06 - Iggy Pop - 5º capítulo

parceria com Creedance Kiddo


Tesão Pela Vida – A História de Iggy Pop


Capítulo 5 – MainMan

Iggy Pop Sem os Stooges

Iggy Pop procurou se manter quieto, aparecendo pouco, em uma fase que ele chamou apenas de “descansando.” Ocasionalmente, visitava Williamson que vivia em Detroit, e acabou compondo “Penetration” que foi, segundo Iggy, a faísca inicial para começar a compor e vislumbrar uma nova banda, criada em torno de James Williamson. Iggy tinha plena noção que não havia como crescer em Detroit, e precisava sair de Michigan se ele quissesse uma banda com expoisção nacional e na melhor das hipóteses, internacional. Foi quando uma proposta apareceu para ele ir a Miami.

Em Agosto de 1971, Iggy recebeu uma oferta de Steve Paul, empresário de Edgar e Johnny Winter. Steve queria que Iggy voasse para a Flórida e começasse a montar um grupo com Rick Derringer e alguns músicos. Sua intenção era de ter Iggy como homem de frente de uma banda montada com músicos sobre seus cuidados. Iggy percebeu, de longe, a intenção de amarrá-lo a um esquema onde, ele provavelmente não teria controle sobre o trabalho. Mesmo assim, em parte como cortesia, em parte por curiosidade, Iggy foi conhecer Rick Derringer, passando uma tarde com ele falando sobre música.

Iggy diria: “Eu gostei de Rick como pessoa e o respeito como músico pelo tipo de trabalho que ele faz. Mas eu logo percebi que a química não estava certa. Ele é um ótimo músico, porém sua visão estava em outro lugar e a minha visão era outra, portanto eu declinei.”

Iggy também recusou uma proposta que surgiu, por parte da Elektra, para produzir um álbum solo com o que a gravadora chamou de “músicos de verdade” e com canções que Iggy descreveu como “no estilo de David Cassidy” (The Partridge Family/A Familia Do-Re-Mi). Iggy resolveu então arriscar uma ida até Nova York para ver se arranjava algo, mas para chegar até lá precisou pedir inúmeras caronas pelo caminho. Chegando lá, ficou hospedado no apartamento de Danny Fields e de Gerald Malanga. Os dois não tinham nada para oferecer profissionalmente a Iggy que, a esta altura, chegou a cogitar seriamente em abandonar a música. E foi por um golpe de sorte que as coisas começaram a melhorar para ele.


Teatro do Ridículo

Enquanto isto se passava na Flórida, parlelamente em Londres, Tony Zanetta conheceu Bowie no dia 2 de Agosto 1971, após uma apresentação da peça Pork, de Andy Warhol. A peça era escrita e dirigida por Tony Ingrassia. O enredo da peça é basicamente sobre uma pessoa que passa o dia usando drogas injetáveis e conversando ao telefone. Todo o resto gira em torno deste personagem. Nela, Zanetta fazia o papel de Andy Warhol. O texto foi todo montado ao redor de conversações pelo telefone que Andy Warhol teve com diversas pessoas e que ele gravara. Warhol depois entregou as fitas para Ingrassia que pincelou e costurou tudo em um formato de peça.

Bowie, que estava realizando algumas apresentações no Hampstead's Country Club, viu a peça, assim como vários integrantes do elenco da peça foram assistir Bowie, ainda desconhecido na América. Ele já tinha uma imagem de andrógeno, que foi o que atraiu o pessoal do Pork para assistir o show. Mas todos ficaram desapontados vendo a interpretação da imagem de andrógeno na Inglaterra sendo um pouco diferente da de um hippie cantando folk com um violão sentado em um banquinho.

O pessoal do teatro estava com cabelos coloridos e com unhas e batom preto, coisa impensável e totalmente escandalosa. Quando Bowie anunciou a presença dos artistas na platéia e pediu para que se levantassem, Cherry Vanilla tirou sua peruca e mostrou os peitos. Foi um choque para alguns e engraçado, para outros. Quase um ano depois, David Bowie acabaria compondo com Lou Reed a canção “New York Conversation” inspirado nesta peça. Todo o elenco de Pork, incluindo Zanetta ficou amigo de David e Angela Bowie.

Max's Kansas City

Danny Fields foi a um jantar com Dennis Katz, chefe da gravadora A&M, que fazia parte da RCA. No jantar estavam presentes Tony Zanetta, Lou Reed, Mick Ronson, Tony DeFries, mais David e Angela Bowie. Bowie e DeFries tinham chegado para fechar o contrato negociado com a gravadora RCA. Nesse jantar, Bowie chegou para Fields e disse que gostaria de conhecer Iggy Pop. Rapidamente, Danny ligou para sua casa e mandou que Iggy fosse imediatamente para o Max's Kansas City, local do encontro.

Iggy Pop, Jackie Curtis e Lou Reed no Max’s Kansas CityIggy conta sua reação: “Eu estava na casa de Danny assistindo Mr. Smith Goes to Washington, na televisão e quase dormindo, quando Danny me ligou perguntando se eu lembrava de David Bowie, que tinha dito anos atrás que eu era seu cantor favorito à Melody Maker. Disse que sim e ele mandou pegar um táxi imediatamente e ir até o Max’s Kansas City. Eu disse que ia, mas não consegui sair de casa, porque entrei em lágrimas vendo a fantástica performance Jimmy Stewart no filme da televisão. Danny ligou novamente furioso e mandou ter a bondade de ir até lá. Obedeci e fui correndo. Quando cheguei, Bowie e DeFries me convidaram para um café da manhã, e eu estava tão faminto que comi seis refeições e ficamos conversando por horas e horas.”


fachada do Max's Kansas CityIggy Pop, Jackie Curtis e Lou Reed no Max’s Kansas City Bowie tem sua versão: “Eu estava em uma festa da RCA no Max's Kansas City e tinha acabado de conhecer Lou Reed. Ele imediatamente passa a me contar uma história de um cara que tinha injetado herô na testa, uma coisa tipicamente dele de dizer. De repente, chega esse maltrapilho engraçado com um dente quebrado e Lou falou, 'não converse como ele, ele é um junkie.’ Tratava-se de Iggy. Você não consegue deixar de ser atraído por ele. Ele era tão vulnerável.”

Danny Fields lembra-se bem da primeira vez que percebeu a paixão de Bowie por Iggy: “sempre que alguém ia me visitar na Elektra fazia a mesma pergunta: ‘oh, me fale algo de Jim Morrison, oh, eu amo tanto os Doors!’. Pois David foi o único que chegou a mim e disse ‘me fale sobre Iggy’”.

Bowie neste ponto de sua carreira, não era ninguém na América e representava quase nada na Inglaterra. Ele tivera apenas um sucesso mediano na Inglaterra com "Space Oddity" em 1969 e mais recentemente, a canção “Changes”, de sucesso também moderado, e mais nada. Ambas as canções seriam redescobertas após seu estrondoso sucesso com seu proximo álbum e nova imagem. Contudo neste momento, sua carreira ainda buscava direção. A imagem nova, aqui ainda não aperfeiçoada, seria em larga escala baseado no que ele absorvera destes travestis nova-iorquinos que conhecera em Londres apresentando a peça Pork. Quando Bowie foi para Nova York para a assinatura de contrato com a RCA, foi justamente com estas pessoas que ele procurou se encontrar.

Iggy Pop por sua vez, naufragando em Nova York no final de 71, estava freqüentando o bar e restaurante Max’s Kansas City, ponto underground chic e reduto favorito de artistas de todas as esferas. A opção de um homem em ser um travesti, embora não fosse algo inteiramente novo, principalmente na Europa, era ainda para os Estados Unidos, um país sexualmente repressivo, algo inconcebível para a sua população em geral.

Intrigado por este povo extremamente, ou melhor, sexualmente alternativo, Iggy podia ser visto conversando com esta turma, que tinham entre eles, nomes hoje conhecidos como Holly Woodlawn, Candy Darling, e Jackie Curtis, todos mencionados na canção "Walking On The Wild Side", de Lou Reed. Iggy também estava absorvendo um pouco da criatividade destas pessoas que escolhiam digamos, serem diferentes do padrão. Lou Reed, que igualmente estava tentando reiniciar sua carreira apos o fim do Velvet Underground, igualmente estava sendo influenciado por este grupo de pessoas com quem encontrava religiosamente no Max’s Kansas City.

Leee Childers Black analisando a carreira destes artistas comentaria que tanto Iggy quanto Bowie estavam artisticamente sem direção e quando se encontraram, acabaram salvando um ao outro. De uma tacada só, Bowie conheceu dois de seus maiores ídolos, Reed e Pop. Bowie tinha adorado os dois discos dos Stooges e se impressionado com a apresentação de Iggy no Festival de Cincinnati, que havia sido transmitido na televisão da Inglaterra. Aliás, Bowie confessaria mais tarde que a fórmulação de seu personagem Ziggy Stardust ficaria completa após assistir um show de Iggy Pop.

MainMan

As mentes de Bowie, Iggy e DeFries engrenaram harmoniosamente. O papo e troca de idéias artísticas virou a noite e David convenceu Iggy a assinar com Tony DeFries ainda no primeiro encontro que tiveram, no Max’s Kansas City, que terminou no restaurante do Warwick Hotel. Mas para isso Iggy precisaria estar limpo, ou seja, livre da dependência heroína.

Assim que Iggy estivesse totalmente livre da metadona (usada contra a dependência da heroína), DeFries iria arranjar um contrato e uma viagem até Londres para montar uma banda e gravar um disco. DeFries queria que o disco fosse gravado na Inglaterra de qualquer maneira, já que a reputação de Iggy e os Stooges era a pior possível na América. A intenção de DeFries e sua firma, a MainMan, girava em torno de Iggy Pop, já que ninguém queria saber dos Stooges.

David Bowie tinha dado como sugestão, associar Iggy a banda inglesa Third World War (não confundir com a banda Américana World War Three), que era liderado por Edgar Broughton. Como Iggy temia ser obrigado a cantar as composições de Broughton, rapidamente dispensou com a idéia falando que queria trabalhar com seu guitarrista James Williamson e DeFries se viu obrigado a incluir James Williamson em seus planos. Williamson por sua vez, graças ao uso de siringas sujas, estava com hepatite, em Detroit. Tanto Iggy quanto James estavam desesperadamente procurando resolver seus problemas com a dependência de heroína fazendo tratamento com metadona.

CBS

Praticamente no dia seguinte DeFries conseguiu um lucrativo contrato de dois discos para Iggy com Clive Davis, da CBS. Sabendo que o encontro entre o diretor da gravadora e o artista seria de extrema importância, DeFries incutiu em Iggy o espírito de que era a hora da verdade em termos de sua carreira futura. Orientou-o também para o fato de que Clive Davis era o tipo de homem que iria gostar de conhecer um rapaz bonito e inteligente.

Iggy lembra da entrevista para assinarem o acordo da seguinte maneira: “Clive Davis pediu para que eu cantasse algo de Simon and Garfunkel, mas recusei. Perguntaram se poderia ser mais melodioso e respondi que não. Ele me pediu então para cantar algo, então mandei bala em "The Shadow Of Your Smile", depois sapatiei um pouco no estilo ‘soft shoe’ e Clive disse 'ok, ok, é o bastante.' Então ele ligou para o departamento jurídico.Eu tinha conseguido um contrato.”

Steve Harris e Iggy Pop Steve Harris, que promovia os discos dos Stooges para Elektra dois anos antes, trabalhava agora para a CBS como vice-presidente. Ao ser procurado por Clive Davis a respeito do novo contratado, Harris destaca para o diretor a necessidade de promover Iggy Pop da forma correta, pois, segundo suas palavras, “ele não é nenhum Barry Manilow.”

Animado, Iggy voltou para Ann Arbor e contou as boas novas para o amigo James Williamson e começaram a planejar um novo grupo. Os dois estavam mais íntimos do que nunca, pelos problemas com as drogas. Em uma festa promovida por Scott Richardson no estúdio do SRC, Ron Asheton encontra com Iggy Pop e James Williamson. Somente agora é que ele fica sabendo que os dois estão a caminho de Londres e com um contrato com a CBS. Ron conta: “Foi como se alguém tivesse me dado um soco na boca do estômago. Eu sempre achei que eventualmente a gente acabaria voltando a tocar juntos novamente. Eu saí de lá zonzo, abraçei uma árvore e chorei por meia hora. E a maneira tão casual que ele me contou; ‘Aliás, consegui um contrato, James e eu vamos para Inglaterra.’”

Em Dezembro daquele ano, DeFries voltou para Nova York, seguindo então para Ann Arbor acertar os detalhes para a viagem trazendo Iggy e Williamson com ele para Nova York, onde se hospedaram no hotel Warwick. DeFries deu US$ 500 para os dois e contratou Zanetta para cuidar do cantor, enquanto ele DeFries cuidava de fazer alguns contatos.

Nova Carreira em Nova Cidade

Keith Moon e Iggy PopDesta forma, o ano de 1972 começou para Iggy e James da melhor maneira possível. Teoricamente livres da dependência química e morando em Londres, tudo que faziam era ensaiar, ensaiar e ensaiar. Os dois foram colocados inicialmente no hotel Royal Gardens, mas para diminiuir as despesas foram relocados para uma pequena casa em St. John's Wood. Durante os meses de abril e maio, os dois testaram vários músicos para o grupo, procurando um baixista e um baterista. Uma das primeiras experiências foi com Trevor Bolder e Woody Woodmansey, a cozinha da banda Rats que se tornariam The Spiders From Mars. Depois vieram Twink Alder, baterista conhecido no circuito com passagens por bandas como The Fairies, Tomorrow e Pink Fairies. Com ele veio Overend Watts, do Mott the Hoople, que também ensaiou com o pessoal, mas nenhum deles se mostrou agressivo o suficiente para o gosto musical de Iggy e de James. No fundo, eles queriam era encontrar alguém com o som de Detroit, que simplesmente não se encontrava em Londres.

James lembra que quanto mais testavam, mais desanimados ficavam, até que decidiram ligar para Ann Arbor e convidaram Ron e Scott para irem até a Inglaterra. Segundo se conta, James achava que não iriam encontrar um baterista tão violento quanto Scott Asheton e Iggy rapidamente concluiu que se for chamar um, é melhor chamar os dois. Scott adorou a idéia, mas Ron, não. “Então Iggy me liga dizendo que não encontrou ninguém bom suficiente (por lá) para tocar baixo e bateria. Valeu cara, vocês foram para outro lugar, não me convidaram e agora porque estão desesperados, precisam da minha ajuda, então me ligam?”

Além disso, Ron não queria tocar baixo e sim guitarra. Mas ir para Inglaterra era melhor do que continuar parado em Ann Arbor morando com a mãe. Ron queria fazer alguma coisa. Qualquer coisa. E o convite de remontar os Stooges agora sob patrocínio de uma produtora inglesa era uma ótima opção. Sobre a MainMan, Ron comentaria, “Nos eramos tratados muito bem, porém de forma diferente. (O contrato com) Mainman não era com a banda, era com Iggy. Ele que assinou e tomou para si a responsabilidade pela criação (dos Stooges). Nós eramos apenas os ajudantes odiosos do monstro que ele criou.”

Os dois irmãos chegaram no dia 6 de junho de 1972, e logo conheceram David Bowie, a esta altura já um grande estrela, que apareceu na casa com duas jamaicanas. Ao ir embora, Bowie supostamente agarrou a bunda de Ron Asheton e lhe deu um beijo. A reação instintiva de Ron foi armar o braço para lhe aplicar um soco na cara, mas não o soltou. Sabiamente lembrou que se tratava de David Bowie, um artista e sócio da MainMan, firma que pagou sua passagem e o aluguel da casa que ele agora reside. No dia seguinte começaram a ensaiar, geralmente trabalhando entre meia-noite e seis da manhã.


The Stooges em Londres

No começo de Junho de 1972, The Fall And Rise of Ziggy Stardust And The Spiders From Mars foi lançado, e é justamente por causa de Ziggy Stardust, que DeFries não se arriscava em marcar um show para o grupo de Iggy, temendo uma atração tirasse atenção da outra. Com os Stooges montados novamente, Ron e Scott finalmente dando a Iggy e James o peso que eles tão desesperadamente desejavam, passaram a ensaiar intensamente o novo material composto por Iggy e James. Aliás, uma das grandes mudanças desta versão dos Stooges em comparação com a antiga é a facilidade com que Iggy e James conseguem criar, montar e estruturar uma canção nova.


James Williamson não só era um guitarrista mais virtuoso do que Ron Asheton, mas tinha uma enorme facilidade para estruturar uma idéia musical em uma canção. E Iggy rapidamente aprendeu com Williamson como compor uma letra que encaixe nesta estrutura musical montada, até que, em pouco tempo, os dois estavam compondo juntos, em verdadeira parceria. Iggy e James centralizavam todo o trabalho de composição e não permitiam que Ron e Scott opinassem. Havia brigas entre Ron e James, o baixista acusando o guitarrista de arrogante por tratarem a cozinha da banda como músicos contratados durante os ensaios, e não como integrantes de um grupo. James Williamson era o mais violento e o melhor lutador, a ponto de até Scott Asheton se sentir intimidado por ele. Neste clima, os irmãos Asheton assumiram o lugar de coadjuvantes em uma banda que ambos achavam que eles haviam criado. Afinal, olhando o passado, para os irmãos Asheton, The Stooges foi uma extensão do The Dirty Shames, com Iggy substituindo a irmã Kate Asheton. No entanto, sobre a mão de Iggy e James, a banda trabalhou duro durante semanas, ensaiando todos os dias da semana até estarem coesos, sólidos como uma boa banda precisa ser.

Sem drogas pesadas, só fumo (haxixe trazido semanalmente a casa) e um pouco de birita, pode-se cogitar que, possivelmente, o melhor momento musical do novo Stooges nunca foi visto ou gravado. Ensairam tanto sem terem nada marcados que quando a MainMan mandou o fotografo Mick Rock para registrá-los, ele encontrou um grupo extremamente cooperativo. Deram toda a atenção ao fotógrafo, simplesmente porque estavam entediados ao extremo e era uma coisa nova e diferente acontecendo.

A estréia ao vivo de Ziggy Stardust and the Spiders From Mars foi no Rainbow Theatre, onde os Stooges e Lou Reed foram convidados de honra para assistir. Tendo assistido o ensaio geral a tarde, de noite, durante o primeiro terço do show, Ron e Scott levantam e vão embora, entediados. Foram até o bar do teatro onde encontraram Lou Reed, já embriagado. Os três enchem a cara e Reed, ainda por cima, oferece um Mandrax para cada um e terminaram a noite ali mesmo no bar. No dia seguinte, Ron e Scott foram chamados ao escritório da MainMan, com Tony DeFries dando um esporro por terem abandonados os seus lugares a vista de todos na terceira música do show. Ron mandou Tony para aquele lugar e este seria o perfeito exemplo de como andariam as relações entre DeFries e os Stooges, no futuro.

Show No Scala

"Aquele era um tipo de público. Pareceu bem mais velho."

Tony “importou” alguns jornalistas dos Estados Unidos para assistirem um show de Bowie, em Londres, no Aylesbury Park, marcada para o dia 15 de Julho. Após o show, foram colocados em um ônibus à disposição para assistirem um show do reformado Stooges em Pentonville Road perto de King’s Cross. O local era um velho cinema poeira chamado The Scala, agora sendo usado como casa de espetáculo. Este é o mesmo local onde Lou Reed havia feito uns shows, dias antes. Acabaria sendo o único show da banda na Inglaterra, na Europa, como também, o único no ano de 1972.

The Flamin’ Groovies abriram a noite começando sua apresentação pouco depois de meia noite, seguidos então pelos novos Stooges. Os críticos ingleses só conheciam Iggy e Stooges de nome e sua reputação de doidos. Iggy entra no palco usando uma calça prateada lamé e cabelo loiro, mais selvagem do que nunca. Com uma performance maluca e insana, chamou e grudou a atenção dos presentes. Após uma apresentação de 40 minutos, onde só tocaram canções novas - “Gimme Some Skin”, “I Got A Right”, “I Need Somebody”, “I'm Sick of You”, e “Scene of the Crime”, - e nenhuma canção de seus dois álbuns pela Elektra. Quando o microfone teve uma pane, Iggy não se abalou e fez uma versão muito bem humorada de “The Shadow Of Your Smile”, imitando Frank Sinatra, que a havia gravado.

A casa estava bastante cheia e praticamente todos sairam de lá embasbacados ou chocados. A grande maioria do público era composta por pessoas na casa dos 30 anos e não adolescentes, sendo a maioria de jornalistas ou de gente que trabalha dentro do meio. Como de costume, primeiro a banda e depois Iggy vêm ao palco, com o cantor encarando o público, analisando-o antes de começar a cantar. Nesta noite ele roda por todo o palco, olhando fixamente às pessoas presentes, todos sentados em suas poltronas de cinema. Quando finalmente chega ao microfone, insulta todos, dizendo que não sente inspirado pela platéia. Nick Kent, do jornal New Musical Express, diria em seu review, “O efeito era mais assustador do que todos os discos de Alice Coopers e Laranja Mecanicas somados.” Hoje, ouvindo um disco como Raw Power, soa até melodico. Mas naquela época, não havia nada que chegasse perto da agressividade desta música que os Stooges estavam tocando.

Iggy comentaria assim sobre aquela noite, “Aquele era um tipo diferente de público. Pareceu bem mais velho. Eu gostaria de provar (aqui na Inglaterra) um público verdadeiramente adolescente. Eu vi várias meninas bonitas na platéia. Eu vi algumas meninas realmente lindas andando por Londres, mas parece que eu nunca consigo conhecê-las.”

Dorchester Hotel

Bowie, Iggy e Lou em DorchesterNo dia seguinte, MainMan marcou uma entrevista coletiva no suntuoso hotel Dorchester, em Londres, com David Bowie, Iggy Pop (vestido com uma camiseta do T. Rex) e Lou Reed. Lou Reed estava acabando de gravar o álbum Transformer, sobre os auspícios de Bowie. O mesmo se esperava acontecer em relação ao novo álbum que Iggy Pop iria começar a gravar. Pelo menos estes eram os planos da MainMan.

David Bowie, fazendo as honras como anfitrião, apresenta Iggy para os jornalistas, definido sua imagem de imprevisível como um artista que possui um dom teatral natural. “É algo todo seu, um teatro de Detroit que ele traz consigo, e que vem diretamente das ruas.” Concluindo, Bowie elogia Iggy dizendo que ele possuía todo o gestual teatral necessário de uma grande estrela. Sobre Lou Reed, Bowie diria, “Qualquer sociedade que permite pessoas como Lou e eu a se tornarem estrelas, está realmente perdida.”

A entrevista foi um happening, embora para apenas uma dúzia de jornalistas ou pouco mais. A entrevista foi realizada durante a hora do chá, com o evento sendo servido de champagne, caviar e morangos frescos. David Bowie, Lou Reed e Iggy Pop fizeram cada um, uma versão teatral de si mesmo para a midia. Iggy era o junkie, Lou Reed era o americano sarcástico atraído pelo anfitrião, Bowie, que nesta tarde era a duquesa desta corte. Era um teatro totalmente estruturado acontecendo na vida real.

Concebendo Raw Power

Passado a noite de show e entrevistas, Iggy e os Stooges voltam aos ensaios, sem data marcada para outro show ou inicio de gravação do prometido disco. A MainMan, ocupada demais com David Bowie, não dava sinal verde para os Stooges, pois temia o perigo de uma banda tirar o brilho da outra. Os eternos ensaios passam a ter seu propósito questionando e o tédio passa a tomar conta. Uma coisa que ninguém fala sobre aquele único show dos Stooges em Londres é que a vizinhança era ponto para prostituição e de venda de narcóticos. Assim, naquela noite, os Stooges descobrem o ponto de Londres onde comprar heroína quando quiserem.

Apesar de serem proibidos pela MainMan de usarem drogas, Iggy e James, seguidos por Scott, voltariam a usar heroína. Iggy havia se esforçado muito em realizar um bom trabalho e vendo DeFries como seu salvador artístico. Mas, com o sucesso de David Bowie, a MainMan insistia em segurar Iggy & os Stooges, não permitindo a eles nenhuma exposição. A rotina de ensaios sem propósito começou a deprimir todos, o que inevitavelmente levou os músicos a buscarem prazeres externos.

A banda então foi autorizada a fazerem uma demo do material que seria preparada para o novo disco e uma audição da tal fita foi realizada na MainMan. Marcharam todos para o RG Studios, em Wimbledon, onde gravaram a grande demo para MainMan, que apareceria posteriormente em duzentos mil discos piratas dos Stooges. O repertório desta demo é, em essência, o disco a ser lançado como visualizado pelos Stooges, com as canções “Scene of the Crime”, “Hard To Beat”, “I Got A Right”, “Gimme Some Skin”, “I Need Somebody”, “I'm Sick Of You”, “Nigger Man”, “Fresh Rag”, “Tight Pants”, e “R Jones At Wimbledon”.

O disco estava mais ou menos montado na cabeça dos dois compositores até as mostrarem para DeFries, que odiou todo o repertório. Furioso, mandou que escrevessem novas canções, dizendo-se envergonhado com aquele material. DeFries havia gostado apenas dos riffs de “RG Jones At Wimbledon“ e “Tights Pants”, que depois de ter a letra mudada virou “Shake Appeal”. Mas ele não sabia o que frazer com Iggy e com sua falta de cooperação.

Estava óbvio que deixando o disco em sua mão, MainMan jamais teria um produto comercialmente viável. DeFries então pede a David Bowie tentar negociar com Iggy como ele possa “ajudar” na realização do novo disco. Mas Iggy dispensa a ajuda de Bowie também, não querendo que se faça com os Stooges a mesma estratégia feita com Mott The Hoople, grupo que ganhou uma composição exclusiva do Bowie - “All The Young Dudes” - que tocou bastante nas rádios, empurrando as vendas do álbum, além de ajudar consideravelmente a vender ingressos para seus shows. Mas Iggy não queria desvirtuar seu sonho musical para acomodar uma fórmula popularesca e, também não queria abrir mão do controle de todo o álbum. Então, David Bowie retornou a DeFries aconselhando-o a simplesmente deixar Iggy fazer o que ele quiser.

As Canções

Sobre as canções, “Death Trip”, propositalmente colocada como a última do álbum, seria diretamente relacinada com a recusa de DeFries do material original para o disco. “Eu sabia que o álbum estava predestinado ao fracasso, que a nossa relação com a MainMan estava predestinada ao fracasso, eu sei que eu estou predestinado ao fracasso por lançar música assim, pois sei que ninguém vai promovê-la. Sei que não vai tocar nas rádios e um monte de gente não irá gostar dela. Mas por outro lado, estou totalmente convencido que esta é a melhor música, portanto é isto que eu vou fazer. É sobre isto que eu estou cantando.”

Iggy comentaria que a letra de “Search And Destroy” seria escrito baseada em uma reportagem na revista Time sobre Vietnã, que lia no parque de Kensington Gardens, debaixo de um carvalho enquanto raspava uma pedra de China White, heroína chinesa de grande pureza. Também sobre a canção, Iggy comenta “Eu sempre achei “Heart Full of Soul” (dos Yardbirds) era uma boa canção e fiquei pensando do que o meu coração seria cheio? Eu decidi basicamente que ele é cheio de napalm.” James Williamson reaproveitou o núcleo e riff de “RG Jones At Wimbledon” somando-a com a nova letra e assim nasceu “Search And Destroy”.

“Penetration” teria sido inspirado em certas passagens de dois livros de William Burroughs, “Soft Machine” e “The Ticket That Exploded”. Já “Gimmie Danger” é supostamente uma análise autobiográfica, com Iggy procurando interpretar a canção com uma voz barítona no melhor estilo Jim Morrison. “Your Pretty Face Is Going To Hell” ele escreveu para uma menina que ele andou comendo enquanto esteve em Londres e que o enchia.

Política Interna da Mainman

No verão de 1972, a MainMan foi oficialmente batizada. Tony era o chefe-executivo e Tony Zanetta, presidente dela, nos Estados Unidos. Leee Black Childers era o vice e Cherry Vanilla, diretora de publicidade. Na Inglaterra, ficava Corinne Schwab, que anos depois seria o braço-direito de Bowie, após este romper com DeFries. Os artistas contratados eram, além de Bowie e os Stooges, o Mott the Hopple e Annette Peacock, e todos recebiam um salário semanal.

O salário, aliás, foi motivo de váris brigas. Uma passagem interessante é relatada por Ron: “Um dia, conversando com Trevor e Woody, que eram baixista e baterista do Spiders from Mars, banda de Bowie, começamos a falar sobre dinheiro. Trevor perguntou quanto eu ganhava por semana e eu disse que era US$ 150. O homem ficou maluco e começou a gritar que eles ganhavam apenas US$ 75, sendo que eram integrantes do espetáculo mais quente do momento. Descobrimos que Mick Ronson (guitarrista do Spiders) ganhava US$ 2000, e que David uma porcentagem da bilheteria de cada show. Isso foi o mesmo que DeFries tentou fazer conosco: um salário fixo para nós e uma porcentagem para Iggy a cada show. Ele queria fazer com James o mesmo que acontecia com Mick, mas Iggy não permitiu e todos nós recebíamos a mesma quantia”. Mesmo assim, Iggy ganhava um extra da MainMan, que também pagava o aluguel dos instrumentos, aluguel da casa, além de um carro com motorista para o grupo.

Todos os ganhos de seus artistas eram pagos em cheques nominais para MainMan, com DeFries retendo o dinheiro para despesas internas enquanto pagava a seus artistas sálarios fixos. E para manter o esquema, quando as queixas aconteciam, jogava a culpa para outro artista. Para Bowie, DeFries dizia que teve dispesas com Iggy que precisava trabalho dentário. Para Iggy que queria tocar para um público, dizia que não havia a mesma demanda para a sua banda, como havia para Mott the Hoople.


Ziggy Stardust Versus The Stooges

Ziggy StardustEnquanto David Bowie excursionava, Iggy, James e Scott compravam codeína líquida na farmácia da esquina e Ron fumava haxixe escondido, pelas ruas de Londres. Codeína é um alcalóide narcótico, sem odor ou cor, cuja composição química é C18H21NO3. Trata-se de um derivado da morfina (que por sua vez vêm do ópio), e é usado na medicina como um analgésico para fortes crises de tosse. Sua sensação de bem estar é altamente hipnótica.

Todo este uso consumia quase metade do salário semanal de cada um. Ron Asheton também passou a manter um ralacionamento sexual com Angela Bowie, funcionária da MainMan cuja função era de atender as necessidades dos Stooges e de Lou Reed. Em Setembro, DeFries e toda a cúpula de sua empresa viajaram para os Estados Unidos, com a finalidade de trabalharem na parte americana da turnê de Ziggy Stardust, deixando os Stooges por conta própria em Londres. O grupo se sentiu neglicenciado e, em represália, começou a quebrar a casa alugada em que viviam e brigando com os vizinhos.

Foi um período duro para o grupo, já que Bowie era a estrela de 1972 e ocupava toda a atenção da MainMan. “Uma vez Tony foi na nossa casa e desceu até o porão. Me viu construindo algo e perguntou o que era. Disse que era a ponte do Rio Kwai e que me sentia como Alec Guiness. Ele perguntou porque eu a tinha construído e disse que era para destruí-la depois. Eu estava cheio de tédio e vontade de tocar e comecei a berrar com ele, chamando o de cretino e implorando por uma apresentação. Ele só pensava em David e em Ziggy.”

Mas a ascensão de Bowie foi lenta, já que Ziggy foi crescendo gradualmente, pois David não era uma grande estrela até o advento de seu mais emblemático personagem. Pensando assim, Iggy foi falar com DeFries usando o argumento que se investissem nele e em seu grupo, poderia acontecer o mesmo. Ron conta uma reclamação geral do grupo: “Nós vivemos nessa casa bacana, cheio de conforto e não fazemos outra coisa a não ser ensaiar. A banda está afiada, em forma e nada acontece. Nós chegamos para o Tony e imploramos para fazermos alguns shows, mas o desgraçado nos ignora. Ele só pensa em Bowie, Ziggy, América e dinheiro. Ele está cagando para nós, se quiser saber minha opinião.”

E Ron não estava longe da verdade, pois para a MainMan o artista principal precisa ser o melhor aproveitado e para isso, deve ostentar uma grandeza e riqueza imensas. Portanto, David poderia viver na ostentação, enquanto os Stooges eram desprezados. Uma das razões para o esquecimento do grupo, é que Tony não queria que os dois grupos fizessem shows ao mesmo tempo, com medo de que Iggy e David fossem alvos de comparações.

Gravando o Disco

As intenções originais da DeFries e Bowie era de se ter Iggy Pop com uma banda inglesa, que eles poderiam monitorar e controlar. Bowie produziria o disco e certamente daria uma canção como fez com Mott the Hoople, que provavelmente seria o sucesso comerical que daria o grupo validade pop e impulso para vendas de ingressos e exposição na midia. Iggy não quis nada disso, recusando tudo que era oferecido.

Stooges 72: Ron, Iggy, Scott e James“Não queremos David toda noite no estúdio conosco. Ele vai acabar querendo o controle do que estamos gravando.” Sendo assim, resolveram que Iggy seria o produtor e que David cuidaria da mixagem, já que David era talentoso e saberia como melhorar o som do grupo na mixagem. Ele ajudaria muito as vendagens com seu nome estampado no encarte, já que Bowie era a estrela do momento como Ziggy Stardust. DeFries estava arrependido de ter se metido com Iggy e aparentemente foi Bowie quem exerceu sua força dizendo que fez DeFries dar o sinal verde para o grupo gravar o seu álbum.

A MainMan garantia que eles teriam um sem-número de horas para trabalharem nos estúdios da CBS. Os quatro ficavam de cinco a seis horas diárias tocando. Iggy e os Stooges entram no estúdio e sozinhos gravaram em Setembro o que acabou se tornando o último álbum dos Stooges. Tudo feito rapidamente, já que todas as sessões levaram apenas doze dias.

Nenhum representante da MainMan apareceu durante este tempo e Iggy é o primeiro a dizer que foi melhor assim. Sem o uso de drogas durante este periodo, Iggy apenas bebericando um Vermute para manter a voz aquecida. Nem groupies ou namoradas foram permitidas acesso ao estúdio durante as gravações, regras impostas por Iggy e respeitadas pelos demais.

Uma vez gravado, Iggy imediatamente começou a mixar o disco, e já cansado de tanto ouvir o material, não conseguiu dar um som adequado. Segundo ele mesmo admite, a mixagem soava muito amadora. DeFries que já não gostava das composições, ou da banda, muito menos de seu exigente e irritante artista principal, não admitiu lançar o disco mal mixado desta maneira e como única opção, deu a Iggy o últimato de confiar no trabalho de Bowie.

Dispensando os Stooges

Enquanto Iggy esperava David Bowie poder encontrar tempo para mixar o seu disco, e o outono já chegava, a ordem foi dada para o resto dos Stooges retornarem para Detroit. DeFries estava cansando de aturá-los e imaginava ser mais fácil lidar apenas com Iggy. Eles tinham destruído a casa, incomodado todos os vizinhos e a MainMan simplesmente não tinham mais aonde colocá-los.

Sem intenção de lidar com os Stooges mais do que estritamente o necessário, manteve Iggy em Londres e dispensou a presença dos outros três. Com receio de que, com as passagens nas mãos, Williamson e os irmãos Ashetons provavelmente as venderiam para comprar drogas, colocou alguém responsável por segurar as passagens e levá-los até Ann Arbor.

Esta pessoa foi Angela Bowie, que uma vez em Ann Arbor, resolveu permanecer na cidade para verificar as maravilhas da cena musical do lugar, que tanto David Bowie falava. Enquanto em Ann Arbor, Angela acabou tendo um caso com James Williamson. Como ela ainda não fazia uso de heroína, achou tediosa a companhia, sintetizando a relação como momentos de prazer seguidos por horas de tédio esperando o namorado sair do banheiro onde se trancou para injetar a droga. Angela largou Williamson e voltaria a ter um romance relâmpago com Ron Asheton, com quem ficou por mais algumas semanas até este lhe apresentar ao amigo Scott Richardson.

Angela diria que estava quase pronta para retornar a Londres quando conheceu e acabou se apaixonando por Scott Richardson, vocalista da banda SRC. Richardson gostava de cocaína, uma droga muito mais social e de seu agrado. Angela e Scott ficariam juntos pelo o resto da estação, onde, a esta altura, de tão ligados, passariam, como tantos outros, a misturar cocaína com heroína para ajudar a acalmar. Logo, Richardson também estará viciado em heroína e Angela igualmente começaria a criar uma dependência. Com o inverno prestes a chegar, Angela retorna a Inglaterra levando consigo Scott para sua casa em Oakley Street, Londres, onde encontra David Bowie e Mick Jagger dormindo juntos em sua cama de casal. Scott Richardson acabaria morando em Londres por um ano, circulando com Angela e David.

Desafiando DeFries

Durante meados do mês de Outubro, Iggy voou para Los Angeles com todas as fitas de Raw Power para encontrar todo o staff da MainMan e Bowie, hospedados no hotel Beverly Hills. A ostentação era imensa, pois todo os integrantes viviam em luxuoso bangalôs durante os 10 dias que lá ficaram. No mês seguinte, chegou a Los Angeles todos os demais integrantes dos Stooges para se juntar a ele. Enquanto Bowie continuava sua tour pela América, Leee Childers ficou de arranjar uma casa para os Stooges em Los Angeles.

Leee conta que Iggy não quis nenhuma que lhe foi oferecida e saía com uma limousine do hotel, com todas as despesas pagas pela MainMan por toda Beverly procurando um canto, até achar um no alto de Hollywood Hillls. A casa acabou sendo alugada ao custo de US$ 900 mensais, sendo uma casa de quatro quartos com piscina no alto dos morros de Hollywood, em Torrenson Drive. Ron comenta sobre como era viver naquela casa, “No inicio era ótimo, voltávamos dos ensaios e havia mulheres nuas na piscina. Uma vida clássica de rock’n’roll: groupies nuas na piscina, um Cadillac na garagem, sendo pagos, empregadas e maconha à vontade.”

Os Stooges tocaram no Whiskey A-Go-Go, com direito a boquetes no banheiro entre os sets. Puro rock’n’roll, no melhor estilo Dionístico que Los Angeles tinha para oferecer no início da década de setenta. Várias das groupies mais conhecidas como Miss Christine da GTO’s, Sable Stark e Laurie Maddox circularam entre os Stooges durante este período.

Leee tinha sido contratado por DeFries para ser uma espécie de babá do grupo, organizando e agendando ensaios e gravações e só fariam algumas apresentações se o chefe assim mandasse. Mas Tony estava preocupado com a segunda parte da tour de Ziggy, aberta no suntuoso e elegante Rádio City Music Hall, em Nova York, no dia 14 de Fevereiro de 1973. Iggy estava cada vez mais irritado com a situação e um dia reclamou para Childers. Leee conta que o cantor se sentia um bibelô de David, que nunca o via e estava ficando cada vez mais inseguro e aborrecido. “Ninguém de nós ousava desafiar DeFries, que era uma espécie de Deus e eu não ia aborrecê-lo com isso. Iggy percebeu a inutilidade em se queixar comigo e resolveu não falar mais sobre suas frustrações.”

Enquanto isto, as loucuras em Hollywood envolvendo os Stooges continuavam. Iggy, de tão chapado, invariavelmente caía na piscina e quase morria afogado, enquanto os demais viam e sequer se importavam com o que acontecia com ele. Leee Childers, que nunca aprendeu a nadar na infância, acabou aprendendo de tanto ter que entrar na piscina, segurando na beirada com um braço esticado, enquanto o outro tenta desesperadamente alcançar um pé ou uma mão boiando perto.

Leee Childers havia se apaixonado por um rapaz que ele trouxe para casa certa noite e deixou-o ficando morando na casa. Assim, a regra pré-estabelecida de que as mulheres que os Stooges arrumavam não poderiam mais passar a morar lá, foi por água abaixo.

Como assitente de Childers, havia a belíssima Cyrinda Foxe que andou com David Johansen dos New York Dolls na época. Ela foi a primeira a passar a morar com James Williamson. Cyrinda, mais tarde, iria casar com Steve Tyler, do Aerosmith. Sable Stark, uma groupie de quatroze para quinze anos, também passou a viver na casa, alternando suas atenções ora com Iggy, Ron e Scott. Carol Stark, sua irmã, acabou ficando de vez com Iggy Pop, embora o tenha deixado após as loucuras de Iggy ficarem insuportáveis. Sable tentou se suicidar algumas vezes naquela casa só para chamar atenção, o que acabou levando ela a ser expulsa por Childers.


A Mixagem de Bowie

Em Março de 73, David Bowie voltou para Los Angeles para dois concertos (Long Beach e no Hollywood Palladium) e como havia uns dias até o início da turnê pelo Japão, trancou-se com Iggy em um estúdio no Hollywood's Western Sound Studio para trabalhar na mixagem de Raw Power. Este era um estúdio velho com uma mesa de mixagem de quase dez anos de idade. Sozinhos, David Bowie e Iggy Pop, acompanhados apenas de um assistente de Bowie chamado Stewart, mixaram o novo disco, já chamado de “Raw Power.”

Bowie teve um certo trabalho com elas e começou a orientar para algumas mudanças que acreditava serem necessárias. Iggy começava a brigar com David dizendo que ele estava desperdiçando boas idéias gravadas e querendo sabotar o disco. “Nós tínhamos um mix que era muito melhor do que o Bowie havia mixado, com o baixo e a bateria mais presentes. Todo mundo falava que a mixagem dele tinha ficado estranha porque David e Iggy estavam chapados de cocaína, mas na verdade foi Bowie que fodeu com tudo”, reclamou anos depois Ron.

Sobre sua mixagem original, Iggy comentaria, “Eu queria que as músicas saíssem dos alto falantes agarrando o ouvinte pela garganta, jogar sua cabeça contra a parede e basicamente matá-lo. Era o que eu queria, mas não importa o quanto eu tentasse, nunca conseguira fazer os agudos machucar o suficiente, nem o baixo ou fazia o bumbo ser forte o suficiente, e assim por diante, mixagem após mixagem. Basicamente eu perdi a perspectiva – artistas fazem isso. E provavelmente as drogas também deixaram tudo fora de proporção.”

Por conta da reedição para CD em 1996, Iggy comentava sobre o trabalho de Bowie já com outra perspectiva. “Ele ouviu cada instrumento de cada canção e conversava comigo a respeito. Eu lhe explicava o que eu queria e tentava colocar isso dentro da devida perspectiva adicionando seus retoques. Em retrospecto, acho que os pequenos retoques dado por Bowie na mixagem ajudaram.”

Fazendo Seu Papel

No dia 27 de março de 1973, a banda finalmente realizou um show, em Detroit, onde foram recebidos como grande entusiasmo, no Henry and Edsel Ford Auditorium, local normalmente usado apenas pela Orquestra Sinfônica da cidade. Iggy deu várias entrevistas em rádios locais e, em uma delas, aprontou mais uma das suas. Sua imagem ainda é o de homem louco e dentro de seu papel de artista, existe a necessidade de manter a imagem, o que o público espera de você. No caso de Iggy, esperam loucuras inimagináveis.

Iggy, como um artista perdido dentro de seu papel, muitas vezes acaba seguindo seu extinto animal e fazendo bobagem nos lugares menos apropriados. Durante a transmissão, Iggy ficou completamente nu, comentando no rádio que estava sem roupa, coçando o saco e tocando uma punheta. Depois, para coroar o evento, se trancou no elevador da emissora com Cherry Vanilla e tentou estuprá-la. DeFries estava presente e quase o demitiu, mas foi acalmado e a apresentação dos Stooges foi memorável, com Iggy dando um grande espetáculo.

A Demissão

O show de 40 minutos teve basicamente o repertório de Raw Power, mas por ordem de DeFries não voltaram para o bis. Após a apresentação, DeFries foi falar com o guitarrista James Williamson. Ele queria encontrar uma maneira de controlar Iggy, se livrando dos Stooges. Procurando semear discórdia interna, Tony havia dito a Williamson que Iggy queria substituí-lo. James começou a brigar com Tony, que desprezava o uso de drogas pelo guitarrista, e deu um ultimato para que parasse com tudo ou seria demitido. James não aceitou a chantagem e pediu demissão dos Stooges. A banda começou a trabalhar então com um músico de estúdio chamado Sky Warnklein, que usava o nome artístico de Tornado Turner.

Um show foi marcado com a nova formação em Tennessee, em uma casa chamada Mother’s. Seria a primeira vez que os Stooges tocariam em Nashville, porém, não a última. Depois deste show, Iggy ficou incontrolável e começou a rugir e beber e abusar com drogas novamente. Ele queria a volta de James Williamson e só conseguiu desagradar ainda mais DeFries.

Mesmo estando no Japão, cansado de aturar, Tony DeFries deu a ordem por intermédio de Leee Childers, para vasculhar o quarto de Iggy a procura de provas que eles estão usando entorpecentes. Com a prova em mãos, MainMan teria como romper o contrato por justa causa. Childres encontrou uma colher queimada, naturalmente utilizada para cozinhar a heroína antes de injetá-la, e depois, só lhe restou informar Iggy e a banda. O acordo entre a MainMan e os Stooges estava desfeito. Quando Bowie soube do ocorrido, ficou apreensivo, mas percebeu que Iggy só seria Iggy à sua maneira. Em menos de três anos, ele também iria deixar MainMan e Tony DeFries de lado e seguir sua carreira sozinho.