Falar de Bevis Frond é falar de Nick Saloman. Nick é um cara montou o Bevis com 20 anos de atraso. Se
tivesse surgido com o grupo na década de 60 teria, com
certeza, muito mais respaldo e fama. Mas ele resolveu aparecer
nos anos 80 e continua lançando discos maravilhosos. Fique
um pouco a história dessa incrível banda que já
rendeu uma excelente entrevista publicada dias atrás.
O
Bevis Frond é uma banda trabalhadora. Ela vive em uma zona
crepuscular, situada de forma amorfa entre o mainstream e o underground.
Não é grande o suficiente para aparecer na televisão
ou em eventos prestigiosos (embora tenha tido uma tentativa de
aparecer no programa Countdown da TV Granada que já virou
lenda) e não tão pequena para interessar uma legião
de gravadora mongóis que ficam esperando como urubus para
que os esforços de seus pequenos protegidos aumentem os
ganhos da deles.
Eu sou Nick Saloman,
nascido em Londres em 1953. Eu escrevo todo o material do grupo
e dentro do estúdio é basicamente um projeto solo.
Em disco eu toco todos os instrumentos, faço todas as vozes,
produzo, edito, desenho, vendo e tudo mais. Ao vivo, eu toco guitarra
e canto, enquanto o baixo é tocado por Ade Shaw e a bateria
por Andy Ward. Posso me considerar um cara de extrema sorte por
ter esses dois grandes músicos aos meu lado. Deixe-me explicar:
Adrian Paul Shaw é seis anos mais velho do que eu, o que
vale dizer que ele ia aos shows nos anos 60 que só em sonho
eu poderia ter presenciado. Ok, eu vi um monte de bandas no início
de 1968 quando eu tinha uns 15 anos, mas Ade já tinha 21
e ele já tinha visto todos que valiam à pena: Beefheart
no Tithe Barn, Harrow, Hendrix no Saville, Howlin' Wolf, Sonny
Boy Williamson, The Redcaps, Paul Simon no High Wycombe Town Hall,
em 1965. Ele também viu Shane Fenton and The Fentones com
Bobby Elliott na bateria! Eu encontrei Ade em 1989 e fomos apresentados
por um cara chamado Rod Goodway, através de um amigo meu
chamado Phil McMullen. Nos entendemos muito bem e descobrimos
que tínhamos várias coisas em comum. Ao longo dos
anos, Ade se referiu a essa nossa sincronicidade regularmente
e eu admito que parecer ser verdade. Nós temos pais judeus
que fugiram da violência da Guerra, e que casaram com garotas
londrinas. Nós dois quebramos nossos braços andando
de moto, cada um de nós possui um filho e nossas casas
são muito parecidas.
A
prova concludente, no entanto, aconteceu quando a tinha de Ade,
que morava em Viena, morreu recentemente e ele recebeu alguns
papéis de sua família. E foi uma surpresa saber
que o nome de solteiro de sua tataravó era Salomon, que
é o nome original de meus avós. Foi meu pai que
adotou o Saloman, um anglicismo. Ade sempre esteve comigo em excursões.
Nós tivemos uma sucessão de várias pessoas
na banda. Em nossa primeira formação, contávamos
com 'Rustic' Rod Goodway na guitarra e Martin Crowley na bateria.
Rod era um velho chapa de Ade desde os anos 60 e tocaram juntos
em vários grupos. Em 1970 eles dividiram uma casa de campo
em Dorsetshire com Arthur Brown antes de mudarem para Bristol
e cada um seguir o seu caminho. A formação “ao
vivo” do Frond nasceu de uma reunião do Magic Muscle,
em 1989, abrindo para o Hawkwind. O guitarrista original, Huw
Gower, estava em New York e indisponível, enquanto o baterista
Kenny Wheeler tinha morrido tempos atrás. Eu perguntei
se poderia ser o guitarrista e sugeri meu amigo Martin como baterista.
O resultado foi tão positivo que quando nós saímos
em turnê pela Europa, no ano de 1990, essa acabou sendo
nossa formação.
Martin é muito
mais jovem que nós. É um belíssimo baterista,
mas é um animal consumado e ainda usa um tatuagem no bíceps
com as palavras 'Clash City Rockers'. Uma turnê foi suficiente.
Rod mostrou-se ser supérfluo. Para nossa próxima
tour contratamos os serviços do lendário baterista
Twink, ex-Pretty Things e Pink Fairies.
Mas logo que deixamos
Conpenhagen, ele começou a mostrar preocupações
com algumas coisas: Ele insistia em ter um suprimento de água
engarrafada por um mês e um banheiro particular a cada show
e isso foi causado tensão e deixando todos nós ansiosos.
Em alguns dias, nós o substituísmo por por Ric Gunthrer,
que é amigo de nosso novo guitarrista, Bari Wats.
Eu sou amigo de Bari
desde os 18 anos de idade e o considero o melhor guitarrista desconhecido
que já ouvi. Essa formação durou por três
anos, mas teve seu fim no começo de 1994, quando Bari e
Ric tiveram um problema com o grupo deles, The Outskirts of Infinity
e decidiram deixar o Frond.
Ade e eu começamos
a procuramos outras pessoas para tocar no grupo. Nós decidimos
que eu era capaz suficiente de tocar a guitarra sozinho e que
não precisaria de um outro guitarrista na banda. Através
de um amigo nosso, chegamos a Andy Ward, um baterista que havia
tocando com Camel e Marillion. Convidamos para entrar no grupo
e sentimos que estávamos melhor do que antes.
Talvez vocês
tenham notado que nossos bateristas sempre possuem uma grande
bagagem e Andy é um desses: um estupendo baterista e um
cara extremamente simpático.
Durante
muitos anos embarcamos em turnês pela Europa. Elas costumam
durar um mês e corre vários países, embora
por alguma razão nunca fizemos shows na França ou
Espanha. Em 1998, o Fron embarcou em sua primeira viagem costa-a-costa
na América e foi tão bem que planejamos voltar lá
em 1999.
Nick Saloman
Esse breve resumo feito
por Nick Saloman no site de sua gravadora, a Woronzow e que traduzi
de uma maneira livre, mostra bem o espírito de como a banda
foi feita e como vive o Bevis. Mas a história deles apresenta
muito mais histórias curiosas...
O Bevis Frond foi uma banda
saída da cena neo-psicodélica inglesa dos anos 80.
Cena underground onde se destacam grupos como Ozric Tentacles,
Sundial, Porcupine Tree, que resgatam a sonoridade do acid-rock
da cena San Francisco 1967 para os dias de hoje.
Influenciado por Jimi Hendrix
e os grupos psicodélicos dos anos 60, Nick formou o The
Bevis Frond Museum em 1967 junto com o futuro diretor de cinema
Julian Temple. O grupo durou pouco e Nick se envolveu em uma série
de grupos que não deixaram legado significativo.
A
carreira musical de Nick começou de verdade quando em 1982
ele sofreu um acidente de moto bastante sério. Com o dinheiro
da indenização ele comprou uma série de equipamento
de segunda mão como gravador porta-estúdio, teclados,
bateria e começou a gravar.
O resultado, lançado
em 1987, foi Miasma. Até hoje este disco
é reconhecido como um dos melhores lançados por
Nick.
Miasma
já mostra bem sua cara com "She's In Love With Time",
onde é possível se detectar a influência da
guitarra de Roger McGuinn dos Byrds. O que se segue são
assaltos implacáveis da guitarra ácida de Nick,
que tem muito do estilo do Blue Cheer e Cream. Outra pérola
indispensável, desde então sempre presente nos setlists
dos shows é "Splendid Isolation", pop-psych
dos melhores.
O disco, inicialmente com
tiragem de apenas 250 cópias, logo se tornou um ítem
de colecionador item quando descoberto por uma loja de Londres.
Comentário da revista The Bob da época:
"o mundo é o tomate do Bevis Frond, esperando apenas
para se esmagado."
O
segundo album, Inner Marshland, de 1988, não
demorou para aparecer. Novamente gravado em sua casa, o LP amplia
os horizonte de Nick, incluindo influencias do folk e em algumas
músicas radicalizando ainda mais sua acid trip.
É outro disco que pode ser recomendado como dos melhores
realizados pelo Bevis.
Todos estes primeiros discos
foram lançados pelo selo independente criado por Nick,
a Woronzow, ainda ativo hoje em dia. Sempre desconfiado das grandes
gravadoras, Nick sempre se manteve à margem, cultivando
um público cativo e fiel até hoje.
No momento a gravadora
Rubric, nos USA, tem feito um trabalho de relançamento
da obra do Bevis Frond, desde o primeiro disco, inclusive lançando
em CD o terceiro disco do grupo, Bevis Through The Looking
Glass, que era um artigo raríssimo, originalmente
um LP duplo e que coletava canções gravadas na época
dos primeiros dois LPs, mas que não se encaixavam na perspectiva
geral dos álbuns.
Por
tudo isso, é um disco desigual, mas sempre interessante,
incluindo faixas instrumentais e a excelente "The Shrine",
com todos os seus 19 minutos de delírio psicodélico.
Até o lançamento do CD várias de suas faixas
estavam espalhadas como bônus em vários CDs do Bevis.
Triptych
é, de fato, o terceiro disco gravado por Nick. Novamente
uma excelente obra, contem outra canção notável,
"Lights Are Changing", quase new wave, que depois foi
regravado pela cantora/compositora americana Mary Lou Lord.
The Auntie Winnie
Album, de 1988 é outro disco de outtakes, o que
não significa que seja um album ruim, muito pelo contrário.
Uma das coisas que se destacam são as faixas instrumentais,
muito boas como "City Of The Sun", com seus mais de
10 minutos de solos demenciais.
Em
1989 Nick começou a gravar seus discos em estúdios
de verdade. Até então tudo havia sido gravado em
sua casa. O seu quarto disco de fato, Any Gas Faster
saiu então, pelo selo Reckless.
O Bevis virou uma dupla
com a inclusão do baterista Martin Crowley. A sonoridade
é a mais pesada até então, com muita guitarra
fuzz e algumas canções de teor quase metal.
Mas o melhor continuava
a ser as canções com suas letras sempre inteligentes,
às vezes, beirando o surrealismo e muitas de observações
do cotidiano peculiar do povo inglês. Dentre os destaques
estão "Ear Song", "Rejection Day" e
"Olde Worlde".
Nesse ano começaram
as primeiras apresentações ao vivo do grupo. Alem
do baterista Crowley, Nick acrescentou o baixista Adrian Shaw
e o guitarrista Rod Goodway. Quatro faixas ao vivo desta fase
estão no EP Ear Song lançado pela
Reckless em 1991, somente em vinil.
Aliás,
a preferência de Nick pelo formato sempre foi explícita.
Muitos dos discos do Bevis Frond tinham faixas a mais somente
no formato LP, bem ao contrário da prática corrente
da época, onde faixas bônus eram exclusivas de um
CD.
Nick Saloman sempre gostou
de participar do trabalho de outras bandas. Já havia feito
um disco antes com o Outskirts Of Infinity, banda que gravava
pelo selo Woronzow. Em 1991, ele lançou outra parceria,
desta vez com o lendário baterista e vocalista Twink, ex-Shagrat,
ex-The In-Crowd, ex-Pretty Things, ex-Deviants, ex-Pink Fairies
e artista solo e o mesmo que ele teve que despedir durante a turnê
no de 1990 por causa de suas exigências mirabolantes. O
resultado é o álbum Magick Eye
é excelente, diferente do som do Bevis Frond, com os vocais
de Twink, efeitos sonoros, letras lisérgicas.
No mesmo ano de 1991 saiu
o novo Bevis Frond: New River Head, um LP duplo
e mais um compacto com quatro faixas, seis faixas a mais no vinil
que no CD. Muitas novidades no disco: a adição de
saxofone em várias faixas, por Cyke Bancroft, artista que
fez a capa dos primeiros LPs do Bevis; o violino do folkie
Barry Dransfield em algumas das melhores baladas compostas por
Nick.
Dentre as pérolas
da obra prima, que é New River Head,
estão "Waving", "Down In The Well",
que se assemelha muito à sonoridade do Dinosaur Jr. (que
aliás tem muito em comum com o Bevis Frond: banda de um
homem só, solos alucinados de guitarras, longos cabelos,
etc) e "He'd Be A Diamond", balada à Richard
Thompson, que depois foi regravada pelo Teenage Fanclub.
Nova
coletânea de outtakes e faixas raras exclusivas de compilações
marcam A Gathering Of Fronds. Muito útil
para os fãs, já que inclui as faixas que foram deixadas
de fora da edição em CD de New River Head,
inclusive a já mencionada "Down In The Well".
Tambem de 1992 é o novo album, London Stone.
Infelizmente este é o primeiro disco do grupo que se poderia
classificar como pouco inspirado. Mesmo assim, tem várias
faixas que se sobressaem como "Well Out Of It".
Este disco tambem foi o
último lançado pelo selo Reckless. Daí em
diante Nick voltou a lançar seus discos pelo seu próprio
selo, Woronzow. Em 1993 sai um disco pelo grupo The Fred Bison
V, Beatroots. Obviamente, era Nick solo usando
um anagrama de The Bevis Frond.
The Fred Bison V era um projeto que emulava um pastiche dos anos
60, do mesmo modo que o XTC havia feito com o projeto The Dukes
Of Stratosfear. Em ambos os casos excelentes trabalhos. Muitos
o consideram um dos melhores do Bevis. Som garageiro sixties da
melhor procedência: muito uso do fuzz box,
órgãos Farfisa, e melodias pop.
Ainda no ano de 93 sai
um novo disco: It Just Is, outro LP duplo e mais
um excelente trabalho e que levanta uma questão: quantos
artistas seriam capazes de lançar tantos discos duplos
e manter a coerência e o interesse? Pois o Bevis é
um dos poucos a conseguir isso. "Day One" é uma
balada com uma das letras mais líricas de Nick, sobre o
dia do apocalipse; "Terrible Day", outro grande momento
psych-pop; e as pesadas "Desperate" e "Can't
Stop Lying", são algumas das melhores do disco.
A
discografia da banda é imensa e alguns trabalhos valem
muito ainda ser ouvidos, começando por dois trabalhos seguidos,
Son Of Walter (1996) e depois por North
Circular (1997), que traz um cd duplo com belas faixas
em que Nick Saloman alterna momentos líricos e calmos e
outros, quando resolve simplesmente deixar todo seu psicodelismo
aflorar em longos e delirantes solos. Infelizmente, esses dois
títulos se encontram esgotados, segundo informa o catálogo
do site da Woronzow.
Em North Circular
as 26 faixas são separadas em 12 no disco 1 e
14 no disco 2. Em meio a distorção variada, como
a de "The Pips", com seus mais de 12 minutos é
possível encontrar baladas calmas, apenas com violão
e muito trabalho de produção.
Nick
sempre usou um arsenal de equipamentos para "rechear"
suas canções: guitarras Fender Jaguar, dulcimer,
theremin, órgãos Farfisa, Wurlitzer, Vox, Mellotron,
e vários efeitos de pedais, além de baixos Hofner
e Epiphone.
Um outro excelente lançamento
é o ao vivo Live At The Great American Music Hall
de 1999, onde é possível sentir toda a
força da banda em cima de um palco.
Nick Saloman continua tocando
e lançando seus próprios trabalhos, ainda que tenha
confessado que não gosta muito da idéia de ser empresário.
Como deixou bem claro, ele montou o selo para poder lançar
seus discos e ajudar os artistas que gosta e que não conseguem
alguma chance.
E, entre esses outros,
figuram nomes lendários dos anos 60, como Country Joe,
que junto com o The Fish lançou alguns dos mais memoráveis
álbuns da psicodelia, os clássicos I Feel
Like I'm Fixin' to Die e Electric Music for the
Mind and Body.
O
último disco do grupo foi Hit Squad, lançado
no ano passado e que mostra a banda dentro de seu velho território.
Dificilmente (para dizer
que não há chance alguma) conseguiremos ouvir ou
ver o Bevis Frond no país. Mas, se você quiser tentar,
ao menos, conhecer a vida de Nick Saloman e companhia, entre no
site da Woronzow (www.woronzow.co.uk) e fique inteirado sobre
a carreira e os lançamentos do selo.
Encerro este longo texto ouvindo North Circular
pela centésima vez em dez dias, deixo vocês com a
longa discografia. Um abraço e até a próxima
coluna.
Discografia
Miasma (1987)
Inner Marshland (1987)
Bevis Through The Looking Glass (1988)
Acid Jam (2 faixas com o Bevis Frond, outra com The
Parthenogenectick Brotherhood) (1988)
Triptych (1988)
The Auntie Winnie Album (1988)
Any Gas Faster (1990)
Ear Song (mini-LP, segundo lado ao vivo) (1991)
Magick Eye (creditado a Bevis & Twink) (1991)
New River Head (1991)
A Gathering Of Fronds (1992)
London Stone (1992)
Beatroots (como The Fred Bison V) (1993)
It Just Is (1993)
Sprawl (1994)
Superseeder (1995)
Son Of Walter (1996)
North Circular (1997)
Magic Gnome (creditado a Doctor Frond) (Bevis Frond + Dr.Brown
jamming) (1998)
Vavona Burr (1999)
Live At The Great American Music Hall (1999)
Eat Flowers & Kiss Babies (Country Joe McDonald & The
Bevis Frond) (1999)
Valedictory Songs (2000)
Acid Jam 2 (Bevis Frond e convidados) (2000)
What Did For The Dinosaurs (2002)
Hit Squad (2004)
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