Não se engane: apesar de
eu ter alguns textos sobre Iggy com Creedance na sessão
"Parcerias" desse site, nossa colaboração
se estenderá apenas aos anos com os Stooges. Sendo assim,
a carreira-solo de Iggy Pop correrá apenas por minha conta.
Provavelmente terá menos detalhes do que o trabalho com
Creed, uma pessoa a quem prezo muito. Aqui, abordarei os dois
primeiros LPs solos do Iguana, produzidos por David Bowie, seu
amigo, fã e mentor e que foram gravados em Berlim, durante
os anos em que David se refugiou e trabalhou com Brian Eno. The
Idiot e Lust for Life são dois dos mais importantes trabalhos
de sua carreira e obrigatório como referência para
todas as bandas punks que nasciam.
Quando
os Stooges terminaram em 1974, Iggy ficou completamente perdido.
Sem banda, sem dinheiro, sem contrato e viciado novamente em heroína,
a sua vida parecia naufragar irremediavelmente.
A única coisa que
permanecia era sua parceria com James Williamson, com quem gravou,
em 1975, o disco Kill City, que ninguém
quis lançar.
As gravações
foram feitas na época em que ele estava internado no Instituto
de Neuropsquiatria da Universidade da Califórnia (UCLA),
em mais uma tentativa de desintoxicar-se.
Os
dias eram tristes para o cantor: ninguém mais o via ou
se lembrava dele. Ninguém, não, pois havia um grande
fã: David Bowie.
Bowie atravessava um período
mágico em sua carreira e trágico em sua vida pessoal.
O sucesso da música "Fame", parceria com John
Lennon e Carlos Alomar e do disco Young Americans
tinha dado o sucesso na América e jogado sua carreira para
uma dimensão muito maior do que ele imaginava. Mas Bowie
viva um período turbulento na rotina de Los Angeles, cercado
de festas, badalações e muita cocaína. Fisicamente,
estava mais magro e abatido do que nunca, com as sobrancelhas
raspadas e vivendo de sua "dieta branca" - leite e cocaína.
E, mesmo assim, era o único que se lembrava de seu velho
ídolo e amigo e o queria ajudar a retornar aos palcos.
Os dois então resolveram
entrar em um estúdio furreca, o Oz, e gravaram algumas
canções, com Bowie produzindo e tocando quase todos
os instrumentos. Dessa parceria nasceram "Turn Blue",
"Moving On", "Sell Your Love" e "Drink
To Me".
Livre da clínica,
no meio do ano, Iggy resolveu que era hora de fugir da loucura
de Los Angeles e procurar abrigo em uma cidade mais calma, e queria
ir para San Diego. "Eu decidi que era hora de cair fora daquela
cidade e da vida rock and roll e recomeçar a fazer música.
Minha idéia indo para San Diego era montar alguma banda
de bar, com alguns amigos e sabia que poderíamos ser os
melhores do mundo em um ano. Mas, ao invés disso, acabei
indo ao encontro de David Bowie."
Iggy
acabou ficando sob os cuidados de seu amigo, que em 1976 começava
a excursionar pelo mundo promovendo o disco Station to
Station, um de seus trabalhos mais polêmicos, devido
ao personagem Thin White Duke, acusado de nazista. Após
visitar David no backstage no Forum, de Los Angeles,
resolveu se integrar a tour de Bowie, como convidado.
Apesar do momento doloroso
que vivia Bowie, Iggy tem grandes lembranças dessa viagem:
"David me ajudou, restaurando minha auto-confiança.
Nos conhecíamos há muito tempo e ele estava muito
preocupado com minha falta de trabalho e fiquei muito feliz de
confiar nele, que é muito leal com seus amigos."
Iggy estava também
impressionado com o ritmo frenético de seu colega: "David
trabalha demais, acordando às oito horas da manhã
e viajando de carro para os shows, pois não gosta de voar.
Quando chegava nas cidades, dava entrevistas, cochilava por meia
hora, fazia o show e ainda conferia quem estava tocado na cidade
para poder ver algum espetáculo. Ele não parava
jamais!"
Mas
a saúde de David estava seriamente abalada com tanta cocaína,
que havia causado uma enorme paranóia. Tentando fugir de
tudo isso, David resolveu se mudar para o Chateau d'Herouville,
perto de Paris.
Uma das idéias de
David era ajudar Iggy a fazer um novo disco. A primeira música
composta seria "Sister Midnight", escrita por Iggy,
David e o guitarrista Carlos Alomar.
Bowie acabou levando todos
para sua casa na Suíça, em Vevey, perto de Montreux
e começou a escrever novas músicas com Iggy: "Tiny
Girls" e "Dum Dum Boys" (em que Iggy traçava
um perfil dos colegas dos Stooges). Aos poucos, o disco começava
a ganhar corpo.
Acabaram voltando nos meses
de junho e julho para o Chateau e gravaram algumas partes das
músicas, mas tiveram que ir para Munique, quando descobriram
que o local já tinha outros clientes agendados para o mês
de agosto.
Bowie queria que Tony Visconti
mixasse o disco de Iggy, mas como ele estava ocupado, chamaram
um engenheiro do estúdio francês, que fez um trabalho
pouco satisfatório. Por isso, resolveram esperar Tony estar
disponível para mixar as músicas no estúdio
Hansa by the Wall, em Berlim, para onde a dupla havia se mudado.
No disco, Bowie havia cuidado das músicas, produzido e
ainda tocado guitarra, sax e teclados, tendo o guitarrista Phil
Palmer feito algumas partes. Curiosamente, não são
conhecidos o baixista e o baterista dessas sessões.
Iggy
era vizinho de prédio de Bowie, em um edifício em
Schönberg e vivia com Esther Friedmann, filha de um diplomata
norte-americano e curtia uma época extremamente feliz e
livre das drogas. Iggy estava muito satisfeito em sua nova vida
na Alemanha, um país que o fascinava desde menino: "eu
sempre quis morar na Alemanha e adorava ler coisas sobre o país.
Berlim é uma cidade com muito verde, ar limpo, ruas lindas,
uma cidade muito agradável."
E foi Bowie quem deu o
passo mais importante para que Iggy voltasse a gravar. Fazendo
valer do seu prestígio dentro da RCA, conseguiu convencer
a gravadora a assinar com Pop. O contrato valeria por três
discos, com opção de renovação, caso
Iggy fosse bem-sucedido.
Assim,
era lançado, em março de 1977, The Idiot,
o primeiro disco-solo de Iggy Pop. Com apenas oito músicas,
o disco chamava atenção, antes de tudo, pela foto
da capa, em branco-e-preto, tirada por David, em Berlim, após
Bowie ficar admirado com uma pintura chamada Roquairol,
de Erich Heckel.
No álbum, a influência
de Bowie se mostra esmagadora. Atuando como produtor, compositor,
ele levou Iggy a um tipo de som estranho, uma música cheia
de sintetizadores e mais depressiva.
O disco causou uma certa
estranheza entre os críticos, que não conseguiam
reconhecer o antigo Iggy. Mas, o álbum virou disco de cabeceira
de futuros astros, como Siouxsie Sioux (que o considera um disco
perfeito) e Ian Curtis.
Bowie tentava fazer com
Iggy o que estava fazendo com seu som: ampliando seu leque sonoro,
utilizando sintetizadores e procurando criar uma música
mais enclausurada, claustrofóbica.
O disco abre com "Sister
Midnight", uma canção que poderia ser considerada
uma prima distante de "The End", dos Doors, por abordar
o tema do incesto. A segunda faixa, "Nightclubbing",
fala da paranóia nuclear e foi regravada depois por Grace
Jones. "Funtime" é um de seus maiores clássicos.
O lado B abre com "China Girl", que seis anos depois
viraria um sucesso enorme nas paradas do mundo no álbum
Let's Dance, na voz de David Bowie. O disco fechava
com três canções estranhas: as já citadas
"Dum Dum Boys" e "Tiny Girls" e assustadora
"Mass Production".
Iggy
estava radiante com o álbum: "é meu disco de
libertação. Pode até não ser fantástico
ou uma obra de arte, mas significa muito para mim."
Comemorando o fato de ter
lançado um grande disco, Iggy resolveu sair em uma excursão
promocional, a primeira vez que pisaria num palco em três
anos.
Iggy
então montou uma banda que consistia nos irmãos
Tony Sales (baixo), Hunt Sales (bateria), Ricky Gardiner (guitarra)
e um tecladista que se recusava a aparecer; nada menos do que
o próprio David Bowie!
A presença de Bowie
acabou causando mais problemas do que alegria para Iggy: como
Bowie se recusava a participar das entrevistas coletivas e até
fez questão de se manter no anonimato nos primeiros shows,
para não tirar o foco de Iggy, acabou causando uma grande
curiosidade. Por que um artista tão famoso e conhecido
pelo seu imenso ego, estava sendo tão generoso com alguém,
afinal?
"Eu
queria que Iggy voltasse a ter os holofotes devidos e por isso
concordei em ajudá-lo em sua volta."
Mas quando David finalmente
quebrou seu silêncio e apareceu no programa de televisão
Dinah!, de Dinah Shore, como músico de Iggy, o
mal já havia sido feito. Maldosamente, Iggy era chamado
de "garoto de David" e havia quem considerasse The
Idiot um novo disco de Bowie, e não de Iggy.
Iggy se sentiu desgastado
com a situação, embora tivesse consciência
de que Bowie queria ajudá-lo e não usá-lo
como uma marionete: "Ele me ajudou demais, cobrindo os custos
iniciais da excursão e me ajudando a montar um show. Foi
um pouco chato quando começou todo falatório por
ele ser apenas o tecladista, mas o que eu poderia fazer? Ele é
uma estrela e quis apenas me ajudar. Não tenho queixas."
Após realizar shows
pelo Japão, Iggy e David tiraram alguns dias de férias
e voltaram para Berlim. Era hora de gravar um novo disco, mas
desta vez levando Tony e Hunt Sales, além de Ricky Gardiner
como membros fixos. Tony e Hunt seriam, no futuro, membros do
Tin Machine, banda engendrada por Bowie, em 1989.
Em 13 dias, Iggy havia
gravado nove músicas que resultariam em um outro grande
disco, também produzido por Bowie: Lust for Life.
Sobre
as gravações, Iggy comenta: "Lust for
Life foi bem mais fácil de ser feito porque algumas
canções já estavam sendo tocadas ao vivo
- casos de 'Turn Blue', 'Tonight' e 'Some Weird Sin' - e o restante
do disco foi escrito em um dia e meio e por isso queria gravá-lo
imediatamente. Nesse disco, trabalhei de forma bastante intensa,
compondo e me sentindo mais livre."
Realmente, a influência
de Bowie foi um pouco menor, e os dois nem chegaram a assinar
todas as composições em parceria. O grande destaque
é a faixa-título, que virou coqueluche nos anos
90 por causa do filme Trainspotting. Mas outras
canções clássicas estão presentes,
como "The Passenger", parceria com Ricky Gardiner e
regravada, em 1987, por Siouxsie and the Banshees; "Tonight",
que Bowie regravou em 1984, divindindo os vocais com Tina Turner;
entre outras.
Iggy
resolveu sair novamente em excursão, mas desta vez sem
David e desfrutou de um enorme culto, especialmente na Inglaterra
e na Holanda, onde "Lust for Life" se alojou entre as
10 mais.
Iggy se sentia revigorado
pelo sucesso obtido e fez 40 apresentações entre
setembro e novembro de 1977, contra 26 shows da turnê de
The Idiot.
Com os guitarristas Scott
Thurston (também tecladista) e Stacey Heydon, além
de Tony e Hunt Sales, Iggy tinha uma banda bem mais azeitada.
Mas Iggy ainda teria algumas
surpresas como o lançamento de Kill City
à sua revelia e feito por James Williamson, em novembro
de 1977, e, principalmente, aprender a caminhar novamente sem
a ajuda de David Bowie e mostrar que era capaz de cuidar de si
novamente. Mas esses dois temas ficam para um outro dia. Um abraço
e até a próxima coluna.
Discografia
The Idiot (1977)
Lust for Life (1977)
Kill City (1977)
TV Eye (1978)
New Values (1979)
Soldier (1980)
Party (1981)
Zombie Birdhouse (1982)
Blah Blah Blah (1986)
Instinct (1988)
Brick by Brick (1990)
American Caesar (1993)
Naughty Little Doggie (1996)
Nude & Rude: The Best of Iggy Pop (1996)
The Best of Iggy Pop... Live (1996)
King Biscuit Flower Hour (1997)
Your Pretty Face Is Going to Hell (Get Back/Original Masters)
Iggy Pop & the Stooges (1998)
Avenue B (1999)
Live (2000)
Milleniun Edition (2000)
Skull Ring (2003)
Ultimate Live (2004)
Platinum & Gold Collection (2004)
Penetration (2005)
The Best of Iggy Pop (2005)
A Million In Prize: The Anthology (2005)
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