Na década
de 70 Bowie era inigualável. Mas, ao mesmo tempo, em que
produzia um clássico atrás do outro, Bowie, colecionava
histórias impressionantes com drogas, sucesso, mulheres,
homens, que transformou sua vida num verdadeiro zoológico.
E nenhum ano pareceu mais louco do que 1974, quando lançou
Diamond Dogs, um disco assustador e brilhante. Foi também
o ano de David Live, que rende, ao menos uma sensacional histórica
no dia em que ele foi gravado. Resgatando o primeiro vinil da
década de 70 que tive dele (e do qual me apaixonei instantaneamente),
é hora de falar de um clássico quase esquecido:
Diamond Dogs. E David Live, também...
Tentar
enterrar Ziggy Stardust foi mais difícil do que Bowie pensava
e queria. Apesar de ter "matado" o personagem em cima
de um palco, os fãs só queriam saber dele. Meio
irritado com tudo isso, David Bowie teve que deixar até
sua antiga residência. Mas, ainda assim os fãs o
seguiam, histericamente.
Mas não era apenas
o personagem que havia mudado. O artista Bowie queria continuar
suas novas idéias e a primeira coisa que fez foi matar
sua antiga banda, The Spiders from Mars. Isso significou limar
de sua vida o seu melhor companheiro, o talentosíssimo
guitarrista Mick Ronson.
Os dois já haviam
tido uma discussão feia, quando Bowie ficou sabendo que
Tony DeFries (seu empresário) queria lançar o guitarrista
em uma carreira-solo. Furioso, Bowie ligou para o músico
e o chamou de "um merda incorrigível". Ele não
aceitava a idéia de que um escudeiro seu pudesse sonhar
com o estrelato. A partir daí, o clima entre os dois seria
nenhum.
Ele também andava
fascinado com duas idéias: gravar um disco inspirada no
livro 1984, de George Orwell e apaixonado pelos
livros e pelo estilo de escrever de um dos maiores nomes da literatura
beatnick, William S. Burroughs.
Bowie até havia
usado a técnica de Burroughs para escrever novas músicas,
que nada mais era do que combinar pequenas tiras de papel escritas
e tentar juntá-las em uma idéia.
Burroughs
e ele até andaram socializando juntos, mas ele sofreu um
duro golpe quando os donos do espólio de Orwell vetaram
a idéia do cantor. Uma das principais responsáveis
pelo veto foi a viúva, furiosa com a idéia de que
esse "ser horroroso e andrógino use a obra-prima de
meu marido."
E Bowie realmente parecia
um ser assustador. Mais magro do que nunca, consumindo quilos
de cocaína, bebendo feito um condenado e se alimentando
apenas com leite, ele estava entrando de cabeça em um ciclo
que o deixaria cada vez mais paranóico.
O veto deixou Bowie meio
confuso por um tempo, já que ele havia feito várias
músicas baseadas na idéias do livro. Ainda assim,
ele continuou compondo.
O problema é que
ele quase não tinha mais uma banda, menos ainda um guitarrista
com a demissão de Mick Ronson. Assim, resolveu ele próprio
assumir o instrumento para as gravações do disco
Diamond Dogs.
O
grande clássico do disco é certamente "Rebel
Rebel", com um dos riffs de guitarras mais clássicos
da história. E, apesar de ter sido feito por ele, Bowie
teve uma "pequena ajudinha".
A letra era inspirada em
um de seus amantes, Wayne County (ou Jayne County) e a letra falava
de alguém que não podia se afirmar se era menino
ou menina.
Mas David estava com sérios
problemas com a melodia e por isso convidou Alan Parker, músico
que havia trabalhado com Stevie Wonder, para ir até o estúdios
Olympic. Parker conta que Bowie mostrou a ele os acordes básicos
ele tocou na guitarra.
Bowie adorou, gravou-o
e o dispensou. Toda sessão durou meia hora e o músico
recebeu o cachê estipulado de 20 libras. Uma ninharia pelo
clássico que nasceria dali.
Diamond Dogs
foi lançado no dia 24 de abril e chocou os antigos fãs.
O choque começava pela capa e contra-capa, desenhadas por
Guy Peellaert, um artista holandês impressionista em que
mostrava Bowie metamorfeseado de cachorro, com duas prostitutas
gordas, rindo ao fundo.
As
letras mostravam um cantor fortemente influenciado pela decadência,
devastação e com temas inspirados em 1984,
como "Big Brother" e a própria "1984"
(com participação também de Alan Parker)
e canções fora do padrão. Bowie também
tocava saxofone.
Como ele era o artista
mais quente do momento, Tony Defries resolveu investir pesado
na promoção de Diamond Dogs, fazendo a MainMan gastar
US$ 400 mil em anúncio na televisão, além
de dar brindes a mais de cinco mil jornalistas na América.
Defries gastava pesado,
apesar dos críticos americanos ficarem confusos com o que
ouviam, em parte pelas experimentações sonoras,
efeitos bizarros e as letras doentias de Bowie. Estava claro que
algo não ia bem com o músico.
E Bowie se sentiu muito
inseguro em estúdio, sem o apoio de uma banda, com medo
de fracassar, e essa insegurança é um dos trunfos
do trabalho, por mais irônico que possa parecer.
Nascia
ali um novo David Bowie, um músico que queria ser a vanguarda
e para isso mudava radicalmente, inclusive visualmente, abandonando
o cabelo vermelho de Ziggy e voltando a ser loiro.
Após o lançamento
do disco, era hora de levar o trabalho para o palco. E essa seria
uma das grandes razões para a falência do cantor
pouco tempo depois...
O primeiro passo foi contratar
músicos para a empreitada. Bowie e Defries tinham uma estratégia
estranha: primeiro procuravam pessoas conhecidas que não
viam há anos e estavam no limbo.
Um deles foi o guitarrista
Keith Christmas, que conta uma história curiosa: "eu
estava em casa, em abril de 1974, com minha namorada, quando o
telefone tocou e ela atendeu. Disse, espantada, que Bowie queria
falar comigo. Eu pensava, intrigado, como havia se lembrado de
mim. Ele estava me convidando para sua excursão. Primeiro
me pediu para que eu voasse até Nova York, mas eu não
tinha visto de entrada e Defries me arrumou um, sabe lá
Deus como. Imediatamente me colocaram numa limousine. Na noite
seguinte, me chamou para sairmos e fiquei apavorado. Ele me levou
a todos os bares gays que conhecia e ficava paquerando meninos
e meninas. Ele estava completamente alucinado, e eu carregava
um saco com pílulas e o salvei de um tombo feio em uma
escada. Dias depois, estávamos no estúdio ensaiando,
sós, quando ele me chamou para jogarmos cartas, puxou uma
navalha afiada e com ela arrancou um naco de uma garrafa de Coca-Cola.
Algo me dizia que eu não iria viajar com ele. Um ano depois
ele me ligou novamente e pediu para que eu fizesse uma jam
com ele. Eu fui, uma hora depois me dispensou todo feliz e nunca
mais o vi. E acho que gostou dessa jam, porque 18 anos
depois usou um dos meus riffs para escrever 'Black Tie
White Noise'". O escolhido acabou sendo Earl Slick.
A
excursão teria um planejamento inédito até
então. Apenas a montagem do palco custou US$ 250 mil e,
pela primeira vez na história do rock, foi usado um guindaste.
Além disso, o espetáculo
era rigorosamente coreografado e Jules Fisher havia desenhado
um cenário que misturava o pesadelo das decadentes cidades
urbanas com visões futuristas, inspiradas no filme Metropolis,
de Fritz Lang.
O espetáculo de
duas horas era rigidamente controlado pelo coreógrafo Toni
Basil e Bowie (usando sóbrios e elegantes ternos), pessoalmente,
checava exaustivamente os efeitos especiais.
Não é preciso
dizer que a turnê foi um pesadelo... Na noite de abertura
dos 50 shows pela América, o sistema de som simplesmente
morreu; uma semana depois, o guindaste quebrou com Bowie no alto
(logo ele, que morria de medo de altura) e ele teve que cantar
seis músicas no alto, sem ver o chão.
Bowie tentava levar o clima
da Broadway para os palcos, mas os inúmeros problemas técnicos
fizeram a excursão virar um pesadelo.
Para piorar, o baixista
Herbie Flowers - recrutado porque tinha um "nome fantástico!"
- amigo de Bowie há cinco anos, começou a quebrar
o pau com o músico e com a MainMan por questões
financeiras.
O
cúmulo disso aconteceu justamente na noite em que iriam
gravar um disco ao vivo na Filadélfia. Flowers ficou furioso
com isso, porque ganhava pouco mais de US$ 100 semanais e exigia
uma gratificação extra para a gravação
de um disco. Começou a bater-boca violentamente com o cantor
e com Tony Defries e o resultado disso foi uma guerra de cadeiras
horas antes do espetáculo.
A briga só diminuiu
quando Defries prometeu US$ 5 mil extras aos músicos, valor
que só pagou dois anos depois, após ser processado.
Não é por acaso que Bowie aparece como um vampiro
na capa do disco e todo pálido.
O formato do show já
havia sofrido uma tremenda mudança, quando Bowie conheceu
o guitarrista Carlos Alomar e um desconhecido cantor chamado Luther
Vandross, em um estúdio no dia 11 de agosto.
Bowie gostou tanto dos
dois que resolveu mudar o formato e se aproximar mais da música
negra, inspirada no programa televisivo Soul Train. Os
dois foram adicionados ao grupo na segunda parte da turnê,
que começou no dia 2 de setembro, em Los Angeles e foi
com eles que Bowie começou a pensar no disco ao vivo.
É
fato: Bowie odeia David Live. Simplesmente o
detesta, a ponto de dizer que nunca o ouviu depois de finalizado.
Ele detesta principalmente
sua foto da capa, com cara de vampiro (também depois
de uma briga com cadeiras horas antes...), detesta o som,
que considerou de "plástico", com sua tentativa
de fazer funk e soul com seus clássicos. Mas o pior ainda
estava para vir...
Defries descobrira que
sua estrela havia feito saques vultosos e que estava devendo mais
de US$ 500 mil. Ele havia sacado US$ 50 mil para passar um mês
e havia gasto tudo em menos de 10 dias e precisava urgentemente
de fundos para cobrir tais empréstimos.
O cantor estava completamente
fora de si, movido a cocaína, bebida e orgias e se alimentando
apenas de café e suco de laranja. Defries tentou desesperadamente
um empréstimo com a RCA e obrigou os músicos a um
complexo plano de pagamento para que pudesse sanar as dívidas,
aumentando ainda mais a raiva geral.
Ainda assim, Bowie era
a estrela do ano e circulava no meio dos astros de cinema e com
seus ídolos, caso de John Lennon.
Mas tudo iria azedar quando
os outros artistas da MainMan naufragavam e as dívidas
da empresa cresciam assustadoramente e as de Bowie também,
batendo na casa das 622 mil libras esterlinas em 1975. Seria o
começo da ruína financeira do cantor e o final da
parceria com Defries. Mas isso é papo para outro dia...
Fiquem com a discografia
de Bowie. Um abraço e até a próxima coluna.
Discografia
David Bowie (1967)
Space Oddity (também conhecido como Man of Words/Man of
Music, 1969)
The Man Who Sold The World (1971)
Hunky Dory (1971)
The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars
(1972)
Aladdin Sane (1973)
Pin Ups (1973)
Diamond Dogs (1974)
David Live (1974)
Young Americans (1975)
Station to Station (1976)
ChangesOneBowie (1976)
Low (1977)
“Heroes” (1977)
Stage (1978)
Prokofiev's Peter and the Wolf (1978)
Lodger (1979)
Scary Monsters (And Super Creeps) (1980)
ChangesTwoBowie (1981)
Christiane F. Win Kinder (trilha sonora, 1982)
David Bowie in Betrtort Brecht's Baal (1982)
“Peace on Earth” /“Little Drummer Boy”
(com Bing Crosby, 1982)
Ziggy Stardust: The Motion Picture (1983)
Let's Dance (1983)
Golden Years (1983)
Love You Till Tuesday (1984, gravado em 1969)
Tonight (1984)
Never Let Me Down (1987)
Tin Machine (1989)
Sound and Vision (1989)
ChangesBowie (1990)
Tin Machine II (1991)
Oy Vey, Baby (1992)
Black Tie White Noise (1993)
Singles: 1969-1993 (1993)
Buddha of Suburbia (1994)
1.Outside (1995)
Earthling (1997)
The Best of David Bowie 1969/1974 (1997)
The Best of David Bowie 1974/1979 (1998)
“hours...” (1999)
Singles Collection (1999)
Bowie at the Beeb: The Best of the BBC Radio Sessions (2000)
London Boy (2001)
Heathen (2002)
Reality (2003)
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