172 - Iggy Pop - The Idiot e Lust for Life


Não se engane: apesar de eu ter alguns textos sobre Iggy com Creedance na sessão "Parcerias" desse site, nossa colaboração se estenderá apenas aos anos com os Stooges. Sendo assim, a carreira-solo de Iggy Pop correrá apenas por minha conta. Provavelmente terá menos detalhes do que o trabalho com Creed, uma pessoa a quem prezo muito. Aqui, abordarei os dois primeiros LPs solos do Iguana, produzidos por David Bowie, seu amigo, fã e mentor e que foram gravados em Berlim, durante os anos em que David se refugiou e trabalhou com Brian Eno. The Idiot e Lust for Life são dois dos mais importantes trabalhos de sua carreira e obrigatório como referência para todas as bandas punks que nasciam.


Quando os Stooges terminaram em 1974, Iggy ficou completamente perdido. Sem banda, sem dinheiro, sem contrato e viciado novamente em heroína, a sua vida parecia naufragar irremediavelmente.

A única coisa que permanecia era sua parceria com James Williamson, com quem gravou, em 1975, o disco Kill City, que ninguém quis lançar.

As gravações foram feitas na época em que ele estava internado no Instituto de Neuropsquiatria da Universidade da Califórnia (UCLA), em mais uma tentativa de desintoxicar-se.

Os dias eram tristes para o cantor: ninguém mais o via ou se lembrava dele. Ninguém, não, pois havia um grande fã: David Bowie.

Bowie atravessava um período mágico em sua carreira e trágico em sua vida pessoal. O sucesso da música "Fame", parceria com John Lennon e Carlos Alomar e do disco Young Americans tinha dado o sucesso na América e jogado sua carreira para uma dimensão muito maior do que ele imaginava. Mas Bowie viva um período turbulento na rotina de Los Angeles, cercado de festas, badalações e muita cocaína. Fisicamente, estava mais magro e abatido do que nunca, com as sobrancelhas raspadas e vivendo de sua "dieta branca" - leite e cocaína. E, mesmo assim, era o único que se lembrava de seu velho ídolo e amigo e o queria ajudar a retornar aos palcos.

Os dois então resolveram entrar em um estúdio furreca, o Oz, e gravaram algumas canções, com Bowie produzindo e tocando quase todos os instrumentos. Dessa parceria nasceram "Turn Blue", "Moving On", "Sell Your Love" e "Drink To Me".

Livre da clínica, no meio do ano, Iggy resolveu que era hora de fugir da loucura de Los Angeles e procurar abrigo em uma cidade mais calma, e queria ir para San Diego. "Eu decidi que era hora de cair fora daquela cidade e da vida rock and roll e recomeçar a fazer música. Minha idéia indo para San Diego era montar alguma banda de bar, com alguns amigos e sabia que poderíamos ser os melhores do mundo em um ano. Mas, ao invés disso, acabei indo ao encontro de David Bowie."

Iggy acabou ficando sob os cuidados de seu amigo, que em 1976 começava a excursionar pelo mundo promovendo o disco Station to Station, um de seus trabalhos mais polêmicos, devido ao personagem Thin White Duke, acusado de nazista. Após visitar David no backstage no Forum, de Los Angeles, resolveu se integrar a tour de Bowie, como convidado.

Apesar do momento doloroso que vivia Bowie, Iggy tem grandes lembranças dessa viagem: "David me ajudou, restaurando minha auto-confiança. Nos conhecíamos há muito tempo e ele estava muito preocupado com minha falta de trabalho e fiquei muito feliz de confiar nele, que é muito leal com seus amigos."

Iggy estava também impressionado com o ritmo frenético de seu colega: "David trabalha demais, acordando às oito horas da manhã e viajando de carro para os shows, pois não gosta de voar. Quando chegava nas cidades, dava entrevistas, cochilava por meia hora, fazia o show e ainda conferia quem estava tocado na cidade para poder ver algum espetáculo. Ele não parava jamais!"

desenho de Iggy feito por Bowie e que seria usado como modelo para a capa The IdiotMas a saúde de David estava seriamente abalada com tanta cocaína, que havia causado uma enorme paranóia. Tentando fugir de tudo isso, David resolveu se mudar para o Chateau d'Herouville, perto de Paris.

Uma das idéias de David era ajudar Iggy a fazer um novo disco. A primeira música composta seria "Sister Midnight", escrita por Iggy, David e o guitarrista Carlos Alomar.

Bowie acabou levando todos para sua casa na Suíça, em Vevey, perto de Montreux e começou a escrever novas músicas com Iggy: "Tiny Girls" e "Dum Dum Boys" (em que Iggy traçava um perfil dos colegas dos Stooges). Aos poucos, o disco começava a ganhar corpo.

Acabaram voltando nos meses de junho e julho para o Chateau e gravaram algumas partes das músicas, mas tiveram que ir para Munique, quando descobriram que o local já tinha outros clientes agendados para o mês de agosto.

Bowie queria que Tony Visconti mixasse o disco de Iggy, mas como ele estava ocupado, chamaram um engenheiro do estúdio francês, que fez um trabalho pouco satisfatório. Por isso, resolveram esperar Tony estar disponível para mixar as músicas no estúdio Hansa by the Wall, em Berlim, para onde a dupla havia se mudado. No disco, Bowie havia cuidado das músicas, produzido e ainda tocado guitarra, sax e teclados, tendo o guitarrista Phil Palmer feito algumas partes. Curiosamente, não são conhecidos o baixista e o baterista dessas sessões.

Iggy era vizinho de prédio de Bowie, em um edifício em Schönberg e vivia com Esther Friedmann, filha de um diplomata norte-americano e curtia uma época extremamente feliz e livre das drogas. Iggy estava muito satisfeito em sua nova vida na Alemanha, um país que o fascinava desde menino: "eu sempre quis morar na Alemanha e adorava ler coisas sobre o país. Berlim é uma cidade com muito verde, ar limpo, ruas lindas, uma cidade muito agradável."

E foi Bowie quem deu o passo mais importante para que Iggy voltasse a gravar. Fazendo valer do seu prestígio dentro da RCA, conseguiu convencer a gravadora a assinar com Pop. O contrato valeria por três discos, com opção de renovação, caso Iggy fosse bem-sucedido.

capa do disco The IdiotAssim, era lançado, em março de 1977, The Idiot, o primeiro disco-solo de Iggy Pop. Com apenas oito músicas, o disco chamava atenção, antes de tudo, pela foto da capa, em branco-e-preto, tirada por David, em Berlim, após Bowie ficar admirado com uma pintura chamada Roquairol, de Erich Heckel.

No álbum, a influência de Bowie se mostra esmagadora. Atuando como produtor, compositor, ele levou Iggy a um tipo de som estranho, uma música cheia de sintetizadores e mais depressiva.

O disco causou uma certa estranheza entre os críticos, que não conseguiam reconhecer o antigo Iggy. Mas, o álbum virou disco de cabeceira de futuros astros, como Siouxsie Sioux (que o considera um disco perfeito) e Ian Curtis.

Bowie tentava fazer com Iggy o que estava fazendo com seu som: ampliando seu leque sonoro, utilizando sintetizadores e procurando criar uma música mais enclausurada, claustrofóbica.

O disco abre com "Sister Midnight", uma canção que poderia ser considerada uma prima distante de "The End", dos Doors, por abordar o tema do incesto. A segunda faixa, "Nightclubbing", fala da paranóia nuclear e foi regravada depois por Grace Jones. "Funtime" é um de seus maiores clássicos. O lado B abre com "China Girl", que seis anos depois viraria um sucesso enorme nas paradas do mundo no álbum Let's Dance, na voz de David Bowie. O disco fechava com três canções estranhas: as já citadas "Dum Dum Boys" e "Tiny Girls" e assustadora "Mass Production".

Iggy estava radiante com o álbum: "é meu disco de libertação. Pode até não ser fantástico ou uma obra de arte, mas significa muito para mim."

Comemorando o fato de ter lançado um grande disco, Iggy resolveu sair em uma excursão promocional, a primeira vez que pisaria num palco em três anos.

Bowie na excursão de The IdiotIggy então montou uma banda que consistia nos irmãos Tony Sales (baixo), Hunt Sales (bateria), Ricky Gardiner (guitarra) e um tecladista que se recusava a aparecer; nada menos do que o próprio David Bowie!

A presença de Bowie acabou causando mais problemas do que alegria para Iggy: como Bowie se recusava a participar das entrevistas coletivas e até fez questão de se manter no anonimato nos primeiros shows, para não tirar o foco de Iggy, acabou causando uma grande curiosidade. Por que um artista tão famoso e conhecido pelo seu imenso ego, estava sendo tão generoso com alguém, afinal?

"Eu queria que Iggy voltasse a ter os holofotes devidos e por isso concordei em ajudá-lo em sua volta."

Mas quando David finalmente quebrou seu silêncio e apareceu no programa de televisão Dinah!, de Dinah Shore, como músico de Iggy, o mal já havia sido feito. Maldosamente, Iggy era chamado de "garoto de David" e havia quem considerasse The Idiot um novo disco de Bowie, e não de Iggy.

Iggy se sentiu desgastado com a situação, embora tivesse consciência de que Bowie queria ajudá-lo e não usá-lo como uma marionete: "Ele me ajudou demais, cobrindo os custos iniciais da excursão e me ajudando a montar um show. Foi um pouco chato quando começou todo falatório por ele ser apenas o tecladista, mas o que eu poderia fazer? Ele é uma estrela e quis apenas me ajudar. Não tenho queixas."

Após realizar shows pelo Japão, Iggy e David tiraram alguns dias de férias e voltaram para Berlim. Era hora de gravar um novo disco, mas desta vez levando Tony e Hunt Sales, além de Ricky Gardiner como membros fixos. Tony e Hunt seriam, no futuro, membros do Tin Machine, banda engendrada por Bowie, em 1989.

Em 13 dias, Iggy havia gravado nove músicas que resultariam em um outro grande disco, também produzido por Bowie: Lust for Life.

capa do disco Lust for LifeSobre as gravações, Iggy comenta: "Lust for Life foi bem mais fácil de ser feito porque algumas canções já estavam sendo tocadas ao vivo - casos de 'Turn Blue', 'Tonight' e 'Some Weird Sin' - e o restante do disco foi escrito em um dia e meio e por isso queria gravá-lo imediatamente. Nesse disco, trabalhei de forma bastante intensa, compondo e me sentindo mais livre."

Realmente, a influência de Bowie foi um pouco menor, e os dois nem chegaram a assinar todas as composições em parceria. O grande destaque é a faixa-título, que virou coqueluche nos anos 90 por causa do filme Trainspotting. Mas outras canções clássicas estão presentes, como "The Passenger", parceria com Ricky Gardiner e regravada, em 1987, por Siouxsie and the Banshees; "Tonight", que Bowie regravou em 1984, divindindo os vocais com Tina Turner; entre outras.

Iggy resolveu sair novamente em excursão, mas desta vez sem David e desfrutou de um enorme culto, especialmente na Inglaterra e na Holanda, onde "Lust for Life" se alojou entre as 10 mais.

Iggy se sentia revigorado pelo sucesso obtido e fez 40 apresentações entre setembro e novembro de 1977, contra 26 shows da turnê de The Idiot.

Com os guitarristas Scott Thurston (também tecladista) e Stacey Heydon, além de Tony e Hunt Sales, Iggy tinha uma banda bem mais azeitada.

Mas Iggy ainda teria algumas surpresas como o lançamento de Kill City à sua revelia e feito por James Williamson, em novembro de 1977, e, principalmente, aprender a caminhar novamente sem a ajuda de David Bowie e mostrar que era capaz de cuidar de si novamente. Mas esses dois temas ficam para um outro dia. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

The Idiot (1977)
Lust for Life (1977)
Kill City (1977)
TV Eye (1978)
New Values (1979)
Soldier (1980)
Party (1981)
Zombie Birdhouse (1982)
Blah Blah Blah (1986)
Instinct (1988)
Brick by Brick (1990)
American Caesar (1993)
Naughty Little Doggie (1996)
Nude & Rude: The Best of Iggy Pop (1996)
The Best of Iggy Pop... Live (1996)
King Biscuit Flower Hour (1997)
Your Pretty Face Is Going to Hell (Get Back/Original Masters) Iggy Pop & the Stooges (1998)
Avenue B (1999)
Live (2000)
Milleniun Edition (2000)
Skull Ring (2003)
Ultimate Live (2004)
Platinum & Gold Collection (2004)
Penetration (2005)
The Best of Iggy Pop (2005)
A Million In Prize: The Anthology (2005)



 

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