Em seu perfil no
Orkut, Fabio Costello, se define como uma besta. Parafraseando
o imortal Luís Fernando Veríssimo, eu diria que
ele é "bobo, mas do peito". Amigo virtual, diga-se
de passagem, pois nunca nos encontramos em mais de três
anos de bate-papo. Costello é um daqueles caras que clamam
para o dia ter 2400 horas e a semana 700 dias e ainda assim, choraria
por mais uns minutinhos. Um bagunçado total. Mas, milagre!,
ele tem alguma qualidade (duas, se incluirmos a minha amizade...):
Fabio tem uma banda, bem competente por sinal, e o motivo dessa
entrevista. Ah, e pelo sobrenome dá para perceber que ele
é fã daquele baladeiro mela-cueca que ficou famoso
com "She" e que era até então um completo
desconhecido do mundo pop, um tal de Elvis Costello... Os Hereges
possuem um site
para lá de bacana e fazem música pop de primeira,
com belos arranjos, letras interessantes e estão aí
na batalha para venderem seu milhão de discos, ganharem
casas na praia da gravadora e serem chamados da "Próxima
Grande Coisa". Conseguirão? Tomara, tomara...
Pergunta:
- Costello, conte como nasceu os Hereges...
Fabio Costello: - Nós nos conhecemos na mesma
escola de música. Eu me inscrevi num festival de compositores
concorrendo com "Alice", e chamei alguns amigos músicos
para me acompanhar. Outros camaradas que estavam na platéia
gostaram da canção e também vieram falar
comigo, e ali decidimos formar a banda.
Pergunta: - Você
abandonou uma carreira que te dava sossego financeiro para se
aventurar no difícil mundo do rock brasileiro? É
uma missão, uma verdade pessoal ou uma completa porra-louquice?
Fabio Costello: - Os três. Só uma
total porra-louquice leva alguém a pedir demissão
de uma carreira estável pra se dedicar à música,
que não dá dinheiro nenhum. Por isso mesmo, só
com um sentimento de verdade muito grande te dá coragem
pra se permitir este salto. Eu não me via mais como um
membro de uma corporação, onde a criatividade e
sentimentos normalmente perdem para a automação
estúpida dos filhotes de "Você S.A.", eu
não me reconhecia mais no espelho. Numa bela manhã,
senti um estalo, levantei da cadeira, entrei na sala do meu chefe
e avisei que não dava mais. Foi um momento quase messiânico,
então encaro como missão. Não sei bem o porquê
de me sentir assim, mas cabe a mim respeitar esse sentimento,
ser um escravo diligente da música e perguntar como posso
servi-la, já que aparentemente não tenho escolha.
Pergunta: - Fora
Elvis Costello, quem você mais admira?
Fabio Costello: - Contadores de histórias que
fazem uso da poesia como o Nick Cave e Leonard Cohen. Também
gosto de Smiths, Echo, Depeche Mode e outros contemporâneos
que faziam música pop com muita alma, seriedade, e várias
pontas afiadas. Ramones também é uma inspiração
constante. Da turma mais nova, principalmente Nada Surf, Strokes
e Arcade Fire têm o meu respeito.
Pergunta:
- O site da banda é um dos mais bacanas da net. Como é
o feedback dos fãs?
Fabio Costello: - É surpreendente porque resolvemos
apostar numa idéia espartana. Uma página onde pode-se
simplesmente baixar nossos mp3, sem maiores informações
sobre a banda. Nós somos nossa música, é
isso que queremos mostrar. Embora isso vá contra o tipo
de site de banda ao qual as pessoas se acostumaram, esta simplicidade
acabou atraindo muitos elogios. As pessoas comentam principalmente
do quanto gostam da foto. Fico feliz, porque a idéia era
mesmo dar uma imagem interessante que fizesse as pessoas refletirem
um pouco sobre nós. Fui eu quem tirou a foto, então
ficou uma coisa bem pessoal, que sentimos dizer mais sobre a banda
do que releases e biografias.
Pergunta: - Suas
letras estão bem acima da média do que se faz por
aqui. Quais são suas paradas para escrever?
Fabio Costello: - Nossa, muito obrigado! Eu não
tenho referências específicas pra escrever, mas estudo
os estilos de todo mundo. Presto muita atenção nos
jogos de palavras do Costello, nas rimas e repetições
do Dylan, nas imagens etéreas do Cohen, tento aprender
com esses caras. Admiro muito a capacidade que o Renato Russo
tinha de usar palavras simples pra coisas profundas, porque eu
não sei fazer isso. Acabo usando mais linguagem poética,
pois escrevia poesia antes de descobrir a música. Minhas
letras têm uma tendência a saírem um tanto
graves demais, ultra-românticas. Numa oficina que fiz com
o Leoni ele chamou o que escrevo de "universo Alan Poe".
Embora isso seja uma comparação absurdamente elogiosa,
tem um lado negativo, dos excessos com o vocabulário, que
luto pra equilibrar. De qualquer forma as pessoas normalmente
se surpreendem pelo fato de eu sempre escrever a melodia da música,
primeiro. Minha ênfase pra compor é ter uma melodia
boa de ouvir que tenha um bom gancho. Normalmente só depois
que a música está totalmente formatada e arranjada
pela banda, eu penso em que história quero contar e ponho
a letra, num processo infinitamente mais doloroso e difícil
que compor a música. É bom dizer também que
várias das nossas letras foram feitas em parceria, gosto
de tentar absorver o modo como caras que admiro escrevem e pensam.
A última parceria, "Quase Medo", que vamos lançar
no site em breve, foi com o escritor Zé Mucinho e o Marvel,
cantor e compositor da Cabaret.
Pergunta: - Você
acredita que os Hereges irão desbancar, algum dia, o axé,
o pagode e o brega das paradas?
Fabio Costello: - Não acho que quem ouve estes
tipos de música vá algum dia gostar do nosso som.
Se isso acontecer, maravilha, mas não me preocupa e nem
é o objetivo. O que queremos é ser uma boa banda
de Rock, dar uma opção de boa música pra
quem gosta de Rock.
Pergunta: - Como
você vê a cena rock brasileira? Não acha que
os bons grupos voltaram para a garagem e que o espaço hoje
é cada vez menor e mais precário?
Fabio Costello: - Acho. A precariedade se traduz na falta
de grana no meio. Quase não há shows com cachê
relevante, e isso só acontece porque não há
presença maciça de público nos eventos, que
por sua vez acontece porque a mídia não faz mais
do Rock um gênero popular. De qualquer maneira, acredito
que isto seja cíclico. No devido tempo, as pessoas vão
buscar outras coisas pra ouvir, e o Rock volta a ficar em evidência.
Pergunta:
- Você acha que a internet é o novo underground e
a salvação para os novos grupos?
Fabio Costello: - Não tem dúvida. Um show
típico divulga para um punhado de gente que se dispôs
a sair de casa para ver uma banda desconhecida. Já na internet
gente do mundo inteiro baixa, assiste os vídeos, passa
o link ou os mp3 pros amigos, a coisa vai se espalhando sem parar
sem ninguém precisar sair de casa. É conveniente,
funciona, e os hábitos virtuais estão cada vez mais
consolidados pelo público em geral. Mais de 5.000 pessoas
já baixaram direto do nosso site, fora as que ouviram por
outros meios. Graças à internet nós podemos
lançar uma música nova e no show seguinte já
tem gente cantando a letra inteira junto com a gente, em qualquer
cidade que tocarmos.
Pergunta: - Você
já me disse que usa o soulseek como quem respira. O que
mais gosta de baixar?
Fabio Costello: - Disparado a maior parte é de
novidades. Gosto muito de conhecer o que está rolando,
bandas que vejo em revistas estrangeiras, ou independentes do
Brasil. Se encontro vídeos de shows ao vivo de novas bandas
baixo na hora, acho que dá pra entender melhor o trabalho
dos caras. Também tenho paixão por videoclipes clássicos,
quanto mais brega melhor.
Pergunta:
- Cite cinco discos e cinco artistas favoritos...
Fabio Costello: - Cito cinco do Elvis Costello! Imperial
Bedroom, Trust, Armed Forces,
This Years Model e Mighty Like a Rose.
Mesmo assim dói o coração deixar outros de
fora. Outros discos importantes por vários motivos são
o Pet Sounds do Beach Boys (com o perdão
da redundância), Music for the Masses do
Depeche Mode, Let Go do Nada Surf, Blonde
on Blonde do Bob Dylan.
Pergunta: - Acredita
ainda no "poder revolucionário" do rock and roll?
Fabio Costello: - Acredito que a arte é uma forma
de comunicação que passa direto pelo coração.
Qualquer forma de arte pode mexer com a alma de quem está
ouvindo, e isso por si só consiste numa revolução.
Rock é por excelência a voz dos excluídos
e rejeitados, pode fazer com que saibam que não estão
sozinhos, se aceitem e busquem fazer o melhor com os talentos
que têm. Parece ingênuo mas acredito nisso de verdade.
É uma forma de expressão visceral, sem a relevância
política ou social que houve nos anos 70 ou no Brasil dos
anos 80.
Pergunta: - A banda
é seu horizonte para os próximos anos ou acha que
deverá abraçar algo mais seguro?
Fabio Costello: - O que é seguro nessa vida? Não
tenho esse sonho de estabilidade, na verdade busco a instabilidade,
as coisas que ainda não conheço, os saltos no escuro.
Como artista é o que preciso fazer. Em termos financeiros,
não sei se há possibilidade de viver da banda. A
indústria da música está aos pedaços,
ninguém sabe como será esse negócio no futuro.
Estou confortável com o fato de ter que pegar bicos ou
empregos estáveis para financiar nossas gravações.
Pergunta: - De
qual banda brasileira você não perde um show quando
pode ir?
Fabio Costello: - Móveis Coloniais de Acaju (DF),
Charme Chulo (PR), Ecos Falsos (SP) e Cabaret (RJ).
Pergunta:
- Uma grande realização e uma grande frustração...
Fabio Costello: - A grande realização é
poder tocar em lugares mais à margem do radar de quem mora
no Rio, como Piracicaba, e ver gente cantando junto conosco. Nesses
momentos sei que aquelas canções estão fazendo
companhia para as pessoas em seus quartos, e não tem nada
melhor que isso. A grande frustração eu não
sei dizer. Já tive sentimentos de frustração
a respeito de um casamento que não deu certo ou sobre a
possibilidade de ter começado a estudar música mais
cedo. Hoje sou convencido de que as coisas chegaram no momento
certo, não sei dizer se teria sido melhor ou não
se as coisas tivessem sido diferentes. Gosto demais das possibilidades
do futuro pra ficar me frustrando com o passado.
Pergunta: - Deixe um abraço
aí para seus milhões de fãs. Valeu!
Fabio Costello: - Muito obrigado a todos por espalhar
a heresia, esperamos a visita no nosso site
- e nos nossos próximos shows!
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