Ter bons amigos
é sempre bom. Ter bons amigos que saibam bastante de um
assunto e que queiram escrever sobre isso, é melhor ainda.
Maurício Noriega é comentarista da Sportv e fã
de Genesis. E um amigo querido desde 1997. Foi atendendo a um
pedido que o fã número 1 de Phil Collins no Brasil
fez essa biografia de sua banda favorita, o Genesis. Assim, Nori
brinda os leitores desse espaço contando um pouco dessa
histórica banda, com quase 40 anos de vida e que voltarão
aos poucos em 2007. Valeu, Nori!
Por Maurício
Noriega
Em
7 de novembro o Genesis, um dos mais populares e influentes grupos
do pop/rock mundial, anunciou seu retorno aos palcos.
Serão inicialmente
21 datas na Europa, reunindo a formação mais bem
sucedida comercialmente da banda inglesa: Phil Collins (vocais/bateria),
Tony Banks (teclados) e Mike Rutherford (baixo/guitarra), com
o auxílio luxuoso de Chester Thompson (bateria) e Daryl
Stuermer (baixo/guitarra).
Com essa formação
o Genesis rodou o mundo de palco em palco, de 1978 até
1992. E agora esse time retorna para mais uma turnê, sem
a promessa de gravar material novo. Apenas uma reunião
para juntar velhos amigos.
Boa hora para rever a carreira
de uma banda que vendeu mais de 130 milhões de discos e
fez mais de 1.400 shows.
Surgido em 1967, dos sonhos
de um grupo de estudantes da escola pública inglesa Charterhouse
(famosa também por ser um dos berços do futebol
e por ter revelado ao mundo o fundador do escotismo, Baden Powel),
o Genesis nasceu com o propósito de ser um grupo de compositores.
Tocar
e gravar o próprio material não fazia parte dos
planos de Peter Gabriel, Anthony Banks, Michael Rutherford e Anthony
Philips. Mas o rumo que as coisas tomaram para os adolescentes
ingleses foi muito diferente.
No final dos anos 60, o
som do Genesis era uma mistura de folk com pop que lembrava os
Bee Gees, segundo contam os próprios integrantes do grupo.
Depois de serem convencidos
por um astro pop da época na Inglaterra, Jonathan King
– ex-aluno de Charterhouse – a compor e tocar seu
próprio material, o Genesis gravou dois discos tendo como
base a formação Gabriel, Banks, Rutherford e Philips,
com o apoio dos bateristas Chris Stewart e John Mayhew. O primeiro
serve como registro histórico e o segundo, Tresspass,
já dava pinta de como seria o som do Genesis no início
dos anos 70.
Mas
foi apenas a partir de Nursery Crime, com os
reforços do baterista Phil Collins e do guitarrista Steve
Hackett, que o Genesis começou realmente a mostrar que
não era apenas mais uma banda.
Eram os tempos do rock
progressivo, com longas intervenções instrumentais,
solos e arranjos elaborados, que emolduravam letras sobre mitologia
e ficção científica.
Que fique claro para
quem me dá o prazer da leitura: eu sou fã do Genesis
de cabo a rabo, mas, em especial, das fases conhecidas como 4
caras (Collins, Banks, Hackett e Rutherford) e trio (Collins,
Banks e Rutherford). Sempre achei que o grande diferencial do
Genesis, já nos anos 70, foi ser o menos progressivo dos
grupos progressivos.
Mas
vamos aos fatos. A partir de Nursery Crime, tendo
como base de fãs a Itália, o Genesis inicia a conquista
da Europa.
Peter Gabriel lança
mão de recursos teatrais, conta histórias, usa fantasias,
interpreta personagens das músicas. Phil Collins rapidamente
se destaca como um dos mais rápidos e inventivos bateristas
do rock.
Banks é um tecladista
virtuoso e arranjador inspirado, assim como Rutherford se destaca
com novas linhas de baixo. Hackett fecha a cena com toques de
violão clássico e desenvolve novidades como a técnica
dos fingertaps, depois consagrada por Eddie van Halen.
Entre
1971 e 1975 o Genesis se transforma em banda cult, chamada de
art rock por alguns críticos, e se transforma
no veículo para a solidificação do carisma
de Peter Gabriel e da competência musical dos outros quatro
integrantes, em especial de Phil Collins.
Nada de fama e fortuna
acontece com os discos Foxtrot e Selling
England by the Pound.
Mas o Genesis já
chama a atenção da crítica especializada
e de outros músicos, como o beatle John Lennon, que destaca
a qualidade de Selling England numa entrevista
de rádio em 1973.
Antes
disso, emplaca um épico de 23 minutos, "Supper’s
Ready", grande faixa de Foxtrot e uma das mais complexas
e influentes canções do rock, citada até
hoje por gente como Rush, Red Hot Chilli Peppers e Foo Fighters.
Também com Selling
England o Genesis experimenta a primeira lufada de sucesso,
com a música "I Know What I Like", e começa,
também, a plantar uma base de fãs nos Estados Unidos.
É com o álbum
duplo conceitual The Lamb Lies Down on Broadway
que o Genesis conquista de vez os críticos e arregimenta
cada vez mais fãs.
Gabriel se estabelece como
líder, investindo cada vez mais no teatro e na troca de
roupas, técnicas multimídia e iluminação.
Mesmo sem ser um grande sucesso, o disco confirma o talento do
Genesis como espetáculo e a reputação de
sua música. Também encerra o primeiro capítulo
dessa história.
Problemas
pessoais de Gabriel e um atrito entre os integrantes da banda,
que queriam mais música e menos teatro, provocam a saída,
sem grandes traumas ou discussões, do vocalista. Contrariando
as previsões de fãs e críticos, o Genesis
segue em frente, com uma surpresa: Phil Collins, que como baterista
já fazia harmonias vocais e cobria Gabriel quando ele não
conseguia cantar por causa das fantasias, assume a condição
de vocalista em 1976, num show em London, Ontário (Canadá).
É o marco para a mudança mais significativa na história
da banda, que talvez seja o motivo principal para que o Genesis
ainda hoje exista e volte a excursionar quarenta anos após
sua criação.
Collins canta e toca bateria
nos shows, com o auxílio de um de seus ídolos e
amigos, Bill Brufford, ex-King Crimson e Yes.
Dois
grandes discos são gerados pela era dos 4: A Trick
of The Tail e Wind and Wuthering. É
um Genesis muito mais musical que teatral, com um lirismo até
então disfarçado. Como fã, acho que esta
é a fase musicalmente mais elaborada do grupo.
Após a gravação
do excelente duplo ao vivo Seconds Out, ainda
nas sessões de mixagem, Steve Hackett, descontente com
a pouca aprovação de suas idéias, deixa o
barco. E novamente o Genesis se reinventa. Agora como trio e com
uma até então desconhecida vocação
pop.
Explique-se que o grupo
tem uma característica distinta de seus pares britânicos
de sucesso. O crédito das músicas sempre era coletivo
na era Gabriel. O que jamais resultou em discussão sobre
dinheiro e faz com que os 5 integrantes da chamada fase clássica
sejam amigos até hoje.
Mas
os três remanescentes gravam ...And Then There Were
Three, a primeira experiência do Genesis pop. As
canções de 7 a 10 minutos dão lugar a temas
mais simples e melódicos, voltados para o formato single.
Ainda há resquícios de épicos progressivos,
como "Burning Rope", mas o selo do novo Genesis é
a canção "Follow You Follow Me", a última
do disco, que quase fica fora por vontade do produtor David Hentschell,
mas emplaca e vira sucesso mundial. É Tony Banks quem diz
que "Follow You Follow Me" apresentou o Genesis ao público
feminino.
É a partir desse
ponto que me transformo em advogado de defesa do Genesis trio
de pop/rock. Tendo "Follow You" como cartão de
apresentação, o Genesis volta em 1980 com o álbum
Duke. Ainda bastante progressivo em alguns momentos,
mas cada vez mais pop em temas como "Turn it On Again"
e "Misunderstanding". É um Genesis mais simples
e direto, com pegada pop e arranjos caprichados, puxado pelo vocal
cada vez mais marcante de Collins.
Algumas
curiosidades cercam Duke: diz a lenda que o genial
John Bonham, baterista do Led Zeppelin, ensinou seu filho Jason
a tocar ao som de "Turn It On Again"; e o grande sucesso
da carreira solo de Phil Collins, "In The Air Tonight",
ficou fora do álbum porque Banks e Rutherford acharam a
música muito simples.
Duke tem
sucesso e qualidade em boas medidas. Canções líricas
como Heathaze, um tema romântico de Collins, "Please
Don’t Ask", e longas faixas instrumentais. Os fãs
mais radicais dos tempos progressivos dizem que o Genesis definitivamente
se vendeu ao sucesso comercial neste álbum.
Já ouvi gente dizer
que Duke é o último suspiro progressivo
do Genesis, que a partir dele o grupo se confunde com a carreira
solo de Phil Collins. Eu acho que é neste disco que o grupo
começa a encaixar a fórmula do pop bem feito, simples
e direto, mas ao mesmo tempo sofisticado e bem tocado. Só
não gosto muito da produção de David Hentschell,
que deixa o som um pouco abafado, com muito destaque para a massa
de teclados.
Em Abacab
o Genesis parece ainda preso entre o passado e o futuro, buscando
seu caminho. É um disco com muita ênfase para a parte
instrumental e também para os arranjos. Quem ouve "Keep
it Dark", por exemplo, vai saber como o Genesis consegue
soar diferente de quase tudo que você já ouviu. Para
os puristas, o disco contém uma heresia: o naipe de metais
turbinado do Earth, Wind and Fire em "No Reply At All".
Para quem curte boa música, a combinação
é ótima, já que destaca ainda mais o excelente
trabalho de baixo de Mike Rutherford na canção e
o swing de Collins na bateria.
Entre
Abacab e o próximo disco de estúdio
pinta Three Sides Live, um disco triplo (coisa
pra quem tem mais de 30 lembrar) com, como diz o título,
três lados ao vivo e um com sobras de estúdio.
Em CD fui descobrir mais
tarde que havia uma versão só com músicas
gravadas ao vivo, com "One For The Vine", "Fountain
of Salmacis" e "It", dos tempos progressivos. Gosto
muito desse disco, em especial da versão de "In The
Cage", que tem um medley instrumental no final que é
de arrepiar. Phil Collins mostra porque é um dos grandes
bateristas do rock, com velocidade e precisão incríveis.
Genesis,
ou o disco das formas geométricas, estabelece o grupo no
superestrelato. Puxado por grandes sucessos como "Mama",
"That’s Al"l e "Home By The Sea" faz
com que o Genesis lote grandes estádios ao redor do mundo
e complete a transição. É pop/rock de grande
qualidade e ainda se dá ao luxo de viajar ao passado progressivo
com Second Home By The Sea. Ilegal Alien, uma tiração
de sarro com a vida dos imigrantes ilegais nos EUA, mostra o lado
bem humorado da banda. E há ainda boas surpresas como Silver
Raibow (prestem atenção no trabalho de bateria).
Enfim, chega a hora da
maior polêmica, que atende pelo nome de Invisible
Touch. O disco de maior sucesso da banda, que eleva o
Genesis ao status de um dos maiores grupos de todos os tempos
e faz, entre outras coisas, a banda lotar por quatro noites seguidas
o estádio de Wembley, na Inglaterra (a única banda
na história a fazê-lo, diga-se, em julho de 1987).
É
pop descarado, divertido e muito bem feito. Os fãs de antigamente
devem odiar esse disco, mas eu adoro. Mostra o Genesis curtindo
o que fazia talvez como nunca tivesse feito em outros tempos.
É tudo simples e direto, mas muito legal. A faixa-título
é uma gema pop. Tenho um amigo guitarrista, estuda em escola
conceituada, e teve uma aula com essa música. Segundo ele,
a professora dizia que era impressionante como um riff de guitarra
tão simples podia ser tão eficiente.
"Land of Confusion"
é rock dos bons, duvido que algum fã antigo da banda
não veja qualidades nessa música de protesto, que
tem um dos melhores clipes da história. "In Too Deep"
é balada quase 100% acústica, mas tem uma impressionante
sinergia entre os três em estúdio quando começa
o solo de piano de Banks. "Throwing It All Away" é
a canção pop mais perfeita que o Genesis já
fez, em minha modesta opinião. Vi outro dia no You Tube
uma versão acústica em que Collins canta com a francesa
Lara Fabian, que classifica a música como a mais bonita
do Genesis. "The Brazilian" é um show instrumental.
O disco tem 8 músicas e 5 viraram singles de sucesso mundial.
Em 1991 pinta nas lojas
We Can’t Dance. Fez quase tanto sucesso
como Invisible Touch e deve ter matado do coração
os progressivos de carteirinha com o rock-gozação
"I Can’t Dance". Ou então com a balada
que tem andamento de bossa nova "Hold On My Heart".
Mas tem "No Son of Mine", um rockaço! Tem "Jesus
He Knows Me", com o Genesis avacalhando com os exploradores
televisivos da fé alheia. E ainda "Tell Me Why"
e "Way of The World", com instrumental caprichado, guitarras
de 12 cordas, arranjos sofisticados. E uma singela homenagem a
Eric Clapton, "Since I Lost You", que cita a morte precoce
do filho de Clapton, mais ou menos na época em que ele
lançou "Tears In Heaven".
Depois
desse disco e de mais uma turnê de grande sucesso, Collins
anunciou sua saída do Genesis. Em 1997, houve uma tentativa
de seguir adiante com um novo cantor, o escocês Ray Wilson,
que tem boa voz, mas o álbum Calling All Stations,
embora tendo vendido 3 milhões de cópias, foi um
fracasso para os padrões do Genesis, que foi para a estrada
com Anthony Drennan (que toca com o ótimo The Corrs) na
guitarra e o excelente baterista israelense Nir Zydkyahu.
Em 1999 sai a coletânea
Turn It On Again-The Hits, que tem como surpresa
a regravação do clássico "Carpet Crawlers",
do The Lamb, reunindo Gabriel, Collins, Banks,
Hackett e Rutherford em gravação, mas não
no mesmo estúdio. Em 2000, Collins, Banks e Rutherford
subiram ao palco juntos para homenagear seu empresário,
Tony Smith. Peter Gabriel, também cliente de Smith, se
juntou a eles apenas para as fotos. No mesmo ano, Collins, Banks
e Rutherford gravam versões de algumas músicas para
um DVD chamado Songbook, que conta a história
da banda.
Finalmente, em novembro
de 2007 rola o anúncio da reunião do trio e da nova
turnê. Peter Gabriel não descartou se juntar a eles
em algum ponto, o que pode trazer também Steve Hackett.
Mas a maioria dos shows vai celebrar o pop competente e bem tocado
do trio Collins/Banks e Rutherford. Dispa-se de preconceitos e
faça como eu: tente reservar um ingresso. Poucas coisas
no pop/rock são melhores que o Genesis em cima de um palco.
Discografia
From Genesis To Revelation
(1969)
Trespass (1970)
Nursery Cryme (1971)
Foxtrot (1972)
Genesis Live (1973)
Selling England by the Pound (1973)
The Lamb Lies Down on Broadway (1974)
A Trick of the Tail (1976)
Wind and Wuthering (1977)
Seconds Out (1977)
…And Then There Were Three (1978)
Duke (1980)
Abacab (1981)
Three Sides Live (1982)
Genesis (1983)
Invisible Touch (1986)
We Can’t Dance (1991)
The Way We Walk (1993)
Calling All Stations (1997)
Genesis Archive # 1 1967-75 (caixa de 4 cds) (1998)
Turn it on Again (1999)
Genesis Archive #2 1976-1992 (caixa com 3 cds) (2000)
Platinum Collection (2004)
Turn It On Again: The Hits - The Tour Edition (2007)
Genesis 1976-1982 (2007)
Genesis 1983-1998 (2007)
Genesis 1970-1975 (2008)
Genesis Live 1973-2007 (2009)
DVDs
Genesis Songbook (2001)
The Way We Walk Live In Concert (2001)
Invisible Touch Live At Wembley Stadium (2003)
Video Show DVD (2004)
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