318 - George Harrison - All Things Must Pass

Não são poucos os fãs que consideram esse disco como o melhor trabalho solo de um Beatle. O grupo havia acabado de terminar e George Harrison achou que era hora de colocar todo seu talento de compositor para fora, frustrado por ter poucas composições próprias nos Beatles. Assim, lança em 1970, o LP triplo All Things Must Pass, com produção de Phil Spector e uma penca de convidados. Sim, você conhece esse disco, especialmente a clássica canção "My Sweet Lord", um dos maiores hits da história. Um disco obrigatório, que teve uma reedição em 2001 e lançamento por aqui. Por isso, corra atrás! Mas, antes leia a história.


Imagine como era a vida de um Beatle após o fim do grupo. Agora tente imaginar como devia estar se sentindo o tímido e talentoso George Harrison, que foi eclipsado por John Lennon e, principalmente, Paul McCartney.

George vinha acumulando canções desde 1966, sendo "The Art of Dying" e "Isn't It a Pity" dessa época.

George já havia lançado dois discos solos antes de All Things Must Pass: Wonderwall Music (1968) e Electronic Sound (1969), mas que eram basicamente instrumentais. George havia oferecido algumas dessas canções aos Beatles para o LP Get Back, mas sem sucesso.

Com o final do grupo mais importante da história, George Harrison resolveu entrar nos estúdio Abbey Road com o produtor Phil Spector, para lançar seu terceiro LP solo, no dia 26 de maio, seis dias depois da estréia do filme Get Back.

As gravações durariam mais de três meses e George teria a colaboração de dezenas de amigos. Spector foi chamado pelo seu famoso wall-of-sound, um som com muita reverberação e que George queria usar. Essa técnica seria criticada pelo próprio George quando o disco teve uma reedição especial em CD, em 2001, no texto introdutório.

George passou os primeiros dias apresentando as músicas à Spector, apenas com um violão e acompanhado de um baixista desconhecido. Foram 15 canções, das quais oito seriam retrabalhadas, sendo que algumas delas acabariam não sendo aproveitadas. Uma delas era "Everybody, Nobody", que depois seria rebatizada como "The Ballad of Sir Frankie Crisp".

Para a gravação, George contou com uma legião de amigos: Ringo Starr, todo o grupo Badfinger, Eric Clapton - que por razões contratuais não foi creditado no disco - o pessoal do Derek and the Dominoes, o baterista Alan White, que tocava na época com John Lennon, antes de entrar no Yes, o pianista Billy Preston. Também estava presente o amigo de longa data, o baixista e artista Klaus Voorman, que desenhou a capa de Revolver.

George e Eric haviam excursionando nos últimos meses de 1969 com o combo Delaney and Bonnie e retomado a antiga amizade, abalada quando Clapton "roubou" Patty Boyd, então esposa de George.

George resolveu abrir o disco com uma canção escrita com Bob Dylan, em Woodstock, em 1968, quando passou uns dias com ele e com o Band, "I'd Have You Anytime."

Segundo Harrison, "fui visitar Bob após aquele acidente em que quebrou o pescoço e ele estava muito quieto e parecia sem confiança; foi isso que senti quando o visitei em Woodstock. Ele mal disse algumas palavras em dois dias. Bem, finalmente começamos a tocar um pouco e foi muito gostoso, com todas as crianças correndo e nós, ali, compondo. Acho que estávamos perto do feriado de Ação de Graças. Ele cantou uma canção e estava muito nervoso e tímido e perguntou o que eu tinha achado. Fiquei surpreso porque eu adorava as coisas dele. Quando fui para a Índia, uns anos antes, levei apenas um disco, que era Blonde On Blonde. Acabei me sentindo mais próximo a ele, porque era alguém tão genial, tão importante e, ainda assim, estava totalmente nervoso e com baixa auto-estima. Aí eu me virei para ele e disse 'você escreveu canções brilhantes e ainda me pergunta o que achei?'. Então comecei a mostrar alguns acordes, porque Bob tem uma tendência a tocar acordes bem simples, básicos enquanto eu pedia que escrevesse uma letra para mim. E assim, surgiu, rapidamente os primeiros versos 'Behind That Locked Door.'" A canção acabaria sendo terminada por Dylan enquanto ele participava do Festival da Ilha de Wight. George e Bob se encontrariam também em 1969 enquanto Dylan gravava o LP New Morning. George acabaria usando a canção "If Not For You", em All Things Must Pass.

Outra canção curiosa é "Apple Scruffs". Esse era o nome que os Beatles davam aos fãs mais xiitas da banda, que praticamente moravam nos degraus do prédio da Apple, em Saville Row. George conta que a dedicação deles era tão grande, que dois deles acabaram como empregados da Apple ou dos estúdios Abbey Road. Quando George escreveu a canção os convidou para ouvirem, levando os fãs ao delírio e às lágrimas.

O disco teve uma grande influência: Deus. George estava muito influenciado pelo Hari Krishna. Para demonstrar seu amor, compôs o maior sucesso de sua longa carreira, "My Sweet Lord". Talvez, apenas "Imagine", possa rivalizar com ela em todo o catálogo solo dos ex-integrantes dos Beatles. Segundo George, cantar "Hare Krishna" como se fosse um mantra foi fundamental para ajudá-lo a se livrar do vício da heroína. Segundo ele, "Hare Krishna" é mais poderoso do que "Aleluia!". "É mais do que glorificar Deus, é pedir para ser o servo dele.

O curioso é que, enquanto gravava a canção, John Lennon estava no estúdio ao lado, em Abbey Road gravando seu primeiro disco-solo, Plastic Ono Band, cantando "Deus é um conceito no qual medimos nossa dor." E o mais irônico é que nos dois discos participavam Klaus Voorman e Ringo. E ambos eram produzidos por Phil Spector!

George tinha tanto respeito pelos fãs que não deixou a EMI lançá-la como single, para não afetar a vendagem do álbum e para não dar gastos extras aos compradores.

All Things Must Pass era, até aquela data, o mais caro LP já feito pela gravadora. A música só seria lançada em compacto algum tempo depois. Na América saiu em 23 de novembro de 1970 e, no Reino Unido, em 15 de janeiro de 1971, chegando ao primeiro lugar nos dois lados do Atlântico.

Lançado em 27 de novembro de 1970, All Things Must Pass foi ao topo na parada de todo o planeta e surpreendeu a todos, ao sair em três LPs, com 18 músicas próprias.

O álbum triplo trazia as seguintes faixas:

Lado 1

1. "I'd Have You Anytime" (George Harrison/Bob Dylan) – 2:56
2. "My Sweet Lord" – 4:38
3. "Wah-Wah" – 5:35
4. "Isn't It a Pity" (Version 1) – 7:08

Lado 2

1. "What Is Life" – 4:22
2. "If Not for You" (Bob Dylan) – 3:29
3. "Behind That Locked Door" – 3:05
4. "Let It Down" – 4:57
5. "Run of the Mill" – 2:49

Lado 3

1. "Beware of Darkness" – 3:48
2. "Apple Scruffs" – 3:04
3. "Ballad of Sir Frankie Crisp (Let It Roll)" – 3:46
4. "Awaiting on You All" – 2:45
5. "All Things Must Pass" – 3:44

Lado 4

1. "I Dig Love" – 4:55
2. "Art of Dying" – 3:37
3. "Isn't It a Pity" (Version 2) – 4:45
4. "Hear Me Lord" – 5:46

Apple Jam*

Lado 5

1. "Out of the Blue" (Jim Gordon/Carl Radle/Bobby Whitlock/Eric Clapton/Gary Wright/George Harrison/Jim Price/Bobby Keys/Al Aronowitz) – 11:14
2. "It's Johnny's Birthday" (Based upon "Congratulations" - Bill Martin/Phil Coulter) – 0:49
* Recorded in August 1970 with Ringo Starr and presented to John Lennon on 9 October in celebration of his 30th birthday
3. "Plug Me In" (Jim Gordon/Carl Radle/Bobby Whitlock/Eric Clapton/Dave Mason/George Harrison) – 3:18

Lado 6

1. "I Remember Jeep" (Ginger Baker/Klaus Voormann/Billy Preston/Eric Clapton/George Harrison) – 8:07
2. "Thanks for the Pepperoni" (Jim Gordon/Carl Radle/Bobby Whitlock/Eric Clapton/Dave Mason/George Harrison) – 5:31

* Os lados Sides 5 e 6 foram lançados como "Apple Jam".

Com All Things Must Pass, George Harrison mostra seu arsenal de composições guardadas ao longo dos anos e seu talento. Apesar de ser longo, é forte candidato a melhor trabalho solo de um ex-Beatle. Isso se não for mesmo o melhor.

O LP foi aclamado de forma unânime e teve vendagens excelentes, consolidando Harrison como um artista singular.

Seu prestígio era tão grande que, em 1971, fez um dos primeiros concertos de causa social, The Concert for Bangla Desh, outro disco triplo, gravado ao vivo, no Madison Square Garden, em Nova York, e com as presenças de Bob Dylan, Ravi Shankar, Eric Clapton, Ringo Starr, Billy Preston, Badfinger, Leon Russell, entre outros.

All Things Must Pass virou um clássico absoluto e, 30 anos depois, George resolveu fazer uma edição comemorativa, lançando músicas extras, além de soltar faixas conhecidas apenas em piratas.

Além disso, pela primeira vez, deu a lista de todos os músicos que participaram das gravações originais e um texto belíssimo falando do processo. Como curiosidade, fica-se sabendo que em "Art of Dying", a percussão foi feito por um jovem desconhecido, de apenas 19 anos. Seu nome? Phil Collins.

O CD duplo trazia as seguintes faixas:

CD1

1. "I'd Have You Anytime" (George Harrison/Bob Dylan) – 2:56
2. "My Sweet Lord" – 4:38
3. "Wah-Wah" – 5:35
4. "Isn't It a Pity" (Version 1) – 7:09
5. "What Is Life" – 4:22
6. "If Not for You" (Bob Dylan) – 3:29
7. "Behind That Locked Door" – 3:05
8. "Let It Down" – 4:57
9. "Run of the Mill" – 2:49
10. "I Live For You" – 3:35
* A 2000 recording of a previously unreleased track from the 1970 sessions for All Things Must Pass
11. "Beware of Darkness" – 3:19
* An acoustic run-through of the song recorded on 27 May 1970 at the start of the sessions
12. "Let It Down" – 3:54
* An acoustic run-through of the song recorded on 27 May 1970 at the start of the sessions, with a keyboard overdub effected in 2000
13. "What Is Life" – 4:27
* An early mix of the song's backing track on 9 August 1970 with piccolo trumpet and oboe
14. "My Sweet Lord (2000)" – 4:57
* A re-working of the original 1970 recording with new overdubs in 2000, including backing vocal from Sam Brown

CD2

1. "Beware of Darkness" – 3:48
2. "Apple Scruffs" – 3:04
3. "Ballad of Sir Frankie Crisp (Let It Roll)" – 3:46
4. "Awaiting on You All" – 2:45
5. "All Things Must Pass" – 3:44
6. "I Dig Love" – 4:55
7. "Art Of Dying" – 3:37
8. "Isn't It a Pity" (Version 2) – 4:45
9. "Hear Me Lord" – 5:46
10. "It's Johnny's Birthday" (Based upon "Congratulations" - Martin/Coulter) – 0:49
11. "Plug Me In" (Jim Gordon/Carl Radle/Bobby Whitlock/Eric Clapton/Dave Mason/George Harrison) – 3:18
12. "I Remember Jeep" (Ginger Baker/Klaus Voormann/Billy Preston/Eric Clapton/George Harrison) – 8:07
13. "Thanks for the Pepperoni" (Jim Gordon/Carl Radle/Bobby Whitlock/Eric Clapton/Dave Mason/George Harrison) – 5:31
14. "Out of the Blue" (Jim Gordon/Carl Radle/Bobby Whitlock/Eric Clapton/Gary Wright/George Harrison/Jim Price/Bobby Keys/Al Aronowitz) – 11:16

Eis a lista de todos os músicos envolvidos nas gravações originais:

Guitarras: George Harrison, Eric Clapton, Dave Mason, Peter Frampton
Baixo: Klaus Voorman, Carl Radle
Arranjos de orquestra: John Barham
Teclados: Gary Wright, Bobby Whitlock, Billy Preston, Gary Brooker
Percussão e Bateria: Ringo Starr, Jim Gordon, Alan White, Phil Collins, Ginger Baker
Gaita - George Harrison(?) (a autoria da gaita tocada em "If Not for You" e "Apple Scruffs", é desconhecida, mas o baterista Alan White jura que foram feitas por John Lennon)
Pedal steel guitar (with talk box): Pete Drake
Sax Tenor : Bobby Keys
Trumpet: Jim Price
Guitarra-rítmica e Percussão: Badfinger
Fender Rhodes and backing vocals ("I Live for You") and ("My Sweet Lord", 2000 version): Dhani Harrison
Tambourine ("My Sweet Lord", 2001 version): Ray Cooper
Vocais adicionais: ("My Sweet Lord", 2001 version): Sam Brown.

Uma dica final: esse relançamento de 2001 saiu em edição nacional e é possível ser encontrada. Corra atrás! Deixo a discografia de George. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Wonderwall Music (1968)
Electronic Sound (1969)
All Things Must Pass (1970)
The Concert For Bangladesh (1971)
Living in the Material World (1973)
Dark Horse (1974) US #4 RIAA: Gold
Extra Texture (Read All About It) (1975)
The Best of George Harrison (1976)
Thirty Three & 1/3 (1976)
George Harrison (1979)
Somewhere in England (1981)
Gone Troppo (1982)
Cloud Nine (1987)
Traveling Wilburys Vol. 1 (1988)
Best of Dark Horse 1976-1989 (1989)
Traveling Wilburys Vol. 3 (1990)
Live In Japan (1992)
Brainwashed (2002)
The Dark Horse Years 1976-1992 (Box, 2004)


 

 

Colunas