05 - Genesis

Ter bons amigos é sempre bom. Ter bons amigos que saibam bastante de um assunto e que queiram escrever sobre isso, é melhor ainda. Maurício Noriega é comentarista da Sportv e fã de Genesis. E um amigo querido desde 1997. Foi atendendo a um pedido que o fã número 1 de Phil Collins no Brasil fez essa biografia de sua banda favorita, o Genesis. Assim, Nori brinda os leitores desse espaço contando um pouco dessa histórica banda, com quase 40 anos de vida e que voltarão aos poucos em 2007. Valeu, Nori!


Por Maurício Noriega

Cartaz anunciando a coletiva em 7 de novembro de 2006Em 7 de novembro o Genesis, um dos mais populares e influentes grupos do pop/rock mundial, anunciou seu retorno aos palcos.

Serão inicialmente 21 datas na Europa, reunindo a formação mais bem sucedida comercialmente da banda inglesa: Phil Collins (vocais/bateria), Tony Banks (teclados) e Mike Rutherford (baixo/guitarra), com o auxílio luxuoso de Chester Thompson (bateria) e Daryl Stuermer (baixo/guitarra).

Com essa formação o Genesis rodou o mundo de palco em palco, de 1978 até 1992. E agora esse time retorna para mais uma turnê, sem a promessa de gravar material novo. Apenas uma reunião para juntar velhos amigos.

Boa hora para rever a carreira de uma banda que vendeu mais de 130 milhões de discos e fez mais de 1.400 shows.

Surgido em 1967, dos sonhos de um grupo de estudantes da escola pública inglesa Charterhouse (famosa também por ser um dos berços do futebol e por ter revelado ao mundo o fundador do escotismo, Baden Powel), o Genesis nasceu com o propósito de ser um grupo de compositores.

capa do disco TrespassTocar e gravar o próprio material não fazia parte dos planos de Peter Gabriel, Anthony Banks, Michael Rutherford e Anthony Philips. Mas o rumo que as coisas tomaram para os adolescentes ingleses foi muito diferente.

No final dos anos 60, o som do Genesis era uma mistura de folk com pop que lembrava os Bee Gees, segundo contam os próprios integrantes do grupo.

Depois de serem convencidos por um astro pop da época na Inglaterra, Jonathan King – ex-aluno de Charterhouse – a compor e tocar seu próprio material, o Genesis gravou dois discos tendo como base a formação Gabriel, Banks, Rutherford e Philips, com o apoio dos bateristas Chris Stewart e John Mayhew. O primeiro serve como registro histórico e o segundo, Tresspass, já dava pinta de como seria o som do Genesis no início dos anos 70.

capa do disco Nursery CrymeMas foi apenas a partir de Nursery Crime, com os reforços do baterista Phil Collins e do guitarrista Steve Hackett, que o Genesis começou realmente a mostrar que não era apenas mais uma banda.

Eram os tempos do rock progressivo, com longas intervenções instrumentais, solos e arranjos elaborados, que emolduravam letras sobre mitologia e ficção científica.

Que fique claro para quem me dá o prazer da leitura: eu sou fã do Genesis de cabo a rabo, mas, em especial, das fases conhecidas como 4 caras (Collins, Banks, Hackett e Rutherford) e trio (Collins, Banks e Rutherford). Sempre achei que o grande diferencial do Genesis, já nos anos 70, foi ser o menos progressivo dos grupos progressivos.

Mas vamos aos fatos. A partir de Nursery Crime, tendo como base de fãs a Itália, o Genesis inicia a conquista da Europa.

Peter Gabriel lança mão de recursos teatrais, conta histórias, usa fantasias, interpreta personagens das músicas. Phil Collins rapidamente se destaca como um dos mais rápidos e inventivos bateristas do rock.

Banks é um tecladista virtuoso e arranjador inspirado, assim como Rutherford se destaca com novas linhas de baixo. Hackett fecha a cena com toques de violão clássico e desenvolve novidades como a técnica dos fingertaps, depois consagrada por Eddie van Halen.

capa do disco Foxtrotcapa do disco Selling England by the PoundEntre 1971 e 1975 o Genesis se transforma em banda cult, chamada de art rock por alguns críticos, e se transforma no veículo para a solidificação do carisma de Peter Gabriel e da competência musical dos outros quatro integrantes, em especial de Phil Collins.

Nada de fama e fortuna acontece com os discos Foxtrot e Selling England by the Pound.

Mas o Genesis já chama a atenção da crítica especializada e de outros músicos, como o beatle John Lennon, que destaca a qualidade de Selling England numa entrevista de rádio em 1973.

capa do disco The Lamb Lies Down on BroadwayAntes disso, emplaca um épico de 23 minutos, "Supper’s Ready", grande faixa de Foxtrot e uma das mais complexas e influentes canções do rock, citada até hoje por gente como Rush, Red Hot Chilli Peppers e Foo Fighters.

Também com Selling England o Genesis experimenta a primeira lufada de sucesso, com a música "I Know What I Like", e começa, também, a plantar uma base de fãs nos Estados Unidos.

É com o álbum duplo conceitual The Lamb Lies Down on Broadway que o Genesis conquista de vez os críticos e arregimenta cada vez mais fãs.

Gabriel se estabelece como líder, investindo cada vez mais no teatro e na troca de roupas, técnicas multimídia e iluminação. Mesmo sem ser um grande sucesso, o disco confirma o talento do Genesis como espetáculo e a reputação de sua música. Também encerra o primeiro capítulo dessa história.

Peter GabrielProblemas pessoais de Gabriel e um atrito entre os integrantes da banda, que queriam mais música e menos teatro, provocam a saída, sem grandes traumas ou discussões, do vocalista. Contrariando as previsões de fãs e críticos, o Genesis segue em frente, com uma surpresa: Phil Collins, que como baterista já fazia harmonias vocais e cobria Gabriel quando ele não conseguia cantar por causa das fantasias, assume a condição de vocalista em 1976, num show em London, Ontário (Canadá). É o marco para a mudança mais significativa na história da banda, que talvez seja o motivo principal para que o Genesis ainda hoje exista e volte a excursionar quarenta anos após sua criação.

Collins canta e toca bateria nos shows, com o auxílio de um de seus ídolos e amigos, Bill Brufford, ex-King Crimson e Yes.

capa do disco A Trick of The Tailcapa do disco Wind and WutheringDois grandes discos são gerados pela era dos 4: A Trick of The Tail e Wind and Wuthering. É um Genesis muito mais musical que teatral, com um lirismo até então disfarçado. Como fã, acho que esta é a fase musicalmente mais elaborada do grupo.

Após a gravação do excelente duplo ao vivo Seconds Out, ainda nas sessões de mixagem, Steve Hackett, descontente com a pouca aprovação de suas idéias, deixa o barco. E novamente o Genesis se reinventa. Agora como trio e com uma até então desconhecida vocação pop.

Explique-se que o grupo tem uma característica distinta de seus pares britânicos de sucesso. O crédito das músicas sempre era coletivo na era Gabriel. O que jamais resultou em discussão sobre dinheiro e faz com que os 5 integrantes da chamada fase clássica sejam amigos até hoje.

capa do disco ...And Then There Were ThreeMas os três remanescentes gravam ...And Then There Were Three, a primeira experiência do Genesis pop. As canções de 7 a 10 minutos dão lugar a temas mais simples e melódicos, voltados para o formato single. Ainda há resquícios de épicos progressivos, como "Burning Rope", mas o selo do novo Genesis é a canção "Follow You Follow Me", a última do disco, que quase fica fora por vontade do produtor David Hentschell, mas emplaca e vira sucesso mundial. É Tony Banks quem diz que "Follow You Follow Me" apresentou o Genesis ao público feminino.

É a partir desse ponto que me transformo em advogado de defesa do Genesis trio de pop/rock. Tendo "Follow You" como cartão de apresentação, o Genesis volta em 1980 com o álbum Duke. Ainda bastante progressivo em alguns momentos, mas cada vez mais pop em temas como "Turn it On Again" e "Misunderstanding". É um Genesis mais simples e direto, com pegada pop e arranjos caprichados, puxado pelo vocal cada vez mais marcante de Collins.

capa do disco DukeAlgumas curiosidades cercam Duke: diz a lenda que o genial John Bonham, baterista do Led Zeppelin, ensinou seu filho Jason a tocar ao som de "Turn It On Again"; e o grande sucesso da carreira solo de Phil Collins, "In The Air Tonight", ficou fora do álbum porque Banks e Rutherford acharam a música muito simples.

Duke tem sucesso e qualidade em boas medidas. Canções líricas como Heathaze, um tema romântico de Collins, "Please Don’t Ask", e longas faixas instrumentais. Os fãs mais radicais dos tempos progressivos dizem que o Genesis definitivamente se vendeu ao sucesso comercial neste álbum.

Já ouvi gente dizer que Duke é o último suspiro progressivo do Genesis, que a partir dele o grupo se confunde com a carreira solo de Phil Collins. Eu acho que é neste disco que o grupo começa a encaixar a fórmula do pop bem feito, simples e direto, mas ao mesmo tempo sofisticado e bem tocado. Só não gosto muito da produção de David Hentschell, que deixa o som um pouco abafado, com muito destaque para a massa de teclados.

Em Abacab o Genesis parece ainda preso entre o passado e o futuro, buscando seu caminho. É um disco com muita ênfase para a parte instrumental e também para os arranjos. Quem ouve "Keep it Dark", por exemplo, vai saber como o Genesis consegue soar diferente de quase tudo que você já ouviu. Para os puristas, o disco contém uma heresia: o naipe de metais turbinado do Earth, Wind and Fire em "No Reply At All". Para quem curte boa música, a combinação é ótima, já que destaca ainda mais o excelente trabalho de baixo de Mike Rutherford na canção e o swing de Collins na bateria.

O Genesis ao vivo em 1983Entre Abacab e o próximo disco de estúdio pinta Three Sides Live, um disco triplo (coisa pra quem tem mais de 30 lembrar) com, como diz o título, três lados ao vivo e um com sobras de estúdio.

Em CD fui descobrir mais tarde que havia uma versão só com músicas gravadas ao vivo, com "One For The Vine", "Fountain of Salmacis" e "It", dos tempos progressivos. Gosto muito desse disco, em especial da versão de "In The Cage", que tem um medley instrumental no final que é de arrepiar. Phil Collins mostra porque é um dos grandes bateristas do rock, com velocidade e precisão incríveis.

Genesis, ou o disco das formas geométricas, estabelece o grupo no superestrelato. Puxado por grandes sucessos como "Mama", "That’s Al"l e "Home By The Sea" faz com que o Genesis lote grandes estádios ao redor do mundo e complete a transição. É pop/rock de grande qualidade e ainda se dá ao luxo de viajar ao passado progressivo com Second Home By The Sea. Ilegal Alien, uma tiração de sarro com a vida dos imigrantes ilegais nos EUA, mostra o lado bem humorado da banda. E há ainda boas surpresas como Silver Raibow (prestem atenção no trabalho de bateria).

Enfim, chega a hora da maior polêmica, que atende pelo nome de Invisible Touch. O disco de maior sucesso da banda, que eleva o Genesis ao status de um dos maiores grupos de todos os tempos e faz, entre outras coisas, a banda lotar por quatro noites seguidas o estádio de Wembley, na Inglaterra (a única banda na história a fazê-lo, diga-se, em julho de 1987).

capa do disco Invisible TouchÉ pop descarado, divertido e muito bem feito. Os fãs de antigamente devem odiar esse disco, mas eu adoro. Mostra o Genesis curtindo o que fazia talvez como nunca tivesse feito em outros tempos. É tudo simples e direto, mas muito legal. A faixa-título é uma gema pop. Tenho um amigo guitarrista, estuda em escola conceituada, e teve uma aula com essa música. Segundo ele, a professora dizia que era impressionante como um riff de guitarra tão simples podia ser tão eficiente.

"Land of Confusion" é rock dos bons, duvido que algum fã antigo da banda não veja qualidades nessa música de protesto, que tem um dos melhores clipes da história. "In Too Deep" é balada quase 100% acústica, mas tem uma impressionante sinergia entre os três em estúdio quando começa o solo de piano de Banks. "Throwing It All Away" é a canção pop mais perfeita que o Genesis já fez, em minha modesta opinião. Vi outro dia no You Tube uma versão acústica em que Collins canta com a francesa Lara Fabian, que classifica a música como a mais bonita do Genesis. "The Brazilian" é um show instrumental. O disco tem 8 músicas e 5 viraram singles de sucesso mundial.

Em 1991 pinta nas lojas We Can’t Dance. Fez quase tanto sucesso como Invisible Touch e deve ter matado do coração os progressivos de carteirinha com o rock-gozação "I Can’t Dance". Ou então com a balada que tem andamento de bossa nova "Hold On My Heart". Mas tem "No Son of Mine", um rockaço! Tem "Jesus He Knows Me", com o Genesis avacalhando com os exploradores televisivos da fé alheia. E ainda "Tell Me Why" e "Way of The World", com instrumental caprichado, guitarras de 12 cordas, arranjos sofisticados. E uma singela homenagem a Eric Clapton, "Since I Lost You", que cita a morte precoce do filho de Clapton, mais ou menos na época em que ele lançou "Tears In Heaven".

capa do disco Calling All StationsDepois desse disco e de mais uma turnê de grande sucesso, Collins anunciou sua saída do Genesis. Em 1997, houve uma tentativa de seguir adiante com um novo cantor, o escocês Ray Wilson, que tem boa voz, mas o álbum Calling All Stations, embora tendo vendido 3 milhões de cópias, foi um fracasso para os padrões do Genesis, que foi para a estrada com Anthony Drennan (que toca com o ótimo The Corrs) na guitarra e o excelente baterista israelense Nir Zydkyahu.

Em 1999 sai a coletânea Turn It On Again-The Hits, que tem como surpresa a regravação do clássico "Carpet Crawlers", do The Lamb, reunindo Gabriel, Collins, Banks, Hackett e Rutherford em gravação, mas não no mesmo estúdio. Em 2000, Collins, Banks e Rutherford subiram ao palco juntos para homenagear seu empresário, Tony Smith. Peter Gabriel, também cliente de Smith, se juntou a eles apenas para as fotos. No mesmo ano, Collins, Banks e Rutherford gravam versões de algumas músicas para um DVD chamado Songbook, que conta a história da banda.

Finalmente, em novembro de 2007 rola o anúncio da reunião do trio e da nova turnê. Peter Gabriel não descartou se juntar a eles em algum ponto, o que pode trazer também Steve Hackett. Mas a maioria dos shows vai celebrar o pop competente e bem tocado do trio Collins/Banks e Rutherford. Dispa-se de preconceitos e faça como eu: tente reservar um ingresso. Poucas coisas no pop/rock são melhores que o Genesis em cima de um palco.

Discografia

From Genesis To Revelation (1969)
Trespass (1970)
Nursery Cryme (1971)
Foxtrot (1972)
Genesis Live (1973)
Selling England by the Pound (1973)
The Lamb Lies Down on Broadway (1974)
A Trick of the Tail (1976)
Wind and Wuthering (1977)
Seconds Out (1977)
…And Then There Were Three (1978)
Duke (1980)
Abacab (1981)
Three Sides Live (1982)
Genesis (1983)
Invisible Touch (1986)
We Can’t Dance (1991)
The Way We Walk (1993)
Calling All Stations (1997)
Genesis Archive # 1 1967-75 (caixa de 4 cds) (1998)
Turn it on Again (1999)
Genesis Archive #2 1976-1992 (caixa com 3 cds) (2000)
Platinum Collection (2004)
Turn It On Again: The Hits - The Tour Edition (2007)
Genesis 1976-1982 (2007)
Genesis 1983-1998 (2007)
Genesis 1970-1975 (2008)
Genesis Live 1973-2007 (2009)

DVDs

Genesis Songbook (2001)
The Way We Walk Live In Concert (2001)
Invisible Touch Live At Wembley Stadium (2003)
Video Show DVD (2004)