310 - Patti Smith - Easter

O disco que contém "Because the Night", o maior hit de Patti composto junto com Bruce Springsteen. O disco que lhe deu fama acima do esperado ou sonhado. Easter fez de Patti uma artista comercialmente bem-sucedida e a levou para uma outra esfera. Mas a gestação do disco não foi fácil, especialmente por causa das seqüelas do acidente de Tampa.


O ano de 1977 não foi fácil para Patti Smith. O acidente lhe deixou com seríssimos problemas. Por muito tempo ela foi obrigada a usar um colar de gesso no pescoço para curar a vétebra quebrada e passar por longas e dolorosas sessões de fisioterapia.

Durante a gravação de Radio Ethiopia Patti e banda travaram amizade com um engenheiro de som do Record Plant Studios de nome Jimmy Iovine.

Ele começou a rondar o grupo procurando um hit em potencial para Patti cantar. Segundo Lenny Kaye, Jimmy ficava ouvindo o que eles gravavam e, ansioso, prestava atenção em tudo.

Enquanto nisso, no estúdio ao lado, Bruce Springsteen estava gravando Darkness on the Edge of Town e Jimmy pensava em juntar os dois. Ele havia trabalhado com The Boss no LP Born to Run.

Bruce também começou a ficar intrigado com Patti. Os dois haviam sido criados em New Jersey e começaram a conversar e a se aproximar. Patti acabou gostando de Bruce e fizeram amizade.

Aos poucos, Bruce foi oferecendo algumas músicas para Patti gravar, compondo no estilo do Patti Smith Group, mas sem sucesso, já que não conseguia ter uma perspectiva feminina.

Porém, entre elas, estava uma chamada "Because the Night", em um ritmo latino, mas que não se encaixava no contexto de seu disco.

Patti fez várias alterações na letra mudando o contexto masculino para o feminino e mexeu também na melodia, deixando-a bem mais rock.

Bruce gostou da versão e os dois chegaram a subir no palco do CBGB, em 30 de dezembro de 1977, como Bruce sendo convidado da cantora.

Dessa maneira, nascia a mais famosa canção do catálogo de Patti Smith: "Because the Night".

A essa altura estava claro que Jimmy Iovine seria o produtor, o que foi muito importante, já que possuía uma boa bagagem e competência para opinar em arranjos.

Assim, nascia o novo álbum, batizado de Easter, para alívios dos fãs e após 18 meses do disco anterior.

No trabalho há uma baixa considerável, o pianista Richard Sohl. Como estava seriamente doente, Sohl foi aconselhado a se tratar, entrando, provisoriamente Bruce Brody.

A foto da capa de Lynn Goldsmith mostra uma Patti olhando para a axila não raspada e com uma camiseta sem sutiã realçando seus seios.

Em certo sentido, Easter era um disco igual aos outros, com peças mais experimentais e outras mais acessíveis, como é o caso de "Because the Night".

O disco continha as seguintes faixas:

Lado 1

1. "Till Victory" – 2:45
2. "Space Monkey" (Smith, Ivan Kral, Tom Verlaine) – 4:04
3. "Because the Night" (Smith, Bruce Springsteen) – 3:32
4. "Ghost Dance" – 4:40
5. "Babelogue" (Smith) – 1:25
6. "Rock N Roll Nigger" – 3:13

Lado 2

1. "Privilege (Set Me Free)" (Mel London, Mike Leander, Psalm 23) – 3:27
2. "We Three" (Smith) – 4:19
3. "25th Floor" (Smith, Kral) – 4:01
4. "High on Rebellion" (Smith) – 2:37
5. "Easter" (Smith, Jay Dee Daugherty) – 6:15

Patti estava fascinada pelo conceito Rock N Roll Nigger que havia formalizado. Segundo ela, Mick Jagger era uma perfeita amostra disso, não por ser negro (óbvio!), mas por ser um artista-mutante que estava acima de qualquer gênero.

Em uma entrevista para a revista Rolling Stone, uma matéria assinada por Charles M. Young, Patti discorre sobre sua filosofia.

Quando o repórter perguntou que não entendia porque Mick Jagger seria um nigger já que não havia sofrido como os habitantes do Harlem, Patti explicou: "o sofrimento não te fazer negro. Veja, eu também fui pobre quando criança. Estilisticamente, acredito que ele se encaixa. Eu acho que Mick sofreu muito. Ele tem um grande coração, sabe, mesmo nos momentos mais cínicos, um grande amor pela sua prole. Ele tem muita alma. Veja, bem, eu não entendo muito sobre isso. Você acha, por acaso que os negros são melhores que os brancos? Eu fui criado junto aos negros. É como, eu posso descer a rua e dizer "Hey nigger." Eu não tenho um super-respeito ou medo, ou qualquer coisa do tipo. Quando faço declarações como essa, gostaria que elas não fossem analisadas, porque elas parecem ser algo sem humor e eu tenho senso de humor, e isso é uma coisa que a maioria das pessoas ignoram quando chegam até mim. O que quero dizer é que falo muita coisa séria, mas algumas deveriam ser apenas divertidas."

Patti estava tão absorta com a idéia que, segundo o autor da matéria, ela havia conversado com o motorista da limusine que a levava pro show, um negro de nome Gary, sobre o sonho de fazer um show no lendário Teatro Apollo, no Harlem, e como sonhava em arrastar os Rolling Stones com ela para dividirem o palco.

No mesmo mês em que o LP é editado, sai o compacto Because the Night. A canção chegou à 13ª posição nos EUA e em 5º no Reino Unido, de longe sua melhor posição.

Ao longo dos anos, Patti desenvolveria sentimentos controversos sobre a canção, pelo fato de muitos a verem como uma composição de Bruce doada a ela, o que não era verdade. Lenny Kaye lembra o sucesso que fez. "Quando o disco saiu, mandaram-no primeiro para WNEW, e Vin Scelsa tocou-o três vezes seguidas. Era no tempo em que ainda podia se fazer isso no rádio. Realmente nos empenhamos em fazer aquele disco; tínhamos ficado fora do circuito por um ano, queríamos fazer uma declaração tão clara quanto possível, não queríamos ser mal-entendidos." (N do E: citação tirada do livro Please Kill Me.)

O título do disco fazia referência à Páscoa e "Privilege (Set Me Free)" é quase uma oração inspiradas no Salmo 23. Na contra-capa há uma citação de uma Epístola em que diz "eu tive uma boa luta e consegui vencer minha maldição." Em "Babelogue", que desagua em "Rock N Roll Nigger", Patti abra declamando: "eu não fodo com o passado, mas fodo um montão com o futuro!"

Ao contrário de Radio Ethiopia, Easter teve aclamação geral da crítica, fato que deixou Patti feliz. O sucesso, também a fez feliz, como relatou na mesma matéria da Rolling Stone: "eu achei fantástico (ter sucesso). Paradas são paradas. O principal ponto de fazer um trabalho é conseguir se comunicar, seja êxtase ou alegria. O álbum é um grande sucesso também. E no disco eu falo 'foda' 'mijar', 'merda', 'erva' 'negro'. Veja, é muito mais ousado, muito mais perverso e muito corrupto do que Radio Ethiopia. Estamos nos comunicando como muitas pessoas e acredito que os outros conseguem acreditar em nós. Não acredito, não sei... que dizer, não somos impecáveis. Somos bem o oposto disso."

Easter levaria Patti Smith Group aos ginásios pelo mundo, criando uma histeria que a faria dar uma parada ao final de 1979. Mas isso é papo para outro dia. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Horses (1975)
Radio Ethiopia (1976)
Easter (1978)
Wave (1979)
Dream of Life (1988)
Gone Again (1996)
The Patti Smith Masters: The Collective
Peace and Noise (1997)
Gung Ho (2000)
Land 1975-2002 (2002)
Trampin’ (2004)
Twelve (2007)

 


 

 

 

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