A
primeira metade dos anos 80 marca uma virada na vida de Iggy Pop.
Sem gravadora, recebeu um presente inesperado ao ganhar uma grande
bolada de dinheiro com o sucesso de "China Girl", música
sua que havia virado um sucesso na voz de Bowie, presente no disco
Let's Dance. Com dinheiro, fato inédito em sua vida, Iggy
não precisou mais sair correndo para fazer shows para sobreviver.
O período entre 1983 e 1985 serviu para assentar várias
coisas em sua vida e para a produção do disco Blah
Blah Blah, lançado em outubro de 1986 e que solidificaria
sua velha amizade com Bowie, produtor do disco. Seria também
o maior sucesso de vendagem de toda sua carreira. Ao sucesso,
Iggy, ao sucesso...
Rico.
Ou quase isso. O fato é que Iggy ficou felicíssimo
quando "China Girl" virou um megahit na voz de seu amigo
David Bowie, incluída no LP Let's Dance,
que vendeu mais de seis milhões de cópias mundo
afora. A canção havia sido feita para o disco The
Idiot, de 1977 e o dinheiro representou um presente do
destino para Iggy.
E com o reforço
financeiro, Iggy conseguiu, pela primeira vez, não ter
que recorrer a shows relâmpagos para sobreviver. Com isso,
acabou se mudando para um apartamento espaçoso em Manhattan,
mudando-se com sua namorada japonesa Suchi, que havia conhecido
há pouco tempo e com quem se casaria no ano seguinte.
Iggy tentava estabilizar
sua vida, já que seus discos não vendiam, seus shows
eram caóticos e Suchi deu a ele uma vida estável.
Sem usar drogas, os dois dividiam as tarefas domésticas,
recolhendo o lixo, cozinhando e pagando contas. O cantor sonhava
também formar um lar por um outro motivo: ela havia tido
um filho, de nome Eric, com uma antiga namorada, Paulette Benson,
em 1970, e ela havia pedido para que ele ajudasse a acalmar os
ânimos do garoto, que andava muito arredio.
Com
o dinheiro, Iggy resolveu que era hora de tomar conta da situação
e ser um pai presente, coisa que jamais havia sido. Em uma entrevista
à Nick Kent, da revista The Face, anos depois,
Iggy declarou: "ele vive atualmente na Filadélfia
e tem seu apartamento. Está estudando para ser contador,
porque deseja saber como pode ganhar muito dinheiro. E fico feliz
por poder dar um suporte financeiro a Eric pela primeira vez.
E mais do que tudo quero que ele tenha em mim alguém em
quem possa confiar e ser um pai com quem possa se comunicar. Me
sinto muito feliz com isso."
Porém,
antes de se mudar para Nova York, ele havia passado por Los Angeles
para se desintoxicar mais uma vez. Foi lá que ele resolveu
acabar de uma vez com o caos reinante em sua vida. Assim que deixou
o tratamento, Iggy acabou sendo convidado para fazer uma canção
para a trilha-sonora do filme Repo Man, junto
com Steve Jones, ex-guitarrista dos Sex Pistols e que também
estava internado em sua luta contra as drogas e o álcool.
Os dois assinaram a faixa-título da produção.
O final do ano de 1983
foi passado em grande estilo. Iggy e Suchi foram convidados por
Bowie para passar umas férias em Bali. Juntos, os dois
amigos sentaram e escreveram "Tumble and Twirl", resultado
que deixou Bowie particularmente satisfeito a ponto de convidar
Iggy para participar do novo disco que gravaria no primeiro semestre
de 1984.
Quando
Tonight foi lançado em 1984, o disco trazia
nada menos do que cinco composições de Iggy: "Neighbourhood
Threat" e "Tonight", de Lust for Life;
"Don't Look Down", de New Values, além
de "Tumble and Twirl" e "Dancing With The Boys",
ao lado de Bowie e do guitarrista Carlos Alomar.
O disco foi um imenso fiasco
na carreira de David Bowie, mas serviu para mostrar a Iggy que
ele ainda poderia tocar sua vida.
Animado,
começou a pensar em expandir seu campo de atuação
e decidiu voltar à pintura, o que não fazia desde
os tempos de Berlim, com o amigo Bowie, em 1977 e sonhava em começar
uma carreira como ator.
E até que conseguiu
algumas pequenas pontas interessantes, particularmente em dois
filmes que só estreariam em 1986, embora tenham sido filmados
entre 1984 e 1985: o primeiro foi no premiadíssimo A
Cor do Dinheiro, filme de Martin Scorsese, que contava
com Paul Newman (que ganhou um Oscar de ator coadjuvante) e Tom
Cruise. Iggy viveu um jogador que enfrentou o personagem vivido
por Cruise (um às no jogo de bilhar) em uma cena.
O
outro filme era bem mais a praia do cantor: Sid &
Nancy contava a história de amor e ódio
vivida pelo baixista Sid Vicious, do Sex Pistols, e sua namorada
Nancy Spungen, que morreu assassinada em um hotel de Nova York,
fato que levou Sid à prisão, embora tenha sido solto,
por falta de provas. Sid morreria pouco tempo depois, no dia 2
de fevereiro de 1979, com apenas 21 anos. Iggy vivia um cara todo
certinho que chegava ao Chelsea Hotel no mesmo momento em que
o casal destrutivo adentrava o estabelecimento. Em nenhuma delas,
participou cantando.
Iggy ainda participou de
um episódio do seriado brega Miami Vice,
mas sua ponta foi cortada na edição final.
De bem com a vida e com
um dinheiro guardado, resolveu investir US$40 mil para começar
as gravações de um novo disco. Acabou convidando
novamente Steve Jones para ser o co-autor de novas canções.
Os dois juntos alugaram uma casa em Los Angeles, em junho de 1985,
e trabalharam com afinco em novas composições. Ao
final de quatro meses e com uma demo gravada em um estúdio
caseiro de oito canais (cortesia de um amigo suíço),
gravaram 11 canções, incluindo uma cover de "Purple
Haze", de Jimi Hendrix e "Family Affair" de Sly
and the Family Stone.
Em
outubro, Iggy voou até Nova York para visitar David Bowie,
que trabalhava na trilha-sonora do filme Labirinto.
Iggy estava animado e queria mostrar sua demo ao amigo, que não
queria ouvir, à princípio, pois estava ocupado com
suas próprias composições. Iggy conta que
David ficou ressabiado no início, mas ao ouvir as novas
canções ficou de queixo caído e praticamente
se convidou para produzir o novo disco de Iggy, em Montreaux,
perto de sua residência na Suíça.
Iggy não queria
David como produtor, mas acabou aceitando o convite e juntos escreveram
novas canções no Natal daquele ano, no Caribe e
durante os meses de janeiro e março de 1986, na Suíça.
Iggy ainda passaria um tempo sozinho em Nova York para produzir
as letras.
Bowie havia montado um
time especial de músicos para as gravações.
Steve Jones estava escalado para a missão, mas teve que
recusar o convite, pois estava ocupado no disco-solo do ex-guitarrista
do Duran Duran, Andy Taylor. Sendo assim, Bowie convidou o multi-instrumentista
turco Erdal Kizilcay, o guitarrista inglês Kevin Armstrong
(que havia tocado com ele no Live Aid) e David Richards, engenheiro
de som do Queen. Esse pequeno grupo ficou durante meses caçando
o melhor timbre para o som da bateria, chegando ao ponto de pedir
emprestado alguns chips de bateria de Roger Taylor, do
próprio Queen. Além disso, apuraram os ouvidos ouvindo
os novos lançamentos do PiL, Prince e Bruce Springsteen.
Quando
o disco já estava praticamente pronto, Iggy saiu atrás
de uma gravadora com as fitas e acabou fechando com a A&M.
Iggy relata, quase rindo, que teve que colocar um terno, pentear
seu cabelo e tratar diretamente com diretores de maneira totalmente
"profissional". Quando Jerry Moss (o "M" da
A&M) deu o ok para o disco, Iggy estava exultante: "eu
sou um sobrevivente de todos os excessos, mas acima de tudo estou
muito feliz com o meu atual trabalho. Preciso passar do estágio
de ser um 'sujeito pevertido' para alguém que pode oferecer
mais ao público do que a simples imagem de um fanático
por sexo e drogas, que tanto prejudicou minha vida."
Quando
Blah Blah Blah foi lançado em outubro
de 1986, Iggy atravessava um grande momento. A primeira diferença
veio na capa do disco: com um visual simples, de cara limpa, longe
das drogas, Iggy aparentava uma saúde inédita nos
seus quase 40 anos de vida. Na verdade, nunca Iggy havia estado
tão saudável fisicamente e tão bem disposto,
embora ostentasse um visual conservador demais para alguém
tão "pevertido".
Outra grande mudança
foi na voz. Pela primeira vez, o poder vocal de Iggy se mostrava
em toda sua plenitude, com grande poder de interpretação.
O resultado foi um estrondoso sucesso nas paradas. Rapidamente,
o disco vendeu mais de 300 mil cópias e, em pouco tempo,
venderia mais do que todo o catálogo anterior do cantor,
desde os tempos dos Stooges.
Iggy havia criado grandes
canções como "Cry for Love", o primeiro
compacto, feito ainda com Steve Jones e "Shades". Outro
grande sucesso veio com "Real Wild Child", composta
por Buddy Holly e que chegou ao 11º lugar nas paradas britânicas,
o primeiro grande sucesso de Iggy em quase 20 anos de carreira.
O
disco recebeu excelentes críticas pelo mundo inteiro e
Iggy começaria uma imensa turnê em 1986, que continuaria
em 1987, tendo os Pretenders, nos Estados Unidos, e continuando
sozinho, depois, por Japão e Europa.
Iggy havia escolhido apenas
músicos britânicos para a missão, pois os
considerava os únicos que sabiam lidar com seu pique em
cima de um palco. No ano de 1986, o grupo era constituído
por Kevin Armstrong (guitarra); Shamus Beghan (guitarra e teclado);
Phil Butcher (baixo) e Gavin Harrison. Apenas Gavin não
estaria no time de 1987, sendo substituído por Andy Anderson.
Iggy terminaria o glorioso
ano de 1987 trabalhando com o músico japonês Ryuichi
Sakamoto, "Risky". Dez anos depois de ter iniciado sua
carreira-solo, Iggy teria que deixar novamente a ajuda de Bowie
e seguir sozinho seu destino. Só que desta vez, Iggy estaria
muito mais atento, livre das drogas e disposto a não cometer
mais erros...
Deixo vocês com a
discografia do cantor. Um abraço e até a próxima
coluna.
Discografia
The Idiot (1977)
Lust for Life (1977)
Kill City (1977)
TV Eye (1978)
New Values (1979)
Soldier (1980)
Party (1981)
Zombie Birdhouse (1982)
Blah Blah Blah (1986)
Instinct (1988)
Brick by Brick (1990)
American Caesar (1993)
Naughty Little Doggie (1996)
Nude & Rude: The Best of Iggy Pop (1996)
The Best of Iggy Pop... Live (1996)
King Biscuit Flower Hour (1997)
Your Pretty Face Is Going to Hell (Get Back/Original Masters)
Iggy Pop & the Stooges (1998)
Avenue B (1999)
Live (2000)
Milleniun Edition (2000)
Skull Ring (2003)
Ultimate Live (2004)
Platinum & Gold Collection (2004)
Penetration (2005)
The Best of Iggy Pop (2005)
A Million In Prize: The Anthology (2005)
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