialmente durante os shows, quando ficava todo suado e borrado. Como enfrentaríamos o verão norte-americano excursionando, resolvi me sentir mais confortável e por isso cortei meu cabelo. Essa foi a verdadeira razão."

O ano foi preenchido com 27 shows e lotação esgotada em todos os lugares. E, lentamente, o grupo começou a programar um novo disco para 1987, que Robert considera o melhor disco que já escreveu. Aliás, ele guarda ótimos momentos das gravações do que seria Kiss Me Kiss Me Kiss Me.

Mary e Robert durante os jogos da Copa do Mundo de 1986, no México"Foram os momentos mais divertidos que eu tive em 10 anos de carreira. Estávamos em Provence, no sul da França, em uma antiga mansão campestre com nossa própria vinícola. Gravamos o disco em completo isolamento e não permitimos que ninguém ouvissem as canções até estarem prontas, nem nossos familiares. Era uma coisa bem íntima porque estávamos nos divertindo tanto que não queríamos quebrar esse clima. Era uma situação irreal - 10 semanas completamente fora do mundo - sem televisão e sem transporte para nos levar até a cidade mais próxima. Toda a comida chegava numa van pela manhã. Mas, algumas semanas depois, nossas namoradas e esposas vieram nos visitar e foi a primeira vez que Mary me acompanhou no estúdio, o que foi estranho, pois eu me senti desconfortável. Ela já tinha estado conosco nas gravações de Pornography e não era grande fã de nossas canções. Ela começou a me encarar enquanto eu colocava a voz em 'Siamese Twins' e achei tremendamente complicado cantar com ela ao meu lado. É gozado isso, mas prefiro muito mais cantar em uma arena lotada do que para alguém tão íntimo. Mas foi o nosso disco perfeito, pois todos nós estávamos nos divertindo muito e aliviados de estarmos longe da perseguição pública, que havia se tornado algo horrível. E pela primeira vez eu pedi que os outros membros da banda me dessem algumas fitas com suas idéias e peguei seis ou sete de cada um deles. Boris me presenteou com uma fita com interessante padrões de bateria e fiquei feliz com isso, porque não esperava que ele pudesse fazer aquelas coisas. Eles me deram sua demos, em Beethoven, Londres e toquei todas para o grupo, que não se atreveu a fazer comentário algum. Fomos então para Provence e fizemos umas demos no estúdio John Costo, um local onde podíamos jogar futebol durante os intervalos. De lá, fomos até Mirabelle onde gravávamos pelo menos uma canção por dia, às vezes até duas. Até que vi que tinha 23 letras para o disco e eram as melhores de minha vida. Por isso, resolvemos lançar um álbum duplo."

capa do disco Kiss Me Kiss Me Kiss MeLançado no dia 5 de maio de 1987, o disco trazia 17 faixas e alguns dos mais belos momentos da carreira do grupo. Mas o grande momento para os fãs brasileiros foi a presença do grupo no país, por duas semanas, entre março e abril de 1987. A banda havia começado uma imensa turnê de 70 shows pelo mundo pela América do Sul e após duas apresentações em Buenos Aires, nos dias 17 e 18 de março, aportaram no Brasil no dia 19 para uma série de shows em Porto Alegre (dois), Belo Horizonte (um), Rio de Janeiro (dois) e São Paulo (três).

Uma foto da banda no BrasilRobert conta que ficou assustado com a fama da banda no país e espantado ao saber que a coletânea Standing On A Beach havia sido platina, ao vender mais de 250 mil cópias. "Nos levaram a uma festa de uma revista no qual fomos premiados, os fãs nos perseguiam, buzinavam para a gente, fui ao Maracanã, mas nada mais me surpreendeu quando, durante os shows, as pessoas pulavam alegres durante 'The Hanging Garden'. Foi uma das experiências mais bizarras que presenciei em minha carreira. O público sabia todas nossas letras e cantavam alto, dificultando ainda mais nossas apresentações, pois a acústica dos lugares era péssima. Sinceramente, eu não sei se gostei ou odiei aqueles shows. Tivemos momentos realmente bons, mas o Brasil é um país estranho, com favelas perto de mansões, apesar das pessoas serem extremamente simpáticas."

Um dos poucos momentos em que Robert perdeu a compostura foi em uma entrevista coletiva quando perguntaram a ele quem do grupo era Mary, fazendo uma ironia de que alguém como ele dificilmente teria uma mulher de verdade na sua vida. Revoltada, a banda deixou a coletiva e os jornalistas tiveram sua vida dificultada durante o restante da turnê.

Kiss Me Kiss Me Kiss Me teve três grandes sucessos radiofônicos: a funk "Why Can't I Be You?", e as belas "Catch" e "Just Like Heaven" e enorme vendagens pelo mundo.

E após três anos intensos, o Cure deu uma parada no ano de 1988 para descansar e para Robert casar com Mary, sua namorada, encerrando os boatos de que jamais se comprometeria com alguém ou que fosse gay. Sobre Mary, ele comenta: "eu gosto das pequenas coisas da vida, mas o sucesso me roubou muito delas. Eu não vejo o Cure como um supergrupo e precisamos de um tempo para nós. É claro que vivo como uma estrela hoje, afinal tivemos grande sucesso comercial e fiquei rico. Mas eu não me importo com dinheiro porque eu nunca o tive antes. Mas já que o ganhei, trato de economizá-lo. Pude comprar meu apartamento e ficar livre do aluguel, tenho uma ótima televisão, aparelhagem de som e uma cama pela primeira vez em minha vida e estou curtindo tudo isso. E Mary tem uma presença importante em minha vida, porque ela me deu o equilíbrio necessário, já que tenho uma grande tendência a exagerar certas atitudes e ela me coloca no chão. Ela também tem uma visão sensível das nossas música. Ela gosta do Cure, mas não é uma grande fã, talvez porque eu dê mais atenção ao grupo do que a ela. Eu tento ser romântico, mas isso é complicado porque nunca fui assim, talvez porque eu tenha vindo de uma família pobre e porque meus pais não tinham tempo para ser sentimentais conosco. Mas eu amo sim, Mary e acho que é uma ótima hora para oficializarmos nossa união."

Assim, no dia 13 de agosto, Robert e Mary casam-se e oficializam a união. Esse seria o grande acontecimento do ano. Mas em 1989, o grupo voltaria com força total, assunto de uma próxima coluna. Um abraço a todos.

 

 

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