126 - Devo

 

Na América, apenas o B-52’s representou tão bem o espírito "new wave" como o Devo. E as duas bandas possuem muito em comum: visual bizarro, letras divertidas e um grande talento para entretenimento. Nascidos na mesma cidade que deu ao mundo Chrissie Hynde – Akron – a banda foi mais uma que resolveu retornar agora em 2004. Seus apaixonados fãs criaram vários sites falando não só do grupo mas do estilo "Devo de viver". É mole? E já que é assim, "time out for fun"!!!


 

Se algum dia algum maluco quiser descrever o ano de 2004 para o rock pode perfeitamente chamá-lo “da volta dos que não foram”, já que dezenas de bandas tidas como mortas ou sumidas resolveram dar as caras para lançar um disco ou ganhar uma grana fácil em shows pelo mundo. Alguns até passaram por aqui, como foi o caso dos Pixies, que fizeram uma volta decepcionante, tocando com pouco tesão e nitidamente atrás de umas verdinhas. O pensamento foi simples: “já que estamos nos fodendo em carreiras-solos bobas ou mesmo fazendo nada, porque não ressuscitamos nossa grande banda do passando e garantimos mais um troco para nossas aposentadorias?” E no meio de tanta mediocridade atual e de um ano fraquíssimos em lançamentos decentes, a onda foi voltar e lançar mais uma coletânea, porque os antigos fãs lotariam ginásios e estádios e comprariam os discos. Certo? E como. E o Devo não fugiu à regra, embora não tenham deixados os antigos seguidores com a sensação de que estavam sendo enganados.

foto da banda no início dos anos 70O grande mérito do grupo sempre foi o grande senso de humor e o visual para lá de esquisito. Uma banda que simplesmente destrói um clássico como “Satisfaction” ou adota um corte de cabelo semelhante ao de John Kennedy não poderia passar batido. Mas o Devo conseguiu deixar uma marca única nos anos 80, uma década que boa parte da idiota crítica considera descartável ou supérflua. É verdade... Bons são os grupos de hoje que precisam chupar os ossos de Beatles, Clash, Joy Division, PiL. para fazerem algo passável. E sem a menor classe. Bile despejada, retorno à história da banda...

O Devo foi formado em 1972, em Akron quando dois estudantes da escola de arte Kent State, Jerry Casale e Mark Mothersbaugh, resolveram formar uma banda com uma idéia curiosa. Eles queriam descrever a “de-evolution” ou regressão da sociedade americana, que se tornava cada vez mais rígida, opressora, mecânica e conservadora. Desse conceito nasceu o nome do grupo, Devo. E a música teria que ser uma demonstração de tudo isso, utilizando sintetizadores e equipamentos eletrônicos, os integrantes precisariam se vestir e se mexer como se fossem andróides. Jerry (seu nome de batismo é Gerald) e Mark chamaram Bob Lewis para que começassem a criar o conceito da banda. Eles haviam se inspirado no livro The Beginning Was the End: Knowledge Can Be Eaten. Lewis acabou tocando por pouco tempo no grupo, mas continuou com Mark e Jerry, porém, atuando como empresário.

A primeira formação, em 1972, trazia Jerry, no baixo, Mark nos vocais, e dois irmãos de Mark, Bob (guitarra) e Jim, bateria. Jim logo deixou o grupo, entrando Alan Myers em seu lugar. E Jerry chamou seu irmão, igualmente chamado Bob, para tocar outra guitarra.

O grupo cria um pequeno selo, Booji Boy, e lançam alguns singles, sendo um deles, uma versão atonal de “Satisfaction”. Um outro destaque era “Jocko Homo”, seu primeiro grande sucesso. Mark desenvolve o visual, abusando do kitsch, utilizando imagens absurdas utilizando batatas representando os integrantes e fazendo com que todos os membros tivessem o mesmo corte de cabelo. Os integrantes deveriam demonstram que o mundo havia tornado as pessoas completamente sem vida e personalidade.

Sobre a simbologia das batatas, que tanto marcou o grupo, Jerry explica: “A batata é um elemento que mantêm a humanidade viva. Ela é desprezível e desprovida de beleza. Ela é também um condutor de eletricidade. As pessoas devem lembrar que na escola nos ensinaram que é possível fazer transmissores e até rádios com batatas. Elas nos cercam e as vejo como um símbolo de nossa humilde caminhada para a evolução humana.”

capa do compacto Be StiffA criação do grupo durou quatro anos, e em 1976, causaram uma pequena sensação quando participaram de um festival de cinema em Ann Arbor (onde Iggy Pop havia sido criado), com um curta-metragem chamado The Truth About De-Evolution, que levou o prêmio. Iggy e David Bowie estavam entre os presentes e ficaram tão alucinados com a película, que os ajudaram a conseguir uma gravadora.

O grupo voou então para a Inglaterra, onde fechou com a independente Stiff Records e lançou em 1977 o compacto Be Sitff. O disquinho fez apenas aumentar a sanha em torno da banda e no ano seguinte, a Warner ofereceu um contrato e Brian Eno produziu o disco. Aliás, Brian conseguiu convencê-los a não serem produzidos por Bowie e sim por ele, prometendo que emprestaria dinheiro para tocar o projeto e que eles trabalhariam na Alemanha, em um estúdio de propriedade do mitológico produtor Conny Plank, responsável por discos do Can, Kraftwerk, Ultravox e Eurythmics.

“Brian estava meio puto com David pois ele não havia recebido os devidos créditos nos álbuns em que havia gravado com ele, na Alemanha. David havia se prontificado para ser o nosso produtor e disse que precisava apenas se ausentar uns dois meses para filmar Just a Gigolo, na Alemanha, mas pediu que nós o esperássemos. Nesse meio tempo, Brian apareceu e nos fez essa proposta. Disse que não se preocupássemos com uma gravadora, pois ele providenciaria isso”, conta Mark.

capa do disco Q: Are We Not Men? A: We Are Devo!Lançado em 1978, Q: Are We Not Men? A: We Are Devo!, o disco tornou-se rapidamente um clássico e uma das mais criativas estréias que se conhece. Além de “Satisfaction” e “Jocko Homo” (tocando num estranhíssimo ritmo 7/8), havia outras pérolas como “Mongoloid” e “Too Much Paranoias”. Ninguém soava ou se parecia com o grupo, que recebeu elogios do mundo todo. Brian Eno havia conseguido dar mais força ao som da banda, que já havia conseguido uma personalidade própria.

cena do clip promocional de SatisfactionSobre o clássico dos Stones, Jerry conta que precisaram mostrar a versão que haviam feito da canção para Mick Jagger, que poderia liberar ou vetar a mesma. “Naquela época, as leis de direitos autorais eram muito severas. Você não podia simplesmente chupar uma canção como esses grupos de rap fazem atualmente. Você precisava pedir permissão para a gravadora. Quando eles ouviram a nossa versão disseram que não era uma cover fiel à original e que os Stones precisariam aprovar. Então, marcaram um encontro nosso com Mick Jagger em Nova York. Ele foi simpático, mas estava visivelmente entediado, com um copo de vinho, enquanto nós mostrávamos a música a ele. Mick sentou e ficou ouvindo, sem se mexer ou olhar para nós. Até que levantou, deu voltas pela sala e disse que havia gostado muito da nossa versão e deu a sua aprovação. Meu Deus, quando ele disse que havia achado ótimo, fiquei nas nuvens. Nunca mais esquecerei esse dia enquanto viver!”

É bem verdade que nem todos entenderam a mensagem da banda e a conservadora revista de rock (quer coisa mais triste do que isso?) Rolling Stone os chamou de fascistas, pela desumanização que pregavam, sem entender que eles não queriam pregar nada, apenas mostrar em que as pessoas haviam se tornado.

No ano seguinte o grupo lança um novo disco, Duty Now for the Future que não fez tanto sucesso quanto o álbum de estréia, embora seja um excelente trabalho e com destaque para a cover de “Secret Agent Man”.

capa do disco Freedom of ChoiceEm 1980 a banda atinge um patamar incrível graças à nascente MTV, que maciçamente veiculou o vídeo da canção “Whip It”, do disco Freedom of Choice. O disco sedimentou toda a concepção da banda, com os sintetizadores tomando conta do som e com a dupla Mark e Jerry produzindo alguns dos mais inspirados momentos da “new wave”. Há quem considere a grande obra-prima do Devo.

Ainda em 1980, o grupo lançou um EP gravado ao vivo, DEV-O Live. E quando o sucesso parecia inevitável, surpreendem lançando um disco pesado e mais sério, New Traditionalists. Tentando explorar novas idéias e conceitos, o Devo parecia perdido e tentando fugir da imagem que haviam perpetuado.

capa do disco New TraditionalistsE se a inspiração andava em baixa, o mesmo não se pode dizer dos problemas. Após ter sido demitido pelos membros do Devo, Bob Lewis entrou com uma ação alegando que ele tinha propriedade intelectual na concepção do grupo. E Lewis acabou vencendo após achar uma fita em que Mark dizia, em uma antiga entrevista, que ele havia sido um dos responsáveis pela concepção do Devo.

Mas confusão mesmo o grupo arrumou quando tiveram uma idéia, no mínimo bizarra: queriam musicar um poema escrito por Robert Hinckley Jr., que ficou famoso ao tentar assassinar o então presidente norte-americano Ronald Reagan. O grupo foi taxado de doente e causou um grande mal estar durante as sessões que acabariam rendendo o disco oh, no! it's Devo.

capa do disco oh, no! it's DevoProduzido por Roy Thomas Baker, que havia trabalhado com os Cars, teve uma fria acolhida e mostrava a banda soando um tanto perdida e repetitiva. Mas, esse disco traz duas curiosidades: as faixas “Peek-a-boo!” e “Time Out For Fun”, que não foi sucesso em lugar nenhum, com exceção do... Brasil! Aliás, o Brasil é conhecido por emplacar faixas que em nenhum outro país consegue ser sucesso. E, talvez, o maior exemplo seja “Love of my Life”, do Queen...


Apesar das inúmeras excursões e do aumento dos fãs, o Devo tinha perdido a aura de grupo inovador e havia se misturado com grupos da safra “new wave” que não possuíam um décimo do seu talento original. E o próximo disco, Shout era o ponto mais baixo. Trazendo poucas composições boas, acabaram escorregando até em uma versão de “Are You Experienced?”, de Jimi Hendrix.

capa do disco ShoutParecia que o Devo havia chegado ao fim após três discos que pouco haviam acrescentado artisticamente a uma banda tão inovadora.

Em 1986, Alan Myers resolve abandonar o grupo e em seu lugar entra o baterista David Kendrick, ex- Sparks. Mas a banda mal existia e em 1987 lançam E-Z Listening Muzak , o primeiro trabalho do grupo a sair em formato CD, com quase 70 minutos de música. E em 1988 lançam um disco fraquíssimo, Total Devo, em que pareciam uma leve paródia do que haviam conseguido nos primeiros anos.

No ano seguinte lançam em disco duplo gravado ao vivo, Now It Can Be Told e em 1990, o derradeiro trabalho de estúdio, Smooth Noodle Maps. Insatisfeito, Mark Mothersbaugh começou a investir em comerciais de televisão e trilhas sonoras, fazendo trabalhos para a MTV, o canal de desenho Nickelodeon, além de ser músico de estúdio para os Rolling Stones e Debbie Harry. Mas não se esqueceu dos velhos companheiros e montou uma produtora chamada Mutato Muzika, onde empregou vários dos membros do Devo.

Jerry também teve uma vida agitada após sair do grupo, trabalhando como diretor de vídeos para o Foo Fighters e Soundgarden.

Várias coletâneas foram lançadas nesse período sendo as mais importantes Hardcore DEVO Volume One 1974-1977 e Hardcore DEVO Volume Two 1974 – 1977, ambas de 1991, em que resgatam canções dos primeiros anos

Em 1996 receberam uma oferta para tocarem seis dias na turnê Lollapalooza, para delírio dos fãs, que nem sonhavam mais com uma volta do grupo. Nessas apresentações contavam com o baterista Josh Freese. No ano seguinte, lançam um jogo em formato CD-ROM, The Adventures of the Smart Patrol, composta de uma trilha sonora com músicas tiradas da turnê do ano anterior.

capa da coletânea Pioneers Who Got ScalpedEm 2000, é a vez de mais duas sensacionais comPiLações duplas: Pioneers Who Got Scalped, com uma belíssima capa holográfica, editada pela Rhino e Recombo DNA, uma edição limitada vendida apenas por correio e igualmente editada pela Rhino.

Em 2001, os irmãos Mothersbaugh e Casale resolveram se reunir para finalizarem um antigo projeto que acalentavam desde meninos, quando tocavam no porão da família Casale: montar uma banda de “surf music”. Assim nasce os Wipeouters que lançam P' Twaaang!!!. Fazem uma excursão e resolvem todos ao trabalho na Mutato Muzika, quando em 2002, mais uma vez se reúnem, usando desta vez o nome com o qual haviam ficado famosos: Devo!

foto de uma apresentação em San Francisco no ano de 2002Usando a desculpa de terem mais uma coletânea no mercado The Essentials, começam então a fazer incontáveis apresentações que se arrastaram até o dia 24 de setembro de 2004, em Chicago.

Embora não tenham nenhum material novo lançado, parece que a banda teve sua importância devidamente reconhecida, colhendo críticas favoráveis e uma grande receptividade dos velhos e novos fãs. O grupo possui uma bela página oficial, www.clubdevo.com e vários sites espalhados pela internet, que cultuam a banda e disseminam a velha filosofia do grupo.

E se nós tivemos Pixies e até Brian Wilson no Brasil em 2004, não é demais sonhar com esses malucos em 2005. Afinal, fãs no Brasil é que não faltam a eles. Deixo vocês com uma foto da época do disco New Traditionalists, letras dos clássicos “Jocko Homo”, “Time Out For Fun” e “Peek-a-boo!”, além da discografia da banda. Um abraço e até a próxima coluna.

 

 

Jocko Homo

they tell us that we lost our tails
evolving up from little snails
i say it's all just wind in sails
are we not men? we are DEVO!
we're pinheads now we are not whole
we're pinheads all jocko homo
are we not men? D-E-V-O
monkey men all in business suit
teachers and critics all dance the poot
are we not men? we are DEVO!
are we not men? D-E-V-O
we must repeat o.k. let's go!

Time Out For Fun

hello
this is devo
we would like to say
things go both ways
new ideas stupid moves
nightmares or dreams come true
mucho work minus play
tension mounts in a twisted face
dark clouds in the crystal ball
tension mounts in a foreign place
the screw turns someone calls


time out for fun!

so you're living under the gun
circumstances have you on the run
a doctor frowns you feel bad
take this you've just been had!

don't you lose it now listen to us
everything's going to be all right
take a break take some time
everything's going to be all right
don't you lose it remember to take
time out for fun!

so your life has just begun
somebody else is saying that it's done
nurses whisper others grin
something's funny at your expense again

Peek-a-boo!

Peek-a-boo!
I can see you
And I know what you do
So put your hands on your face
And cover up your eyes
Don’t look until I signal
Peek-a-boo! peek-a-boo! peek-a-boo!
The way that we weren’t is what we’ll become
So please pay attention while I show you some
Of what’s about to happen
Peek-a-boo!
I know what you do
Cause I do it too
Laugh if you want to or say you don’t care
If you cannot see it you think it’s not there
It doesn’t work that way

Discografia

Be Stiff (EP, 1977)
Q: Are We Not Men? A: We Are Devo! (1978)
Duty Now For The Future (1979)
Freedom of Choice (1980)
DEV-O Live (EP, 1980)
New Traditionalists (1981)
oh, no! it's DEVO (1982)
Shout (1984)
E-Z Listening Muzak (1987)
Total Devo (1988)
Now It Can Be Told (1989)
Smooth Noodle Maps (1990)
Greatest Hits (1990)
Greatest Misses (1990)
Hardcore DEVO Volume One 1974-1977 (1991)
Hardcore DEVO Volume Two 1974 - 1977 (1991)
DEVO Live - The Mongoloid Years (1992)
BMG Greatest Hits (1998)
Pioners Who Got Scalped (2000)
Recombo DNA (2000)
The Essentials: Devo (2002)

 

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