O Gentle é
uma das bandas mais interessantes que surgiram na leva do progressivo.
Um grupo inteligente, cheio de músicos competentes, mas
longe daquele rococó chato de Yes ou Emerson, Lake &
Palmer. Com uma discografia cheia de clássicos, o grupo
formado pelos irmãos Ray, Derek e Phil Shulman foi um dos
mais importantes e interessantes surgidos na década de
70. Mesmo encerrando as atividades no início dos anos 80,
o Gentle possui uma série de discos póstumos e uma
legião de admiradores.
O
Gentle Giant nasceu no final dos anos 60, quando o chamado rock
progressivo dava seus primeiros passos. 1969 foi um ano particularmente
importante para o nascimento do rock progressivo, afinal eram
lançados o primeiro disco do King Crimson - In
The Court Of The Crimson King - de Ummagumma,
do Pink Floyd, entre outras obras. Assim como esses grupos e outras
bandas, a proposta do Gentle era ampliar os horizonte do rock
e continuar os experimentos iniciados com o psicodelismo. Assim,
o Gentle colocava em seu caldeirão musical a música
clássica, a renascentista, o jazz, o avant-garde e o que
mais desejassem.
Apesar disso, a banda não
chegou a ser um grande sucesso comercial como aconteceu com Yes
ou Emerson, Lake & Palmer, que também apostaram na
mesma fórmula. O Gentle virou uma banda cult.
O
grupo nasceu quando os irmãos Derek, Ray e Phil resolveram
acabar com o grupo Simon Dupree & the Big Sound, de certo
sucesso comercial, especialmente com o single "Kites",
que ficou entre as 10 mais no ano de 1967. Após lançarem
o disco Without Reservations, em 1969, decidiram
que era hora de acabar com aquela tentativa de r&b. O grupo
era formado por Derek Shulman (o Simon da banda) nos vocais; Ray,
na guitarra; Phil, no sax; Tony Ransley, na bateria e Pete O'Flaherty,
no baixo. Uma curiosidade é que um certo Reginald Dwight
acompanhou o grupo como tecladista durant alguns meses, enquanto
o tecladista oficial do grupo, Eric Hine se recuperava de um febre
glândular. Se você não sabe quem diabos é
Reginald, talvez o conheça por seu nome artístico:
Elton John. E, mais bizarro ainda, até o pianista e ator
Duddley Moore (alguém se lembra do filme Arthur?)
tocou com o grupo nessa época.
Essa pequena passagem é
bem lembrada por Ray: "Reg tocou conosco por um meses e ficamos
muito amigos durante a turnê pela Escócia. Em uma
dessas noites, ele nos mostrou algumas de suas canções
que fariam parte de seu primeiro disco. 'Your Song' era uma dessas
e rimos muito quando ele disse que iria mudar seu nome para Elton
John. Ele queria ficar conosco e em uma sessão, nos estúdios
Abbey Road, tocou uma canção chamada 'Laughing boy
from nowhere', com o meu sobrinho, Calvin. Depois disso, ele resolveu
seguir a carreira sozinho e eu o vi várias vezes em companhia
de seu parceiro Bernie Taupin em Watford, onde moravam e o visitei
enquanto gravava seu primeiro disco. Foi mais ou menos no mesmo
período em que nascia o Gentle. E Dudley realmente tocou
conosco no single 'Broken Hearted Pirates', uma canção
horrível, pois era amigo do arranjador Chris Gunning."
Entre 1966 e 1969, o grupo lançou nove compactos.
Querendo
esquecer esse passado tenebroso, os irmãos resolveram montar
uma nova banda. Ray explica como nasceu o Gentle: "sabíamos
que não podíamos a tocar com aqueles músicos,
porque eles não podiam contribuir em nada. Tínhamos
que ficar os ensinando a tocarem seus instrumentos. Então
saímos atrás de músicos e tivemos a sorte
de encontrar Kerry Minnear rapidamente. Ele tinha saído
da Royal College of Music e tinha ido para a Alemanha, onde montou
um grupo chamado Rust. Ele estava passando sérios apuros
financeiros na Alemanha, pois não tinha dinheiro, nem comida
e nem conseguia tocar na Alemanha e foi salvo por seus pais, que
mandaram dinheiro para que voltasse para casa. Nós o conhecemos
em Clapham e o convidamos para vir até Portsmouth. Ficamos
uma semana tocando e vimos que ele era a pessoa que procurávamos.
O chato foi dispensar o guitarrista que tinha vindo com ele, que
não se encaixava em nosso som. Ficamos procurando um guitarrista
por quatro meses e colocamos anúncios em jornais até
aparecer Gary Green, após mais de 50 candidatos."
Assim, nascia o Gentle
Giant, com outros membros e funções extras para
cada irmão: Derek, além de cantar, tocava guitarra
e baixo; Ray também cantava e se dividia entre o baixo
e o violino; Phil ficava com o sax, e a banda havia encorporado
Kerry Minnear nos teclados e Gary Green, na guitarra. E após
muita procura, Martin Smith foi efetivado como baterista.
Em
1970 conseguiram assinar um contrato com o selo Vertigo, e lançaram
o disco Gentle Giant, que ficaria famoso pela
capa e pelo rosto do gigante, marca até hoje do grupo.
O disco surpreendeu muito por uma mistura incomum de hard com
elementos clássicos e rendeu boas críticas e alguma
atenção do público. Em termos de estilo,
o Gentle parecia um pouco com o King Crimson, embora não
tivessem uma sonoridade tão poderosa quanto a banda de
Robert Fripp. Ainda assim, Gentle Giant foi uma
estréia muito interessante.
Derek conta que o disco
não fez tanto sucesso como esperavam: em 1970, o King Crimson
era o nome mais quente e nós fazíamos um som parecido
com o deles. Não vendemos muito mas conseguimos chamar
a atenção."
No
ano seguinte, o grupo entra em estúdio para gravar o segundo
disco, Acquiring The Taste. Derek lembra que
o disco era um mistério para os próprios integrantes:
"esse foi um disco muito difícil para nós,
porque não sabíamos muito bem o que queríamos.
Era um disco mais experimental e tivemos algumas rusgas, especialmente
entre Phil e Martin, que não conseguiam encaixar o som.
Depois dessa gravação, Martin acabou deixando a
banda e entrou Malcolm Mortimore. E tivemos problemas com nosso
empresário, Gerry Bron, que não estava muito de
acordo com o que fazíamos e acabamos rompendo de maneira
amigável.
Em
1972, saem em uma excursão ao lado do Jethro Tull e lançam
Three Friends, o primeiro lançamento da
banda na América.
"Esse foi o disco
que sedimentou a banda. Tocamos muito bem na Itália, Alemanha
e Suíça e acabamos fazendo nossos shows sozinhos
nesses países. Foi então que saímos em uma
turnê pelo Reino Unido com o Groundhogs e aconteceu o acidente
de motocicleta com Malcolm. Ele acabou sendo substituído
por John Weathers, que acabou virando nosso baterista. Weathers
mudou o nosso som e parecia casar melhor com nossa proposta. Com
ele, ganhamos mais unidade, mais solidez."
Com Weathers lançaram,
ainda em 1972, Octopus, tido como o melhor disco
do Gentle. Octopus era a perfeita conjunção
entre o hard e o clássico, um disco muito mais bem resolvido
em todas as frentes e bem mais palatável ao público.
O nome do disco nasceu de uma brincadeira da esposa de Phil, Roberta,
que falou "Octo Opus" ou um opus de oito músicos.
O disco teve duas capas diferentes. A mais bonita e clássica,
do polvo no mar foi feita por Roger Dean e a americana, mostrando
um polvo dentro de um vidro, assinada por Charles White.
O
disco marcou também outra baixa na banda. Phil acabou deixando
o Gentle após várias brigas. Derek relembra com
certa tristeza do período: "estávamos fazendo
um grande sucesso nos Estados Unidos, com shows lotados, boas
vendagens, mas quando tivemos que mandar Phil embora durante a
excursão italiana, nos sentimos mal."
Em
1973, o grupo resolveu entrar novamente como quinteto em estúdio
e lançaram In a Glass House, que enfrentou
problemas na América, já que a Columbia considerava
o disco anti-comercial.
E na verdade era um disco
com pouco apelo comercial. O álbum falava de pessoas, que
supostamente vivem em uma redoma de vidro e que não deviam
atirar pedras nas outras. Mas, isso era apenas uma das explicações
mais simples sobre a obra, que parecia exigir uma grande paciência
do ouvinte. Na capa do disco foi usado um efeito tridimensional.
Quando foi lançado no formato em vinil foi usado papel
celofane no revestimento da capa. O disco acabou realmente não
saindo nos Estados Unidos, e teve que ser importado pelos fãs.
Em
1974, lançam um novo disco, The Power and the Glory.
O disco desenvolvia toda uma idéia sobre corrupção
- haviam rumores que fora inspirado no escândalo Watergate,
o que não era verdade.
E a obra rendeu mais confusão
para a banda. Era o segundo lançamento deles pelo novo
selo, World Wide Artists, que exigia um trabalho mais comercial.
Assim, o grupo foi obrigado a entrar em estúdio com a obrigação
de abandonar um pouco o experimentalismo.
A banda demorou demais
para escrever a canção-título, que curiosamente
não foi incluída no disco, por não estar
pronta, mas foi lançada depois como single. Ela só
entraria na coletânea Giant Steps - The First Five
Years. O disco acabou sendo o maior êxito comercial
do Gentle, na América, ficando entre os 50 mais vendidos,
apesar de toda insatisfação do grupo pela forma
como sua carreira estava sendo gerenciada.
Ray confessa que odeia
a música-título: "essa foi a pior canção
que já fizemos. Eles chegaram para cima de nós,
dizendo que devíamos algo mais acessível e fizemos
três canções atrozes."
Giant
Steps - The First Five Years colocou a banda novamente
na estrada em janeiro de 1975, e em setembro do mesmo ano o grupo
resolve mudar de gravadora - vai para Chrysalis - e lança
um de seus melhores discos: Free Hand.
Cansados do antigo selo,
conseguiram o contrato com a Chrysalis através do Jethro
Tull, uma das estrelas da casa e por também impressionarem
Terry Ellis, presidente da companhia.
Free
Hand era um disco até bastante otimista depois
de tantos problemas com empresários e gravadoras e fez
um grande sucesso, que acabou resultando em uma imensa excursão
mundial. Na verdade, muitos dos problemas foram exorcizados no
disco, que chegou ao 48º lugar nas paradas..
Após
uma grande excursão pela América e alguns breve
shows no Reino Unido, o grupo lança um novo trabalho: Interview.
Estruturado como se fosse
entrevista por telefone, o disco critica a maneira como a indústria
fonográfica trata os artistas e ironiza as perguntas bobas
e inúteis feitas por jornalistas. A produção
foi longa e cuidadosa, e a banda saiu em excursão no final
de 1976, excursão essa que renderia um novo disco.
Os
shows que aconteceram entre os meses de setembro e outubro acabaram
virando um dos grandes discos ao vivo do rock progressivo e de
rock, em geral. O Gentle Giant atravessa um de seus melhores momentos
como banda e o resultado acabou sendo o excelente Playing
The Fool: The Official Live, lançado em 1977.
O
disco continha nove músicas, que posteriormente, quando
lançado em CD pela Terrapin foi editado com 22 faixas.
o grupo vivia então, ao mesmo tempo, o melhor e o pior
de seus dias. Após 51 shows em 90 dias no primeiro semestre
de 1976, entre os meses de maio a julho, o grupo gravou o disco
em um momento, no mínimo, estranho. Enquanto alcançavam
o auge técnico viam nascer uma nova geração
que odiaria não apenas ao Gentle, mas como todas as bandas
que praticavam o progressivo e o hard rock: os punks. De repente,
os chamados "dinossauros" eram ridicularizados pela
imprensa, e o Gentle viveu um momento crítico, já
que a Chrysalis confiava no talento do grupo e investiu pesado
na excursão.
Após os shows, o
grupo resolveu que iria se envolver pesadamente na escolha dos
temas. Weathers lembra bem do período: "todos nós
queríamos o melhor som possível, mas sem overdubs.
Tudo seria o mais natural possível, como queria a própria
Chrysalis. E, na verdade, isso aconteceu, tirando pequenas partes
que necessitaram ser refeitas, era bem o espírito de nossos
shows."
No
mesmo ano, o grupo lança um novo disco, considerado como
a primeira bola fora da banda: The Missing Piece.
Ray Shulman conta o dilema
da banda: "quando o punk rock surgiu nós começamos
a ser desprezados e sofremos pressão para sermos comercialmente
mais viáveis. De repente a Chrysalis começou a ver
nosso horizonte como pouco promissor, e por causa disso, resolvemos
fazer um disco mais comercial. Como devíamos dinheiro a
eles e tínhamos medo que nos obrigassem a pagar os adiantamentos,
cedemos."
Kerry Minnear lembra que
a banda se sentia presa em um estilo em cima do palco: "você
via aquelas bandas punks berrando, pulando, cheias de adrenalina
no palco e alguns de nós sentiam-se presos em uma camisa-de-força.
E Ray estava realmente entusiasmado com o punk por causa dessa
energia e eu me sentia desconfortável com tudo isso."
Se
The Missing Piece já não foi lá
muito apreciado, a coisa piorou bem com Giant For A Day,
o pior disco disparado da banda. Mais pop do que o outro, o álbum
quase destruiu toda a reputação do grupo.
Em busca de novas audiências,
pressão da gravadora, o Gentle tentou aumentar seu público,
mas apenas conseguiu irritar os fãs, da mesma maneira que
Phil Collins enojou os fãs do Genesis após a saída
de Peter Gabriel. O disco ainda teve uma excursão pela
América, mas a sensação era de derrota total.
O
grupo ainda lançou mais um disco em 1980, Civilian,
que foi o verdadeiro fim Gentle. As canções já
estavam dentro do padrão rock tradicional e foi igualmente
apedrejado pelos antigos fãs e pela crítica. Produzido
para emplacar no gosto do ouvinte FM padrão só conseguiu
mesmo ser esculhambado. Ray conta que odiou toda a gestação
do trabalho: "foram momentos terríveis, já
que tínhamos que ir para a Califórnia, onde morava
Derek e tudo isso resultou em um processo forçado de composição."
Após o disco, a
banda acabaria e Ray faria fama como produtor de vários
grupos nos anos 80, notadamente em dois discos: o primeiro do
grupo islandês Sugarcubes - Life's Too Good
- e o primeiro solo de Ian McCulloch, Candleland.
Vale lembrar que o Sugarcubes foi a banda que revelou ao mundo
a exótica cantora Björk.
O culto ao grupo segue
forte e agora em 2005 boa parte de sua discografia foi lançada
em uma luxuosa edição comemorando os 35 anos do
primeiro disco. O Gentle segue sendo, da mesma maneira que o Soft
Machine, um nome relevante e que, assim como o Soft, acabou de
uma maneira triste, sucumbindo às pressões comerciais.
Deixo vocês com a discografia do grupo. Um abraço
e até a próxima coluna.
Discografia
Gentle Giant (1970)
Acquiring The Taste (1971)
Three Friends (1972)
Octopus (1972)
In a Glass House (1973)
The Power And The Glory (1974)
Free Hand (1975)
Giant Steps - The First Five Years* (1975)
Interview (1976)
Playing The Fool: The Official Live (1977)
The Missing Piece (1977)
Giant Edits* (1977)
Pretentious - For The Sake Of It* (1978)
Giant For A Day (1978)
Civilian (1980)
* coletâneas
Discos póstumos,
incluindo coletâneas, ao vivo e raridades
Gentle Giant (Motive) (1981)
Circling Round the Gentle Giant (1981)
Il Rock (1989)
Il Grande Rock (1991)
In Concert (BBC Radio 1) (1994)
Champions Of Rock (1996)
Edge Of Twilight (1996)
Out Of The Woods (1996)
The Last Steps (1996)
Under Construction (1997)
King Biscuit Flowers Hour Presents (1998)
The Essential Of Gentle Giant (1999)
Tottally Out Of Woods (2000)
Live In Rome 1974 (2000)
Interview In Concert (2001)
In A Palesport House (2001)
Experience (Live) (2002)
Artistically Cryme (2002)
Endless Life (2002)
The Missing Face (2002)
Way Of Life (2003)
Part Of Their Past (2004)
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