403 - Bob Dylan - John Wesley Harding e Nashville Skyline

Após o acidente e o sumiço, Dylan reaparece com dois álbuns inesperados e mostrando um lado mais country em suas composições. Nessa nova safra nascem dois discos excepcionais e que traziam dois grandes clássicos - "All Along the Watchtower" (famosa pelas versões de Jimi Hendrix e U2) e "Lay Lady Lay", onde Dylan surpreende cantando em um estilo mais grave. Dois álbuns que ajudaram a ampliar o leque de influência sobre seus contemporâneos e que seria copiado ao longo das quatro décadas seguintes.


"O primeiro disco de rock bíblico". Foi dessa maneira que Bob Dylan definiu John Wesley Harding, lançado em janeiro de 1968, mostrando que o acidente de Dylan não havia deixado seqüelas maiores, como se tanto especulava. Muito pelo contrário, Dylan continuava escrevendo e gravando como nunca.

Após ficar de "molho" um novo Dylan emergia: mais contido, com um visual mais discreto, de cabelo curto e barba. Após três anos alucinantes entre shows e gravações, Bob parecia mais sossegado e o som refletia essas mudanças.

O crítico Bill King ao ouvir as novas composições, disse que "Dylan produziu o novo mito do homem moderado, formando a base de uma nova personalidade e uma nova identidade artística."

No período em que sumiu, começou a estudar a Bíblia, mas sem o proselitismo que marcaria a virada dos anos 70 para os 80, com os álbuns Slow Train Coming, Saved e Shot of Love.

Paras as gravações, ao lado novamente do produtor Bob Johnston, e foi para Nashville onde passou alguns meses com os seguintes músicos locais: Pete Drake (Steel Guitar), Charlie McCoy (baixo), e Kenneth A. Buttrey (Bateria). O próprio Dylan tocou guitarra, harmonica, e piano.

Além de ter um cunho mais religioso, as letras eram menores e as canções mais curtas.

Segundo o poeta e grande amigo, Allen Ginsberg, Dylan havia lhe dito que resolvera escrever histórias menores onde cada linha tivesse uma importância na história, preocupando-se mais com o desenvolvimento da mesma do que pensar apenas em uma rima.

Apesar de muitos considerarem o lançamento em dezembro de 1967, ele realmente só saiu em janeiro do ano seguinte.

O LP fez um grande sucesso, vendendo mais de 250 mil cópias na primeira semana e recebendo elogios rasgados.

O álbum trazia as seguintes faixas:

Lado 1

1. "John Wesley Harding" – 2:58
2. "As I Went Out One Morning" – 2:49
3. "I Dreamed I Saw St. Augustine" – 3:53
4. "All Along the Watchtower" – 2:31
5. "The Ballad of Frankie Lee and Judas Priest" – 5:35
6. "Drifter's Escape" – 2:52

Lado 2

1. "Dear Landlord" – 3:16
2. "I Am a Lonesome Hobo" – 3:19
3. "I Pity the Poor Immigrant" – 4:12
4. "The Wicked Messenger" – 2:02
5. "Down Along the Cove" – 2:23
6. "I'll Be Your Baby Tonight" – 2:34

O disco abre com a faixa-título, inspirada no fora-da-lei John Wesley Hardin, nascido no Texas, em 1853 e que foi preso, em 1877, após matar um xerife.

Na cadeia, John Wesley estudou direito e conseguiu o perdão, em 1894, no mesmo ano em que começou a trabalhar em El Paso, como advogado. Infelizmente, ele foi morto por um guarda, no ano seguinte.

A grande canção do disco seria mesmo "All Along the Watchtower", imortalizada por Hendrix no álbum Electric Ladyland.

Mas o que poucos falam é que Jimmy Page roubou as progressões de acordes para escrever "Stairway to Heaven", assim como John Entwistle, baixista do Who se inspirou nela para escrever "Fiddle About", do disco Tommy.

Outra canção famosa é "The Ballad of Frankie Lee and Judas Priest", título que deu nome ao famoso grupo de heavy metal, do cantor Rob Halford, o Judas Priest.

Outra atração era a capa, com Dylan tendo ao lado dois cantores indianos Baul. Ao fundo, percebe-se um homem de idade, que é Charlie Joy, um carpinteiro de Woodstock (onde Dylan morava) usando o mesmo casaco que Bob utilizou na capa de Blonde on Blonde.

O disco causou alguma tensão entre Dylan e a Columbia. O presidente do selo, Clive Baker, queria lançar urgentemente um compacto, mas o cantor se recusou, querendo manter um perfil mais discreto.

Mais calmo, Dylan vivia um bom período pessoal, com o nascimento da filha Anne e reconciliar com os pais, meses antes de seu pai morrer de enfarte.

Dylan sentiu muito a perda e fez questão de ir ao funeral do pai em Hilbbing.

Um dos grandes momentos do lançamento foi o show em memória a Woody Guthrie, ídolo maior de Bob e que falecera no dia 3 de outubro de 1967.

Dylan pediu que Harold Leventhal, antigo amigo e empresário de Woody, para agendar uma apresentação especial.

Atendendo ao pedido, Leventhal agendou dois shows no Carnegie Hall, em 20 de janeiro de 1968, tendo como convidados Judy Collins, Jack Elliott, Arlo Guthrie, Richie Havens, Odetta, Tom Paxton e Pete Seeger.

Dylan subiu ao palco com The Crackers (na verdade, The Band) e tocou três músicas: "Grand Coulee Dam", "Dear Mrs. Roosevelt" e "I Ain't Got No Home".

Se Dylan havia surpreendido por lançar um disco mais "conservador" em uma época em que todas as bandas apostavam alto na psicodelia e em drogas, aumentaria ainda mais o espanto ao editar um novo LP, Nashville Skyline.

Algumas surpreenderam: primeiro, que Dylan estava realmente cantando, com uma voz mais empostada, em alguns momentos até de maneira irreconhecível.

Quem ouviu pela primeira vez "Lay Lady Lay", grande sucesso do álbum custou a crer que era Bob Dylan.

O álbum abre com uma das mais belas parcerias da história: Dylan e Johnny Cash cantam uma canção que Bob havia gravado em seu segundo álbum, The Freewheelin' Bob Dylan, "Girll from the North Country".

A segunda surpresa era que as 10 músicas mal chegavam a 30 minutos de execução, algo estranho para quem adorava longas canções. Nashville Skyline foi um sucesso estrondoso, vendendo mais de 1,2 milhão de cópias, chegando ao terceiro posto na parada. "Lay Lady Lay" alcançou o sétimo lugar entre os compactos.

O LP trazia as seguintes faixas:

Lado 1

1. "Girl from the North Country" (with Johnny Cash) – 3:41
2. "Nashville Skyline Rag" – 3:12
3. "To Be Alone with You" – 2:05
4. "I Threw It All Away" – 2:23
5. "Peggy Day" – 1:59

Lado 2

1. "Lay Lady Lay" – 3:20
2. "One More Night" – 2:25
3. "Tell Me That It Isn't True" – 2:45
4. "Country Pie" – 1:35
5. "Tonight I'll Be Staying Here with You" – 3:23

Dylan tocou na televisão com Johnny Cash, no dia 7 de junho, em um programa apresentado por Cash, o dueto de abertura do disco. Para a apresentação, pediu um cenário limpo, austero.

Cash era fã de Dylan e disse que o acompanhou desde o segundo LP, lançado em 1963 e o considerava um ótimo cantor country. A idolatria chegou ao ponto de Johnny escrever um texto sobre Bob na contra-capa do LP.

E a recíproca era verdadeira, pois Dylan sempre guardou com carinho um violão que recebeu de Cash, no festival, de Newport, em 1965, aquele que ficou famoso por ter sido vaiado ao tocar com um grupo de blues elétrico, abrindo a apresentação com "Maggie's Farm".

E ele voltou a surpreender o mundo ao se recusar tocar no festival de Woodstock, ao lado de sua casa. Um dos motivos para a recusa foi que estava farto de ver sua casa invadida por fãs, incentivados pelo empresário do cantor, Albert Grossman, dono de vários estabelecimentos comerciais na região e que lucrava em cima de sua maior estrela. Dylan acabou deixando a cidade e voltando para Nova York, irritado.

Ao invés de tocar no mítico festival, Dylan fez uma única apresentação no festival da Ilha de Wight, na Inglaterra, show que rendeu vários piratas ao longo das décadas. Um dos motivos para poucas apresentações era o desconforto físico que sentia após o acidente.

Mesmo dizendo-se "ansioso por voltar aos palcos", Dylan dizia que seu corpo sofria muito em algumas condições climáticas, adversas, como em locais úmidos que faziam seus ossos doerem.

Ainda assim, Dylan subiu ao palco com o The Band e fez um show com um gordo cachê, recebendo 21 mil libras, mais parte da bilheteria e seis mil libras para despesas. The Band recebeu um cachê de oito mil libras.

Esse seria seu único show no ano, em um evento que teria como estrelas, o The Who e o The Nice. Além dessa apresentação, ele se apresentou, no dia 14 de julho, no Mississippi River Festival, ao lado do Band, onde tocou Ain't Got No Home" (Guthrie), "In The Pines" (Leadbelly) e "Slippin' and Slidin' (Little Richard)".

Após dois discos brilhantes, Dylan causaria estranheza com o novo disco duplo, Self Portrait, editado em 1970. Mas isso é papo para outro dia. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Bob Dylan (1962)
The Freewheelin' Bob Dylan (1963)
The Times They Are A-Changin' (1964)
Another Side of Bob Dylan (1964)
Bringing It All Back Home (1965)
Highway 61 Revisited (1965)
Blonde on Blonde (1966)
Bob Dylan's Greatest Hits (1967)
John Wesley Harding (1968)
Nashville Skyline (1969)
Self Portrait (1970)
New Morning (1970)
Bob Dylan's Greatest Hits, Vol. 2 (1971)
Pat Garrett and Billy the Kid (1973)
Dylan (1973)
Planet Waves (1974)
Before the Flood (1974)
Blood on the Tracks (1975)
The Basement Tapes (1975)
Desire (1976)
Hard Rain (1976)
Street Legal (1978)
At Budokan (1979)
Slow Train Coming (1979)
Saved (1980)
Shot of Love (1981)
Infidels (1983)
Real Live (1984)
Biograph (1985)
Empire Burlesque (1985)
Knocked Out Loaded (1986)
Dylan & the Dead (1988)
Down in the Groove (1988)
Oh Mercy (1989)
Under the Red Sky (1990)
The Bootleg Series Volumes 1-3 (1991)
Good as I Been to You (1992)
The 30th Anniversary Concert Celebration (1993)
World Gone Wrong (1993)
Bob Dylan's Greatest Hits, Vol. 3 (1994)
MTV Unplugged (1995)
Time Out Of Mind (1997)
The Bootleg Series, Vol. 4: Bob Dylan Live 1966 (1998)
The Essential Bob Dylan (2000)
"Love and Theft" (2001)
The Bootleg Series, Vol. 5: Bob Dylan Live 1975 (2002)
The Bootleg Series, Vol. 6: Bob Dylan Live 1964 (2004)
No Direction Home: The Soundtrack (The Bootleg Series Vol. 7) (2005)
The Best of Bob Dylan (2005)
Modern Times (2006)
Dylan (2007)
Tell Tale Signs - Rare and Unreleased 1989-2006 (2008)
Together Through Life (2009)

 

 




 


 

 

Colunas