174 - Bob Dylan & The Band - The Basement Tapes

Esse originalmente álbum duplo é um dos discos mais importantes já produzidos por Dylan. Não apenas por ser feito ao lado do The Band, seus grandes parceiros, mas por toda a aura que o envolve e também por existirem vários discos piratas com essas gravações e outras do mesmo período. The Basement Tapes foi gravado no ano de 1967, quando Dylan havia sumido do mapa, após seu acidente motociclístico, mas foi lançado oficialmente apenas em 1975. Dotado de 24 canções, 16 delas cantadas por ele, The Basement Tapes foi lançado em meio a uma enxurrada de discos do cantor - antes havia saído o duplo ao vivo Before The Flood, com o mesmo The Band e Blood on the Tracks, no curto espaço de um ano - e mostra o que Dylan estava fazendo enquanto se convalescia.


capa e contra-capa de The Basement Tapes

The Basement Tapes pode ser considerado o primeiro grande lançamento contra a pirataria. Isso porque essas gravações foram tremendamente comercializadas durante anos das mais variadas formas e qualidade, sendo criada, inclusive, uma série de discos, que também saíram em CDs (eu mesmo tenho alguns dessa série). Mas, afinal, o que foi e qual sua importância na história da música? Para isso, é necessário voltar uns meses atrás, quando um grande boato (o maior até a "morte" de Paul McCartney) estarreceu o mundo: a "morte" de Bob Dylan...

No dia 29 de julho de 1966, Bob Dylan estava levando sua moto até uma oficina para alguns reparos, em Woodstock, cidade onde residia, quando sofreu um acidente até hoje muito pouco esclarecido. Após derrapar em uma poça de óleo (segundo o próprio cantor), Dylan foi socorrido por um amigo, que o levou de carro até o hospital Middletown, onde foi diagnosticada uma fratura em uma das vértebras de seu pescoço, além de pequenas queimaduras na cabeça e no rosto.

Dylan e The Hawks em 1966O acidente o obrigou a ficar de molho por uns tempos e Dylan entrou em uma espécie de "retiro espiritual". Pela primeira vez, em mais de sete anos, desfrutava de férias, ainda que forçadas. A primeira conseqüência do acidente foi o cancelamento de 60 shows que faria com os The Hawks (ainda não se chamavam de The Band), como parte da incessante excursão mundial que promovia.

Mas, o pior estava para vir: quando os jornalistas descobriram que Dylan havia sofrido um acidente, mas não sabiam a extensão do fato, várias matérias sensacionalistas pipocaram pelo planeta, afirmando que ele estava desfigurado, com seqüelas gravíssimas, inválido e que nunca mais poderia andar ou falar. Segundo as notícias, Dylan havia quebrado o pescoço e nunca mais seria o mesmo.

A notícia veio em um momento delicado para a gravadora Columbia, que negociava um novo contrato com o cantor. Enquanto o cantor se recuperava do acidente em sua casa, lendo, recebendo a visita de poucos amigos e tendo sua privacidade mantida ferozmente por sua esposa Sara e amigos, Dylan renovou o contrato com a gravadora, ficando de lançar um novo disco em 1968, que seria John Wesley Harding. E foi nesse período de reclusão que nasceu The Basement Tapes.

Em 1967, o Hawks havia alugado a Big Pink, uma imensa casa, onde ensaiavam e viviam. Foi ali que Dylan se juntou ao grupo e produziu um dos maiores discos de sua carreira, e segundo John Rockwell, do The New York Times, "o maior disco da música popular norte-americana."

capa do disco The Basement TapesThe Basement Tapes foi gravado entre os meses de julho e outubro de 1967 em um clima de total descontração, uma autêntica jam session entre os músicos.

As 24 músicas contidas - 16 cantadas por Dylan e as demais pelo grupo - mostram uma calma que não existia mais nos álbuns anteriores de Dylan. Se as gravações de Blonde on Blonde, de 1966, foram caóticas e com Dylan movido à anfetaminas, em The Basement Tapes, nada disso se ouvia.

Produzida nos porões da Big Pink, o disco trazia todos os elementos de uma gravação caseira: vocais rústicos, ruídos, distorções e produção precária em algumas faixas. Parte disso foi espontâneo e parte não.

Os músicos se revezaram em todos os instrumentos. Enquanto Dylan tocou guitarra acústica e piano em "Apple Suckling Tree", os membros do grupo fizeram de tudo. Robbie Robertson tocou guitarra, bateria em "Apple Suckling Tree", em "You Ain't Going Nowhere" e "This Wheel On Fire", além de guitarra acústica em "Ain't No More Cane"; o baixista Rick Danko tocou bandolim em "Ain't No More Cane; o tecladista Garth Hudson tocou sax em "Orange Juice Blues (Blues for Breakfast)" e acordeão em "Ain't No More Cane"; o tecladista Richard Manuel tocou bateria em "Odds and Ends", "Yazoo Street Scandal" e "Don't Ya Tell Henry" e harmônica em "Long Distance Operator" e o baterista tocou bandolim em "Yazoo Street Scandal" e "Don't Ya Tell Henry" e baixo on "Ain't No More Cane".

As letras de Dylan estavam menos tensas do que as de Blonde on Blonde, embora apresentassem alguns momentos de tensão. Um outro fato é que as canções estavam mais curtas, quase dentro do formato pop de três minutos e metade delas não ultrapassa essa marca.

Em cada faixa é possível perceber a nítida influência de soul, gospel, r&b e folk. O disco possui momentos de grande beleza com a linda "You Ain't Goin' Nowhere", e na delicada "Katie's Been Gone", na voz de Richard Manuel. O disco mostra também momentos de puro improviso como em "Tiny Montgomery", "Million Dollar Bash" e letras soturnas como a de "Yazoo Street Scandal."

Essas gravações ficaram escondidas durante anos, sendo que algumas delas foram aproveitadas no disco de estréia do The Band, Music from Big Pink, de 1968; casos de "Tears Of Rage" e "This Wheel's on Fire", com arranjos totalmente modificados; e nenhuma em John Wesley Harding, de Bob Dylan, no mesmo ano. Então fica a pergunta: por que saíram em disco anos depois?

A resposta estava na crescente onda de discos piratas que havia nascido nos anos 60. O próprio Dylan era simpático à idéia de deixar seus fãs gravarem as músicas de shows, mas proibiu a medida quando as mesmas eram prensadas e vendidas gerando uma grande quantidade de dinheiro, sem que ele faturasse nada. "Eles estão me roubando, fazendo dinheiro com meu suor. Eu não permitirei mais isso!", protestou, tentando inutilmente abolir tal procedimento.

capa do primeiro dos cincos CDs piratas batizado The Genuine Basement TapesE Dylan era realmente um dos mais pirateados do mundo. Basta dizer que um disco chamado The Great White Wonder (que chegou a circular no Brasil e que possuo cópia) chegou a vender milhares de exemplares a preços altíssimos. Mas nada superou a pirataria dessas gravações que acabou gerando The Basement Tapes.

Nada menos do que cinco discos começaram a circular pelo mundo e para tentar conter essa sangria é que a Columbia resolveu lançar o álbum duplo.

Contendo uma canção inédita em todos os discos piratas que circulavam - "Goin' to Acapulco" - e com sensíveis melhoras técnicas - foram tirados chiados e algumas canções tiveram novas mixagens, causando decepção aos fãs que queriam o som mais perto do original possível - The Basement Tapes foi um grande sucesso.

"Não devemos nos envergonhar de elegê-lo como disco do ano de 1975, pois ele também o seria de 1967", disse Robert Christgau, do Village Voice.

capa do disco Before The FloodO disco marcava um período intenso para Bob Dylan. Quando chegou ao mercado era o quarto disco dele no curto espaço de 18 meses.

Planet Waves havia saído em janeiro de 1974; em junho o mundo foi surpreendido com o não menos espetacular duplo ao vivo Before The Flood, com o The Band; em janeiro de 1975 havia saído Blood on the Tracks e em junho, The Basement Tapes.

Além disso, Bob Dylan e The Band excursionavam sem parar, causando uma histeria por onde passavam. Até os clãs Kennedy e Rockfeller usavam de suas influências para conseguirem ingressos esgotados há meses para as apresentações.

Dyan e Band em 1974Mas uma pergunta nunca foi muito bem respondida pelo próprio Dylan: por que canções tão boas jamais foram gravadas em seus discos posteriores e demoraram tanto tempo para virem à superfície? Dylan nunca deu uma explicação definitiva. Alguns especulam que ele queria justamente fazer o que fez: lançar, anos depois, um disco com músicas raras, mas que não esperava que essas vazassem mundo afora.

A verdade é que The Basement Tapes mesmo não sendo considerado um disco planejado, pode figurar tranqüilamente entre os mais representativos e importantes lançamentos de sua longa carreira. Um disco que mostra uma junção de talentos tocando por pura prazer e amor à música, de forma descompromissada.

Deixo vocês com a discografia gigantesca de Dylan. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Bob Dylan (1962)
The Freewheelin' Bob Dylan (1963)
The Times They Are A-Changin' (1964)
Another Side of Bob Dylan (1964)
Bringing It All Back Home (1965)
Highway 61 Revisited (1965)
Blonde on Blonde (1966)
Bob Dylan's Greatest Hits (1967)
John Wesley Harding (1968)
Nashville Skyline (1969)
Self Portrait (1970)
New Morning (1970)
Bob Dylan's Greatest Hits, Vol. 2 (1971)
Pat Garrett and Billy the Kid (1973)
Dylan (1973)
Planet Waves (1974)
Before the Flood (1974)
Blood on the Tracks (1975)
The Basement Tapes (1975)
Desire (1976)
Hard Rain (1976)
Street Legal (1978)
At Budokan (1979)
Slow Train Coming (1979)
Saved (1980)
Shot of Love (1981)
Infidels (1983)
Real Live (1984)
Biograph (1985)
Empire Burlesque (1985)
Knocked Out Loaded (1986)
Dylan & the Dead (1988)
Down in the Groove (1988)
Oh Mercy (1989)
Under the Red Sky (1990)
The Bootleg Series Volumes 1-3 (1991)
Good as I Been to You (1992)
The 30th Anniversary Concert Celebration (1993)
World Gone Wrong (1993)
Bob Dylan's Greatest Hits, Vol. 3 (1994)
MTV Unplugged (1995)
Time Out Of Mind (1997)
The Bootleg Series, Vol. 4: Bob Dylan Live 1966 (1998)
The Essential Bob Dylan (2000)
"Love and Theft" (2001)
The Bootleg Series, Vol. 5: Bob Dylan Live 1975 (2002)
The Bootleg Series, Vol. 6: Bob Dylan Live 1964 (2004)
No Direction Home: The Soundtrack (The Bootleg Series Vol. 7) (2005)
The Best of Bob Dylan (2005)
Modern Times (2006)
Dylan (2007)
Tell Tale Signs - Rare and Unreleased 1989-2006 (2008)
Together Through Life (2009)

 

 

 




 

Colunas