124 - Hüsker Dü - Warehouse: Songs and Stories

 

O último disco de estúdio da banda é um dos momentos mais inspirados do trio e um sonoro tapa na cara para quem achava que iriam adocicar sua massa sonora após terem sido contratados pela Warner. Warehouse solidificava todo o conceito apresentado no espetacular Candy Apple Grey. De quebra, trazia alguns das melhores canções de Bob Mould e Grant Hart. Um disco duplo perfeito e que não contém nenhuma faixa ruim. Em suas 20 canções (12 de Bob e 8 de Grant), o trio conseguiu pavimentar de forma definitiva seu nome na década de 80. E nunca mais repetiriam a faísca criativa após a separação.


Depois que o duplo Zen Arcade foi lançado, o grupo evoluiu muito em sua fama e influência. E, enquanto promoviam o disco, já tinham outro pronto e que foi guardado pela SST até 1985. E 1985 foi um ano cheio para o Dü, com o lançamento de dois álbuns e um single.

O primeiro é New Day Rising, lançado em janeiro e que mais parecia uma colagem de sonhos. A canção que abre o disco, a faixa título, tinha apenas uma linha de letra, “New Day Rising”, berrada. Bob disse que sempre gostou de falar dos seus sonhos, por serem sempre tão esquisitos, especialmente em frente ao aparelho de televisão. “quando você dorme com a televisão ligada, aumentam suas chances de ter sonhos porque há uma aura maior. Às vezes quando deixo ligado no canal 24 horas de notícias, meus sonhos são ainda mais alucinantes; eu os ouço falar sobre a África, por exemplo, e algo no meu subconsciente é acionado.”

capa do disco New Day RisingA canção Book About UFO’s” possui uma ligação meio indireta com “Mr. Spaceman”, dos Byrds. Aliás, não era a primeira vez que o grupo pagava um tributo ao grupo, já que havia lançado uma cover de “Eight Miles High”. Vale lembrar que as duas canções citadas do grupo são do disco Fifth Dimension, de 1966. No geral, New Day Rising consolidou o excelente nível e momento do trio e mostrou que podiam falar sobre sentimentos femininos, como em “The Girl Who Lives On Heaven Hill”. Sobre os arranjos mais elaborados e com maior presença de teclados, Bob avisou que a essência do grupo era apenas baixo, bateria, guitarra e vocal e que não incluiriam teclados em seus shows.

Com toda atenção, nada mais natural do que saírem mundo afora excursionando e conquistando mais fãs. Os shows da banda sempre foram um dos pontos altos da banda, com destaque para a guitarra de Bob Mould. O grupo costumava dar preferência ao novo repertório, mas sem esquecer de incluir alguns clássicos.

Grant Hart“O palco é nosso habitat natural, o local onde podemos extravasar nossas tensões e nossa raiva. E fico feliz que o público corresponda de maneira tão positiva, pois nossa intenção é deixá-los com um sorriso ao final de cada apresentação.”, dizia Grant Hart. E não havia como não deixar os fãs felizes com tamanho frenesi.

Até o calado e pouco balado Greg Norton, que mais parecia uma engrenagem para preencher o som, empolgava a platéia, dando os famosos saltos que Pete Townshend e Sting imortalizaram.

Greg Norton“Nosso som é quente e me dá vontade de pular. E eu pulo mais ainda quando vejo os garotos fazerem o mesmo”, dizia o bigodudo.

A fama começou a extrapolar os limites dos selos e palcos independentes e o grupo era agora paquerado pelas grandes gravadoras, para horror de alguns e indiferença da banda. “Eu não sei nada sobre isso, apenas ouço dizer do interesse, mas nada oficial aconteceu ainda”, garantia Grant Hart. Enquanto isso, a banda brindava o mundo com dois lançamentos seguidos: o single Makes No Sense At All e o LP Flip Your Wig.

capa do single Makes No Sense At AllMakes No Sense At All traiu uma velha promessa do grupo, a de nunca aparecerem em uma capa de disco. É certo que eles estavam com o rosto escondido embaixo de alguns lençóis, o que diminuiu um pouco o susto, especialmente das fãs femininas. E na verdade, o single servia apenas como um aperitivo para o novo disco, já que a duas canções tinham menos de 4 minutos. A canção principal tinha 2 minutos e 35 segundos e “Love Is All Around”, apenas 1 minuto e 41 segundos.

Em setembro, um mês depois do compacto é editado Flip Your Wig. Nesse novo trabalho, o grupo resolve abordar um tema que evitavam usar, que era o protesto político, ainda que Grant Hart não concordasse exatamente com essa expressão: “eu acho que protestar é muito importante e que devemos sempre fazer isso. Porém, não concordo, com essa coisa de direita ou esquerda, certo ou errado, ou apenas protestar em frente às câmeras de televisão. Acho que as pessoas hoje vão pouco para as ruas exigir seus direitos. Se acreditassem mais nesses ideais, conseguiriam muito, mas algumas preferem ficar vegetando dentro de casa.”

capa do disco Flip Your WigUm exemplo disso é a letra “Divide And Conquer”, que mostra o futuro alienante do mundo e que prevê um novo modelo de vida virtual. Sim, você conhece bem isso: é a internet, onde por acaso você agora se encontra. Um trecho da letra diz : “Bem, eles dividiram toda a área / E agora temos cidades e estados / As cidades possuem bairros e seus distritos / Há vários ‘ceps’ agora / e nove dígitos em cada ‘cep’ / Decodificadores secretos ... / Nós iremos inventar novos computadores / Que irão conectar a aldeia global / E teremos a AP, UPI e Reuters / para dizer a todos nós, as notícias.”

Além do belo trabalho, a notícia que mais chamava a atenção era a mudança de gravadora. O Hüsker Dü era considerado a “próxima grande coisa” e iriam deixar a independente SST para abraçarem uma major. Boato ou não?

“Bem, eles nos procuraram, realmente, e nos ofereceram um contrato. É algo tentador, pois não temos nenhuma obrigação formal com a SST. As gravadoras independentes não possuem uma grande estrutura para promover seus artistas. Não que elas trabalhem pouco, pois, de fato, trabalham pesado. Porém, elas vivem à margem das grandes companhias. É apenas uma questão de ter dinheiro ou não e eu prefiro ter alguma grana sobrando do que ficar sem nenhum.”

Bob MouldBob afirmava que se a mudança ocorresse seria apenas uma etapa que eles deveriam seguir e considerá-la uma evolução natural. “Nós temos muita amizade com o pessoal da SST, que fizeram um grande trabalho conosco. Eu não sei o motivo de tanta polêmica. Se mudarmos para um outro selo é porque estamos chamando mais atenção e da mesma maneira que não queremos mais compor canções thrash, já que evoluímos tecnicamente, também podemos querer mudar de casa, sem que isso nos afete musicalmente. Alguns temem que poderemos deixar nosso som mais comercial, o que é uma besteira.”

E o que muitos temiam, aconteceu: o grupo entra em 1986 gravando pela Warner e lá produzem outra obra-prima: Candy Apple Grey.

capa do disco Candy Apple GreyO disco abre com uma paulada, “Crystal” e traz alguns dos maiores clássicos do grupo, como “Sorry Somehow” (uma das canções mais amargas já escritas sobre rompimento amoroso), “Don’t Want to Know If You Are Lonely”. A revista Sounds o chamou de Revolver, do Hüsker Dü, uma metáfora mais do que feliz. E há ainda momentos calmos, com violões, mas nada com que os fãs pudessem se descabelar e gritar “meu Deus, eles parecem o Culture Club!”, pois o grupo não faria isso consigo próprio...

E o mais importante de tudo é que o espírito permaneceu intacto. Em uma entrevista promocional, Bob explicou a diferença entre o Hüsker e os demais grupos do selo Warner. “Ao contrário dos outros grupos, nós continuamos gerenciando nossas carreiras. Nós fomos os produtores do disco, nós agendamos nossos shows, dirigimos nossa van para as apresentações e organizamos as entrevistas que daremos. É uma questão de atitude, pois achamos que devemos responder pelos nossos atos, corretos ou não. Procuramos não ter um intermediário em nossas negociações e penso que a Warner gosta de nossa maneira de trabalhar. Não ficamos aborrecendo ninguém por qualquer porcaria.”

Bob explica que essa independência foi até fácil de ser obtida. “Tudo que queremos é paz para podermos trabalhar. Eles prensam o disco, distribuem como preferirem e negociamos os outros pormenores. E nós pedimos muito pouco em troca. Tudo tem corrido bem nesse primeiro ano.”

Quando saíram da SST, concordaram em deixar com a antiga gravadora a posse dos antigos discos. “O pessoal da SST continua sendo amigo da gente. São pessoas bacanas e não houve mágoa ou ressentimento de nenhuma parte. Eles entenderam que a nossa saída foi apenas uma jogada comercial. E nossos fãs não ficaram ressentidos. A prova disso foi nosso show com o Black Flag em Nova York, onde fomos muito bem recebidos”, contou Greg Norton, que ainda revelou que mesmo mudando para a Warner não tiveram um orçamento maior para gravarem Candy Apple Grey: “o disco foi gravado antes de assinarmos com eles e demoramos um pouco mais porque Bob queria ter mais cuidado com a produção. E as canções acústicas desse disco não podem ser chamadas de novidade, pois Bob compõe ao violão. Aliás, muitas pessoas ainda achavam que o disco tinha saído pela SST, e só quando nós dissemos que estávamos na Warner, é que comentaram algo.”

fotos das edições do disco nos formatos LP e CD, respectivamentefotos das edições do disco nos formatos LP e CD, respectivamente

E mantendo seu ritmo de apresentações e composições, em janeiro de 1987 sai o derradeiro disco de estúdio do trio: Warehouse: Songs and Stories. Considerá-lo a obra-prima do grupo é complicado devido aos vários grandes lançamentos, mas não há como negar a evolução técnica nesse novo álbum duplo. Das 20 novas músicas, 12 eram assinadas por Bob e 8 por Grant, que foram novamente os produtores. O disco havia sido gravado entre agosto e novembro de 1986.

Logo no primeiro meses de lançamento, dois singles são extraídos do álbum: “Could You Be the One?” e “Ice Cold Ice”. Na verdade, o disco poderia ter facilmente cinco ou seis singles de sucesso, se a gravadora quisesse, embora isso não fizesse a menor diferença para Bob Mould. “Se você está preocupado com vendagens, você precisa se preocupar com a venda dos compactos; mas se você está preocupado em passar uma mensagem, então deve se preocupar com a venda do disco. Eu estou preocupado em passar uma mensagem”, disse Bob.

Uma das qualidades do disco é o perfeito casamento entre a canção e a fúria do passado. A Gibson Flying V de Bob pula como o instrumento de frente e seus vocais parecem muito mais poderosos do que os de Grant e algumas de suas melhores canções estão logo no primeiro lado do disco, como “These Important Years”, “Stading In The Rain” e “Ice Cold Ice”. Grant respondeu com “Charity, Chastity, Prudence and Hope” e “You’re a Soldier” Ouvindo as 20 canções, fica a impressão que os dois disputam uma luta particular de quem fazia uma canção melhor.

foto promocional do disco Warehouse: Songs and StoriesE essa disputa acabou desmoronando o grupo, justamente quando davam um salto qualitativo gigante em termos de acabamento e produção. Há alguns anos Bob e Grant já não se entediam muito bem. Quando Grant Hart se tornou um viciado em heroína, seu comportamento ficou muito selvagem e a relação entre os dois acabou. Grant admitia o vício de heroína, mas chamava Bob de ditador e egoísta.

Bob lembra que o ambiente ficou tão insuportável, que durante o outono de 1987 resolveu pular da fora, mas só comunicou ao grupo e à gravadora ao final da excursão promocional. Em janeiro de 1988, ele avisou os dois antigos colegas que sairia do Hüsker Dü. Nessa época, eles estavam reunidos em Minneapolis para iniciar a gravação do terceiro disco pela Warner, que começava a pressioná-los, querendo impor um produtor para a banda. Tanta tensão acabou fazendo Bob pular fora.

Com o final do grupo, Bob e Grant resolveram seguir suas vidas. Grant lançou um EP chamado 2541 pela SST em outubro de 1988 e Bob estreou em carreira solo com Workbook pela Virgin. Os dois ainda gravaram por novas bandas – Grant com o Nova Mob e Bob com o Sugar. Apenas Greg desistiu da vida de músico e virou um chef de cozinha, após tocar descompromissadamente em um grupo chamado Grey Area.

capa do disco The Living EndEm 1994 saiu um disco pela Warner, que a banda devia em contrato. The Living End foi gravado em outubro de 1987 e mostra toda a energia em cima de um palco. Como aperitivo, o grupo fecha com “Sheena Is a Punk Rocker”, dos Ramones. Inexplicavelmente, esse disco é o único do grupo que se encontra fora de catálogo.

Quando a SST relançou os discos do grupo em CD a partir de 1990, ela decidiu juntar dois singles em um único CD por ocuparem pouco espaço. Sendo assim, Eight Miles High e Makes No Sense At All saíram com uma foto da banda ao fundo e a reprodução dos compactos, em tamanho menor.

relançamento em CD dos compactos Eight Miles High e Makes No Sense At All, pela SSTNo Brasil, os discos do trio são difíceis de encontrar. No entanto, alguns trabalhos do Sugar, banda de Bob podem ser achadas em sebos da vida. Não é o ideal, mas já é uma grande pedida.

Deixo vocês com três letras desse clássico dos anos e a discografia da banda. Um abraço e até a próxima coluna.

 

Standing In The Rain

Looking outside my window
And all I see is grey
I'm watching the clouds roll by every day
And we make a reservation
You say you'll be on time
I say, "I might be a little late"

Well, I pull it together and brush my teeth
Comb my hair
I stop to think and I can see you there
I think of the times you've waited
Just for me to care
I care about you

Checking the clock inside
The room we call our own
I see that I'm late, I should get going
Hop on a local transit
Spending all my change
And I can still hear the telephone

I wanna go back, but I'm halfway to
The place where we will meet
And I'm half dead on my feet
And once I get there, I see
Everything's the same
Here comes the rain
You left me standing

I should have guessed that you'd stand me up
Why did I even go, now
And I guess it goes to show
The snow may well thaw out, but it
Goes right down the drain
You left me
You left me
You left me
You left me
You left me standing in the rain


Ice Cold Ice

Barren lands and barren minds
In another place and time
I feel I've never known myself
Frozen in the sand again

See the blank expressions waiting for progression
They're standing still in place and time
And no one's moving, they're only
Standing still in ice cold ice cold ice

All machines and all are one
Catching up on what's been done
Stealing glimpses from the past
These impressions always last

Never penetrating, always contemplating
We sit and count the blessings but we're blessed by icons
No one else could
Trust in ice cold ice cold ice cold ice

We'll stay together till the end
Thinking you might be a friend

We sit and pray together that they might change the weather
My love for you will never die
If I sound distant, that's because
You shouldn't see me crying ice cold ice


Could You Be The One?

Could you be the one they talk about?
Hiding inside, behind another door?
Is it only happiness you want?
Does wanting a feeling matter any more?

It doesn't mean that much to me
Sometimes I don't mean that much to you
And I don't even know what I'm hiding for

And I don't even know what I'm crying for
Don't even know what I'm hiding for

Could you be the one they talk about?
Life is a game that only you can make
Maybe I'm about to throw it out
I've given it all, that's all I can take

Could you be the one
Could you be the one
Could you be the one that's hanging all around

Don't even know what I'm hiding for
Don't even know what I'm crying for
Don't even know, could you be the only
Broken hearted one

Discografia

Statues / Amusement (single, 1981)
Land Speed Record (1982)
Everything Falls Apart (1983)
Metal Circus (EP, 1983)
Eight Miles High (single, 1984)
Zen Arcade (1984)
New Day Rising (1985)
Makes No Sense At All (single, 1985)
Flip Your Wig (1985)
Candy Apple Grey (1986)
Warehouse: Songs and Stories (1987)
The Living End (1994)

 

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