122 - The Residents - Eskimo

 

Esse não é um grupo de rock. Essa é uma das bandas mais estranhas do planeta e que continua na ativa. Se é que pode ser chamado de banda, porque até hoje não se sabe quem ou quantos são seus membros. Seus shows podem ter quatro integrantes no palco, numa noite, cinco na outra ou ainda nove ou somente um. E já estão nessa vida há mais de 30 anos. Usando roupas estranhíssimas ao vivo (monstros espaciais, múmias) e obcecados por um olho gigante de gosto pra lá de duvidoso, os Residents fazem um tipo de som que não merece classificação. Eskimo é um dos discos mais estranhos já feitos e de uma concepção inusitada. Vamos a eles (ou ele), então?


 

Se há uma banda que odeia a imprensa e ama bizarrices essa é o Residents. Há quem jure que o grupo nunca existiu, fato facilmente comprovado pelos shows que o grupo já deu mundo afora. E a banda, acredite, é assim há mais de 30 anos. Nos encartes e cartazes promocionais, os integrantes aparecem todos de smoking e, no lugar dos seus rostos, um olho imenso, coberto por uma cartola. São, definitivamente, umas figuras.

Mas não pensem que os Residents ficam apenas na imagem. Eles possuem até hoje um ritmo alucinante de lançamentos, que faria até o saudoso Frank Zappa pedir água. Você poderá conferir a longuíssima relação de discos do grupo ao final desse texto.

Seus discos sempre trouxeram um som perturbador, pesado, lembrando muito os velhos climas de tensão de filmes de terror ou suspense. Os personagens podem ser assustadores ou cômicos, como se fossem todos saídos de um filme-B. Tudo pode acontecer, já que não existem canções óbvias. Ainda assim, gostam de brincar com os ícones do rock, e já fizeram covers de Elvis Presley, Rolling Stones, James Brown e parodiaram os Beatles.

Um dos mais intrigantes e peculiares trabalhos do grupo é Eskimo, lançado em 1979. Mas antes de contar a história desse disco insólito, tentarei contar um pouco como o grupo começou...

A versão mais usada sobre a origem do grupo conta que os quatro membros originais da banda (e que ninguém conhece e tão pouco pode garantir que sejam apenas quatro, de fato) saíram da pequena Shreverport, em Louisiana e foram para São Francisco, no início da década de 70. Segundo Jay Clem, porta-voz que trabalhou com o grupo por décadas, eles receberam os nome Residents, após a Warner enviar de volta uma demo tape que os quatro haviam mandado, endereçando a mesma “ao cuidado dos residentes”. Como não encontravam um selo para lançarem seus trabalhos, criaram a Ralph Records, e em 1972 lançam o single Santa Dog.

A tiragem foi de penas 300 cópias e o disco foi enviado para alguns “luminares” como o Presidente Nixon e até Frank Zappa.

O som era influenciado por experimentalismos e colagens e por gente como Captain Beefheart, Sun Ra. Seu caldeirão sonoro mesclava dodecafonismo, música eletrônica, free-jazz, música concreta. O grupo resolveu criar uma imagem própria, não aparecendo em público sem uma bizarra máscara com um olho gigante e decididos a não fazerem concessão alguma para a imprensa.

capa do disco Meet The ResidentsEm 1974 lançaram o primeiro disco Meet The Residents e arranjaram um tremendo problema com a gravadora Capitol que ficou furiosa com a capa do disco, pois faziam uma versão grotesca do disco Meet The Beatles, dos Fab Four de Liverpool. Os Residents foram ameaçados com um monstruoso processo, mas no final tudo foi deixado para trás, quando as primeiras 1000 cópias se esgotaram e relançaram o disco com outra capa e com sete minutos a menos.

No mesmo ano, o grupo começa a gravar Not Available, que ficaria quatro anos guardado e seria apenas lançado em 1978, sem motivo aparente.

foto do disco Third Reich ‘N’ RollEm 1976 lançam mais um disco polêmico, Third Reich 'N' Roll, uma sátira ao nazismo, mostrando Hitler (representado pelo ator e cantor Dick Clarke) segurando uma cenoura. O disco continha apenas duas longas canções: “Swastikas On Parade” e “Hitler Was A Vegetarian”. O disco era recheado de paródias com o ditador nazista, usando “Papa’s Got A Brand New Bag” e “Land of 1000 Dances”, de James Brown como base. Na verdade, várias canções clássicas são utilizadas e uma dos prazeres dos ouvintes era descobrir quais haviam sido usadas.

Os Residents ao vivo na década de 70Após o lançamento do disco, os três fizeram três concertos em Berkeley, Califórnia. Os shows são lendários por vários motivos: são os únicos realizados durante toda a década de 70; foi feito atrás de um vidro meio opaco, como se estivessem dentro de um aquário e todos estavam vestidos de múmias. Ah sim, e no palco, eram realmente quatro pessoas...

Ainda em 1976, fazem uma gravação do clássico “Satisfaction”, dos Rolling Stones, muito mais demente do que o Devo cometeria anos depois. A versão deles acabou sendo um hit entre os alternativos da época, e considerado um dos marcos do movimento punk na América, embora jamais tenham tido uma sonoridade parecida com os grupos punks. O single teve uma primeira prensagem de 300 cópias e o relançamento do mesmo, dois anos depois, teve a capa alterada e uma tiragem de mais de 30 mil compactos prensados.

A velocidade de lançamento da banda sempre foi algo estonteante e entre 1977 e 1979 nada menos do que 10 discos saíram com destaques para o compacto The Beatles Play The Residents and The Residents Play The Beatles; o próprio Not Available (finalmente lançado) e o mais importantes de todos, Eskimo.

capa do disco EskimoEskimo é um marco na carreira do grupo e pode ser considerado um lançamento tão difícil e indigesto quanto algum do Pere Ubu.

O disco é dividido em seis peças: “The Walrus Hunt”, “Birth”, “Artic Hysteria”, “The Angry Angakok”, “A Spirit Steals A Child” e “The Festival Of Death”. Ela relata a vida solitária e difícil dos esquimós e as músicas são tensas, assustadoras. Os genuínos ruídos dos esquimós são acompanhados de vozes guturais, percussão, eletrônica, tambores marciais e uma pequena história que conta o conceito de cada faixa. É um disco totalmente angustiante e até indigesto. Mas o resultado não deixa de ser brilhante.

Como o grupo jamais deu entrevista, sempre capricharam nos detalhes em seus encartes. Todo projeto levou mais de três anos para ser concluído – começou em abril de 1976 e só terminou em maio de 1979. Eles contaram com a ajuda do percussionista Chris Cutler (Henry Cow), Don Preston e Snakefinger nas gravações.

“Norte da Groenlândia, encravada no Círculo Ártico e cercada pelo Pólo Norte, é a casa de uma tribo nômade de descendentes mongóis conhecidos como esquimós. A cultura deles é passada através de gerações em forma de histórias orais e cerimônias musicais. O disco tenta recriar não apenas essas cerimônias musicais, mas todo seu contexto de vida e existência, em formato de histórias dos esquimós. Embora, no disco elas sejam puramente sonoras, há uma pequena parte escrita que ajudará ao ouvinte a compreender melhor essa história única. Para a máxima diversão, esse disco deverá ser ouvido com fones de ouvido enquanto você lê o que está ouvindo. Eskimo deve ser tocado inteiramente. Uma sensação de relaxamento é essencial. Roupas quentes ou cobertor ajudarão muito a entrar no clima.”

“The Walrus Hunt” relata a busca pelo alimento, quando os esquimós caçam morsas em seus caiaques. A caçada é sempre difícil por causa da neve e do gelo o que torna a busca extremamente perigosa, em parte devido ao whiteout, um fenômeno óptico das regiões polares que impede qualquer orientação visual. A faixa capta alguns sons do animal, que muitas vezes é a única pista para encontrá-lo no meio do mar. A faixa mostra a procura, a caça e os esquimós felizes pelo sucesso da missão.

“Birth” é um pesadelo, especialmente para as mulheres. Ela descreve a pouca importância do sexo feminino em uma tribo esquimó. Como a figura mais importante na tribo é a do caçador (geralmente homens), a menina quando nasce deve ser morta caso não haja um menino ‘solteiro’ na tribo, pois sua função será apenas a de cozinhar, costurar e curtir o couro para ele! Por isso, ser mulher é um drama. Segundo o texto, a mulher é obrigada a se mudar para uma caverna de gelo quando sente que dará a luz. Antes, de ir, uma banda começará a tocar músicas para felicitar o nascimento e as outras mulheres cantarão, na tentativa de confortá-la e então, ela parte, sozinha, onde ficará isolada dos demais até nascer a criança. Apesar de sentir medo, ela se sente segura. Os homens tocam kooa e cantam para o nascimento do novo membro do sexo masculino. Dentro da caverna, ele avança até encontrar os Angakok, que começam a rezar até a criança nascer. Após isso, as mulheres pegam a mãe e a criança, que tem seu ventre tocado para que elas saibam se é menino ou menina. Imediatamente uma outra mulher sai cantando da caverna e toca um sino avisando a todos e a criança é carregada.

“Artic Hysteria” fala de um fenômeno que ocorre com o final do inverno e que acomete as mulheres. As seguidas semanas de total escuridão e perda dos sentidos, às vezes ocasiona uma grande depressão. As mulheres começam a cantar ao lado do seu iglu calmamente enquanto batem com a neve nos casacos de pele dos maridos. O canto começa a gerar um medo do vazio cada vez maior. Quando isso acontece, os homens da tribo fazem um círculo à sua volta e entoam cantos para sua libertação, até que ela saia do “transe” e continue a bater no casaco do marido como se nada tivesse acontecido.

“The Angry Angakok” fala do curandeiro (angakok), aquele que detém todos os poderes e sabedoria. Deles se contam várias lendas dentro da tribo. Se um deles morre, os caçadores cortam seus tornozelos e dedos e os colocam dentro da boca do morto, como forma de proteção do seu espírito.

“A Spirit Steals A Child” fala de um mistério nunca solucionado: o roubo de crianças. A mitologia conta que as crianças são roubadas por um espírito choroso, metade mulher, metade foca, que por não poder dar a luz roubas as crianças desprotegidas.

A última faixa, “The Festival Of Death” narra o Festival da Morte, o maior evento da tribo. Mais do que um tributo à morte, o festival marca o nascimento do ciclo anual que determina o final dos seis meses que passam no escuro.

O disco encerra dizendo que as histórias são narradas no tempo passado porque hoje eles foram “salvos” pelo homem branco de sua “vida miserável” na década de sessenta e vivem agora em casas cedidas pelo governo e ficam assistindo televisão o dia todo. Uma típica ironia do grupo.

A versão em cd traz um bônus: quatro faixas do projeto “The Replacements” que fazem parte da coletânea Subterranean Modern, lançado no mesmo ano de Eskimo. As faixas são interessantes, mas soam deslocadas nesse lançamento.

Apenas uma curiosidade: A palavra “esquimó” para designar essa população surgiu de um mero acaso. O primeiro homem branco a entrar em contato com uma tribo depois de se apresentar fez um gesto tentando pedir uma identificação, fez apontando em direção ao grupo e eles responderam com a palavra “esquimó” que significa “nós”. Na verdade eles se autodenominam “inuit” que significa simplesmente “homem”. Isso porque os inuits achavam que eram os únicos homens a habitar a Terra.

Se você quiser saber mais sobre esse grupo totalmente sui generis entre no site do grupo, um dos mais criativos e perturbadores já vistos. Lá, você entrará no mundo totalmente insano e paranóico do grupo e poderá acompanhar as idéias que assolam a cabeça desses seres. É uma viagem de horas e horas dentro de um mundo onde nada faz sentido e que poderá ser divertido ou um pesadelo.

Deixo vocês com a discografia da banda. Um abraço e até a próxima coluna.


Discografia

Santa Dog (compacto, 1972)
Meet The Residents (1974)
The Third Reich ‘N’ Roll (1976)
Satisfaction (compacto, 1976)
Fingerprince (1977)
The Beatles Play The Residents and The Residents Play The Beatles (compacto, 1977)
The Residents Radio Special / Eat Exuding Oinks (compacto, 1977)
Not Available (1978)
Duck Stab (EP, 1978)
Babyfingers (EP, 1979)
Santa Dog’ 78 (1978)
Please Do Not Steal It! (1979)
Nibbles (1979)
Eskimo (1979)
Diskomo (1980)
Commercial Album (1980)
Commercial Single (compacto, 1980)
Shut Up Shut Up (compacto, 1980)
Mark of The Mole (1981)
The Tunes Of Two Cities (1982)
Intermission (1982)
Residue (1983)
The Mole Show Live At The Roxy (1983)
George and James (1984)
The White Single (compacto, 1984)
Assorted Secrets (cassette, 1984)
Ralph Before ’84 – Volume 1, The Residents
Whatever Happened To Vileness Fats? (1984)
The Censur Taker (1985)
The Big Bubble (1985)
Memorial Hits (1985)
The Pal TV LP (1985)
The 13th Anniversary Show, Live In Japan/ The Eyeball Show (1986)
Live In The USA - The 13th Anniversary Tour (1986)
Heaven (1986)
Hell! (1986)
Stars And Hank Forever (1986)
It’s A Man’s Man’s Man’s World / Jailhouse Rock (compacto, 1986)
Kaw-Liga (compacto, 1986)
Earth Vs. The Flying Saucer (1986)
Hit The Road Jack (compacto, 1987)
For Elsie (1987)
The 13th Anniversary Show, Live Holland (1987)
God In Three Persons (1988)
God In Three Persons Soundtrack (1988)
Double Shot (compacto, 1988)
Holy Kiss of Flesh (1988)
The Snakey Wave (1988)
The Mole Show: Live In Holland (1989)
The King and Eye (1989)
From The Plains To Mexico (compacto, 1990)
Buckaroo Blues (1990)
Don’t Be Cruel (1990)
Liver Music (1990)
Stranger Than Supper (1990)
Cube-E: Live In Holland (1990)
Freak Show (1990)
Daydream B-Liver (1991)
Blowoff (1992)
Our Finest Flowers (1992)
Uncle Willy’s Highly Opinionated Guide To The Residents (1993)
Prelude To “The Teds” (1993)
Poor Kaw-Liga’s Pain (1994)
Gingerbread Man (1994)
Hunters (1995)
Louisiana’s Lick (1995)
Have A Bad Day (1996)
Pollex Christi (1997)
Our Tired, Our Poor, Our Huddled Masses (1997)
Live At The Fillmore (1998)
Twenty-Five Years of Eyeball Excellence (1998)
Wormwood: Curious Stories From The Bible (1998)
I Hate Heaven (1998)
Land Of Mistery (1999)
The 13th Anniversary Show, Live In Tokyo (mesmo show lançado em 1986, mas com o nome mudado na versão em CD 1999)
In Between Screams – Intermission Music From The Residents’ Wormwood (1999)
Refused (1999)
Wormwood Live 1999 (1999)
Diskomo (2000)
Dot.Com (2000)
Roadworms – The Berlin Sessions (2000)
Roosevelt 2.0 (2000)
Icky Flix – The Original Soundtrack Recording (2001)
High Horses (2001)
Pettin Zooo (2002)
Demons Dance Alone (2002)
Kettles of Fish On The Outskirts Of Town (2003)
WB:RMX (2004)
The King & Eye: RMX (2004)
The 12 Days of Brumalia (2004)



 

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