Horses fez mais
do que apresentar Patti Smith ao mundo da música. Lançado
poucas semanas antes de completar 29 anos, o disco surpreendeu
ao misturar poesia com rock de uma maneira inédita. E,
mais surpreendente, era ver isso em uma mulher, fato quase inédito.
O cartão de visita de Patti fez a cabeça de várias
gerações, apesar do modesto comercial. Mas Patti
já era uma veterana da cena de Nova York e já havia
passado pelo teatro e tido romances com Sam Sheppard e Robert
Mapplethorpe. É hora de contarmos um pouco a vida dessa
mulher, que ainda está na ativa e encanta o mundo aos 61
anos e que tem seu nome cravado entre os grandes do rock.
Patti
Smith (Patricia Lee Smith) nasceu no dia 30 de dezembro de 1946,
em Chicago. Sua mãe, Beverly, era cantora de jazz e Testemunha
de Jeová, e o pai, Grant, funcionário de uma grande
empresa.
Patti teve uma educação
religiosa muito rígida, o que lhe foi muito útil,
segundo ela, apesar de não gostar muito. Patti foi criada
com seu três irmãos menores - Linda, Kimberly e Todd.
Ainda criança, viveu em Germantown e, depois, mudou-se
com a família para New Jersey, indo viver em Woodbury.
Apesar da religiosidade
da mãe, Patti se interessou pelo budismo, ainda menina.
Patti odiava a escola e os colegas de classe e se refugiava na
música e na literatura. Seus heróis musicais eram
Jimi Hendrix, John Coltrane, Bob Dylan (um de seus primeiros discos
foi Another Side of Bob Dylan, presente de sua
mãe) e os Rolling Stones (especialmente Keith Richards).
Seus heróis literários
eram William Burroughs, o espanhol García Lorca e, mais
tarde, Rimbaud. Entre 1967, 1968, Patti mudou-se para Nova York,
após deixar a Glassboro State College e acabou conhecendo
um jovem estudante chamado Robert Mapplethorpe.
Em
26 de abril de 1967, Patti teve sua primeira filha, entregue à
adoção, devida à sua pobreza e imaturidade
para ser mãe.
Patti e Robert desenvolveriam
um romance muito confuso, devido aos problemas internos do parceiro,
já que Robert era bissexual, embora não assumisse
isso, na época.
No futuro, ele acabaria
se tornando um dos maiores fotógrafos da América
e responsável pela capa do disco Horses.
Patti chamaria Robert de "artista da sua vida".
Sem dinheiro, Patti conseguiu
um emprego em uma livraria chamada Strand and Scribner's e, no
ano seguinte, juntou umas economias e mudou-se para Paris, junto
com sua irmã, Linda.
As duas trabalharam com
artistas de rua e ficou por lá mais ou menos um ano.
Patti retornou à
Nova York e foi morar com Robert no hotel Chelsea. Juntos frequentavam
clubes como o Max's Kansas City e o CBGB.
Os
dois eram pobres e Patti chegou a trabalhar numa fábrica
e inspecionava produtos para bebê. Foi nesse período
que descobriu, quase por acidente, a escrita de Rimbaud, em uma
edição barata. Era a primeira vez que lia Illuminations.
Foi amor à primeira vista.
Mas ela era ambiciosa e
não queria essa vida. Patti e Robert costumavam ficar na
calçada do balado clube Max's Kansas City mas nunca eram
aceitos por causa das roupas rotas que usavam.
Desesperada, começou
a circular por Nova York e acabou sendo convidada para participar
das peças Femme Fatale, escrita por Jackie
Curtis e Island, ao lado de Cherry Vanilla e
Wayne County. Segundo Wayne, o papel de Patti era ficar berrando
"Brian Jones está morto, Brian Jones está morto!"
e fingir que se aplicava com uma agulha.
Incansável, Patti
fez amizade com o jovem poeta Jim Carroll. Os dois começaram
um caso e Jim mudou-se para o apartamento de Patti e Robert, que
já começava a assumir sua homossexualidade.
Carroll era uma das estrelas
do St. Mark's Poetry Project, um espaço cultural e logo
ficaria amiga de Gerard Malanga, astro local. Malanga acabou gostando
do que ela havia escrito e a convidou para participar.
A
primeira apresentação tornou-se lendária.
Acreditando que a apresentação física era
muito importante, pensou em dar um clima mais rock and roll e
acabou convidando o guitarrista Lenny Kaye, após ler um
texto dele intitulado "The Best of A Capella" para a
revista Jazz and Pop. Kaye aceitou a idéia
no ato.
Segundo ela própria
conta no livro Please, Kill Me, seus poemas eram
quase rock and roll: "Comecei a fazer sucesso escrevendo
poemas longos, quase poemas de rock and roll. E gostava de apresentá-los,
mas percebi, que embora fossem maravilhosamente apresentados,
não eram grande coisa no papel. Não estou querendo
dizer que os renego, mas existe um certo tipo de poesia que é
poesia de performance. É como os índios americanos,
que não escreviam poesia conscientemente. Faziam cânticos,
faziam linguagem ritual -e a linguaguem do ritual é a linguagem
do momento.
Mas,
na medida em que ficavam congelados num pedaço de papel
- não eram inspiradores. Você pode fazer o que quiser,
contanto que seja um grande performer, sabe como é, pode
repetir uma palavra mais e mais, contanto que seja um performer
fantástico."
Logo, ela se tornou uma
das estrelas do local e através de Gerard Malanga publicou
o primeiro livro de poesias, Seventh Heaven.
O livro vendeu pouquíssimo,
mas lhe trouxe reputação e em 1972 era convidada
para uma série de apresentações em Londres,
ao lado do próprio Malanga, Victor Bockris e Andrew Wylie,
após ter algumas poesias publicadas em uma antologia da
editora Calder and Boyars. Mais uma vez, foi a estrela da apresentação.
Em Londres, Patti começava
a deixar claro o romance com o autor de teatro Sam Sheppard. Juntos,
escreveram Cowboy Mouth e a encenaram apenas
uma vez.
Em
Londres, Patti fez uma série de fotos nuas para a revista
Time Out, que ficaram famosas, onde mostrava os seios.
Em 1973 publica novo livro, Witt.
O romance com Sam pouco
durou e logo estava namorando um dos componentes do Blue Oyster
Cult, Allen Lanier. Depois de Allen, foi a vez de Todd Rundgren.
Incansável, Patti
era assídua colaboradora da revista Creem, sediada
em Detroit e editada por Lester Bangs.
Foi logo após ver
um show dos Rolling Stones no Madison Square Garden, segundo ela,
que pensou na possibilidade de unir sua poesia ao rock.
A idéia foi tomando
forma e ao lado de Lenny Kaye saiu à cata de músicos.
Em novembro de 1973, Patti e Lenny se apresentaram no "Rock
'n' Rimbaud" no Le Jardin, em Nova York, acompanhados do
pianista Richard Sohl, que havia conhecido por intermédio
de Danny Fields.
O trio começou a
ensaiar regularmente e conseguiram unir a poesia de Patti com
tons jazzísticos. No ano seguinte, foram incorporados o
baixista Ivan Kral e o baterista Jay Dee Daugherty. Kral era um
refugiado da então Tchecoslováquia. Nascia o Patti
Smith Group.
Financiados
por Robert Mapplethorpe, já famoso e com uma bela ajuda
do guitarrista Tom Verlaine na produção (novo namorado
de Patti), é editado o compacto com as músicas Hey
Joe / Piss Factory.
"Piss Factory"
contava, de maneira ácida, a raiva que sentia ao trabalhar
na tal fábrica em que acabou descobrindo o livro de Rimbaud
nos intervalos de almoço.
O compacto chamou a atenção
da Arista Records, que a contratou para gravar um LP.
Assim, é editado
no ano seguinte o disco Horses, com bela foto
de Robert na capa e produzido por John Cale, ex-Velvet Underground.
Mapplethorpe acabou sendo
sugestão de Patti e a foto da capa foi tirada na cobertura
de Sam Wagstaff, e que Robert usava, às vezes, como estúdio.
Robert adorava as paredes
nuas e pintadas de branco e havia percebido que no meio da tarde
aparecia um triângulo no meio da parede e resolveu usar
essa idéia na capa do disco. Nascia assim uma das capas
mais clássicas do rock.
Mas,
se engana quem pensa que o maior mérito do disco era a
capa. Patti mostrava uma obra inspirada e inspiradora. Vale lembrar
que ela já tinha 28 anos quando o LP foi editado, dois
livros de poesia editada e uma carreira de poetisa consolidada.
Não era mais uma menininha.
O disco original trazia
as seguintes faixas:
Lado 1
1. "Gloria: In Excelsis Deo / Gloria
(version)" (Patti Smith, Van Morrison) – 5:57
2. "Redondo Beach" (Smith, Richard Sohl, Lenny Kaye)
– 3:26
3. "Birdland" (Smith, Sohl, Kaye, Ivan Kral) –
9:15
4. "Free Money" (Smith, Kaye) – 3:52
Lado 2
1. "Kimberly" (Smith, Allen Lanier,
Kral) – 4:27
2. "Break It Up" (Smith, Tom Verlaine) – 4:04
3. "Land: Horses / Land of a Thousand Dances / La Mer (De)"
(Smith, Chris Kenner) – 9:25
4. "Elegie" (Smith, Lanier) – 2:57
O
disco abre com "Gloria", uma versão do sucesso
de Van Morrison com o Them. Mas não era um simples versão,
pois abria com um poema seu e iniciando a canção
com o inesquecível verso "Jesus morreu pelo pecado
dos outros, não os meus."
Lentamente, Patti começa
a declamar a letra até entrar num frenesi e atacar o clássico
do Them de uma maneira feroz.
A música se tornaria
o único compacto tendo no lado B, uma versão de
"My Generation", do The Who.
Patti usava a banda como
apoio às suas longas e extremamente pessoais poesias. Assim,
nascem lindas composições como "Birdland",
em cima de um free-jazz e inspirada no livro A Book of
Dreams, escrito por Peter Reich, sobre seu pai, Wilhelm.
Além disso, Patti
relembrava momentos familiares em faixas como "Redondo Beach",
"Free Money" e "Kimberly".
Outro momento inesquecível
é "Land", onde canta "Land of a Thousand
Dances", gravada por Chris Kenner, em 1962 e que, também,
teve versões nas vozes de Wilson Pickett, Sam & Dave,
entre outros. Nessa faixa, há participações
de Tom Verlaine e Allen Lanier.
Apesar
de não ter feito grande sucesso comercial - ficou apenas
na 47ª posição na parada, Horses,
foi fundamental como cartão de visitas.
Patti começou a
ser comparada a Bob Dylan pela força de suas letras e o
grupo saiu em uma imensa turnê pelos Estados Unidos e Europa.
Há shows memoráveis, especialmente no CBGB quando
dividiram por várias noites seguidas o palco com o Television,
com cada banda fechando uma noite.
O disco acabou sendo eleito
um dos melhores de 1975 e influenciou um número considerável
de músicos no futuro, casos de Michael Stipe (R.E.M. e
de quem é grande amiga), Morrissey e Bono.
O disco recebeu algumas
reedições especiais ao longo dos anos. Em 1995,
trazia "My Generation", como faixa extra e, em 2005,
veio com um álbum extra, gravado ao vivo, no Meltdown festival,
com participações de Tom Verlaine e de Flea (Red
Hot Chilli Peppers).
Nesse dia, Patti tocou
todas as músicas de Horses na seqüência
exata, fechando o show com "My Generation".
Deixo vocês com a
discografia dela. Um abraço e até a próxima
coluna.
Discografia
Horses (1975)
Radio Ethiopia (1976)
Easter (1978)
Wave (1979)
Dream of Life (1988)
Gone Again (1996)
The Patti Smith Masters: The Collective
Peace and Noise (1997)
Gung Ho (2000)
Land 1975-2002 (2002)
Trampin’ (2004)
Twelve (2007)
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