Você sabe qual era a banda
favorita de Renato Russo e do pessoal da Plebe Rude? Gang of Four.
Esse grupo inglês, da mesma geração de Clash
e Jam, chamado de marxista pelo conteúdo altamente político
de suas letras, foi um dos grupos mais importantes de sua época
e uma verdadeira referência para as bandas atuais. A maior
marca do Gang of Four era a guitarra sincopada e cheia de efeitos
de Andy Gill, que influenciou quase todo mundo depois dele, sendo
The Edge um dos seus mais famosos discípulos. Em outra
empreitada cara-de-pau minha, consegui uma entrevista com a lenda.
Em um primeiro momento, mandei as perguntas por e-mail. Como achou
que eram demasiadas e muito amplas, preferiu que eu fizesse por
telefone. Depois de controlar o nervosismo e o intestino, liguei
no dia combinado. As três primeiras vezes ele pediu para
que ligasse "daqui a meia hora, estou com um probleminha
de última hora". Finalmente, as 15h30 de sábado,
consegui pegá-lo na curva. Imaginei que fosse um cara meio
fechado, sério, já que o Gang of Four carregava
uma certa aura de pouco humor. Que nada! Andy mostrou ser um cavalheiro
e perdeu apenas uma vez a paciência quando me enrolei inteiro
em uma pergunta. Mesmo assim, apenas disse say it again!
e tudo bem.
Durante 30 minutos,
falou sobre a possível volta do Gang of Four, comentou,
com algumas ressalvas, contemporâneos como Clash e Jam,
quis saber sobre o nosso presidente Lula e prometeu me mandar
uns cds autografados e ainda pediu que eu enviasse alguns do Legião
e da Plebe, entusiasmado com minhas palavras.
Se eu vou mandar?
Bem, eu já os comprei! O papo está todo aí.
Gang of
Four é uma daquelas bandas que começam a ser melhor
analisadas e compreendidas após anos e anos. Um grupo que
mesclava o funk, o reggae, e eventualmente até a disco
com seu rock bruto, letras engajadas e músicos espetaculares.
O nome foi tirado de um grupo que existiu na China durante os
anos de liderança de Mao Tse-tung. A “camarilha dos
quatro” original era formada por Jiang Qing, Zhang Chungiao,
Yao Wenyuan e Wang Hongwen. Ele subiram ao poder durante a Revolução
Cultural no país em 1966, e tendo a bênção
de Mao até sua morte, em 1976, controlavam as áreas
de educação, tecnologia e perseguição
aos intelectuais opositores.
Inspirados
nessa idéia Dave Allen, baixista Hugo Burnham, baterista
e vocalista, Andy Gill, guitarra e voz ("Anthrax," "Paralysed")
e Jon King, vocais - começaram a tocar no verão
de 1977. Os primeiros shows foram realizados em Leeds, já
que Burnham, Gill e King eram alunos da Universidade local. O
grupo queria casar sua paixão por Monet, Godard e George
Clinton com os acontecimentos políticos que agitavam a
Europa naquele momento. Um dos protestos que mais marcou os integrantes
foi uma passeata de neo-nazistas nas ruas de Leeds, que acabou
no maior quebra pau. Determinados a combater toda forma de repressão,
violência e perseguição, faziam letras que
criticavam o governo conservador, a falta de oportunidade para
os mais pobres e até propaganda comunista. Seus três
primeiros discos - Entertainment!, Solid
Gold e Songs Of The Free (já
com Sara Lee no baixo) são exemplos ímpares de sua
marca. Guitarras faiscando, baixo funkeado, casamento com ritmos
negros e muita politização. Gill era o mestre por
trás de toda essa parafernália e um dos guitarrista
mais criativos e inteligentes de sua geração. Amante
da música americana, especialmente de Velvet Underground,
Jimi Hendrix e Bob Dylan, sentiu uma atração imediata
com os grupos nova-iorquinos como Television e Talking Heads.
Apesar de todo esse passado sério, mostrou-se ser um cara
bem acessível e simpático e bem falante, passando
até uma imagem de tímido, o tipo da pessoa que fala
de olhos fechados ou olhando para o infinito enquanto dispara
pensamentos e no começo me fez mais perguntas do que eu
a ele. O único problema foi seu pesado sotaque londrino,
que me obrigou a ouvir a fita umas 30 vezes, fita essa que já
está guardada em meus arquivos secretos. Agora deixo vocês
com a íntegra do bate-papo.
Pergunta: - Olá
Andy, muito obrigado pela chance de falar com você. Sou
fã da banda há anos.
Andy Gill: - Olá Rubens, é um prazer falar
com alguém de seu país. Achei muito interessante
conversar com um jornalista brasileiro quando me requisitou a
entrevista.
Pergunta: - Bom,
deixe eu começar falando uma coisa que você talvez
não saiba. Duas das melhores bandas brasileiras de rock,
Legião Urbana e Plebe Rude, tiveram uma grande influência
do Gang of Four. O que acha disso?
Andy Gill: - Olhe, eu me lembro que alguém já
tinha comentado que o Gang tinha uma certa fama na América
do Sul, e algumas pessoas ligadas aos grupos brasileiros até
pensaram em me convidar para produzir alguns discos em seus país.
Achei a idéia fantástica porque o Brasil tem uma
cultura complexa e muito fascinante. Poderia me dizer como essas
bandas soam?
Pergunta: - A Plebe
tem uma sonoridade e postura mais próximas de vocês,
é um grupo um pouco mais punk. O Legião
tinha como grande fã o falecido vocalista Renato Russo,
que dizia ser apaixonado por Gang e P.I.L desde adolescente.
Andy Gill: - Que legal! Me fale mais como eles soam?
Pergunta: - Bem,
alguns fãs vão me bater, mas a Plebe soa como se
fosse meio Gang, meio Pistols, principalmente ao vivo. Já
o Legião seria um casamento diferente, meio Gang, meio
Dylan, se isso for possível...
Andy Gill: - Dylan misturado conosco? Deve ser muito
bom! Poderia me mandar alguns cds deles? Fiquei curioso.
Pergunta: - Claro
que sim. Se você me mandar uns do grupo com seu autógrafo
(risos).
Andy Gill: - Combinado. Terei imenso prazer.
Pergunta: - Legal.
Me diga, o que você conhece do Brasil? Sabia que temos um
presidente de origem humilde, um ex-operário e que foi
eleito com expressiva votação?
Andy Gill: - Fiquei sabendo, mas infelizmente as notícias
que chegam aqui são poucas, as pessoas se preocupam muito
pouco com a América do Sul, Latina e África. Me
fale um pouco dele, é um bom homem?
Pergunta: - É
uma excelente pessoa que está disposto a ajudar os mais
necessitados e tentando uma integração maior com
os países vizinhos. Sua eleição foi um grande
acontecimento histórico para o Brasil, já que é
um homem de esquerda e respeitado.
Andy Gill: - São ótimas notícias.
Espero que ele ajude muito a população. Vocês
votou nele?
Pergunta: - Votei
sim.
Andy Gill: - Bom, muito bom.
Pergunta: - Bom,
Andy, eu gostaria de falar um pouco agora contigo sobre música.
É possível? (risos)
Andy Gill: - Claro que sim. Vamos lá! (risos)
Pergunta: - Para
começar, vocês estão voltando ou não?
Andy Gill: - É uma possibilidade. Estou pensando
nos próximos seis meses, já que a EMI está
querendo uma compilação de nossos discos para o
começo do ano que vem, em comemoração aos
25 anos do nosso álbum de estréia. Existe uma grande
chance real de nos reunirmos.
Pergunta:
- O Gang of Four era comparado ao Clash, Jam e Specials por suas
letras altamente politizadas e até pela mistura de música
negra com o rock. Como era o relacionamento de vocês com
eles?
Andy Gill: - É difícil de dizer isso. Nossos
éramos considerados um grupo marxista e éramos muito
diferentes de todos eles. Em alguns níveis éramos
mais complexos, tínhamos uma hierarquia interna meio rígida.
O Clash era uma banda que dizia “ei, vamos derrubar barreiras
e provocar o sistema.” Nós fizemos alguns shows com
o Jam, mas Paul Weller tinha um pouco de mágoa, porque
eles nunca fizeram sucesso na América e nós sim.
Ele vivia me perguntando o que tinha que fazer para que isso acontecesse
(risos). Voltando ao Clash, eu senti muito a morte de Joe (Strummer),
mesmo vendo-o pouca vezes nesses últimos anos. Aliás
a última vez que nos encotramos foi em um estúdio
quando ele estava tocando com o Michael Hutchence (ex-vocalista
do INXS, que se enforcou). O Clash era fantástico, eles
tinham algumas idéias um pouco diferentes das nossas, mas
eram grandes.
Pergunta: - Me
fale de seu trabalho de produtor... Você trabalhou com o
Red Hot Chili Peppers. Como é você em estúdio?
Andy Gill: - Eu produzi o primeiro disco deles. Cada
banda tem sua própria maneira de trabalhar. Eu tento encontrar
um “approach” com cada um deles, saber o que pensam
e como posso ajudá-los. Alguns artistas já têm
uma idéia pronta e precisam apenas de alguém para
viabilizá-la. Outras bandas entram meio perdidas e necessitam
de uma maior orientação.
Pergunta: - E como
foi seu trabalho com o Red Hot?
Andy Gill: - Foi bem divertido, adorei trabalhar com
eles. É um grupo extremamente talentoso e que me surpreenderam
em estúdio.
Pergunta: - Você
é um guitarrista estupendo e influenciou vários
outros músicos. Quem são seus melhores seguidores?
Andy Gill: - Bem, Edge do U2 já me disse que copiou
muito minha maneira de tocar. Eu consegui criar uma linguagem
no instrumento que agradou várias pessoas e que tentaram
segui-la. Peter Buck, do R.E.M. é outro que já me
disse se inspirar em mim também, assim como o Red Hot.
Pergunta: - Qual
foi o impacto que a música americana causou em você?
Andy Gill: - Bem, eu adoro Velvet Underground, Jimi Hendrix
e Bob Dylan, entre outras coisas. É uma música muito
rica, complexa, assim como a brasileira. Eu sempre gostei de ouvir
um pouco de cada estilo: blues, jazz, soul e claro, o rock que
era produzido nos anos 60.
Pergunta: - Mas
você era ligado muito nas bandas do CBGB (clube nova-iorquino
onde começaram a se apresentar Patti Smith, Television,
Ramones, Blondie, Talking Heads, Richard Hell, entre outros, nos
primeiros anos da década de 70).
Andy Gill: - Sim, adorava esses grupos porque eram inovadores
com uma nova linguagem e você podia conversar com o Joey
(Ramone) ou mesmo John (Cale) pelos corredores do clube. Era muito
excitante por causa disso, embora não tenham me influenciado
tanto pelo som como aconteceu com o Velvet, Dylan e Hendrix.
Pergunta: - O que
mais te influenciou?
Andy Gill: - Reggae, nós gostávamos muito
de reggae, dub, as tonalidades de guitarra e o som da bateria
e tentamos incorporar essas influências em nossa música,
a maneira como a bateria carregava a canção, as
paradas na guitarra.
Pergunta:
- Por que é tão difícil achar os discos do
grupo em CD hoje em dia?
Andy Gill: - Bem, estamos voltando a discutir com a EMI
sobre nossos discos serem relançados. Em 95, nossos três
primeiros discos saíram pela Infinite Zero (antiga
gravadora que pertencia a Henry Rollins, do Rollins Band).
Pergunta: - Aliás,
esses discos vinham com faixas bônus, incluindo alguns EPs.
O que achou dessa idéia da Infinite?
Andy Gill: - Foi excelente. Eles tiveram um grande cuidado
com o encarte, as letras e com o som. Pena que não durou
muito tempo.
Pergunta: - Qual
sua opinião sobre mp3? Você é contra ou a
favor? Acha que esses arquivos prejudicam as vendagens?
Andy Gill: - Eu acho uma idéia genial. Pode não
ter uma grande qualidade de som, mas é uma ótima
maneira das pessoas poderem conhecer músicas e grupos que
não tinham acesso, e se gostarem, procurarem os discos
originais. Eu não estou certo que prejudiquem as vendas
como falam, mas para grupos não tão famosos é
uma ótima oportunidade de ter seu trabalho divulgado, e
até ajudar a vender CDs, se quer saber!
Pergunta:
- Gostaria que você falasse um pouco dos três primeiros
álbuns. Songs of The Free é um pouco mais dançante
e leve do que os anteriores. Foi por causa da entrada de Sara
Lee?
Andy Gill: - Não acho que teve muita mudança
no nosso som com ela para falar a verdade. Naquele período
nós queríamos testar novas possibilidades do que
tínhamos conseguindo com Entertainment!
e Solid Gold, e começamos a usar bateria
eletrônica, um pouco mais acessível. Alguns preferem
mais os dois primeiros discos, mas eu gosto de todos eles.
Pergunta: - Qual
seu disco preferido do Gang of Four?
Andy Gill: - Eu gosto muito do nosso primeiro álbum,
porque o disco de estréia é sempre muito especial
em todas as maneiras. Você toma mais cuidado com as letras,
com a produção, é sempre uma expectativa
muito grande.
Pergunta:
- E sua canção favorita?
Andy Gill: - Eu gosto de “Not Great Men”.
Pergunta: - A minha
favorita é "Paralysed" (de Solid Gold).
Andy Gill: - Mesmo? Bem, eu canto nessa canção.
Obrigado pela escolha.
Pergunta: - Obrigado pelo seu tempo, Andy e desculpe pelo meu
inglês.
Andy Gill: - Eu que agradeço e não se preocupe,
você se saiu bem (risos).
Para encerrar, deixo a
letra de “Not Great Men”, canção favorita
de Andy Gill. Se quiser saber o que Andy Gill anda fazendo, vá
ao site
pessoal dele. Até mais!
Not Great Men
No weak men in
the books at home
The strong men who have made the world
History lives on the books at home
The books at home
It's not made by
great men
It's not made by great men
It's not made by great men
It's not made by great men
The past lives
on in your front room
The poor still weak the rich still rule
History lives in the books at home
The books at home
It's not made by
great men
It's not made by great men
It's not made by great men
It's not made by great men
The past lives
in the books at home
No weak men in the books at home
History lives in the books at home
The books at home
It's not made by
great men
It's not made by great men
It's not made by great men
It's not made by great men
Discografia
Compactos
Damaged Goods / Love Like Anthrax / Armalite
Rifle (1978)
At Home He's A Tourist / It's Her Factory (1979)
Outside The Trains Don't Run On Time / He'd Send In The Army (1980)
Yellow EP (1980)
What We All Want (1981)
Cheeseburger / Paralysed (1981)
To Hell With Poverty! (1981)
Another Day / Another Dollar (1982)
I Love A Man In Uniform (1982)
Call Me Up (1982)
Is it Love? (1983)
The Peel Sessions (1986)
Don't Fix What Ain't Broke (1991)
Satellite (1991)
Tattoo (1995)
Discos
Entertainment! (1979)
Solid Gold (1981)
Songs Of The Free (1982)
Hard (1983)
A Brief History of the Twentieth Century (1990)
Peel Sessions (1990)
Mall (1991)
Shrinkwrapped (1995)
100 Flowers Bloom (1998)
Return the Gift (2005)
Alguns artistas
e discos que Gill produziu.
Grupo e título
do disco
The Balancing Art - Curtains
The Red Hot Chili Peppers - The Red Hot Chili Peppers
Downey Mildew - Cool Nights
Mad Cow Disease - Tantric Disco
Designer Disco Dollies
Buster Jones - Hands Are Shaking
The Morgans - Tell Me What You Taste
Intastella - Waht Y’Gonna Do
The Stranglers - Written in Red
The Armageddon Dildos - Speed
The Jesus Lizard - Cold Water e Blue
Bis - Social Dancing
Boss Hog - Whiteout
Hal from Apollo 69 - 666
Michael Hutchence - Michael Hutchence
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