24 - Os Hereges - entrevista

 

Em seu perfil no Orkut, Fabio Costello, se define como uma besta. Parafraseando o imortal Luís Fernando Veríssimo, eu diria que ele é "bobo, mas do peito". Amigo virtual, diga-se de passagem, pois nunca nos encontramos em mais de três anos de bate-papo. Costello é um daqueles caras que clamam para o dia ter 2400 horas e a semana 700 dias e ainda assim, choraria por mais uns minutinhos. Um bagunçado total. Mas, milagre!, ele tem alguma qualidade (duas, se incluirmos a minha amizade...): Fabio tem uma banda, bem competente por sinal, e o motivo dessa entrevista. Ah, e pelo sobrenome dá para perceber que ele é fã daquele baladeiro mela-cueca que ficou famoso com "She" e que era até então um completo desconhecido do mundo pop, um tal de Elvis Costello... Os Hereges possuem um site para lá de bacana e fazem música pop de primeira, com belos arranjos, letras interessantes e estão aí na batalha para venderem seu milhão de discos, ganharem casas na praia da gravadora e serem chamados da "Próxima Grande Coisa". Conseguirão? Tomara, tomara...


da esquerda para a direita: Diogo (Baixo); Fábio Costello (Voz, Sintetizadores e Guitarra); Aranha (Voz e Guitarra); Gabriel (Bateria) e Dezinho (Voz e Guitarra)Pergunta: - Costello, conte como nasceu os Hereges...
Fabio Costello: -
Nós nos conhecemos na mesma escola de música. Eu me inscrevi num festival de compositores concorrendo com "Alice", e chamei alguns amigos músicos para me acompanhar. Outros camaradas que estavam na platéia gostaram da canção e também vieram falar comigo, e ali decidimos formar a banda.

Pergunta: - Você abandonou uma carreira que te dava sossego financeiro para se aventurar no difícil mundo do rock brasileiro? É uma missão, uma verdade pessoal ou uma completa porra-louquice?
Fabio Costello: - Os três. Só uma total porra-louquice leva alguém a pedir demissão de uma carreira estável pra se dedicar à música, que não dá dinheiro nenhum. Por isso mesmo, só com um sentimento de verdade muito grande te dá coragem pra se permitir este salto. Eu não me via mais como um membro de uma corporação, onde a criatividade e sentimentos normalmente perdem para a automação estúpida dos filhotes de "Você S.A.", eu não me reconhecia mais no espelho. Numa bela manhã, senti um estalo, levantei da cadeira, entrei na sala do meu chefe e avisei que não dava mais. Foi um momento quase messiânico, então encaro como missão. Não sei bem o porquê de me sentir assim, mas cabe a mim respeitar esse sentimento, ser um escravo diligente da música e perguntar como posso servi-la, já que aparentemente não tenho escolha.

Pergunta: - Fora Elvis Costello, quem você mais admira?
Fabio Costello: -
Contadores de histórias que fazem uso da poesia como o Nick Cave e Leonard Cohen. Também gosto de Smiths, Echo, Depeche Mode e outros contemporâneos que faziam música pop com muita alma, seriedade, e várias pontas afiadas. Ramones também é uma inspiração constante. Da turma mais nova, principalmente Nada Surf, Strokes e Arcade Fire têm o meu respeito.

capa do single A PraiaPergunta: - O site da banda é um dos mais bacanas da net. Como é o feedback dos fãs?
Fabio Costello: -
É surpreendente porque resolvemos apostar numa idéia espartana. Uma página onde pode-se simplesmente baixar nossos mp3, sem maiores informações sobre a banda. Nós somos nossa música, é isso que queremos mostrar. Embora isso vá contra o tipo de site de banda ao qual as pessoas se acostumaram, esta simplicidade acabou atraindo muitos elogios. As pessoas comentam principalmente do quanto gostam da foto. Fico feliz, porque a idéia era mesmo dar uma imagem interessante que fizesse as pessoas refletirem um pouco sobre nós. Fui eu quem tirou a foto, então ficou uma coisa bem pessoal, que sentimos dizer mais sobre a banda do que releases e biografias.

Pergunta: - Suas letras estão bem acima da média do que se faz por aqui. Quais são suas paradas para escrever?
Fabio Costello: -
Nossa, muito obrigado! Eu não tenho referências específicas pra escrever, mas estudo os estilos de todo mundo. Presto muita atenção nos jogos de palavras do Costello, nas rimas e repetições do Dylan, nas imagens etéreas do Cohen, tento aprender com esses caras. Admiro muito a capacidade que o Renato Russo tinha de usar palavras simples pra coisas profundas, porque eu não sei fazer isso. Acabo usando mais linguagem poética, pois escrevia poesia antes de descobrir a música. Minhas letras têm uma tendência a saírem um tanto graves demais, ultra-românticas. Numa oficina que fiz com o Leoni ele chamou o que escrevo de "universo Alan Poe". Embora isso seja uma comparação absurdamente elogiosa, tem um lado negativo, dos excessos com o vocabulário, que luto pra equilibrar. De qualquer forma as pessoas normalmente se surpreendem pelo fato de eu sempre escrever a melodia da música, primeiro. Minha ênfase pra compor é ter uma melodia boa de ouvir que tenha um bom gancho. Normalmente só depois que a música está totalmente formatada e arranjada pela banda, eu penso em que história quero contar e ponho a letra, num processo infinitamente mais doloroso e difícil que compor a música. É bom dizer também que várias das nossas letras foram feitas em parceria, gosto de tentar absorver o modo como caras que admiro escrevem e pensam. A última parceria, "Quase Medo", que vamos lançar no site em breve, foi com o escritor Zé Mucinho e o Marvel, cantor e compositor da Cabaret.

Pergunta: - Você acredita que os Hereges irão desbancar, algum dia, o axé, o pagode e o brega das paradas?
Fabio Costello: -
Não acho que quem ouve estes tipos de música vá algum dia gostar do nosso som. Se isso acontecer, maravilha, mas não me preocupa e nem é o objetivo. O que queremos é ser uma boa banda de Rock, dar uma opção de boa música pra quem gosta de Rock.

Pergunta: - Como você vê a cena rock brasileira? Não acha que os bons grupos voltaram para a garagem e que o espaço hoje é cada vez menor e mais precário?
Fabio Costello: -
Acho. A precariedade se traduz na falta de grana no meio. Quase não há shows com cachê relevante, e isso só acontece porque não há presença maciça de público nos eventos, que por sua vez acontece porque a mídia não faz mais do Rock um gênero popular. De qualquer maneira, acredito que isto seja cíclico. No devido tempo, as pessoas vão buscar outras coisas pra ouvir, e o Rock volta a ficar em evidência.

Pergunta: - Você acha que a internet é o novo underground e a salvação para os novos grupos?
Fabio Costello: -
Não tem dúvida. Um show típico divulga para um punhado de gente que se dispôs a sair de casa para ver uma banda desconhecida. Já na internet gente do mundo inteiro baixa, assiste os vídeos, passa o link ou os mp3 pros amigos, a coisa vai se espalhando sem parar sem ninguém precisar sair de casa. É conveniente, funciona, e os hábitos virtuais estão cada vez mais consolidados pelo público em geral. Mais de 5.000 pessoas já baixaram direto do nosso site, fora as que ouviram por outros meios. Graças à internet nós podemos lançar uma música nova e no show seguinte já tem gente cantando a letra inteira junto com a gente, em qualquer cidade que tocarmos.

Pergunta: - Você já me disse que usa o soulseek como quem respira. O que mais gosta de baixar?
Fabio Costello: -
Disparado a maior parte é de novidades. Gosto muito de conhecer o que está rolando, bandas que vejo em revistas estrangeiras, ou independentes do Brasil. Se encontro vídeos de shows ao vivo de novas bandas baixo na hora, acho que dá pra entender melhor o trabalho dos caras. Também tenho paixão por videoclipes clássicos, quanto mais brega melhor.

A razão de viver de Fábio, Elvis Costello Pergunta: - Cite cinco discos e cinco artistas favoritos...
Fabio Costello: -
Cito cinco do Elvis Costello! Imperial Bedroom, Trust, Armed Forces, This Years Model e Mighty Like a Rose. Mesmo assim dói o coração deixar outros de fora. Outros discos importantes por vários motivos são o Pet Sounds do Beach Boys (com o perdão da redundância), Music for the Masses do Depeche Mode, Let Go do Nada Surf, Blonde on Blonde do Bob Dylan.

Pergunta: - Acredita ainda no "poder revolucionário" do rock and roll?
Fabio Costello: -
Acredito que a arte é uma forma de comunicação que passa direto pelo coração. Qualquer forma de arte pode mexer com a alma de quem está ouvindo, e isso por si só consiste numa revolução. Rock é por excelência a voz dos excluídos e rejeitados, pode fazer com que saibam que não estão sozinhos, se aceitem e busquem fazer o melhor com os talentos que têm. Parece ingênuo mas acredito nisso de verdade. É uma forma de expressão visceral, sem a relevância política ou social que houve nos anos 70 ou no Brasil dos anos 80.

Pergunta: - A banda é seu horizonte para os próximos anos ou acha que deverá abraçar algo mais seguro?
Fabio Costello: -
O que é seguro nessa vida? Não tenho esse sonho de estabilidade, na verdade busco a instabilidade, as coisas que ainda não conheço, os saltos no escuro. Como artista é o que preciso fazer. Em termos financeiros, não sei se há possibilidade de viver da banda. A indústria da música está aos pedaços, ninguém sabe como será esse negócio no futuro. Estou confortável com o fato de ter que pegar bicos ou empregos estáveis para financiar nossas gravações.

Pergunta: - De qual banda brasileira você não perde um show quando pode ir?
Fabio Costello: -
Móveis Coloniais de Acaju (DF), Charme Chulo (PR), Ecos Falsos (SP) e Cabaret (RJ).

Pergunta: - Uma grande realização e uma grande frustração...
Fabio Costello: -
A grande realização é poder tocar em lugares mais à margem do radar de quem mora no Rio, como Piracicaba, e ver gente cantando junto conosco. Nesses momentos sei que aquelas canções estão fazendo companhia para as pessoas em seus quartos, e não tem nada melhor que isso. A grande frustração eu não sei dizer. Já tive sentimentos de frustração a respeito de um casamento que não deu certo ou sobre a possibilidade de ter começado a estudar música mais cedo. Hoje sou convencido de que as coisas chegaram no momento certo, não sei dizer se teria sido melhor ou não se as coisas tivessem sido diferentes. Gosto demais das possibilidades do futuro pra ficar me frustrando com o passado.

Pergunta: - Deixe um abraço aí para seus milhões de fãs. Valeu!
Fabio Costello: - M
uito obrigado a todos por espalhar a heresia, esperamos a visita no nosso site - e nos nossos próximos shows!