298 - Patti Smith - Horses

Horses fez mais do que apresentar Patti Smith ao mundo da música. Lançado poucas semanas antes de completar 29 anos, o disco surpreendeu ao misturar poesia com rock de uma maneira inédita. E, mais surpreendente, era ver isso em uma mulher, fato quase inédito. O cartão de visita de Patti fez a cabeça de várias gerações, apesar do modesto comercial. Mas Patti já era uma veterana da cena de Nova York e já havia passado pelo teatro e tido romances com Sam Sheppard e Robert Mapplethorpe. É hora de contarmos um pouco a vida dessa mulher, que ainda está na ativa e encanta o mundo aos 61 anos e que tem seu nome cravado entre os grandes do rock.


Patti Smith (Patricia Lee Smith) nasceu no dia 30 de dezembro de 1946, em Chicago. Sua mãe, Beverly, era cantora de jazz e Testemunha de Jeová, e o pai, Grant, funcionário de uma grande empresa.

Patti teve uma educação religiosa muito rígida, o que lhe foi muito útil, segundo ela, apesar de não gostar muito. Patti foi criada com seu três irmãos menores - Linda, Kimberly e Todd. Ainda criança, viveu em Germantown e, depois, mudou-se com a família para New Jersey, indo viver em Woodbury.

Apesar da religiosidade da mãe, Patti se interessou pelo budismo, ainda menina. Patti odiava a escola e os colegas de classe e se refugiava na música e na literatura. Seus heróis musicais eram Jimi Hendrix, John Coltrane, Bob Dylan (um de seus primeiros discos foi Another Side of Bob Dylan, presente de sua mãe) e os Rolling Stones (especialmente Keith Richards).

Seus heróis literários eram William Burroughs, o espanhol García Lorca e, mais tarde, Rimbaud. Entre 1967, 1968, Patti mudou-se para Nova York, após deixar a Glassboro State College e acabou conhecendo um jovem estudante chamado Robert Mapplethorpe.

Patti e Robert na sacada do hotel ChelseaEm 26 de abril de 1967, Patti teve sua primeira filha, entregue à adoção, devida à sua pobreza e imaturidade para ser mãe.

Patti e Robert desenvolveriam um romance muito confuso, devido aos problemas internos do parceiro, já que Robert era bissexual, embora não assumisse isso, na época.

No futuro, ele acabaria se tornando um dos maiores fotógrafos da América e responsável pela capa do disco Horses. Patti chamaria Robert de "artista da sua vida".

Sem dinheiro, Patti conseguiu um emprego em uma livraria chamada Strand and Scribner's e, no ano seguinte, juntou umas economias e mudou-se para Paris, junto com sua irmã, Linda.

As duas trabalharam com artistas de rua e ficou por lá mais ou menos um ano.

Patti retornou à Nova York e foi morar com Robert no hotel Chelsea. Juntos frequentavam clubes como o Max's Kansas City e o CBGB.

Os dois eram pobres e Patti chegou a trabalhar numa fábrica e inspecionava produtos para bebê. Foi nesse período que descobriu, quase por acidente, a escrita de Rimbaud, em uma edição barata. Era a primeira vez que lia Illuminations. Foi amor à primeira vista.

Mas ela era ambiciosa e não queria essa vida. Patti e Robert costumavam ficar na calçada do balado clube Max's Kansas City mas nunca eram aceitos por causa das roupas rotas que usavam.

Desesperada, começou a circular por Nova York e acabou sendo convidada para participar das peças Femme Fatale, escrita por Jackie Curtis e Island, ao lado de Cherry Vanilla e Wayne County. Segundo Wayne, o papel de Patti era ficar berrando "Brian Jones está morto, Brian Jones está morto!" e fingir que se aplicava com uma agulha.

Incansável, Patti fez amizade com o jovem poeta Jim Carroll. Os dois começaram um caso e Jim mudou-se para o apartamento de Patti e Robert, que já começava a assumir sua homossexualidade.

Carroll era uma das estrelas do St. Mark's Poetry Project, um espaço cultural e logo ficaria amiga de Gerard Malanga, astro local. Malanga acabou gostando do que ela havia escrito e a convidou para participar.

A primeira apresentação tornou-se lendária. Acreditando que a apresentação física era muito importante, pensou em dar um clima mais rock and roll e acabou convidando o guitarrista Lenny Kaye, após ler um texto dele intitulado "The Best of A Capella" para a revista Jazz and Pop. Kaye aceitou a idéia no ato.

Segundo ela própria conta no livro Please, Kill Me, seus poemas eram quase rock and roll: "Comecei a fazer sucesso escrevendo poemas longos, quase poemas de rock and roll. E gostava de apresentá-los, mas percebi, que embora fossem maravilhosamente apresentados, não eram grande coisa no papel. Não estou querendo dizer que os renego, mas existe um certo tipo de poesia que é poesia de performance. É como os índios americanos, que não escreviam poesia conscientemente. Faziam cânticos, faziam linguagem ritual -e a linguaguem do ritual é a linguagem do momento.

Sam e Patti na peça Cowboy MouthMas, na medida em que ficavam congelados num pedaço de papel - não eram inspiradores. Você pode fazer o que quiser, contanto que seja um grande performer, sabe como é, pode repetir uma palavra mais e mais, contanto que seja um performer fantástico."

Logo, ela se tornou uma das estrelas do local e através de Gerard Malanga publicou o primeiro livro de poesias, Seventh Heaven.

O livro vendeu pouquíssimo, mas lhe trouxe reputação e em 1972 era convidada para uma série de apresentações em Londres, ao lado do próprio Malanga, Victor Bockris e Andrew Wylie, após ter algumas poesias publicadas em uma antologia da editora Calder and Boyars. Mais uma vez, foi a estrela da apresentação.

Em Londres, Patti começava a deixar claro o romance com o autor de teatro Sam Sheppard. Juntos, escreveram Cowboy Mouth e a encenaram apenas uma vez.

Lenny e PattiEm Londres, Patti fez uma série de fotos nuas para a revista Time Out, que ficaram famosas, onde mostrava os seios. Em 1973 publica novo livro, Witt.

O romance com Sam pouco durou e logo estava namorando um dos componentes do Blue Oyster Cult, Allen Lanier. Depois de Allen, foi a vez de Todd Rundgren.

Incansável, Patti era assídua colaboradora da revista Creem, sediada em Detroit e editada por Lester Bangs.

Foi logo após ver um show dos Rolling Stones no Madison Square Garden, segundo ela, que pensou na possibilidade de unir sua poesia ao rock.

A idéia foi tomando forma e ao lado de Lenny Kaye saiu à cata de músicos. Em novembro de 1973, Patti e Lenny se apresentaram no "Rock 'n' Rimbaud" no Le Jardin, em Nova York, acompanhados do pianista Richard Sohl, que havia conhecido por intermédio de Danny Fields.

O trio começou a ensaiar regularmente e conseguiram unir a poesia de Patti com tons jazzísticos. No ano seguinte, foram incorporados o baixista Ivan Kral e o baterista Jay Dee Daugherty. Kral era um refugiado da então Tchecoslováquia. Nascia o Patti Smith Group.

Financiados por Robert Mapplethorpe, já famoso e com uma bela ajuda do guitarrista Tom Verlaine na produção (novo namorado de Patti), é editado o compacto com as músicas Hey Joe / Piss Factory.

"Piss Factory" contava, de maneira ácida, a raiva que sentia ao trabalhar na tal fábrica em que acabou descobrindo o livro de Rimbaud nos intervalos de almoço.

O compacto chamou a atenção da Arista Records, que a contratou para gravar um LP.

Assim, é editado no ano seguinte o disco Horses, com bela foto de Robert na capa e produzido por John Cale, ex-Velvet Underground.

Mapplethorpe acabou sendo sugestão de Patti e a foto da capa foi tirada na cobertura de Sam Wagstaff, e que Robert usava, às vezes, como estúdio.

Robert adorava as paredes nuas e pintadas de branco e havia percebido que no meio da tarde aparecia um triângulo no meio da parede e resolveu usar essa idéia na capa do disco. Nascia assim uma das capas mais clássicas do rock.

Mas, se engana quem pensa que o maior mérito do disco era a capa. Patti mostrava uma obra inspirada e inspiradora. Vale lembrar que ela já tinha 28 anos quando o LP foi editado, dois livros de poesia editada e uma carreira de poetisa consolidada. Não era mais uma menininha.

O disco original trazia as seguintes faixas:

Lado 1

1. "Gloria: In Excelsis Deo / Gloria (version)" (Patti Smith, Van Morrison) – 5:57
2. "Redondo Beach" (Smith, Richard Sohl, Lenny Kaye) – 3:26
3. "Birdland" (Smith, Sohl, Kaye, Ivan Kral) – 9:15
4. "Free Money" (Smith, Kaye) – 3:52

Lado 2

1. "Kimberly" (Smith, Allen Lanier, Kral) – 4:27
2. "Break It Up" (Smith, Tom Verlaine) – 4:04
3. "Land: Horses / Land of a Thousand Dances / La Mer (De)" (Smith, Chris Kenner) – 9:25
4. "Elegie" (Smith, Lanier) – 2:57

O disco abre com "Gloria", uma versão do sucesso de Van Morrison com o Them. Mas não era um simples versão, pois abria com um poema seu e iniciando a canção com o inesquecível verso "Jesus morreu pelo pecado dos outros, não os meus."

Lentamente, Patti começa a declamar a letra até entrar num frenesi e atacar o clássico do Them de uma maneira feroz.

A música se tornaria o único compacto tendo no lado B, uma versão de "My Generation", do The Who.

Patti usava a banda como apoio às suas longas e extremamente pessoais poesias. Assim, nascem lindas composições como "Birdland", em cima de um free-jazz e inspirada no livro A Book of Dreams, escrito por Peter Reich, sobre seu pai, Wilhelm.

Além disso, Patti relembrava momentos familiares em faixas como "Redondo Beach", "Free Money" e "Kimberly".

Outro momento inesquecível é "Land", onde canta "Land of a Thousand Dances", gravada por Chris Kenner, em 1962 e que, também, teve versões nas vozes de Wilson Pickett, Sam & Dave, entre outros. Nessa faixa, há participações de Tom Verlaine e Allen Lanier.

Apesar de não ter feito grande sucesso comercial - ficou apenas na 47ª posição na parada, Horses, foi fundamental como cartão de visitas.

Patti começou a ser comparada a Bob Dylan pela força de suas letras e o grupo saiu em uma imensa turnê pelos Estados Unidos e Europa. Há shows memoráveis, especialmente no CBGB quando dividiram por várias noites seguidas o palco com o Television, com cada banda fechando uma noite.

O disco acabou sendo eleito um dos melhores de 1975 e influenciou um número considerável de músicos no futuro, casos de Michael Stipe (R.E.M. e de quem é grande amiga), Morrissey e Bono.

O disco recebeu algumas reedições especiais ao longo dos anos. Em 1995, trazia "My Generation", como faixa extra e, em 2005, veio com um álbum extra, gravado ao vivo, no Meltdown festival, com participações de Tom Verlaine e de Flea (Red Hot Chilli Peppers).

Nesse dia, Patti tocou todas as músicas de Horses na seqüência exata, fechando o show com "My Generation".

Deixo vocês com a discografia dela. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Horses (1975)
Radio Ethiopia (1976)
Easter (1978)
Wave (1979)
Dream of Life (1988)
Gone Again (1996)
The Patti Smith Masters: The Collective
Peace and Noise (1997)
Gung Ho (2000)
Land 1975-2002 (2002)
Trampin’ (2004)
Twelve (2007)

 


 

 

Colunas