51 - David Bowie - Station to Station

Apesar de quase todo mundo citar Ziggy Stardust como seu melhor disco, prefiro a fase posterior ao glitter, em que foi um dos maiores expoentes. Junto com Young Americans, Station to Station é o meu favorito, por vários motivos: está cantando melhor do que antes, conseguiu mostrar toda a importância que o soul e o rhythm and blues teve em sua formação (suas bandas antes de tentar carreira solo e quanto apenas tocava saxofone e nem cantava, eram fortemente influenciadas por Marvin Gaye, James Brown, para ficarmos nos mais famosos) e conseguiu escrever algumas de suas melhores canções ("Young Americans", "Fame", "Golden Years", "Stay", "Station to Station"), além de uma versão arrepiante para "Across The Universe" (Beatles) e outra de "Wild Is The Wind".




Esses dois álbuns serviram também para finalmente consolidar a carreira de Bowie na América, já deus na Inglaterra. Apesar de todo o sucesso, quase teve a vida abreviada pelos excessos. Foi também em Station que mostrou um personagem controvertido, oThin White Duke, que causou revolta ao desembarcar em Londres e fazer a saudação nazista para os fãs. Era uma figura fria, sem emoção, calculista e sedutora. Enquanto meio mundo discutia se tinha virado ou não nazista, Bowie apenas capitalizava de todas as formas, lotando onde tocava, assaltando as paradas de sucesso e firmando-se como o principal cantor de sua geração. Ironicamente, foi na Alemanha que teve a carreira salva, no mesmo ano, quando exilou-se, ao lado de Brian Eno, para livrar-se do vício da cocaína e fazer três álbuns que definiram o som dos anos 80: Low, "Heroes" e Lodger. Mas esse papo é para um outro dia.

Aquele Bowie que tinha seduzido a Inglaterra e, por tabela, a Europa, com sua persona Ziggy já não existia mais. Devidamente acostumado com o "american way of life", experimentava um sucesso de público e crítica muito maior do que pudera até sonhar. Com "Fame" (parceria com John Lennon e o guitarrista Carlos Alomar), tinha finalmente conquistado o público norte-americano, que até então o considerava exótico demais. E não era para menos: o glam-rock era um grande sucesso no Reino Unido, mas nos Estados Unidos era cultuado por uma parcela pequena. Apesar de ser definido como "o bom e velho rock and roll apenas com batom" por John Lennon, Bowie, Marc Bolan, Roxy Music, entre outros, tinham poucas chances contra a corrente da época: as primeiras bandas de rock pesado (e que depois seriam chamadas mais tardes de heavy metal) como Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple, Alice Cooper, ou de rock progressivo como Pink Floyd, Yes, Emerson, Lake and Palmer, Genesis... A concorrência era pesada e a temática e postura bissexual de Bowie - tinha confessado ser gay em uma entrevista no auge de Ziggy para a revista Melody Maker, em 1972 - dificultava mais ainda sua aceitação.

Bowie ansiava ser estrela na América, como qualquer músico inglês de sua geração. Sabia que o dinheiro, a fama e o reconhecimento mundial estavam lá. Mas, ao mesmo tempo, tentava chegar ao topo sem abrir mão de suas convicções. Apesar de estar sempre à frente dos seus concorrentes (ao menos em estilo e estética), tinha sido influenciado pelos grandes cantores negros norte-americanos, como quase todo mundo na Inglaterra: era um obcecado por Marvin Gaye quando ainda era o desconhecido David Jones, saxofonista de bandas de r&b como Lower Third e King Bees. Foi um fã ardoroso do Who e de Kinks, principalmente na fase mod das bandas. Como qualquer garoto, sonhava em ter uma voz igual a de Otis Redding, dançar como James Brown. Bowie podia ser branco até demais, mas sua alma era tão negra quanto possível.

Depois de sucessivas e nem sempre vitoriosas excursões nos Estados Unidos, resolveu mais uma vez inovar. Fascinado pelo som das discotecas da época, mudou-se para Los Angeles e estourou com "Fame". Foi um dos primeiros cantores brancos a tocar no famoso programa de música negra "Soul Train" e assustou muita gente ao entrar no palco, já que boa parte dos espectadores nunca o tinha visto e não desconfiavam que fosse branco. Famoso por ser um compositor bastante prolífico, já tinha composto " Golden Years", quando "Fame" o fazia famoso.

David Bowie começou a chamar sua música de "plastic soul", segundo ele por ser "soul de branco". O termo acabou sendo incorporado na linguagem musical depois disso.

Se não estava trabalhando, estava badalando. "Odeio dormir, acho uma perda de tempo. Adoraria ficar 24 horas por dia acordado. Há tanta coisa para se fazer".

Entre essas coisas, estavam festas, discotecas e o aumento cada vez maior de álcool e cocaína. "Golden Years" tinha sido composta para Elvis Presley, mas o cantor a recusou, mais por desgostar da imagem de Bowie do que da canção. E não foi só Elvis que estranhava aquela figura exótica. Durante as gravações de Young Americans, Bowie conheceu Bruce Springsteen, de quem havia gravado a canção "It’s Hard To Be A Saint In The City". Bowie relembra que Bruce (estourado com o disco Born to Run) levou um choque ao vê-lo. "Eu estava realmente assustador: magro, com o cabelo pintado, sem sobrancelhas. Acho que teve medo que eu o cantasse ou algo assim. Eu disse que tinha adorado a canção, ele agradeceu e arranjou uma maneira de sair de perto de mim."



Já que Elvis havia recusado, ele mesmo cantou e foi um sucesso, chegando a ficar entre as 10 mais tocadas no país. Ao mesmo tempo, investia na carreira de ator e tinha ganhado elogios pelo desempenho em O Homem que Caiu na Terra. Uma das cenas seria inclusive capa do seu próximo disco Station to Station. Já que estava com um novo conceito, era necessário um novo personagem. E não deixou por menos, criando Thin White Duke, talvez a "persona" mais polêmica de sua carreira. Ao desembarcar em Londres, na estação de trem Victoria, um Bowie vestido todo de preto, cabelo escovado para trás, fez uma saudação similar à dos nazistas. Isto despertou uma polêmica imensa, que foi alimentada ainda mais quando ele e Iggy Pop tiveram suas malas revistadas em Moscou e foram achadas biografias sobre o arquiteto de Hitler, Albert Speer, e do ministro nazista Goebbels. Bowie justificou que eram apenas pesquisas sobre um filme que faria da vida de Goebbels, sem conseguir diminuir, no entanto, o problema. A concepção ficaria mais forte no palco: ao invés da parafernália que quase o levou à falência na tour do disco Diamond Dogs (a primeira na história do rock a ter um guindaste no palco), optou por um visual totalmente clean: de camisa branca, calça e coletes pretos, e iluminação branca. O cantor mostrava uma personalidade gélida, sem nenhuma teatralização nas perfomances (era sua marca registrada).

Os músicos eram quase os mesmos utilizados no disco Young Americans, com uma exceção: o pianista Mike Garson abandonara o grupo e em seu lugar entrara Roy Bittan, músico de Springsteen. Bowie disse que ficou impressionado com o tecladista, apesar de nunca tê-lo visto atuar com Bruce. Bittan já havia trabalhado com o guitarrista Earl Slick, o que ajudou a sua contratação.

Apesar de ficar trancado dias e dias no estúdio, comendo pouco e tomando anfetaminas, Bowie só tinha duas músicas ao começar a gravação. Uma delas era "Golden Years" e a outra era "Wild is The Wind", composta por Dmitri Tiomkin e Ned Washington). Ele queria mais quatro músicas para tentar concluir a concepção de Station to Station. A canção-título e que abre o trabalho, fala sobre os efeitos da cocaína e de seu personagem que "lançava dardos nos olhos de seus amantes". "Word on a Wing" é uma das mais belas canções feitas por ele "Senhor, eu me ajoelho e ofereço minhas palavras ao vento/E estou tentando duramente me ajustar ao seu projeto". Já "TVC15" fala de uma televisão holográfica que engole uma suposta namorada. "Stay" com sua batida fortemente influenciada da disco, parecia ser uma forte candidata a fazer sucesso nas pistas de dança. Encerrando o trabalho, uma versão magnífica de "Wild is The Wind", onde mostra toda sua versatilidade como cantor. Mas o período das gravações não foram tumultuadas apenas no estúdio. No dia 25 de dezembro de 1975, Bowie passava o Natal na casa de Keith Richards na Jamaica e discutiu com o empresário Michael Lippman, já que o guitarrista Earl Slick não queria excursionar e foi substituído pelo desconhecido Stacey Heydon, um canadense que ganhava a vida tocando em bares. Lippman foi demitido pelo telefone. No dia 23 de janeiro de 1976, é lançado o álbum, pela RCA. No dia 2 de fevereiro, a "Station to Station Tour", decolou com um show em Vancouver.

No segundo semestre do ano, esgotado física e mentalmente com a vida insana que levava nos Estados Unidos, Bowie foi atrás de Brian Eno em Berlim para tentar dar um novo rumo em sua carreira e tentar recuperar a sanidade mental que quase tinha perdido vivendo entre Nova York e Los Angeles. Uma ajuda importante para tentar recuperar o foco de sua carreira e de sua vida foi seu filho Zowie. Após ganhar a guarda da criança em um processo contra sua então ex-esposa Angela, Zowie teve o nome mudado para Jason. A proximidade com o filho que via tão pouco, fez com que Bowie começasse a refletir mais sobre sua vida e se queria continuar sendo apenas uma estrela, esquecendo o lado familiar. Era o começo de uma nova era. Para ele. E principalmente para a música.

Fiquem com a letra de "Golden Years". Um abraço a todos!

Golden Years

Golden years, gold, whop, whop, whop
Golden years, gold, whop, whop, whop
Golden years, gold, whop, whop, whop

Don’t let me hear you say life’s taking nowhere, angel
Come get up my baby
Look at the sky; life’s begun
Nights are warm and the days are young
Come get up my baby
There’s my baby lost that’s all
Once I’m begging you save her little soul

Gold whop, whop, whop
Come get up baby

Last night they loved you, opening doors
and pulling some strings, angel
Come get up my baby
In walked luck you looked in time
Never look back; walk tall; act fine

Come get up my baby
I’ll stick with you baby for a thousand years
Nothing’s gonna touch you in these golden years
Gold
Golden years, gold, whop, whop, whop
Come get up my baby

Some of these days and it won’t be long
gonna drive back down where you once belonged
in the back of a dream car twenty foot long
Don’t cry my sweet; don’t break my heart
doing all right but you gotta get smart
Wish upon wish upon day upon day
I believe oh Lord, I believe all the way

Run for the shadows
Run for the shadows
Run for the shadows in these golden years

There’s my baby lost that’s all
Once I’m begging you, save her little soul
Gold, whop, whop, whop

Come get up my baby

Don’t let me hear you say life’s taking you nowhere, angel
Come get up my baby
Run for the shadows
Run for the shadows

I’ll stick with you baby for a thousand years
Nothing’s gonna touch you in these golden years
Gold

Golden years, gold, whop, whop, whop

Discografia

David Bowie (1967)
Space Oddity (também conhecido como Man of Words/Man of Music, 1969)
The Man Who Sold The World (1971)
Hunky Dory (1971)
The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972)
Aladdin Sane (1973)
Pin Ups (1973)
Diamond Dogs (1974)
David Live (1974)
Young Americans (1975)
Station to Station (1976)
ChangesOneBowie (1976)
Low (1977)
“Heroes” (1977)
Stage (1978)
Prokofiev's Peter and the Wolf (1978)
Lodger (1979)
Scary Monsters (And Super Creeps) (1980)
ChangesTwoBowie (1981)
Christiane F. Win Kinder (trilha sonora, 1982)
David Bowie in Betrtort Brecht's Baal (1982)
“Peace on Earth” /“Little Drummer Boy” (com Bing Crosby, 1982)
Ziggy Stardust: The Motion Picture (1983)
Let's Dance (1983)
Golden Years (1983)
Love You Till Tuesday (1984, gravado em 1969)
Tonight (1984)
Never Let Me Down (1987)
Tin Machine (1989)
Sound and Vision (1989)
ChangesBowie (1990)
Tin Machine II (1991)
Oy Vey, Baby (1992)
Black Tie White Noise (1993)
Singles: 1969-1993 (1993)
Buddha of Suburbia (1994)
1.Outside (1995)
Earthling (1997)
The Best of David Bowie 1969/1974 (1997)
The Best of David Bowie 1974/1979 (1998)
“hours...” (1999)
Singles Collection (1999)
Bowie at the Beeb: The Best of the BBC Radio Sessions (2000)
London Boy (2001)
Heathen (2002)
Reality (2003)

 

Colunas