Esse não
é um grupo de rock. Essa é uma das bandas mais estranhas
do planeta e que continua na ativa. Se é que pode ser chamado
de banda, porque até hoje não se sabe quem ou quantos
são seus membros. Seus shows podem ter quatro integrantes
no palco, numa noite, cinco na outra ou ainda nove ou somente
um. E já estão nessa vida há mais de 30 anos.
Usando roupas estranhíssimas ao vivo (monstros espaciais,
múmias) e obcecados por um olho gigante de gosto pra lá
de duvidoso, os Residents fazem um tipo de som que não
merece classificação. Eskimo é um dos discos
mais estranhos já feitos e de uma concepção
inusitada. Vamos a eles (ou ele), então?
Se
há uma banda que odeia a imprensa e ama bizarrices essa
é o Residents. Há quem jure que o grupo nunca existiu,
fato facilmente comprovado pelos shows que o grupo já deu
mundo afora. E a banda, acredite, é assim há mais
de 30 anos. Nos encartes e cartazes promocionais, os integrantes
aparecem todos de smoking e, no lugar dos seus rostos, um olho
imenso, coberto por uma cartola. São, definitivamente,
umas figuras.
Mas não pensem que
os Residents ficam apenas na imagem. Eles possuem até hoje
um ritmo alucinante de lançamentos, que faria até
o saudoso Frank Zappa pedir água. Você poderá
conferir a longuíssima relação de discos
do grupo ao final desse texto.
Seus discos sempre trouxeram
um som perturbador, pesado, lembrando muito os velhos climas de
tensão de filmes de terror ou suspense. Os personagens
podem ser assustadores ou cômicos, como se fossem todos
saídos de um filme-B. Tudo pode acontecer, já que
não existem canções óbvias. Ainda
assim, gostam de brincar com os ícones do rock, e já
fizeram covers de Elvis Presley, Rolling Stones, James Brown e
parodiaram os Beatles.
Um dos mais intrigantes
e peculiares trabalhos do grupo é Eskimo,
lançado em 1979. Mas antes de contar a história
desse disco insólito, tentarei contar um pouco como o grupo
começou...
A
versão mais usada sobre a origem do grupo conta que os
quatro membros originais da banda (e que ninguém conhece
e tão pouco pode garantir que sejam apenas quatro, de fato)
saíram da pequena Shreverport, em Louisiana e foram para
São Francisco, no início da década de 70.
Segundo Jay Clem, porta-voz que trabalhou com o grupo por décadas,
eles receberam os nome Residents, após a Warner enviar
de volta uma demo tape que os quatro haviam mandado, endereçando
a mesma “ao cuidado dos residentes”. Como não
encontravam um selo para lançarem seus trabalhos, criaram
a Ralph Records, e em 1972 lançam o single Santa
Dog.
A tiragem foi de penas
300 cópias e o disco foi enviado para alguns “luminares”
como o Presidente Nixon e até Frank Zappa.
O som era influenciado
por experimentalismos e colagens e por gente como Captain Beefheart,
Sun Ra. Seu caldeirão sonoro mesclava dodecafonismo, música
eletrônica, free-jazz, música concreta. O grupo resolveu
criar uma imagem própria, não aparecendo em público
sem uma bizarra máscara com um olho gigante e decididos
a não fazerem concessão alguma para a imprensa.
Em
1974 lançaram o primeiro disco Meet The Residents
e arranjaram um tremendo problema com a gravadora Capitol que
ficou furiosa com a capa do disco, pois faziam uma versão
grotesca do disco Meet The Beatles, dos Fab
Four de Liverpool. Os Residents foram ameaçados com
um monstruoso processo, mas no final tudo foi deixado para trás,
quando as primeiras 1000 cópias se esgotaram e relançaram
o disco com outra capa e com sete minutos a menos.
No mesmo ano, o grupo começa
a gravar Not Available, que ficaria quatro anos
guardado e seria apenas lançado em 1978, sem motivo aparente.
Em
1976 lançam mais um disco polêmico, Third
Reich 'N' Roll, uma sátira ao nazismo, mostrando
Hitler (representado pelo ator e cantor Dick Clarke) segurando
uma cenoura. O disco continha apenas duas longas canções:
“Swastikas On Parade” e “Hitler Was A Vegetarian”.
O disco era recheado de paródias com o ditador nazista,
usando “Papa’s Got A Brand New Bag” e “Land
of 1000 Dances”, de James Brown como base. Na verdade, várias
canções clássicas são utilizadas e
uma dos prazeres dos ouvintes era descobrir quais haviam sido
usadas.
Após
o lançamento do disco, os três fizeram três
concertos em Berkeley, Califórnia. Os shows são
lendários por vários motivos: são os únicos
realizados durante toda a década de 70; foi feito atrás
de um vidro meio opaco, como se estivessem dentro de um aquário
e todos estavam vestidos de múmias. Ah sim, e no palco,
eram realmente quatro pessoas...
Ainda em 1976, fazem uma
gravação do clássico “Satisfaction”,
dos Rolling Stones, muito mais demente do que o Devo cometeria
anos depois. A versão deles acabou sendo um hit entre os
alternativos da época, e considerado um dos marcos do movimento
punk na América, embora jamais tenham tido uma sonoridade
parecida com os grupos punks. O single teve uma primeira prensagem
de 300 cópias e o relançamento do mesmo, dois anos
depois, teve a capa alterada e uma tiragem de mais de 30 mil compactos
prensados.
A velocidade de lançamento
da banda sempre foi algo estonteante e entre 1977 e 1979 nada
menos do que 10 discos saíram com destaques para o compacto
The Beatles Play The Residents and The Residents Play
The Beatles; o próprio Not Available
(finalmente lançado) e o mais importantes de todos, Eskimo.
Eskimo
é um marco na carreira do grupo e pode ser considerado
um lançamento tão difícil e indigesto quanto
algum do Pere Ubu.
O disco é dividido
em seis peças: “The Walrus Hunt”, “Birth”,
“Artic Hysteria”, “The Angry Angakok”,
“A Spirit Steals A Child” e “The Festival Of
Death”. Ela relata a vida solitária e difícil
dos esquimós e as músicas são tensas, assustadoras.
Os genuínos ruídos dos esquimós são
acompanhados de vozes guturais, percussão, eletrônica,
tambores marciais e uma pequena história que conta o conceito
de cada faixa. É um disco totalmente angustiante e até
indigesto. Mas o resultado não deixa de ser brilhante.
Como o grupo jamais deu
entrevista, sempre capricharam nos detalhes em seus encartes.
Todo projeto levou mais de três anos para ser concluído
– começou em abril de 1976 e só terminou em
maio de 1979. Eles contaram com a ajuda do percussionista Chris
Cutler (Henry Cow), Don Preston e Snakefinger nas gravações.
“Norte da Groenlândia,
encravada no Círculo Ártico e cercada pelo Pólo
Norte, é a casa de uma tribo nômade de descendentes
mongóis conhecidos como esquimós. A cultura deles
é passada através de gerações em forma
de histórias orais e cerimônias musicais. O disco
tenta recriar não apenas essas cerimônias musicais,
mas todo seu contexto de vida e existência, em formato de
histórias dos esquimós. Embora, no disco elas sejam
puramente sonoras, há uma pequena parte escrita que ajudará
ao ouvinte a compreender melhor essa história única.
Para a máxima diversão, esse disco deverá
ser ouvido com fones de ouvido enquanto você lê o
que está ouvindo. Eskimo deve ser tocado
inteiramente. Uma sensação de relaxamento é
essencial. Roupas quentes ou cobertor ajudarão muito a
entrar no clima.”
“The Walrus Hunt”
relata a busca pelo alimento, quando os esquimós caçam
morsas em seus caiaques. A caçada é sempre difícil
por causa da neve e do gelo o que torna a busca extremamente perigosa,
em parte devido ao whiteout, um fenômeno óptico
das regiões polares que impede qualquer orientação
visual. A faixa capta alguns sons do animal, que muitas vezes
é a única pista para encontrá-lo no meio
do mar. A faixa mostra a procura, a caça e os esquimós
felizes pelo sucesso da missão.
“Birth” é
um pesadelo, especialmente para as mulheres. Ela descreve a pouca
importância do sexo feminino em uma tribo esquimó.
Como a figura mais importante na tribo é a do caçador
(geralmente homens), a menina quando nasce deve ser morta caso
não haja um menino ‘solteiro’ na tribo, pois
sua função será apenas a de cozinhar, costurar
e curtir o couro para ele! Por isso, ser mulher é um drama.
Segundo o texto, a mulher é obrigada a se mudar para uma
caverna de gelo quando sente que dará a luz. Antes, de
ir, uma banda começará a tocar músicas para
felicitar o nascimento e as outras mulheres cantarão, na
tentativa de confortá-la e então, ela parte, sozinha,
onde ficará isolada dos demais até nascer a criança.
Apesar de sentir medo, ela se sente segura. Os homens tocam kooa
e cantam para o nascimento do novo membro do sexo masculino. Dentro
da caverna, ele avança até encontrar os Angakok,
que começam a rezar até a criança nascer.
Após isso, as mulheres pegam a mãe e a criança,
que tem seu ventre tocado para que elas saibam se é menino
ou menina. Imediatamente uma outra mulher sai cantando da caverna
e toca um sino avisando a todos e a criança é carregada.
“Artic Hysteria”
fala de um fenômeno que ocorre com o final do inverno e
que acomete as mulheres. As seguidas semanas de total escuridão
e perda dos sentidos, às vezes ocasiona uma grande depressão.
As mulheres começam a cantar ao lado do seu iglu calmamente
enquanto batem com a neve nos casacos de pele dos maridos. O canto
começa a gerar um medo do vazio cada vez maior. Quando
isso acontece, os homens da tribo fazem um círculo à
sua volta e entoam cantos para sua libertação, até
que ela saia do “transe” e continue a bater no casaco
do marido como se nada tivesse acontecido.
“The Angry Angakok”
fala do curandeiro (angakok), aquele que detém todos os
poderes e sabedoria. Deles se contam várias lendas dentro
da tribo. Se um deles morre, os caçadores cortam seus tornozelos
e dedos e os colocam dentro da boca do morto, como forma de proteção
do seu espírito.
“A Spirit Steals
A Child” fala de um mistério nunca solucionado: o
roubo de crianças. A mitologia conta que as crianças
são roubadas por um espírito choroso, metade mulher,
metade foca, que por não poder dar a luz roubas as crianças
desprotegidas.
A última faixa,
“The Festival Of Death” narra o Festival da Morte,
o maior evento da tribo. Mais do que um tributo à morte,
o festival marca o nascimento do ciclo anual que determina o final
dos seis meses que passam no escuro.
O disco encerra dizendo
que as histórias são narradas no tempo passado porque
hoje eles foram “salvos” pelo homem branco de sua
“vida miserável” na década de sessenta
e vivem agora em casas cedidas pelo governo e ficam assistindo
televisão o dia todo. Uma típica ironia do grupo.
A versão em cd traz
um bônus: quatro faixas do projeto “The Replacements”
que fazem parte da coletânea Subterranean Modern,
lançado no mesmo ano de Eskimo. As faixas
são interessantes, mas soam deslocadas nesse lançamento.
Apenas uma curiosidade:
A palavra “esquimó” para designar essa população
surgiu de um mero acaso. O primeiro homem branco a entrar em contato
com uma tribo depois de se apresentar fez um gesto tentando pedir
uma identificação, fez apontando em direção
ao grupo e eles responderam com a palavra “esquimó”
que significa “nós”. Na verdade eles se autodenominam
“inuit” que significa simplesmente “homem”.
Isso porque os inuits achavam que eram os únicos homens
a habitar a Terra.
Se
você quiser saber mais sobre esse grupo totalmente sui
generis entre no site do
grupo, um dos mais criativos e perturbadores já vistos.
Lá, você entrará no mundo totalmente insano
e paranóico do grupo e poderá acompanhar as idéias
que assolam a cabeça desses seres. É uma viagem
de horas e horas dentro de um mundo onde nada faz sentido e que
poderá ser divertido ou um pesadelo.
Deixo vocês com a
discografia da banda. Um abraço e até a próxima
coluna.
Discografia
Santa Dog (compacto, 1972)
Meet The Residents (1974)
The Third Reich ‘N’ Roll (1976)
Satisfaction (compacto, 1976)
Fingerprince (1977)
The Beatles Play The Residents and The Residents Play The Beatles
(compacto, 1977)
The Residents Radio Special / Eat Exuding Oinks (compacto, 1977)
Not Available (1978)
Duck Stab (EP, 1978)
Babyfingers (EP, 1979)
Santa Dog’ 78 (1978)
Please Do Not Steal It! (1979)
Nibbles (1979)
Eskimo (1979)
Diskomo (1980)
Commercial Album (1980)
Commercial Single (compacto, 1980)
Shut Up Shut Up (compacto, 1980)
Mark of The Mole (1981)
The Tunes Of Two Cities (1982)
Intermission (1982)
Residue (1983)
The Mole Show Live At The Roxy (1983)
George and James (1984)
The White Single (compacto, 1984)
Assorted Secrets (cassette, 1984)
Ralph Before ’84 – Volume 1, The Residents
Whatever Happened To Vileness Fats? (1984)
The Censur Taker (1985)
The Big Bubble (1985)
Memorial Hits (1985)
The Pal TV LP (1985)
The 13th Anniversary Show, Live In Japan/ The Eyeball Show (1986)
Live In The USA - The 13th Anniversary Tour (1986)
Heaven (1986)
Hell! (1986)
Stars And Hank Forever (1986)
It’s A Man’s Man’s Man’s World / Jailhouse
Rock (compacto, 1986)
Kaw-Liga (compacto, 1986)
Earth Vs. The Flying Saucer (1986)
Hit The Road Jack (compacto, 1987)
For Elsie (1987)
The 13th Anniversary Show, Live Holland (1987)
God In Three Persons (1988)
God In Three Persons Soundtrack (1988)
Double Shot (compacto, 1988)
Holy Kiss of Flesh (1988)
The Snakey Wave (1988)
The Mole Show: Live In Holland (1989)
The King and Eye (1989)
From The Plains To Mexico (compacto, 1990)
Buckaroo Blues (1990)
Don’t Be Cruel (1990)
Liver Music (1990)
Stranger Than Supper (1990)
Cube-E: Live In Holland (1990)
Freak Show (1990)
Daydream B-Liver (1991)
Blowoff (1992)
Our Finest Flowers (1992)
Uncle Willy’s Highly Opinionated Guide To The Residents
(1993)
Prelude To “The Teds” (1993)
Poor Kaw-Liga’s Pain (1994)
Gingerbread Man (1994)
Hunters (1995)
Louisiana’s Lick (1995)
Have A Bad Day (1996)
Pollex Christi (1997)
Our Tired, Our Poor, Our Huddled Masses (1997)
Live At The Fillmore (1998)
Twenty-Five Years of Eyeball Excellence (1998)
Wormwood: Curious Stories From The Bible (1998)
I Hate Heaven (1998)
Land Of Mistery (1999)
The 13th Anniversary Show, Live In Tokyo (mesmo show lançado
em 1986, mas com o nome mudado na versão em CD 1999)
In Between Screams – Intermission Music From The Residents’
Wormwood (1999)
Refused (1999)
Wormwood Live 1999 (1999)
Diskomo (2000)
Dot.Com (2000)
Roadworms – The Berlin Sessions (2000)
Roosevelt 2.0 (2000)
Icky Flix – The Original Soundtrack Recording (2001)
High Horses (2001)
Pettin Zooo (2002)
Demons Dance Alone (2002)
Kettles of Fish On The Outskirts Of Town (2003)
WB:RMX (2004)
The King & Eye: RMX (2004)
The 12 Days of Brumalia (2004)
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