parceria com Beatrix
Algrave
O sucesso. Essa é a palavra que mais foi usada
para definir o The Cure após o excelente The Head On The
Door. Grandes canções, vídeos e uma fama
inesperada para a banda de Robert Smith, que entre outras coisas
aportou no Brasil em 1987 para alguns shows em que o grupo ficou
assustado com a histeria que provocou. Afinal, como Bob e companhia
podiam supor que seriam tão grandes por aqui dessa maneira?
A consagração veio com a coletânea Standing
On A Beach, também conhecida como Staring At the Sea e
o disco-duplo Kiss Me Kiss Me Kiss Me. Depois desses anos turbulentos,
nunca mais a vida do grupo foi a mesma...
O
ano de 1985 viu o Cure com a volta de um antigo colega, Simon
Gallup. E o grupo agora voltava a ser um quinteto, com as efetivações
de Boris Williams na bateria, Porl Thompson, na outra guitarra
e sax e vendo Lol Tolhurst assumir os teclados.
A volta de Simon é
comemorada por todos, especialmente por Robert: "nós
temos uma relação muito próxima e isso fez
com que brigássemos muito anteriormente. No Cure, a decisão
sempre fica comigo, mas Simon é o único que gosta
de me desafiar. Apesar disso, ele é um grande amigo, um
músico maravilhoso e é bom sentir que o Cure voltou
a ser novamente uma banda."
Simon, por seu lado, argumentava
que assistiu muitos shows da banda durante os anos de ausência.
"vendo o pessoal no palco consegui entender o que o Cure
representava. Por isso essa volta foi bem mais natural e tranqüila."
E tranqüilidade era
o que Robert Smith buscava para as novas composições
do disco que estava sendo escrito. Robert lembra bem do período:
"The Head On The Door foi basicamente feito
sobre um imenso consumo de cerveja. Nós queríamos
fazer um álbum livre das drogas e me sentia bem na época.
Os discos anteriores sempre me deixavam infeliz em alguns aspectos,
com o grupo sempre tendo novos membros. Mas as canções
de The Head on the Door pareciam se encaixar
e isso me deu grande alegria. Eu queria falar de coisas mais leves,
estava cansado de tanta depressão, de ver fãs com
caras de doente. Acredito que tenha sido o disco mais equilibrado
que fizemos."
Quando
The Head On The Door saiu, no dia 13 de agosto
de 1985, teve uma recepção fria por parte da crítica,
fato que não impediu sua grande aceitação
popular.
O disco teve três
grandes sucessos nas paradas: "In Between Days", "Close
To Me" e "A Night Like This".
Lançada no dia 9
de julho, um mês antes, portanto, do LP, "In Between
Days" foi o primeiro grande sucesso do disco e escalou as
paradas do mundo todo e foi a grande razão para que o disco
tenha sido lançado no Brasil, ainda em 1985.
"É
uma canção sobre a visão de trio, seja ela
no amor, na vida, lugares. Eu gosto muito do ritmo leve e do resultado,
embora o vídeo feito por Tim Pope não seja um dos
meus favoritos, especialmente por aqueles pares de meias, horríveis.
Mas Tim sempre foi meu diretor favorito e isso não abalou
nossa amizade."
O compacto de sete polegadas
trazia no lado B a canção "The Exploding Boy",
que quase foi usada no nome do disco. Robert comenta a história
sobre o nome do álbum: "eu tive a idéia do
disco pensando em marionetes. Os meus pais me levavam para ver
essas apresentações e depois, em casa, pintavam
as mãos e ficavam brincando atrás do sofá
até darem um berro e nos assustarem. Eu sempre fui fascinado
por marionetes e sempre achei curioso ver como as cabeças
deles eram cortadas. Na antiguidade, quando as pessoas eram decapitadas,
eles colocavam as cabeças em um poste e você ficava
berrando ao ver aquilo. Por causa disso, o disco iria se chamar
'The Head On The Pole', mas eu mudei o nome por causa de um sonho
que tenho. Originalmente iríamos chamar o disco de 'The
Exploding Boy'".
Enquanto o disco era lançado,
o grupo começava uma gigantesca turnê mundial com
62 shows pela América e Europa. A abertura foi no dia 20
de junho, em Barcelona, o encerramento foi em Paris, no dia 18
de dezembro, com dois shows; um no Palais Omnisports Paris-Bercy
e outro, particular. O ano de 1985 foi especialmente feliz para
o grupo. "Estávamos menos tensos, consumindo menos
drogas e tendo um grande sucesso comercial com o álbum.
Posso dizer que 1985 foi um dos anos mais felizes de nossa carreira",
garante Robert.
O
segundo grande sucesso do disco foi a canção "Close
To Me", que apesar do clima descontraído, traz uma
letra tensa, segundo Robert: "basicamente fala de claustrofobia,
não apenas a sensação física, mas
no sentindo que você pode se sentir confinado em um lugar
imenso se estiver com a pessoa errada do seu lado. É como
se a decepção que você tanto temesse, virasse
sua vida."
O vídeo do disco
explorava bem a idéia de claustrofobia, com todos dentro
de um armário que despenca de um precipício e vai,
aos poucos, sendo inundado por água. Aliás, Robert,
disse que fazer o vídeo foi uma experiência estranha:
"a água entrava de verdade, borrava a maquiagem e
teve momentos em que eu quase gritei para sair daquela sensação."
Mas
o que ninguém esperava era a grande popularidade que o
grupo começou a angariar: "não me perguntem
por que começamos a fazer tanto sucesso, porque eu não
sei a resposta. A única coisa que sei é que via
tantas bandas lançarem grandes porcarias e não entendia
a razão de não vendermos igual a eles. Acho que
isso causou alguma mudança em nós, porque o disco
começou a vender muito e repentinamente, éramos
um grupo importante."
Outras canções
do disco possuem algumas histórias interessantes: "Kyoto
Song", pode ser considerado uma espécie de homenagem
aos fãs japoneses, país onde a banda é adorada.
E, uma das mais belas letras de Smith, "The Blood",
possui um verso em que se diz paralisado pelo sangue de Cristo.
Tocada em um ritmo flamenco, Robert admite que começou
a ter visões após beber uma garrafa de Lacrima
Christi e achou uma bela metáfora para a canção.
Além delas, havia "A Night Like This", talvez
a mais bela balada já escrita por Robert.
Com todos esses grandes
momentos, o sucesso apareceu de forma até simples. Mas
a banda começou a ficar incomodada com o rótulo
de supergrupo. "Era uma situação bizarra. Durante
anos, o Cure era muito mais um projeto meu e de Lol e tivemos
uma vida bem acidentada. Quando estabilizamos como banda, explodimos
e um culto cresceu de maneira insuportável. Eu não
me promovo como um ídolo, porque não sou. As pessoas
não entendem isso. Elas acham que preciso ter um comportamento
típico de estrela, mas eu não sei como é
isso. Eu gosto de fazer shows e depois ficar quieto. Odeio entrevistas,
promoções, etc... É muito bacana conversar
com os fãs, mas eu gosto muito do meu canto."
Em
1986, o grupo lança um EP para o mercado norte-americano
chamado Quadpus, contendo as faixas "A Night
Like This", "New Day", "Close To Me"
e "A Man Inside My Mouth". Ele havia sido lançado
um ano antes na Inglaterra com o nome Half an Octopuss
e com as canções "Close to Me", "A
Man Inside My Mouth", "New Day" e "Stop Dead".
E 1986 acabaria sendo o
ano da explosão do grupo, culpa da coletânea Standing
On A Beach, que teve o nome mudado para Staring
At The Sea em CD. E essa coletânea é muito
importante pelos seguintes motivos:
O
disco teve mudanças nos formatos LP, CD e cassete. Vamos
a cada um deles:
Quando saiu em LP, continha
13 faixas, número perfeito para se lançar uma coletânea
de compactos. "Se tivéssemos um compacto a mais, não
poderia ter saído. 13 é o número clássico",
garantia Smith. Mas o grande charme não era o vinil e sim
a fita cassete. O motivo era simples: o lado B da fitinha - verdadeira
raridade hoje em dia - trazia uma verdadeira lista de lados B:
"I'm Cold", "Another Journey By Train", "Descent",
"Splintered In Her Head", "Mr Pink Eyes",
"Happy The Man", "Throw Your Foot", "The
Exploding Boy", "A Few Hours After This", "A
Man Inside My Mouth", "Stop Dead" e "New Day".
O mais curioso é que essa fita saiu aqui e com a grafia
de "The Exploding Boy" mudada para "The Exploding
Body".
E em CD? bem, o disco mudou
de nome para Staring At The Sea e ganhou as faixas
"10:15 Saturday Night", "Play For Today",
"Other Voices" e "A Night Like This".
No
mesmo dia do lançamento do disco - 6 de maio de 1986 -
é lançada uma fita em VHS dos clips das canções,
batizada de Staring At The Sea - The Images.
1986 também foi
o ano da consagração mundial do grupo. O Cure havia
ultrapassado os conterrâneos Siouxsie and the Banshees,
Echo And The Bunnymen em popularidade e estava pau-a-pau com os
Smiths em termos de histeria, embora o grupo de Robert fosse mais
famoso na América do que a ex-banda de Morrissey.
Celebrando
a nova vida, o vocalista resolveu radicalizar o visual, raspando
a famosa juba revolta e adotando um visual mais sóbrio.
O motivo, na verdade, era
o menos prosaico possível: "eu não agüentava
mais usar aquele cabelo todo nas excursões, especialmente
durante os shows, quando ficava todo suado e borrado. Como enfrentaríamos
o verão norte-americano excursionando, resolvi me sentir
mais confortável e por isso cortei meu cabelo. Essa foi
a verdadeira razão."
O ano foi preenchido com
27 shows e lotação esgotada em todos os lugares.
E, lentamente, o grupo começou a programar um novo disco
para 1987, que Robert considera o melhor disco que já escreveu.
Aliás, ele guarda ótimos momentos das gravações
do que seria Kiss Me Kiss Me Kiss Me.
"Foram
os momentos mais divertidos que eu tive em 10 anos de carreira.
Estávamos em Provence, no sul da França, em uma
antiga mansão campestre com nossa própria vinícola.
Gravamos o disco em completo isolamento e não permitimos
que ninguém ouvissem as canções até
estarem prontas, nem nossos familiares. Era uma coisa bem íntima
porque estávamos nos divertindo tanto que não queríamos
quebrar esse clima. Era uma situação irreal - 10
semanas completamente fora do mundo - sem televisão e sem
transporte para nos levar até a cidade mais próxima.
Toda a comida chegava numa van pela manhã. Mas, algumas
semanas depois, nossas namoradas e esposas vieram nos visitar
e foi a primeira vez que Mary me acompanhou no estúdio,
o que foi estranho, pois eu me senti desconfortável. Ela
já tinha estado conosco nas gravações de
Pornography e não era grande fã
de nossas canções. Ela começou a me encarar
enquanto eu colocava a voz em 'Siamese Twins' e achei tremendamente
complicado cantar com ela ao meu lado. É gozado isso, mas
prefiro muito mais cantar em uma arena lotada do que para alguém
tão íntimo. Mas foi o nosso disco perfeito, pois
todos nós estávamos nos divertindo muito e aliviados
de estarmos longe da perseguição pública,
que havia se tornado algo horrível. E pela primeira vez
eu pedi que os outros membros da banda me dessem algumas fitas
com suas idéias e peguei seis ou sete de cada um deles.
Boris me presenteou com uma fita com interessante padrões
de bateria e fiquei feliz com isso, porque não esperava
que ele pudesse fazer aquelas coisas. Eles me deram sua demos,
em Beethoven, Londres e toquei todas para o grupo, que não
se atreveu a fazer comentário algum. Fomos então
para Provence e fizemos umas demos no estúdio John Costo,
um local onde podíamos jogar futebol durante os intervalos.
De lá, fomos até Mirabelle onde gravávamos
pelo menos uma canção por dia, às vezes até
duas. Até que vi que tinha 23 letras para o disco e eram
as melhores de minha vida. Por isso, resolvemos lançar
um álbum duplo."
Lançado
no dia 5 de maio de 1987, o disco trazia 17 faixas e alguns dos
mais belos momentos da carreira do grupo. Mas o grande momento
para os fãs brasileiros foi a presença do grupo
no país, por duas semanas, entre março e abril de
1987. A banda havia começado uma imensa turnê de
70 shows pelo mundo pela América do Sul e após duas
apresentações em Buenos Aires, nos dias 17 e 18
de março, aportaram no Brasil no dia 19 para uma série
de shows em Porto Alegre (dois), Belo Horizonte (um), Rio de Janeiro
(dois) e São Paulo (três).
Robert
conta que ficou assustado com a fama da banda no país e
espantado ao saber que a coletânea Standing On A
Beach havia sido platina, ao vender mais de 250 mil cópias.
"Nos levaram a uma festa de uma revista no qual fomos premiados,
os fãs nos perseguiam, buzinavam para a gente, fui ao Maracanã,
mas nada mais me surpreendeu quando, durante os shows, as pessoas
pulavam alegres durante 'The Hanging Garden'. Foi uma das experiências
mais bizarras que presenciei em minha carreira. O público
sabia todas nossas letras e cantavam alto, dificultando ainda
mais nossas apresentações, pois a acústica
dos lugares era péssima. Sinceramente, eu não sei
se gostei ou odiei aqueles shows. Tivemos momentos realmente bons,
mas o Brasil é um país estranho, com favelas perto
de mansões, apesar das pessoas serem extremamente simpáticas."
Um dos poucos momentos
em que Robert perdeu a compostura foi em uma entrevista coletiva
quando perguntaram a ele quem do grupo era Mary, fazendo uma ironia
de que alguém como ele dificilmente teria uma mulher de
verdade na sua vida. Revoltada, a banda deixou a coletiva e os
jornalistas tiveram sua vida dificultada durante o restante da
turnê.
Kiss Me Kiss Me
Kiss Me teve três grandes sucessos radiofônicos:
a funk "Why Can't I Be You?", e as belas "Catch"
e "Just Like Heaven" e enorme vendagens pelo mundo.
E
após três anos intensos, o Cure deu uma parada no
ano de 1988 para descansar e para Robert casar com Mary, sua namorada,
encerrando os boatos de que jamais se comprometeria com alguém
ou que fosse gay. Sobre Mary, ele comenta: "eu gosto das
pequenas coisas da vida, mas o sucesso me roubou muito delas.
Eu não vejo o Cure como um supergrupo e precisamos de um
tempo para nós. É claro que vivo como uma estrela
hoje, afinal tivemos grande sucesso comercial e fiquei rico. Mas
eu não me importo com dinheiro porque eu nunca o tive antes.
Mas já que o ganhei, trato de economizá-lo. Pude
comprar meu apartamento e ficar livre do aluguel, tenho uma ótima
televisão, aparelhagem de som e uma cama pela primeira
vez em minha vida e estou curtindo tudo isso. E Mary tem uma presença
importante em minha vida, porque ela me deu o equilíbrio
necessário, já que tenho uma grande tendência
a exagerar certas atitudes e ela me coloca no chão. Ela
também tem uma visão sensível das nossas
música. Ela gosta do Cure, mas não é uma
grande fã, talvez porque eu dê mais atenção
ao grupo do que a ela. Eu tento ser romântico, mas isso
é complicado porque nunca fui assim, talvez porque eu tenha
vindo de uma família pobre e porque meus pais não
tinham tempo para ser sentimentais conosco. Mas eu amo sim, Mary
e acho que é uma ótima hora para oficializarmos
nossa união."
Assim, no dia 13 de agosto,
Robert e Mary casam-se e oficializam a união. Esse seria
o grande acontecimento do ano. Mas em 1989, o grupo voltaria com
força total, assunto de uma próxima coluna. Um abraço
a todos.
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