041 – Manhattan – Woody Allen

Este foi um dos melhores filmes da longa e grande carreira de Woody Allen. Laureado com Oscars em Annie Hall, Allen sempre foi um cineasta que conseguiu fazer filmes absolutamente perfeitos, utilizando a comédia e filosofia, juntos. A trilha sonora não deixa o filme na mão. Conduzindo a Filarmônica de New York, o maestro indiano Zubin Metha fez um painel de polaroids com as músicas do inesquecível compositor George Gershwin. Depois de adquirido o CD, ele figura entre os meus favoritos, assim como toda a obra de Woody.


O que afinal estaria fazendo um filme de Woody Allen numa coluna de rock? Já sei, ele é apaixonado por rock e colocou os maiores clássicos em um CD! Não, não, o cineasta só curte jazz e dos velhos, anos 20, 30 e 40, o som mais chegado para New Orleans, o Dixieland.

O motivo de incluir uma trilha sonora de um filme se explica pela beleza do disco e pela genialidade do cineasta. Em 1997, eu havia encomendado via internet dois filmes que sempre sonhava em ver, mas que não tinham sido lançados no Brasil em vídeo: Annie Hall e Manhattan. Me recordo que voltava do cinema, de madrugada, quando recebi a caixa com os dois filmes. Meu primeiro instinto foi de pular pelo apartamento todo. A segunda foi de medo: conseguiria ver um filme de Woody Allen sem legendas? Meu inglês seria suficiente para isso, ou perderia metade das piadas do filme? Bom, eu arrisquei e fiz o que tinha que fazer, assistir. Mas com qual começar? Preferi Manhattan.

Rodado em branco e preto, começa com Woody discursando para fazer um texto ao filme. A história se inicia em um bar qualquer com ele, já bêbado, falando com sua namorada, a então novata Mariel Hemingway (que pela primeira vez fazia um papel de destaque em uma grande produção), e com o casal formado por Michael Murphy e Anne Byrne.

Quem conhece o cineasta sabe de sua predileção pela cidade. Manhattan nada mais é do que uma declaração de amor à cidade mais badalada do mundo e uma obra-prima sobre a vida cotidiana das pessoas. Uma das grandes características do filme do cineasta são as simplicidades das situações. São histórias, tão comuns, poderiam ser interpretadas como se fosse as nossas. Woody vive um homem de meia-idade que tem um caso com uma garota (Mariel Hemingway) e divide a cena com o casal amigo, Uma curiosidade: Anne Byrne era conhecida como senhora Dustin Hoffman, pois era casada com o ator na época e abandonou a carreira de atriz um ano depois, curiosamente, logo após o divórcio.

Apesar de ser um eterno infeliz na vida e no amor, segue uma vida absolutamente trivial, até que o personagem de Michael Murphy conta que tem um caso. A mulher era Diane Keaton e quem conhece Woody sabe que ele iria se apaixonar pela personagem de Keaton e viver um drama entre escolher a jovem, bonita e apaixonada e a insegura, neurótica e chata Diane. Para melhorar ainda mais, Isaac (personagem do cineasta) tem sua vida atormentada pela ex-mulher Connie, uma lésbica assumida e que está escrevendo um livro sobre a vida íntima do casal, contando todos os podres, para desespero de Isaac. O medo de ter sua vida aberta às pessoas sempre foi uma das características e funciona como uma ironia, já que anos mais tarde teria sua vida virada do avesso quando Mia Farrow o acusou de pedofilia.


Rodado todo em preto-e-branco, é um primor de fotografia, direção, roteiro e interpretação. O cineasta atravessava então seu maior período comercial e conseguia filmar um clássico em cima de outro.

O filme concorreu a dois Oscars na época: melhor roteiro para Woody Allen e Marshall Brickman e atriz coadjuvante para Mariel Hemingway. Ironicamente, o diretor disse que esse filme não é nem um pouco auto-biográfico, embora todos jurem que é. “Talvez seja a história de Marshall, mas não a minha”, o que obviamente, não é verdade. Woody Allen é assim e é ótimo que seja!

Fiquei assistindo até duas da manhã e feliz por ter entendido 90% dos diálogos. E um dor trunfos é sua trilha sonora. Allen sempre teve uma grande preocupação com as músicas e sempre preferiu usar clássicos dos anos 30 e 40 do jazz, marca registrada até os dias de hoje. O mais importante de tudo é prestar a atenção em como a música vai seguindo no filme, já que ter uma trilha com George Gershwin não é privilégio de qualquer um.

O disco começa com “Rhapsody in Blue”, uma ode com 16 minutos que começa de maneira mansa e vai ganhando forma, enquanto ele vai montando um prólogo. Ouvindo a narração de Woody, com a música de pano de fundo, é maravilhoso. Ela te transporta para dentro daquele universo.

Seguem-se outras 17 sketches variando entre 3 minutos e algumas com poucos segundos. Metha conseguiu com maestria conduzir “Someone to Watch Over Me” (a minha preferida do repertório de Gershwin), por mais de 3 minutos, assim como toda as outras canções. O resultado acaba sendo um disco é tão prazeroso quanto o filme.

É uma surpresa que ele tenha feito um disco musicado em apenas um compositor, já que na maioria das vezes, ele utiliza as antigas bandas de Dixieland nas trilhas sonoras.

O filme também pode ser considerado uma divisão na sua carreira, já que a seguir fez outros inspirados em Ingmar Bergman, onde apenas dirige, sem ter participação como ator.

Manhattan é para ser visto e ouvido de madrugada, naquele dia em que você está com um pouco de insônia, com a cabeça leve e em paz. Uma de seus trunfos foi a maneira que conseguiu criar um estereótipo: neurótico, nervoso, agitado, sempre em conflito com a religião. Marcou tanto no cinema, que até no filme Formiguinhas, em que ele fez a voz de Z, o diretor se inspirou nele para fazer um personagem frágil, fisicamente e psicologicamente, e niilista.

Assistir Woody Allen é sempre um grande prazer, mas ouvir os cds (ou antigos vinis) da trila sonora igualmente são. Em todos filmes o jazz é a música de fundo. Não consigo me esquecer de Simplesmente Alice, filme em que não atuou. Em uma cena que Mia Farrow transa com Joe Mantegna, ao fundo, se ouve Thelonious Monk tocando “Darn That Dream”. Woody mostre então a capa do disco Monk’s Dream. Acreditando que a música estivesse naquele LP, comprei. Só que não estava, e sim em Monk Solo. Um pequeno erro histórico de Allen.

Paro por aqui. Não sei mais o que falar, essa foi a coluna mais confusa que já fiz, mas tentei passar o clima do filme e do disco. Se consegui, não sei. Quando receber e-mails (se receber), comento na próxima coluna. Um abraço!