157 - Gentle Giant

O Gentle é uma das bandas mais interessantes que surgiram na leva do progressivo. Um grupo inteligente, cheio de músicos competentes, mas longe daquele rococó chato de Yes ou Emerson, Lake & Palmer. Com uma discografia cheia de clássicos, o grupo formado pelos irmãos Ray, Derek e Phil Shulman foi um dos mais importantes e interessantes surgidos na década de 70. Mesmo encerrando as atividades no início dos anos 80, o Gentle possui uma série de discos póstumos e uma legião de admiradores.


da esquerda para a direita: Derek Schulman, Ray Schulman, Gary Green, John Weathers, e Kerry MinnearO Gentle Giant nasceu no final dos anos 60, quando o chamado rock progressivo dava seus primeiros passos. 1969 foi um ano particularmente importante para o nascimento do rock progressivo, afinal eram lançados o primeiro disco do King Crimson - In The Court Of The Crimson King - de Ummagumma, do Pink Floyd, entre outras obras. Assim como esses grupos e outras bandas, a proposta do Gentle era ampliar os horizonte do rock e continuar os experimentos iniciados com o psicodelismo. Assim, o Gentle colocava em seu caldeirão musical a música clássica, a renascentista, o jazz, o avant-garde e o que mais desejassem.

Apesar disso, a banda não chegou a ser um grande sucesso comercial como aconteceu com Yes ou Emerson, Lake & Palmer, que também apostaram na mesma fórmula. O Gentle virou uma banda cult.

capa do disco Without ReservationsO grupo nasceu quando os irmãos Derek, Ray e Phil resolveram acabar com o grupo Simon Dupree & the Big Sound, de certo sucesso comercial, especialmente com o single "Kites", que ficou entre as 10 mais no ano de 1967. Após lançarem o disco Without Reservations, em 1969, decidiram que era hora de acabar com aquela tentativa de r&b. O grupo era formado por Derek Shulman (o Simon da banda) nos vocais; Ray, na guitarra; Phil, no sax; Tony Ransley, na bateria e Pete O'Flaherty, no baixo. Uma curiosidade é que um certo Reginald Dwight acompanhou o grupo como tecladista durant alguns meses, enquanto o tecladista oficial do grupo, Eric Hine se recuperava de um febre glândular. Se você não sabe quem diabos é Reginald, talvez o conheça por seu nome artístico: Elton John. E, mais bizarro ainda, até o pianista e ator Duddley Moore (alguém se lembra do filme Arthur?) tocou com o grupo nessa época.

Essa pequena passagem é bem lembrada por Ray: "Reg tocou conosco por um meses e ficamos muito amigos durante a turnê pela Escócia. Em uma dessas noites, ele nos mostrou algumas de suas canções que fariam parte de seu primeiro disco. 'Your Song' era uma dessas e rimos muito quando ele disse que iria mudar seu nome para Elton John. Ele queria ficar conosco e em uma sessão, nos estúdios Abbey Road, tocou uma canção chamada 'Laughing boy from nowhere', com o meu sobrinho, Calvin. Depois disso, ele resolveu seguir a carreira sozinho e eu o vi várias vezes em companhia de seu parceiro Bernie Taupin em Watford, onde moravam e o visitei enquanto gravava seu primeiro disco. Foi mais ou menos no mesmo período em que nascia o Gentle. E Dudley realmente tocou conosco no single 'Broken Hearted Pirates', uma canção horrível, pois era amigo do arranjador Chris Gunning." Entre 1966 e 1969, o grupo lançou nove compactos.

Querendo esquecer esse passado tenebroso, os irmãos resolveram montar uma nova banda. Ray explica como nasceu o Gentle: "sabíamos que não podíamos a tocar com aqueles músicos, porque eles não podiam contribuir em nada. Tínhamos que ficar os ensinando a tocarem seus instrumentos. Então saímos atrás de músicos e tivemos a sorte de encontrar Kerry Minnear rapidamente. Ele tinha saído da Royal College of Music e tinha ido para a Alemanha, onde montou um grupo chamado Rust. Ele estava passando sérios apuros financeiros na Alemanha, pois não tinha dinheiro, nem comida e nem conseguia tocar na Alemanha e foi salvo por seus pais, que mandaram dinheiro para que voltasse para casa. Nós o conhecemos em Clapham e o convidamos para vir até Portsmouth. Ficamos uma semana tocando e vimos que ele era a pessoa que procurávamos. O chato foi dispensar o guitarrista que tinha vindo com ele, que não se encaixava em nosso som. Ficamos procurando um guitarrista por quatro meses e colocamos anúncios em jornais até aparecer Gary Green, após mais de 50 candidatos."

Assim, nascia o Gentle Giant, com outros membros e funções extras para cada irmão: Derek, além de cantar, tocava guitarra e baixo; Ray também cantava e se dividia entre o baixo e o violino; Phil ficava com o sax, e a banda havia encorporado Kerry Minnear nos teclados e Gary Green, na guitarra. E após muita procura, Martin Smith foi efetivado como baterista.

capa do disco Gentle GiantEm 1970 conseguiram assinar um contrato com o selo Vertigo, e lançaram o disco Gentle Giant, que ficaria famoso pela capa e pelo rosto do gigante, marca até hoje do grupo. O disco surpreendeu muito por uma mistura incomum de hard com elementos clássicos e rendeu boas críticas e alguma atenção do público. Em termos de estilo, o Gentle parecia um pouco com o King Crimson, embora não tivessem uma sonoridade tão poderosa quanto a banda de Robert Fripp. Ainda assim, Gentle Giant foi uma estréia muito interessante.

Derek conta que o disco não fez tanto sucesso como esperavam: em 1970, o King Crimson era o nome mais quente e nós fazíamos um som parecido com o deles. Não vendemos muito mas conseguimos chamar a atenção."

capa do disco Acquiring The TasteNo ano seguinte, o grupo entra em estúdio para gravar o segundo disco, Acquiring The Taste. Derek lembra que o disco era um mistério para os próprios integrantes: "esse foi um disco muito difícil para nós, porque não sabíamos muito bem o que queríamos. Era um disco mais experimental e tivemos algumas rusgas, especialmente entre Phil e Martin, que não conseguiam encaixar o som. Depois dessa gravação, Martin acabou deixando a banda e entrou Malcolm Mortimore. E tivemos problemas com nosso empresário, Gerry Bron, que não estava muito de acordo com o que fazíamos e acabamos rompendo de maneira amigável.

capa do disco Three FriendsEm 1972, saem em uma excursão ao lado do Jethro Tull e lançam Three Friends, o primeiro lançamento da banda na América.

"Esse foi o disco que sedimentou a banda. Tocamos muito bem na Itália, Alemanha e Suíça e acabamos fazendo nossos shows sozinhos nesses países. Foi então que saímos em uma turnê pelo Reino Unido com o Groundhogs e aconteceu o acidente de motocicleta com Malcolm. Ele acabou sendo substituído por John Weathers, que acabou virando nosso baterista. Weathers mudou o nosso som e parecia casar melhor com nossa proposta. Com ele, ganhamos mais unidade, mais solidez."

capa inglesa de Octopuscapa norte-americana de Octopus

Com Weathers lançaram, ainda em 1972, Octopus, tido como o melhor disco do Gentle. Octopus era a perfeita conjunção entre o hard e o clássico, um disco muito mais bem resolvido em todas as frentes e bem mais palatável ao público. O nome do disco nasceu de uma brincadeira da esposa de Phil, Roberta, que falou "Octo Opus" ou um opus de oito músicos. O disco teve duas capas diferentes. A mais bonita e clássica, do polvo no mar foi feita por Roger Dean e a americana, mostrando um polvo dentro de um vidro, assinada por Charles White.

Gary Green e Ray ShulmanO disco marcou também outra baixa na banda. Phil acabou deixando o Gentle após várias brigas. Derek relembra com certa tristeza do período: "estávamos fazendo um grande sucesso nos Estados Unidos, com shows lotados, boas vendagens, mas quando tivemos que mandar Phil embora durante a excursão italiana, nos sentimos mal."

Em 1973, o grupo resolveu entrar novamente como quinteto em estúdio e lançaram In a Glass House, que enfrentou problemas na América, já que a Columbia considerava o disco anti-comercial.

E na verdade era um disco com pouco apelo comercial. O álbum falava de pessoas, que supostamente vivem em uma redoma de vidro e que não deviam atirar pedras nas outras. Mas, isso era apenas uma das explicações mais simples sobre a obra, que parecia exigir uma grande paciência do ouvinte. Na capa do disco foi usado um efeito tridimensional. Quando foi lançado no formato em vinil foi usado papel celofane no revestimento da capa. O disco acabou realmente não saindo nos Estados Unidos, e teve que ser importado pelos fãs.

capa do disco The Power and the GloryEm 1974, lançam um novo disco, The Power and the Glory. O disco desenvolvia toda uma idéia sobre corrupção - haviam rumores que fora inspirado no escândalo Watergate, o que não era verdade.

E a obra rendeu mais confusão para a banda. Era o segundo lançamento deles pelo novo selo, World Wide Artists, que exigia um trabalho mais comercial. Assim, o grupo foi obrigado a entrar em estúdio com a obrigação de abandonar um pouco o experimentalismo.

A banda demorou demais para escrever a canção-título, que curiosamente não foi incluída no disco, por não estar pronta, mas foi lançada depois como single. Ela só entraria na coletânea Giant Steps - The First Five Years. O disco acabou sendo o maior êxito comercial do Gentle, na América, ficando entre os 50 mais vendidos, apesar de toda insatisfação do grupo pela forma como sua carreira estava sendo gerenciada.

Ray confessa que odeia a música-título: "essa foi a pior canção que já fizemos. Eles chegaram para cima de nós, dizendo que devíamos algo mais acessível e fizemos três canções atrozes."

capa do disco Free HandGiant Steps - The First Five Years colocou a banda novamente na estrada em janeiro de 1975, e em setembro do mesmo ano o grupo resolve mudar de gravadora - vai para Chrysalis - e lança um de seus melhores discos: Free Hand.

Cansados do antigo selo, conseguiram o contrato com a Chrysalis através do Jethro Tull, uma das estrelas da casa e por também impressionarem Terry Ellis, presidente da companhia.

da esquerda para a direita: Kerry Minnear, Derek Shulman, Gary Green, Ray Shulman e John WeathersFree Hand era um disco até bastante otimista depois de tantos problemas com empresários e gravadoras e fez um grande sucesso, que acabou resultando em uma imensa excursão mundial. Na verdade, muitos dos problemas foram exorcizados no disco, que chegou ao 48º lugar nas paradas..

capa do disco InterviewApós uma grande excursão pela América e alguns breve shows no Reino Unido, o grupo lança um novo trabalho: Interview.

Estruturado como se fosse entrevista por telefone, o disco critica a maneira como a indústria fonográfica trata os artistas e ironiza as perguntas bobas e inúteis feitas por jornalistas. A produção foi longa e cuidadosa, e a banda saiu em excursão no final de 1976, excursão essa que renderia um novo disco.

Os shows que aconteceram entre os meses de setembro e outubro acabaram virando um dos grandes discos ao vivo do rock progressivo e de rock, em geral. O Gentle Giant atravessa um de seus melhores momentos como banda e o resultado acabou sendo o excelente Playing The Fool: The Official Live, lançado em 1977.

capa do disco Playing The Fool: The Official LiveO disco continha nove músicas, que posteriormente, quando lançado em CD pela Terrapin foi editado com 22 faixas. o grupo vivia então, ao mesmo tempo, o melhor e o pior de seus dias. Após 51 shows em 90 dias no primeiro semestre de 1976, entre os meses de maio a julho, o grupo gravou o disco em um momento, no mínimo, estranho. Enquanto alcançavam o auge técnico viam nascer uma nova geração que odiaria não apenas ao Gentle, mas como todas as bandas que praticavam o progressivo e o hard rock: os punks. De repente, os chamados "dinossauros" eram ridicularizados pela imprensa, e o Gentle viveu um momento crítico, já que a Chrysalis confiava no talento do grupo e investiu pesado na excursão.

Após os shows, o grupo resolveu que iria se envolver pesadamente na escolha dos temas. Weathers lembra bem do período: "todos nós queríamos o melhor som possível, mas sem overdubs. Tudo seria o mais natural possível, como queria a própria Chrysalis. E, na verdade, isso aconteceu, tirando pequenas partes que necessitaram ser refeitas, era bem o espírito de nossos shows."

capa do disco The Missing PieceNo mesmo ano, o grupo lança um novo disco, considerado como a primeira bola fora da banda: The Missing Piece.

Ray Shulman conta o dilema da banda: "quando o punk rock surgiu nós começamos a ser desprezados e sofremos pressão para sermos comercialmente mais viáveis. De repente a Chrysalis começou a ver nosso horizonte como pouco promissor, e por causa disso, resolvemos fazer um disco mais comercial. Como devíamos dinheiro a eles e tínhamos medo que nos obrigassem a pagar os adiantamentos, cedemos."

Kerry Minnear lembra que a banda se sentia presa em um estilo em cima do palco: "você via aquelas bandas punks berrando, pulando, cheias de adrenalina no palco e alguns de nós sentiam-se presos em uma camisa-de-força. E Ray estava realmente entusiasmado com o punk por causa dessa energia e eu me sentia desconfortável com tudo isso."

capa do disco Giant For A DaySe The Missing Piece já não foi lá muito apreciado, a coisa piorou bem com Giant For A Day, o pior disco disparado da banda. Mais pop do que o outro, o álbum quase destruiu toda a reputação do grupo.

Em busca de novas audiências, pressão da gravadora, o Gentle tentou aumentar seu público, mas apenas conseguiu irritar os fãs, da mesma maneira que Phil Collins enojou os fãs do Genesis após a saída de Peter Gabriel. O disco ainda teve uma excursão pela América, mas a sensação era de derrota total.

capa do disco CivilianO grupo ainda lançou mais um disco em 1980, Civilian, que foi o verdadeiro fim Gentle. As canções já estavam dentro do padrão rock tradicional e foi igualmente apedrejado pelos antigos fãs e pela crítica. Produzido para emplacar no gosto do ouvinte FM padrão só conseguiu mesmo ser esculhambado. Ray conta que odiou toda a gestação do trabalho: "foram momentos terríveis, já que tínhamos que ir para a Califórnia, onde morava Derek e tudo isso resultou em um processo forçado de composição."

Após o disco, a banda acabaria e Ray faria fama como produtor de vários grupos nos anos 80, notadamente em dois discos: o primeiro do grupo islandês Sugarcubes - Life's Too Good - e o primeiro solo de Ian McCulloch, Candleland. Vale lembrar que o Sugarcubes foi a banda que revelou ao mundo a exótica cantora Björk.

O culto ao grupo segue forte e agora em 2005 boa parte de sua discografia foi lançada em uma luxuosa edição comemorando os 35 anos do primeiro disco. O Gentle segue sendo, da mesma maneira que o Soft Machine, um nome relevante e que, assim como o Soft, acabou de uma maneira triste, sucumbindo às pressões comerciais. Deixo vocês com a discografia do grupo. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Gentle Giant (1970)
Acquiring The Taste (1971)
Three Friends (1972)
Octopus (1972)
In a Glass House (1973)
The Power And The Glory (1974)
Free Hand (1975)
Giant Steps - The First Five Years* (1975)
Interview (1976)
Playing The Fool: The Official Live (1977)
The Missing Piece (1977)
Giant Edits* (1977)
Pretentious - For The Sake Of It* (1978)
Giant For A Day (1978)
Civilian (1980)

* coletâneas

Discos póstumos, incluindo coletâneas, ao vivo e raridades

Gentle Giant (Motive) (1981)
Circling Round the Gentle Giant (1981)
Il Rock (1989)
Il Grande Rock (1991)
In Concert (BBC Radio 1) (1994)
Champions Of Rock (1996)
Edge Of Twilight (1996)
Out Of The Woods (1996)
The Last Steps (1996)
Under Construction (1997)
King Biscuit Flowers Hour Presents (1998)
The Essential Of Gentle Giant (1999)
Tottally Out Of Woods (2000)
Live In Rome 1974 (2000)
Interview In Concert (2001)
In A Palesport House (2001)
Experience (Live) (2002)
Artistically Cryme (2002)
Endless Life (2002)
The Missing Face (2002)
Way Of Life (2003)
Part Of Their Past (2004)



 

 

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